domingo, 22 de novembro de 2015

Samarco
Simanca

A França falhou

No rescaldo dos atentados de janeiro em Paris passei dois dias sem poder desligar, diante dos canais de notícias. No rescaldo dos atentados de 13 de novembro, quase não liguei a televisão; contentei-me em ligar para as pessoas que conhecia nos bairros atingidos (e que era um monte de gente). Você se acostuma aos atentados.

Em 1986, uma série de explosões ocorreu em Paris, em diferentes locais públicos (foi o Hezbollah libanês, acredito, o responsável). Houve uns quatro ou cinco atentados, num período de alguns dias, talvez por uma semana. Não me recordo exatamente. Mas o que me lembro perfeitamente é da atmosfera no metrô, naquela primeira semana. O silêncio dentro dos carros era total; e os olhares dos passageiros se cruzavam carregados de desconfiança.


Era a primeira semana. E então, logo depois, as conversas foram retomadas, o clima voltou ao normal. A perspectiva de outra iminente explosão ainda estava lá, na mente de todos; mas havia passado a um segundo plano. Você se acostuma aos atentados.

A França vai se segurar. O francês vai se segurar, sem mesmo precisar de um heroísmo particular, sem mesmo ter a necessidade de uma “reação nacional”. Eles vão se segurar porque não há outra maneira de fazer, e porque você se acostuma a tudo. E porque nenhuma força humana, nem mesmo o medo, é mais forte do que o hábito.

‘Descrédito que atinge partidos políticos na França não só é massivo: é legítimo’
“Mantenha a calma e siga em frente”. Tudo bem, é o que vamos fazer (mesmo que estejamos bem distantes, infelizmente, de ter um Churchill para nos conduzir). Ao contrário da crença difundida, os franceses são bastante dóceis, bastante fáceis de governar. Mas igualmente eles não são completos idiotas. Sua principal falha reside muito numa espécie de frivolidade negligente que torna necessário, periodicamente, refrescar-lhes a memória. A situação desafortunada na qual nos encontramos tem responsáveis, e responsáveis políticos; e estas responsabilidades políticas haverão de ser, cedo ou tarde, analisadas. É pouco provável que o insignificante oportunista que detém o cargo de chefe de Estado ou o débil mental congênito que faz as vezes de primeiro-ministro, ou mesmo os “tenores da oposição” reapareçam fortalecidos desta análise.

Quem, exatamente, diminuiu os efetivos das forças policiais, até que estivessem completamente no limite, e quase incapazes de cumprir sua missão? Quem, exatamente, martelou ao longo dos anos que as fronteiras eram um absurdo antiquado, símbolo de um nacionalismo rançoso e nauseante?

As responsabilidades, como se pode ver, são largamente compartilhadas.

Quais responsáveis políticos engajaram a França nas operações absurdas e dispendiosas cujo principal resultado foi mergulhar no caos o Iraque, em seguida a Líbia? E quais responsáveis políticos se preparavam, há bem pouco tempo, para fazer a mesma coisa na Síria?

(Estava esquecendo, é verdade que nós não fomos ao Iraque; não pela segunda vez. Mas foi por pouco, e parece certo que Dominique de Villepin, então ministro das Relações Exteriores, entrará para a História unicamente por isso — o que não é nada — por ter impedido que a França por uma vez, por somente e uma única vez em sua História recente, não participasse de uma operação criminosa que também foi uma estupidez).

A conclusão que se impõe é, desgraçadamente, severa: nossos sucessivos governos após dez (20? 30?) anos, lamentavelmente, sistematicamente, categoricamente falharam na sua missão essencial: proteger a população sob sua responsabilidade.

A população, ela não falhou. No fundo, não sabemos exatamente o que ela pensa, os governos sucessivos têm tomado muito cuidado com referendos (com exceção de um, em 2005, sobre uma proposta de Constituição Europeia, cujo resultado preferiram ignorar). Mas pesquisas de opinião são permitidas e, no que elas são valorosas, revelam mais ou menos as seguintes coisas. A população francesa sempre manteve sua confiança e sua solidariedade acerca de seus policiais e suas Forças Armadas. E tem amplamente recebido com desgosto a pregação da “moral de esquerda” (moral?) sobre o acolhimento de refugiados e de imigrantes. E ela jamais viu sem suspeição as aventuras militares no exterior que os governos julgaram boas de se associar.

Poderíamos multiplicar os exemplos de divergências, que se tornaram abissais, entre a população e aqueles que supostamente a representam. O descrédito que atinge atualmente, na França, a todos os partidos políticos não só é massivo: é legítimo. E me parece, parece-me bem que a única solução que nos resta é ir suavemente para a única forma de democracia real: que entendo, rumo à democracia direta.
Michel Houellebecq

Um final de semana de inferno astral para Lula, Dilma & Cia

Apesar de o noticiário ainda continuar dominado pelos atos terroristas em Paris e pelo desastre ambiental do Rio Doce, algumas reportagens políticas chamaram atenção neste final de semana, deixando cada vez mais claro que a espantosa corrupção na Petrobras envolveu diretamente o então presidente Lula da Silva, sua sucessora Dilma Rousseff e o executivo petista Sérgio Gabrielli, que presidiu a Petrobras na época em que as propinas se institucionalizaram, com cobrança de percentual fixo para o PT e outros partidos da base aliada.

O Estadão deu show, ao publicar uma impressionante entrevista com Thales Rodrigues de Miranda, ex-coordenador jurídico da Petrobras, que participou das negociações para a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Miranda se recusou a assinar um parecer favorável à compra da unidade de refino no Texas, que se encontrava em péssimo estado de manutenção e chegou a ser apelidada de “Ruivinha” pelos engenheiros da Petrobras, devido à ferrugem em atinge suas instalações.

O advogado, que entrou na Braspetro por concurso, afirmou que houve “orientação do Rio” – em referência à sede da estatal – para fossem aceitas as polêmicas cláusulas do contrato e omitidas as informações aos membros do Conselho de Administração.

Outra matéria do Estadão revela que o ministro Vital do Rêgo, do Tribunal de Contas da União, determinou que a área técnica do tribunal reavalie a responsabilidade da presidente Dilma Rousseff e de demais ex-integrantes do Conselho de Administração da Petrobras, na compra da refinaria de Pasadena. O ministro também requereu que se analise eventual culpa de representantes da Astra Oil, antiga sócia da estatal brasileira no negócio.

Um comunicado sobre os novos passos da investigação será feito por Vital aos demais ministros da corte de contas em sessão marcada para esta quarta-feira. Vital, que é relator dos processos que apuram dano ao erário na compra da refinaria americana, mandou juntar ao processo a íntegra da delação de Agosthilde Monaco de Carvalho, engenheiro da Petrobras, que trabalhava na Área Internacional

Carvalho disse que, em 20 anos de empresa, nunca tinha visto o Conselho de Administração ser convocado para aprovar uma decisão da diretoria no dia seguinte, como ocorreu com a aquisição da refinaria do Texas. No depoimento, o braço direito de Nestor Cerveró disse que só com a ordem de “alguém de muito poder na Petrobras” poderia haver uma convocação expressa do Conselho de Administração, sem questionamento.

Na Veja, uma instigante reportagem de Daniel Pereira, Robson Bonin e Hugo Marques revela que a Diretoria Internacional, na gestão de Nestor Cerveró, foi transformada pelo então presidente Sérgio Gabrielli num órgão arrecadador de recursos para as campanha políticas do PT, com destaque para a campanha de Lula à reeleição, em 2006.

Uma das negociatas foi a exploração de poços secos em Angola. A Petrobras pagou US$ 300 milhões e Cerveró disse ter ouvido de Manuel Domingos Vicente – então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, a estatal angolana do petróleo – que até 50 milhões de reais oriundos de propinas produzidas pelo negócio foram mandados de volta ao Brasil para irrigar os cofres da campanha de Lula.

Segundo Cerveró, a negociação foi conduzida pelas cúpulas dos dois governos. O delator apontou como negociador do lado brasileiro o então ministro Antonio Palocci, da Fazenda, que era membro do Conselho de Administração da Petrobras. A empresa perfurou poços secos e teve gigantesco prejuízo com a operação em Angola, mas, como explicou Cerveró, isso pouco importou, pois o objetivo era cozinhar os números e deles arrancar propinas para financiar a campanha presidencial de Lula.

Bem, com tanta notícia ruim, pode-se dizer que foi mais um fim de semana de inferno astral para Lula, Dilma & Cia., que inutilmente lutam para ganhar tempo e se preservar no poder, sem perceberem que o tempo conspira contra eles.

O Estado brasileiro e o acidente em Mariana

A sociedade brasileira ainda acompanha perplexa e penalizada os acidentes com as barragens de rejeito rompidas no município mineiro de Mariana (a primeira Capital do Estado de Minas Gerais) e suas terríveis conseqüências na bacia hidrográfica do Rio Doce. Por conta da dimensão dos prejuízos, o noticiário nacional e mundial tem dado grande destaque ao tema. Por ele, ficamos sabendo que existem mais de trezentas barragens de características semelhantes só no Estado de Minas Gerais e outras tantas no resto do país. Ficamos sabendo, também, que existem apenas quatro funcionários especializados no órgão competente (o DNPM – Departamento Nacional da Produção Mineral) para monitorar o desempenho dessas estruturas e atestar-lhes a higidez. Essa é uma missão impossível para tão pouca gente especializada, mesmo considerado o regime de rodízio com que o trabalho parece ser desenvolvido.

As deficiências na estrutura técnica e administrativa do Estado brasileiro não se concentram apenas no licenciamento e fiscalização das barragens de rejeito, embora essa tenha sido a surpresa do momento. O brasileiro comum sabe, por experiência própria, que as coisas também não marcham adequadamente em outros serviços importantes, principalmente nos da saúde, da educação e da segurança, que lhe afetam mais diretamente a vida cotidiana. Parece muito difícil entender essa situação, quando as mesmas notícias da imprensa apontam a existência de quase quatro milhões de funcionários no serviço público brasileiro e que, apenas no período de 2003 a 2012, o governo federal teria contratado quase 180 mil novos trabalhadores. As mesmas fontes da mídia diária mostram que, se somados os funcionários públicos estaduais (quase quatro milhões) e os municipais (perto de sete milhões), o corpo do pessoal à disposição dos governos alcança mais de 7% da população brasileira total.


Mesmo num exame mais ligeiro, fica mais ou menos evidente a possibilidade de que exista um desequilíbrio importante na distribuição e alocação desse grande efetivo de pessoal. Se essa for a realidade, precisamos racionalizar isso com urgência. Não tem cabimento a falta de técnicos especializados para fiscalizar a segurança das barragens e de outras obras de engenharia, enquanto existir excesso de efetivo (ainda que com perfil distinto) em outras áreas da administração. A importância de um exame acurado desse assunto fica mais potencializada, ainda, no quadro geral da crise econômica em curso. Atenção administração: mãos à obra. Vamos confirmar a existência desse eventual desequilíbrio funcional e, caso verdadeiro, ajustar os meios e os contingentes de funcionários, de acordo com as grandes prioridades nacionais. Não podem faltar técnicos, equipamentos e outros meios para o licenciamento adequado e para o monitoramento eficaz das barragens de rejeitos.

Por oportuno, não gostaria de deixar sem comentar o fato de que considero o Rio Doce um presente valioso dado ao país e à natureza, proveniente das entranhas de Minas Gerais, estado onde ocorre a gênese da maior parte das suas vazões, antes que elas alcancem o Espírito Santo e, finalmente, o oceano. Registrei isso apenas para situar a circunstância de que, quando esse mesmo presente transforma-se, por iniqüidade ou displicência, em castigo desastroso, a organização eficiente das mitigações e do seu custeio competem, também e principalmente, à administração federal e a toda a nação.

Rubens Menin

Negociar com terroristas

Deve estar bem presente na lembrança de todos a espantosa declaração da presidente Dilma na Assembleia da ONU, em 23 de setembro do ano passado, recomendando "diálogo, acordo e intermediação" para resolver o terrorismo do EI. Na véspera, os Estados Unidos haviam bombardeado posições dos terroristas e nossa mandatária lamentou "enormemente" a conduta. Perguntei então: como negociar com aqueles degenerados? Quem iria levar um papo com eles? A própria presidente? O Marco Aurélio Garcia? Nesse tipo de encontro, o negociador entra com o pescoço e o EI com a faca. O negociador com a mulher e o EI com o estuprador.

Percebeu-se, então, a coerência entre aquelas declarações e os seguintes fatos: a) a criação do Foro de São Paulo, por Lula e Fidel, com a presença das FARC e as estreitas relações entre o PT e a narcoguerrilha colombiana, conforme insistentemente denunciado por Olavo de Carvalho; b) a acusação feita por Lula ao presidente Álvaro Uribe, em 2002, de praticar "terrorismo de estado" contra as FARC; c) a posterior recusa de Lula, já presidente, ao pedido colombiano, para que o Brasil reconhecesse as FARC como organização terrorista; d) as posições do governo petista, sempre alinhadas com as posições do grupo terrorista Hamas; e) o apoio às pretensões atômicas do iraniano Ahmadinejad, malgrado sua declarada intenção de destruir Israel.


Lembremos, também, que vários de nossos atuais governantes participaram de ações terroristas durante a luta armada nos anos 60 e 70. Sequestravam personalidades e aeronaves, explodiam bombas, rugiam ameaças. Não estaria aí a causa principal da indulgência do nosso governo para com esse tipo de ação política? Além disso, as forças dirigentes da política externa brasileira jamais expressaram às nações democráticas qualquer sentimento de proximidade e parceria semelhante ao que cultivam com as ditaduras comunistas e com os tiranetes da Ibero-América.

Enfim, ninguém se ofereceu, em 2014, para um tête-a-tête com o "califa" Abu Bakr Al-Baghdadi. Agora, diante dos atentados de Paris, com os estragos produzidos pelo EI e outros grupos jihadistas jogando milhões de refugiados sobre a Europa, pergunto: a presidente mudou o tom? Muito pouco. Dilma ficou "consternada", expressou "solidariedade ao povo e ao governo francês", chamou os terroristas de "covardes" e disse, textualmente que - "os atos cometidos em Paris devem ser combatidos sem trégua". Isso é combate ao terrorismo? Não. Isso é combate a alguns terroristas na França.
Percival Puggina

Jihadismo petista

Palco para o ex Lula repetir o papel de vítima que desempenha cada vez com maior desenvoltura, a abertura do 3º Congresso Nacional da Juventude Petista foi uma ode à desfaçatez. Na plateia, gritos de “Fora Levy” e “Fora Cunha” competiam com o falso didatismo de Lula, que tentava insuflar a galera contra a oposição e a mídia. Na lateral do ginásio brasiliense, um painel gigante “Heróis do povo brasileiro” com os rostos de José Dirceu, João Paulo Cunha, José Genoino, Delúbio Soares e João Vaccari Neto não deixava dúvidas quanto à moral da turma.

Lula, que tem se dedicado a tentar safar a si e aos seus – não mais aos amigos, mas a família - agrediu com as obviedades de sempre e se superou.

Desfiou a ladainha da perseguição da oposição, da direita, da mídia e de setores da sociedade que estariam usando todas as suas forças para destruir o PT. Convocou os jovens petistas a levantar a cabeça, mas “sem arrogância” – algo como faça o que eu digo, mas não o que eu faço – para impedir que eles (como sempre sem nominar quem é a tal entidade “eles”) destruam o governo e o partido.

Sem ter como explicar a roubalheira de gente que frequenta a sua intimidade, arguiu se o dinheiro do PSDB vinha da sacristia.

Certa altura, para tentar conter os que cobravam a ruptura com o PMDB de Eduardo Cunha e com o liberalismo do ministro da Fazenda Joaquim Levy, disparou um libelo em prol do partido único: “o ideal de um partido é que ele pudesse ganhar a Presidência da República, 27 governadores, 81 senadores e 513 deputados sem se aliar a ninguém”. Agregou uma adversativa que piora, em muito, os conceitos nefastos que ensinava para a juventude. “Mas, muitas vezes, temos que aceitar o resultado e construir a governabilidade.”

Sem tirar nem por esse é o verdadeiro projeto do PT, expresso sem qualquer constrangimento pelo líder maior da legenda. É essa a democracia em que o PT de Lula crê. Ter tudo. Dominar todos os espaços. E só abrir para uns e outros – “aceitar os resultados” - quando não tiver saída.

Na prática, como ficou provado no julgamento do Mensalão, o PT decidiu comprar em vez de construir a governabilidade. E multiplicar seus esquemas de financiamento – a Operação Lava-Jato não deixa qualquer dúvida – para se perpetuar no poder. Imaginava assim, livrar-se do trabalho do “muitas vezes”.

Não há novidade nisso. Desde que se viram flagrados na roubalheira, petistas tentam inverter a lógica, não raro a história.

Assim como no painel que a juventude já não tão jovem do PT expôs, criminosos condenados são heróis do povo brasileiro, larápios de dinheiro público são apenas malfeitores que existem em todos os cantos, em todos os partidos.

E as dezenas de denúncias e condenações que pesam sobre o PT não passam de uma gigantesca armação de gente da elite, talvez da CIA. Os “eles” mancomunados, que passam os dias e as noites armando contra o PT para excluí-lo.

Ironia deixada de lado, é gravíssima a inversão moral da pregação de Lula e sua turma.

É angustiante ver jovens defendendo ou mesmo achando natural lançar loas a José Dirceu, condenado pelo Mensalão e preso pela Lava-Jato, e a outros petistas de primeira grandeza também pegos embocados na botija. Que líderes com a capacidade de convencimento de Lula insistam em incutir neles valores tão obscenos.

Aliando-se ao presidente da Câmara para que ele não inicie o processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, na cumplicidade bandida de comparsas no Parlamento e na nata do empresariado, elite que muito lucrou e ainda lucra com o esquema petista, Lula e seu partido exacerbam no modus operandi.

Acham que podem contar com a ignorância da maioria, a cegueira de uns e o fundamentalismo de outros. E prosseguem atentando contra o país.

Em 48 horas, tudo mudou

Os ventos mudaram. Mais do que tempestades, prenunciam-se ciclones. No caso, abalando as colunas do palácio do Planalto e da Câmara dos Deputados. De repente, tornou-se outra vez uma possibilidade o impeachment da presidente Dilma. Raios e trovões adensam-se novamente sobre a Praça dos Três Poderes, depois de conhecido o teor da delação premiada feita ao Ministério Público por um ex-funcionário da Petrobrás, auxiliar de Nestor Cerveró, ex-diretor de assuntos internacionais da empresa, condenado e preso meses atrás como envolvido na escandalosa compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. O prejuízo foi de 800 milhões de dólares, e segundo a delação, Madame sabia de tudo, pois presidia o Conselho de Administração da Petrobrás durante a venda, que autorizou. A acusação acaba de ser lida no plenário do Tribunal de Contas da União e servirá para alimentar o pedido de afastamento de Dilma, a tramitar no Congresso.

Junte-se a essa explosiva situação a não menos pior sorte do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a um passo de ser catapultado de suas funções por decisão do Supremo Tribunal Federal. Seu último ato poderia ser, como vingança, a aceitação do pedido de impeachment.

Em 48 horas, tudo mudou. Parece desfeito o acordo entre Dilma e Cunha para um salvar o mandato do outro, já que a natureza das coisas prevaleceu na dinâmica política. À lambança conduzida pelo presidente da Câmara para impedir a sessão do Conselho de Ética, quinta-feira, juntou-se, na sexta, a nova denúncia contra a presidente da República, no TCU.

A impressão é de que a chefe do governo acaba de perder o que lhe restava de sólida base parlamentar, assim como ao representante fluminense começa a faltar número suficiente de deputados para respaldá-lo.

Estivesse o país vivendo dias normais e dificilmente chegaríamos a esse ponto de ebulição, mas como evitá-lo em plena crise, com o desemprego se multiplicando, a inflação chegando aos dois dígitos, os impostos crescendo, os direitos trabalhistas sendo reduzidos e a corrupção campeando?

Registra-se à vista de todos a rejeição da sociedade às instituições encarregadas de conduzi-la. Ninguém acredita mais em partidos políticos, em governos e mesmo em associações civis. O ensino e a saúde viram-se criminosamente contingenciados no orçamento, os serviços públicos permanecem em queda livre, até a natureza nos castiga. Por que salvar Dilma e Cunha, mesmo diante da evidência de não serem os únicos responsáveis pelo caos?

O luto é só para alguns mortos

O jornalista Habib Battah, editor do sítio Beirut Report, fez um sentido desabafo em artigo para a rede Al Jazeera.

Na essência, reclama de que o luto não é o mesmo para todos os mortos pelo terrorismo.

Ou, dito de outra forma: ninguém, no Ocidente, colocou a bandeira do Líbano no seu Facebook depois dos atentados do dia 12 passado em um bairro do sul de Beirute em que morreram 44 pessoas.

É verdade que os mortos de Paris foram bem mais, o triplo, mas o direito à vida e a solidariedade com as vítimas não podem ser medidas por quilo.


Battah lembra, em seu artigo, que o presidente Barack Obama classificou as bombas de Paris como "um ataque a toda a humanidade", mas não dedicou uma vírgula ao caso de Beirute.

Mas "mais perturbador" do que a omissão, escreveu o jornalista, foi o fato de que grande número de reportagens nos meios ocidentais tratou de "rotular" as vítimas libanesas, em vez de simplesmente pranteá-las, ao contrário do que se fez com as vítimas de Paris.

Minuto de silêncio pelas vítimas dos atentados em Paris

De fato, o título do "The New York Times" para os atentados em Beirute foi: "Explosões mortais atingem praça forte do Hizbullah no sul de Beirute".

O lamento implícito no texto é o de que os mortos de Beirute não foram tratados como seres humanos, mas como militantes do Hizbullah, como tal desprovidos de humanidade, porque o grupo é radical e considerado terrorista.

O que torna a queixa de Battah ainda mais consistente é o fato de que os atentados de Beirute têm o mesmo responsável (o Estado Islâmico) e a mesma suposta explicação que os de Paris: o Hizbullah luta contra o Estado Islâmico na Síria, em defesa de seu aliado Bashar al-Assad, assim como a França bombardeia territórios do Estado Islâmico.

Eu acrescentaria que há outros atentados terroristas, quase cotidianos, cujas vítimas não são choradas fora de seu país: os judeus que estão sendo mortos por palestinos, quase sempre a facadas.

Mal saem notícias fora de Israel. E sempre haverá os que acham que matar judeus está justificado, ou por puro antissemitismo, ou porque Israel ocupa indevidamente territórios que a ONU destinou aos palestinos.

Do meu ponto de vista, desrespeito à vida é sempre injustificável, sob pena de se implantar a lei de talião e, de olho por olho em olho por olho, acabarmos todos cegos –e sem lágrimas pelos mortos dos outros.

 Clóvis Rossi

Fim de festa

O kirchnerismo argentino entrou no em seu ocaso. Seja qual for o resultado da eleição de domingo, a onipotência dessa vertente pessoal do peronismo chegou ao final. Só a derrota da eleição para governador da província de Buenos Aires, que representa 38% do eleitorado nacional e seu bastião histórico, é um sinal de uma nova era.

A condição de favorito que o governador de Buenos Aires, Daniel Scioli, tinha até recentemente, mudou de sinal. Com a mesma firmeza com que as pesquisas davam sua vitória como certa, agora preveem a de Mauricio Macri, que parece abençoado pelos deuses quando até o Boca Juniors, a equipe que presidiu por 12 anos, voltou a vencer o campeonato de futebol argentino.


Paradoxalmente, Scioli, com a primeira maioria (36,8%) parece derrotado, enquanto Macri (com 34,3%) e Sergio Massa (21,3%) parecem vitoriosos. Acontece que esses números expressam uma rejeição clara ao continuísmo. É possível sentir um cansaço das 46 intermináveis redes nacionais que a presidenta ocupou este ano com sua retórica tensa e barroca; da forma autoritária de lidar seu partido como um absolutismo monárquico; sua agressividade constante contra a imprensa e uma situação econômica que já não tem a possibilidade esbanjar o que o comércio exterior fornecia até recentemente, com os melhores preços da história em produtos agrícolas. No segundo turno que se aproxima, Macri é a esperança de uma mudança; Scioli é uma dupla resignação: da presidenta, que o aceitou como candidato sem querer e do eleitorado kirchnerista que não o considera um dos seus.

A outra eleição que se aproxima, a de 6 de dezembro na Venezuela, também marca outro formidável fracasso dos regimes populistas. A Venezuela vive hoje a maior crise de sua história. Seu PIB caiu da 4ª para a 7ª posição na América Latina, com o anúncio de outro declínio acentuado este ano. A inflação, muito difícil de estimar, é a maior do mundo, e se o Governo fala em 85%, economistas independentes estimam em 200%, com uma perspectiva hiperinflacionária. O desabastecimento é generalizado e o autoritarismo já é exibido sem pudor, a tal ponto que o Governo nem sequer reconhece que a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou o Governo a devolver aos proprietários a Radio Caracas Televisión. No meio desse panorama, o promotor no julgamento ao líder da oposição Leopoldo López, condenado a 13 anos de prisão, foi para os EUA, escapando da “imensa pressão” que era vítima para validar as “provas falsas” que o Governo exibia.

Macri é a esperança de uma mudança; o eleitorado kirchnerista não considera Scioli um dos seus

Frente a essas circunstâncias, o presidente Maduro mostra grosseiramente sua intenção e anuncia que, no caso de uma derrota parlamentar, “não vai entregar a Revolução” e “que vai governar com o povo”, em uma “união cívico-militar” (a mesma expressão que, naquele momento, usou a ditadura uruguaia). Mais que uma ameaça é uma expressão de que haverá fraudes, a qualquer custo.

No Brasil, por sua vez, a situação continua piorando. A economia está indo para outro ano recessivo e os escândalos de corrupção ligados à Petrobras são inigualáveis. Os números são tão grandes quanto o território brasileiro e estão presos os principais empresários da construção e as principais figuras do Governo de Lula. A presidenta Dilma Rousseff administra o país sem o menor consenso nacional, em meio a um clima de descrédito moral que envolve seu partido e o governo.

É muito significativo que isso ocorra simultaneamente em três países muito importantes que até recentemente eram vistos como bem-sucedidos, conduzidos por líderes populares acima do bem e do mal. A estrela de Lula é eclipsada pelos escândalos de seu Governo, a de Maduro desce para uma exposição grosseira de arbitrariedade e Cristina Kirchner sofreu o colapso de seu projeto de continuidade hegemônica. Como o Brasil vai terminar não está claro, mas – como disse Fernando Henrique Cardoso – se a presidenta não agir com grandeza, seu regime vai se desgastar até chegar à paralisia. No caso da Venezuela, a pergunta é até onde e quando continuarão resistindo os civis e militares aos que impõe sobre eles os pesados deveres da arbitrariedade. Somente na Argentina parece se abrir o panorama esperançoso iluminado pelo triunfo de Macri.

O que está claro é que a festa populista está em seu ocaso. Na América do Sul, o sol não sai só para o Pacífico.

Julio Maria Sanguinetti, ex-presidente do Uruguai.

Somente a próxima geração verá o rio Doce reviver

Um desastre ambiental anunciado destruiu o Rio Doce nos 853 quilômetros entre o município do Rio Doce em Minas Gerais até o município de Linhares no Espírito Santo. O rompimento da barragem de rejeitos de Fundão e Santarém, um desastre anunciado que poderia ser evitado causou efeitos irreversíveis no ecossistema de toda extensão do Rio Doce. Não tem preço que possa ser mensurado quanto aos prejuízos ao meio ambiente totalmente devastado. As margens do rio, o leito e as águas foram tomados pela lama, subproduto da mineração, além da falta de oxigênio, metais pesados compõe o cenário de devastação.

Governador Valadares se encontra em estado de calamidade, o fornecimento de água foi interrompido. Cada família recebe 20 litros de água por dia, a higiene pessoal de cada cidadão mineiro ficou em segundo plano. Sem a água para as necessidades vitais, os animais tendem a desaparecer e o homem pode ter que migrar para outras cidades fora do circuito das águas doces. Os peixes morreram todos, pela falta de oxigênio. A pesca era um nicho de sobrevivência, que foi interrompido indelevelmente.


A morte do Rio Doce, o espetáculo de lama que soterrou casas e tudo que encontrou pelo caminho no primeiro município afetado pelo descaso da mineradora Samarco/Vale e se prolonga até o oceano é uma catástrofe de proporções inimagináveis. Além dos municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, o oceano também terá seu desastre associado à tragédia. A decantação da lama no fundo do oceano, similar a uma massa de cimento se diluindo, causará impacto na fauna marinha, as algas morrerão pela falta da fotossíntese e os plânctons, alimentos dos peixes, inexistirão em meio a lama, provocando a mortandade. A areia das praias no entorno de Linhares tomarão a cor da lama por um longo período. Por todos os ângulos que se analise a gigantesca tragédia, que poderia ser evitada, os efeitos são devastadores sob todos os aspectos humanos, econômicos e ambientais.

Não havia um plano de contingência, um plano B, para mitigar os estragos do rompimento da barragem da morte, técnicos da mineradora e os fiscais e prefeitos dos municípios atingidos nada fizeram em matéria de previsibilidade para evitar o pior. E, ainda mais, nenhuma medida destinada a impedir que a lama avançasse, como diques provisórios, em algum ponto dos 853 km do Rio Doce. Todos ficaram inertes à espera da correnteza de lama em direção ao oceano. Simplesmente lamentável a inércia do poder público e da iniciativa privada, essa instituição tão louvada por gregos e troianos. Somente um objetivo, os lucros acima de tudo. Todos são culpados, não há inocentes nessa incrível tragédia ambiental.

Somente a próxima geração poderá voltar a ver o verde florescer junto às margens e as águas do Rio Doce no esplendor da vida (oxigênio e peixes) compondo o quadro da natureza que o homem destruiu. Entretanto, há um novo perigo que ronda as cidades atingidas pela lama da Samarco/Vale, me refiro a mais duas barragens de Mariana, que estão com trincas prestes a cederem com o peso da lama acondicionada. O reforço nestas duas barragens levarão três meses para estarem prontas, até lá teremos que contar com a sorte, que não foi nossa amiga no rompimento do dique atual. Será que ficaremos inertes, à espera de um novo desastre? A quem culpar se houver nova catástrofe? Será que simplesmente multar a mineradora é suficiente para minorar os danos? Quem será responsabilizado pela morte contabilizada até agora de 12 moradores de Mariana. Perguntas sem respostas dos responsáveis pela mineradora até agora. Quem sabe mais tarde, não é mesmo?
Roberto Nascimento

Esqueça a sexta-feira 13

O massacre de Paris levou a Europa ao estado de guerra, e o mundo ao estado de alerta. Mas o Brasil só pode se indignar com um dos mais graves atentados terroristas da história da humanidade se lamentar primeiro a ruptura da barragem em Minas Gerais. Esse incrível dilema parece coisa do demônio, porque, como dizia Hélio Pellegrino, o demônio é burro. Só ele poderia, em meio ao sangue e à dor, sacar a calculadora.

O ser humano se choca e se revolta com o que quiser. O ser desumano decide o que deve chocar e revoltar os outros. Ele é imune ao sentimento. Perplexidade, medo e morte não atrapalham seus cálculos politicamente corretos. Sua bondade e seu altruísmo estão à venda na feira por 1,99. E acabam de produzir uma façanha: o país voltou a ter uma Lei de Imprensa igualzinha à da ditadura militar. Sancionada pelo governo da esquerda bondosa (1,99).
A presidente da República, que foi guerrilheira e declarou seu horror à censura, acaba de aprovar uma lei apunhalando a liberdade de expressão. Não deve ter ligado o nome à pessoa. A nova Lei do Direito de Resposta impõe aos veículos de comunicação prazos e ritos sumários para defender-se dos supostos ofendidos — uma mordaça, dado o risco de jornais e TVs terem que passar a veicular editoriais dos picaretas do petrolão, por exemplo. Este é, e sempre foi, o plano dos petistas amigos do povo em defesa da verdade: falar sozinhos.

É uma lei inconstitucional, e o Supremo Tribunal Federal terá que se manifestar sobre isso. Claro que a independência do Supremo vem sendo operada pelo governo popular segundo a mesmíssima tática progressista — onde progresso é você assinar embaixo do que eu disser. A democracia brasileira está, portanto, numa encruzilhada — e só Carolina não viu.

Carolina e os convertidos, que não são necessariamente comprados. Fora as entidades e cabeças de aluguel, existe a catequização sem recibo. Estudantes de escolas públicas e privadas do país inteiro enfrentam provas — vestibular inclusive — onde a resposta certa é aquela em que o governo do PT é virtuoso e os antecessores são perversos. O nome disso é lavagem cerebral, e os resultados estão aí: em qualquer cidade brasileira há estudantes sofrendo bullying ideológico da maioria catequizada. Essa é a verdadeira tropa de choque (ou exército chinês) dos companheiros que afundaram o Brasil sem perder a ternura.

Pense duas vezes, portanto, antes de se horrorizar com a carnificina da sexta-feira 13 em Paris. Sempre haverá alguém ao seu lado, ou na sua tela, para denunciar o seu elitismo. E para te perguntar por que você não se choca com a violência em Beirute. E para te ensinar que os próprios europeus são os culpados de tudo. Não adianta discutir — como já foi dito, o demônio é burro. Mas se você achar que isso é cerceamento da liberdade, não conte para ninguém: é mesmo. Trata-se da censura cultural, uma prima dissimulada da censura estatal (a da Lei de Imprensa).

A censura cultural se alimenta desses dilemas estúpidos — sempre buscando um jeito de colar no inimigo o selo de “conservador”, palavra mágica. No Brasil, quem é contra a indústria de boquinhas estatais do PT é conservador — e os que conservam as boquinhas são progressistas. Quem era contra o monopólio estatal da telefonia era conservador (neoliberal, elitista etc.). O monopólio foi quebrado, gerou um salto histórico de inclusão social, mas o sindicalismo petista que tentou conservar esse monopólio é que é progressista. Conservadores são os que acabaram com a conservação.

Jornalistas que criticam as malandragens fisiológicas da esquerda são conservadores — e para realçar o maniqueísmo, claro, vale inventar. O perfil de Carlos Alberto Sardenberg na Wikipédia, por exemplo, foi reescrito com algumas barbaridades por um computador progressista do Palácio do Planalto. O perfil do signatário deste artigo também foi enriquecido com algumas monstruosidades. Depois de retiradas, surgiu ali um editorial sobre “polêmicas” com o PT (que continua lá). Cita um vice-presidente do partido que acusou este signatário de maldizer os pobres e sua presença nos shoppings e aeroportos. Naturalmente, é o partido dele quem ameaça a presença dos pobres nos shoppings e nos aeroportos, com a pior crise econômica das últimas décadas — e com seu tesoureiro preso por desviar dinheiro do povo. Mas esses detalhes conservadores não estão no verbete.

Como se vê, a verdade tem dono. Se você não quer problema com a patrulha, leia a cartilha direito. E, se possível, diga que os 130 mortos pelo Estado Islâmico em Paris não são nada perto da matança nas periferias brasileiras (use à vontade a calculadora do demônio). Pronto, você está dentro. Aí, pode falar de tudo. Lula, por exemplo, disse a Roberto D’Ávila que passou cinco anos sem dar entrevista para não interferir no governo. Procede. Esse que você ouviu falando pelos cotovelos devia ser o palestrante da Odebrecht.

Guilherme Fiuza

Inconfidência de Itabira: tragédia mineira e meio ambiente no Brasil

Itabira é certamente a cidade mais mineira do Brasil e, provavelmente, uma das mais mineiras do mundo. A poucos quilômetros de distância, se encontram cidades coloniais em cuja arquitetura barroca se preserva o esplendor da mineração do ouro e do diamante dos séculos XVIII e XIX. A mineração, mais do que qualquer outro ofício, tem influenciado a história e a cultura do Estado de Minas Gerais, de forma que aqueles que nascem nesta região do Brasil são conhecidos como mineiros.


Em 1902, Itabira reforçou suas raízes mineiras ao ver o nascimento de um dos poetas mais famosos da língua portuguesa. A obra de Carlos Drummond de Andrade está impregnada de uma mineiridadeque o autor atribui à sua infância em Itabira. No poema Confidência do Itabirano, Drummond revela ter levado uma pedra de ferro como recordação de sua cidade natal quando se mudou para Belo Horizonte, e depois para o Rio de Janeiro.

Em 1942, Itabira inaugurou a segunda onda extrativa brasileira, liderada pela empresa Vale do Rio Doce. Em poucas décadas, essa se tornaria a maior exportadora de minério de ferro do mundo, transportando pedaços das montanhas de Minas Gerais através do vale do Rio Doce até o porto de Tubarão. A transformação da paisagem de Itabira foi descrita por Drummond, quando soube que a casa de seus pais havia sido inundada por uma represa da Vale do Rio Doce:

O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano


Ao longo do tempo, a Vale do Rio Doce se expandiu para outros 12 Estados do Brasil, novos continentes e bolsas de valores de cinco países. Em 2007, dispensou o sobrenome "Rio Doce", passando a se chamar Vale S.A., e desde então se consolidou como uma das maiores multinacionais do planeta.

Em 5 de novembro de 2015, o rio que conviveu com os primeiros trens da Vale foi vítima de uma ineficiência à qual Drummond dedicaria toda uma antologia poética se estivesse vivo. Duas reservas de uma mina de ferro da Samarco S.A., um consórcio entre a Vale e a BHP Billiton, se romperam e deixaram um rastro de destruição sem precedentes. Dezenas de pessoas morreram e o distrito de Bento Rodrigues foi soterrado por toneladas de lama e resíduos minerais. A lama alcançou o Rio Doce, um dos principais corredores hídricos e fonte de captação de água potável do Sudeste brasileiro.

Há vários dias a sociedade brasileira vem refletindo sobre os riscos aceitáveis de mineração em grande escala. O prefeito de Mariana, cidade onde ficam os reservatórios que romperam, argumentou que a desativação da Samarco causaria a falência de várias cidades do interior de Minas Gerais. Em meio a declarações de Dilma Rousseff, atribuindo responsabilidade exclusiva à Samarco, foram aplicadas multas ambientais irrisórias e foi fechado um acordo preliminar indenizatório entre a Samarco e o Ministério Público.

O ocorrido em 5 de novembro evidencia uma cadeia de imperícias e imprudências tanto da empresa como das autoridades públicas. Ao contrário do que foi dito pela presidente Dilma Rousseff, o Estado tem responsabilidades claras neste e nos cinco rompimentos de barragens de mineração nos últimos 14 anos no Brasil. A Samarco operava sem plano de evacuação e, no âmbito federal, o Departamento Nacional de Produção Mineral fiscalizou, em 2014, apenas 141 das 602 represas de mineração do país.

O ponto crucial do risco ambiental no Brasil parece estar em um relacionamento obscuro entre os interesses públicos da população e privados das grandes empresas dos setores de mineração, energia e construção civil. Essa realidade foi parcialmente desmascarada com o escândalo dos contratos da Petrobras e outras empresas públicas, mas nada indica que a cooptação corporativa vá mudar. De fato, vários deputados das comissões parlamentares federais e do Estado de Minas Gerais, criadas para investigar as causas do acidente da Samarco, receberam financiamento da Vale para suas campanhas eleitorais.

Sindicatos de mineiros também fizeram doações para campanhas de 17 dos 37 membros da Comissão da Câmara dos Deputados que avalia o texto do novo Código de Mineração. Por fim, a Vale e outras grandes empresas de mineração e construção civil fizeram doações milionárias para as campanhas do atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e de Dilma Rousseff, madrinha política da usina hidrelétrica de Belo Monte e de outras obras faraônicas, cujas viabilidades econômica, ambiental e social têm sido amplamente questionadas.

Enquanto a política ambiental passar pelo filtro da corrupção e da contabilidade eleitoral no Brasil, os recursos naturais, tais como o Rio Doce, serão prescindíveis, não só como nome civil de uma grande mineradora, mas como fonte de vida e água potável para centenas de milhares de pessoas.

Daniel Cerqueira

'Impacto de lama no mar seria como dizimar Pantanal'

Lama do desastre em Mariana chega à foz do rio Doce
A chegada da onda de lama, resultado do rompimento de uma barragem em Mariana (MG) há duas semanas, ao Oceano Atlântico ─ prevista para ocorrer neste domingo ─ teria um impacto ambiental equivalente à contaminação de uma floresta tropical do tamanho do Pantanal brasileiro.

A afirmação é do biólogo André Ruschi, diretor da escola Estação Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Aracruz, Santa Cruz, no Espírito Santo.

De acordo com Ruschi, os 62 bilhões de litros de rejeitos do beneficiamento do minério de ferro ─ o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas ─ despejados ao longo de 500 km da bacia do rio Doce atingiriam cerca de 10 mil km² numa região conhecida como Giro de Vitória, importante celeiro de nutrientes para animais marinhos, como a tartaruga-de-couro (ameaçada de extinção), o golfinho pontoporia e as baleias jubartes.

'A lama que chega carregada pelas correntes vai se depositar inicialmente numa área menor, mas como o tempo ─ devido a chuvas, por exemplo ─ pode afetar áreas maiores, Estamos falando do eixo de funcionamento de todo o Atlântico Sul. Essa é a região de maior biodiversidade marinha do mundo. É um sistema especial, único, importante e fundamental'
 .Ele estima que a descarga tóxica contaminaria principalmente três Unidades de Conservação marinhas ─ Comboios, Costa das Algas e Santa Cruz, que juntas somam 200.000 hectares (2.000 km²) no oceano.
Ruschi lembra, contudo, que como o ecossistema marinho é mais vulnerável do que o terrestre, o impacto no mar seria proporcional à contaminação de uma área continental dez vezes maior ─ ou 20.000.000 hectares (200.000 km²) ─ de floresta tropical primária.

(AFP)

"Seria como dizimar, de uma só vez, todo o Pantanal", afirma Ruschi à BBC Brasil. O Pantanal se estende por 250.000 km² pelo Brasil, Bolívia e Paraguai.

"O ecossistema marinho é muito mais eficiente na biossíntese do que o terrestre. Cerca de dois terços de toda a biomassa do planeta é produzida em apenas 5% ou 6% dos oceanos. Trata-se da borda dos continentes ou de regiões com menos de 200 metros de profundidade, onde as algas podem receber luz e fazer fotossíntese", explica.

Ruschi acredita que, se nada for feito, o prejuízo ambiental do 'tsunami marrom' pode demorar 100 anos para ser revertido.