sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Se prisão dá indenização, que dizer de hospital?

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O Supremo Tribunal Federal decidiu, em julgamento encerrado nesta quinta-feira, que qualquer brasileiro preso em cadeias degradantes faz jus a indenização do Estado. Justo, muito justo, justíssimo. De todos os imutáveis flagelos brasileiros o flagelo do sistema penitenciário é um dos mais nefastos. Mas não é o único. Se a Suprema Corte avalia que presos maltratados merecem reparação, o que dizer dos brasileiros submetidos a padecimentos hediondos nas filas e nas macas de hospitais públicos?

No caso das penitenciárias, o Supremo julgou o processo de um preso do Mato Grosso do Sul. A sentença terá de ser seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário. Houve unanimidade quanto à necessidade de reparação aos presos submetidos a condições degradantes. Mas os ministros se dividiram em relação à forma de pagamento. Três votaram por uma compensação por meio do abatimento de dias na pena. Prevaleceram os sete que determinaram que o dano deve ser reparado em dinheiro.

Considerando-se que o Estado brasileiro faliu, a reparação medida em dias de pena talvez fosse mais efetiva. Mas seja como for, a Suprema Corte abriu uma porteira perigosa. Parece razoável que os patrícios submetidos ao risco de morrer de fila ou de maca nos hospitais públicos também batam às portas dos tribunais em busca de indenizações. Que não serão honradas mesmo que reconhecidas pelo Judiciário. Há Estados que não conseguem pagar nem os salários dos seus servidores em dia. Que dirá indenizações!

Ouvido pelo blog, um dos ministros que participaram do julgamento disse acreditar que eventuais pedidos de indenização de pacientes do SUS talvez não recebam o mesmo tratamento que o Supremo deu aos presos. Por quê? “A pessoa que vai presa é encarcerada por ordem do Estado, no local que a autoridade determina. Não tem alternativa. Um doente, ao menos em tese, teria a opção de procurar outro hospital público ou privado. Não haveria a compulsoriedade.”

O raciocínio é lógico. Resta saber se os julgadores, quando submetidos aos casos concretos, terão a coragem de sonegar a brasileiros miseráveis destratados nos hospitais os mesmos direitos assegurados aos criminosos.

A turma dos jatinhos e helicópteros

Sempre que você escutar um economista dito "desenvolvimentista" saia correndo, chame a mulher e as crianças e grite por socorro, SOS, mayday, salve-se quem puder!

Naqueles tempos em que Lula ainda tentava mostrar o petismo à nação como experiência bem sucedida, malgrado o crescimento fosse tipo merengue e a prosperidade não passasse de contas penduradas num prego, ele surtava dizendo que, graças aos governos do partido, pobre já andava de avião. Doze milhões de desempregados depois, contas ainda no prego da inadimplência, as companhias aéreas devolvem aviões e reduzem o número de voos, mas... há uma parcela da elite política brasileira que só viaja de jatinho.

Ah, as nossas instituições! Desgraçadamente, nos últimos anos, elas se corromperam em proporções ainda não plenamente descritíveis. A sociedade, que não lhes devotava confiança, perdeu-lhes o respeito. Se o leitor destas linhas for parlamentar, ministro de Estado, membro das cortes superiores do Judiciário, agente público de alto escalão e considerar excessivamente duras estas palavras, fale com as pessoas. Ouça o povo nas ruas. Será ainda mais contundente o que vai ouvir. O descaramento e a inépcia de muitos que se instalam nessas posições para os piores fins, totalmente desprovidos de espírito público, atinge a todos e abala os pilares da Ordem, da Política e do Direito. Produz o que hoje se observa no país.

E não é só por causa da corrupção! A sociedade também não tolera mais os contracheques de centenas de milhares de reais, recheados com "indenizações", parcelas adicionais, gratificações especiais e jeitosas manobras. Divulgada esta semana, não mostrava a folha de pagamento do TJ sergipano um pouco mais disso, com remunerações de centenas de milhares de reais aos desembargadores? Pergunto: prodigalidades assim não se repetem em toda parte, gerando ganhos impensáveis fora do serviço público, cujo patrão, o povo, desconhece os absurdos que paga? A nação enoja-se desses esbanjamentos, dos cartões corporativos, dos voos em primeira classe, das aposentadorias privilegiadas, e da conduta dessa elite cuja boa vida, ela, a nação, custeia com o gotejado suor de seu rosto e com a sola do sapato gasta nas calçadas do desemprego.

Notórias personalidades, além do privilégio de foro que as oculta da efetiva justiça, desfrutam do raro privilégio de se eximirem do convívio social nos saguões dos aeroportos e nas filas de embarque onde não seriam bem acolhidas pelo Brasil que se leva a sério e exige respeito. Então, os senhores da casa grande republicana, andejam pelo país para reuniões de proselitismo e mentira, festejados por cupinchas à espera da própria vez. E como viajam? Em jatinhos, helicópteros e voos fretados, às custas de terceiros, quartos e quintos, entre os quais, quase certamente, nós mesmos, a turma da senzala.

Percival Puggina

Paisagem brasileira

Ilha Grande - Rio de Janeiro,  Brasil.:
Praia do Aventureiro, Angra dos Reis (RJ)

Os novos pobres de Lula

Os dados de um estudo do Banco Mundial sobre o aumento do número de pobres no Brasil e do Ministério do Desenvolvimento Social sobre o número crescente de pessoas que estão voltando ao Bolsa Família, desde 2012, mostrados em reportagens do jornal O Globo, expõem mais uma vez, agora de forma dramática, os conhecidos limites das políticas populistas, como as executadas pelos governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff. E demonstram o tamanho da mistificação e da demagogia da “transformação social” que eles teriam operado no Brasil com aquele programa.

Deverá aumentar entre 2,5 milhões e 3,6 milhões – de acordo com as previsões otimista e pessimista – o número de pobres em 2017, segundo o Banco Mundial. O total de pobres chegará a 19,8 milhões, dos quais 8,5 milhões em estado de extrema pobreza, num cenário otimista de crescimento econômico. No cenário pessimista, os números serão respectivamente 20,9 milhões e 9,4 milhões. Mesmo no melhor dos casos, a situação é ruim.

Charge Super Notícia 14.2.2017

Quanto ao perfil desses novos pobres, assim chamados pelo estudo, são em sua imensa maioria – nove em cada dez – de moradores da área urbana. São chefes de família com idade média de 37,9 anos; 33,5% são brancos; 38,2% com estudos ao menos até o ensino médio; 39,7% da Região Sudeste e 35,2% da Região Nordeste; e 58,8% trabalhavam até 2015 na área de serviços. Segundo Martin Raiser, diretor do Banco Mundial, o lado positivo da situação – se se pode dizer assim – é que, como mostram os números, os novos pobres são pessoas jovens, com bom nível de educação e de regiões urbanas, características que devem facilitar sua reinserção no mercado de trabalho, com a retomada da economia.

Raiser assinala – e esse é um dado a ser ressaltado – que “é importante fazer ajuste fiscal, que vem de uma avaliação de todas as despesas públicas para ver onde há ganhos de eficiência, privilégios e, nesse sentido, temos feito um diagnóstico mostrando que o País pode fazer ajuste fiscal sem cortar despesas sociais”. Até agora o governo vem mantendo esse equilíbrio que ele recomenda.

Os milhões de novos pobres, que são produto do desastre econômico dos governos petistas, que deixou um legado de desempregados que já somam mais de 12 milhões, só poderia levar a um aumento da procura pelo Bolsa Família. Dados do Ministério do Desenvolvimento Social mostram que só no ano passado voltaram a ele 519.568 das famílias que haviam deixado aquele programa até 2011. Mas essa volta começou bem antes: 164.973 em 2012; 186.761 em 2013; 104.704 em 2014. Em 2015, houve um grande salto, com 423.668.

Nada disso tem a ver, portanto, com o atual governo, como alega demagogicamente o lulopetismo – frustrado por ter sido obrigado a deixar o poder –, que o acusa de desmonte social, quando na verdade quer apenas, malandramente, atribuir a ele o desastre que promoveu. Tanto o setor social não foi prejudicado até agora que em 2016 foram habilitadas a receber o benefício do Bolsa Família, em média, 141 mil famílias, vítimas do descalabro petista, contra a média mensal de 105 mil em 2015.

O prof. Elimar Nascimento, da Universidade de Brasília, especialista em políticas públicas, lembra que, “nos últimos dois anos de recessão, o desemprego explica por que as pessoas estão voltando ao Bolsa Família, que é um paliativo, não resolve o problema da pobreza. Só com a retomada do crescimento esse movimento pode ser superado, não existe mágica a ser feita”. E para o crescimento voltar, acrescente-se, é preciso acabar com a bagunça fiscal petista.

O que o lulopetismo deixou como herança são os novos pobres, não a alardeada retirada de milhões de brasileiros da pobreza e a criação de uma nova classe média. A tal revolução social de Lula não foi além do paliativo – só importante enquanto tal – do Bolsa Família. Este, como todo programa populista, só dura enquanto pode durar a gastança irresponsável, sem respaldo na economia. Depois, acaba a mágica e é preciso pagar a conta.

Editorial - O Estadão

Nova expectativas na política

Está com os dias contados o foro privilegiado que dá a deputados e senadores a prerrogativa de ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. A convocação de Carlos Mário Velloso para ministro da Justiça não deixa dúvidas. Mas a provável aprovação de Alexandre de Moraes para a mais alta corte nacional de justiça irá contabilizar um voto em favor dessa distorção.

Outra decisão destinada a causar impacto na crise instalada nas instituições políticas será a extinção do segredo de justiça para a divulgação da lista dos acusados por ex-dirigentes da Odebrecht. Está por pouco o conhecimento dos nomes de perto de 200 parlamentares envolvidos em recebimento de propinas e crimes correlatos.

Apesar da lentidão das apurações, a Operação Lava Jato prossegue e não haverá como esvaziá-la. Os apenas citados, por enquanto, poderão ser denunciados e transformados em réus, porta aberta para cassações de mandatos. É isso que se espera, virando de cabeça para baixo a composição do Congresso e a economia interna dos partidos.
 Aguarda-se, assim, a réplica dos futuros condenados. Não apenas Romero Jucá prepara sua defesa através de projetos de lei. Muitos outros expoentes do atual governo tentam livrar companheiros e eles mesmo. Ex-futuros candidatos ao palácio do Planalto integram a relação. O próprio presidente Michel Temer foi citado, apesar de encontrar-se blindado pela Constituição, que restringe ao seu período de governo o material para acusações.

Em suma, novidades à vista. As eleições de 2018 poderão abrir-se desfalcadas, tanto quanto as expectativas, superadas…

Você é daqueles que torcem pela jararaca?

“A vida permaneceu igual para 64,6% dos brasileiros, diz o Instituto Paraná; as intenções de voto espontâneo em Lula subiram de 11,4% para 16,6%, diz o MDA” (apud artigo “Brasileiros acham que a vida piorou depois que Temer assumiu o governo”, Blog do Noblat, 16/2/2017).

Fiquei assombrada! Não sei se você, Leitor, concorda comigo, mas fiquei tão apavorada com esses resultados que pensei, honestamente, em me mudar para o Canadá. Mas como sem meu filho não vou e como ele não quer nem sequer cogitar em largar o Brasil, logo essa ideia foi parar na minha canastra de ideias malucas, bauzinho que copiei da Emília, a grande boneca do Sítio do Pica-pau Amarelo.


Não posso duvidar desses institutos cuja seriedade é incontestável. Mas posso discordar e mais do que isso, ficar a matutar quem foram os entrevistados. Isso, posso.

Quem serão essas pessoas para quem a vida permaneceu igual, pós Temer, à vida durante o governo Lula/Dilma? Para mim são uns fenômenos!

Mas não é por não duvidar que ache que devemos aceitar esses resultados. Ao contrário, creio que a sirene que os institutos acionaram é muito importante para que nós, cidadãos, comecemos a ficar muito atentos, sem perder o foco. E aprender a exigir duas coisas: todo respeito ao Ministério Público e à Operação Lava Jato e que parem de nos tratar como infantilóides. Precisamos saber o que disseram os delatores da Odebrecht. Precisamos conhecer, a fundo, o Departamento de Propinas da Odebrecht. Não podem nos manter no escuro mais tempo. Que acendam todos os holofotes necessários para nossa informação e também para que os nomes citados sejam julgados com severidade e muita correção. Chega de sigilos!

No que se refere às eleições de 2018, quem serão os eleitores (16,6 %!) que pretendem reeleger Lula? No mínimo, ou são inocentes inúteis, ou pessoas de memória muito curta que acreditam que as fortunas que foram parar no exterior foram fruto de um milagre lulesco!

Por exemplo: o Rio de Janeiro, estado e município, estão falidos. Nossa situação é vergonhosa, além de muito triste. É verdade que o maior culpado pelas circunstâncias em que nos encontramos está muito bem guardado em Curitiba. Mas não é surpreendente ver que já esqueceram que Sergio Cabral só conseguiu cometer as barbaridades que cometeu graças à proteção e amparo que recebeu do Lula? Ou será que acham que Cabral fez tudo que fez sem o apoio do Governo Federal?

A jararaca não morreu, nem sequer ficou desacordada. E se ela não se recolheu após a morte da primeira-dama do PT, podem desistir de imaginar que ela vai se recolher por respeito ao Brasil. Não vai não.

A única coisa que talvez deixe a jararaca imobilizada para sempre será a quebra do sigilo das delações da Odebrecht, a oportunidade de ouro para que os brasileiros, desmemoriados, lembrem-se que o contexto falimentar em que nossos Estados estão, além dos mais de 12 milhões de desempregados, são fruto dos 13 anos do PT no Palácio do Planalto.

E ainda tem quem queira mais?

Imagem do Dia

Pesca pela manhã (Quoc Loc)

Lava-Jato para exportação

A atividade criminosa das empreiteiras brasileiras na América Latina e na África prejudicou a reputação internacional do país, ameaçando colar nele a pecha de “exportador de corrupção”. Ao mesmo tempo, o Brasil projeta ao exterior uma imagem positiva, que se contrapõe à anterior, e passou a ser reconhecido como lugar que leva a sério o combate à grande corrupção, alcançando êxitos como poucos. A experiência da força-tarefa da Lava-Jato é estudada e copiada por outras nações. O país que exportava corruptores agora começa a exportar o combate à corrupção.

Um passo importante para a consolidação desta liderança está sendo dado pelo Brasil esta semana, por iniciativa do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que convocou reunião em Brasília com procuradores-gerais dos países afetados pela Lava-Jato.

A Transparência Internacional defende a criação de uma Equipe Conjunta de Investigação (ECI), espécie de “força-tarefa” internacional para a investigação e processamento do caso Lava-Jato em vários países. Este tipo de instrumento é recomendado por convenções internacionais para crimes envolvendo múltiplas jurisdições, pois vai além das simples trocas de informações bilaterais. Envolve a atuação conjunta dos agentes investigadores na execução de estratégias coordenadas e facilita os processos de homologação de provas colhidas internacionalmente.

As ECIs ainda são instrumentos quase inexistentes na América Latina e a criação de uma (ou mais) delas para a “internacionalização” da Lava-Jato beneficiaria não apenas a investigação diretamente, como também permitiria melhores práticas de investigação entre agentes dos diferentes países, criando um precedente para futuras ECIs em outras áreas do crime organizado transnacional.

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O grau de independência que as instituições brasileiras têm demonstrado com a Lava-Jato está longe da realidade da maioria dos países afetados por corrupção. Em alguns destes, órgãos judiciais e policiais estão subjugados a interesses escusos governamentais e empresariais. Não fosse o trabalho de investigação brasileiro e a posterior divulgação das informações pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com o acordo de leniência da Odebrecht, em vários países não se haveria iniciado qualquer procedimento investigativo.

Ao incluírem agentes de diferentes países em seus esforços de investigação, as ECIs garantiriam o comprometimento de cada país com o avanço das investigações, permitindo maior controle entre os pares. Equipes conjuntas devem ter sistema de controles que evitem o uso de informações para benefício à defesa de réus, e não instrução de processos. Para isto, imprensa e organizações da sociedade civil têm um importante papel a cumprir.

No último fim de semana, dois integrantes da Transparência Internacional e dois jornalistas brasileiros foram detidos pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional ao visitarem uma obra inacabada da Odebrecht na Venezuela. Se queremos garantir que as autoridades de fato estejam comprometidas com as investigações da Lava-Jato, isto é inaceitável.
José Carlos Ugaz, presidente da ONG Transparência Internacional

Orfandade nacional

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O Brasil, que conta com uma sociedade admirada em tantos lugares do mundo por sua capacidade de compreensão, marcada às vezes pela submissão frente ao poder, está hoje órfão de estadistas capazes de pensar um projeto que traga esperança e união para um país quebrado

A privacidade e o poder

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“Os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro”
Ruy Barbosa, em A Imprensa e o Dever da Verdade
O princípio não é novo. Se não nos contentarmos com Ruy Barbosa, que publicou a frase acima há 97 anos, poderíamos recorrer à Roma de César, que nos legou o imperativo da aparência de honestidade, mas não há de ser necessário. O ponto aqui tão antigo e tão óbvio quanto elementar: aos governantes e seus familiares não cai bem ter algo a esconder – e cai ainda pior ter algo que, para ser escondido, requer uma medida de força.

É nesse contexto que devemos refletir sobre o gesto do presidente da República de fazer acionar a Justiça para obter uma antecipação de tutela que, na prática, impôs censura à imprensa. O objetivo dele foi impedir que se noticiasse a história da investigação policial de um hacker que violou o celular da primeira-dama para depois chantageá-la. Por intermédio de um advogado que trabalha na Casa Civil, o Planalto obteve da 21.ª Vara Cível de Brasília uma decisão que proibiu os jornais Folha de S.Paulo e O Globo, que chegaram primeiro aos detalhes do processo, de publicarem reportagens sobre o assunto.

Sem meias-palavras, o que se tem aí é a típica censura judicial, essa rebuscada modalidade de proibição prévia que impede um órgão de imprensa de cobrir uma pauta determinada. É censura e é violência: tendo sido determinada pelo Poder Judiciário, é uma medida que deve ser obrigatoriamente obedecida, ou seja, uma medida de força.

Há juristas que não concordam com esse modo de descrever a coisa. “O juiz não censura”, ponderam. Alegam que o juiz não é censor, não é funcionário do Poder Executivo encarregado de censurar as redações, mas apenas um magistrado que aplica a lei (elaborada e aprovada dentro das regras do Estado de Direito) a um caso concreto. O juiz proíbe, admitem, mas não censura.

Do ponto de vista formal, esses juristas têm alguma razão. Só alguma. Do ponto de vista material e substantivo, estão errados. Uma medida judicial que leva o magistrado a usurpar a função dos editores de jornal (dando ao magistrado o papel de decidir o que deve e o que não deve ser publicado na imprensa) viola direitos fundamentais não apenas dos jornalistas, mas, principalmente, dos cidadãos. A vítima final da censura não é o repórter, mas o direito à informação de que todos nós somos titulares. Por esse ângulo, revela-se com mais clareza que a tal “antecipação de tutela” resulta em atentado ao direito à informação. O objetivo da medida é impedir que a sociedade tome conhecimento de um fato específico, isto é, o objetivo da medida é censurar.

Outros dirão ainda que, no caso presente, só o que o Judiciário fez foi arbitrar um ponto de equilíbrio entre dois polos de direitos protegidos pela Constituição: de um lado, o polo formado pela liberdade de expressão e pelo direito à informação e, de outro, o polo da privacidade, envolvendo a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Acionado, o Judiciário não teria agido como censor, apenas cumprido seu dever de precisar a fronteira estrita da privacidade que não poderia ser ultrapassada pela liberdade de imprensa.

Temos aí outro equívoco, bastante comum, e não apenas no Brasil. No Reino Unido, por exemplo, desde os anos 1990 existe a figura jurídica tenebrosa das superinjunctions – para usarmos aqui o apelido inventado por Alan Rusbridger, ex-diretor de redação do Guardian –, que consiste numa medida judicial que, além de proibir um jornal de tocar num tema especificado pelo juiz, proíbe-o adicionalmente de noticiar que foi vítima dessa proibição. Lá, como aqui, muitos acreditam que o cerceamento das liberdades é uma terapia eficaz para proteger direitos da personalidade próprios da esfera íntima.

Por que se trata de um equívoco? Muito simples: a privacidade não é um limitador da liberdade, mas, antes, uma conquista da liberdade. Aliás, sem liberdade a privacidade viraria pó.

Detalhemos um pouco mais. As medidas restritivas de liberdades sempre, sem exceção, atentam diretamente contra a normalidade democrática. Indiretamente, corroem os alicerces não apenas das garantias de privacidade, como das próprias bases ontológicas do conceito de privacidade. Não há privacidade sem que haja, antes, a liberdade. A propósito, o polo antagônico da privacidade nunca foi a liberdade, mas, sim, o poder do Estado. Foi contra as tiranias que as paredes da privacidade se ergueram, não contra as liberdades. Tanto é assim – e tanto tem sido esse o melhor entendimento da doutrina comprometida com os direitos humanos – que, diante da escolha entre a liberdade de imprensa e a privacidade, se recomenda ao juiz que se respeite a precedência da primeira.

O ensinamento tem ainda mais validade quando se trata da privacidade de governantes, que não são gente como a gente. Se eu fico doente, posso guardar isso em segredo. Agora, se o presidente da República é acometido de uma moléstia, isso não é um tópico indevassável de sua vida íntima, é uma questão de Estado, é de interesse público. Se você é ateu ou presbiteriano, não é da conta de mais ninguém, mas se um candidato a deputado professa uma seita satânica, isso é de interesse público. Por definição, a privacidade dos que exercem legitimamente o poder – numa democracia, bem entendido – é diferente da intimidade dos comuns.

É direito da sociedade conhecer a história pessoal de quem a governa e, exatamente por isso, é dever das autoridades prestar contas sobre aspectos de sua vida privada, a começar por sua declaração de bens.

No final da tarde de ontem a Folha conseguiu derrubar a censura, em recurso à segunda instância. Melhor assim, mas fica a perplexidade. Por que a Presidência da República quis calar jornais que, de resto, não se ocupam de fofocas e de sensacionalismo vulgar? O que o poder quer ocultar?

Desta terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela

Câmeras na periferia com pretensão à classe média gravam: Está difícil ficar vivo nesta terra

— Moça!

— E, anh, te conheço?

— Não. Só quero saber a hora.

— Por que pergunta pra mim?

— É só uma pergunta.

— Não chega perto! Pergunta pra outro.

— Não tenho mais a quem perguntar.

— Tem tanta gente no mundo. Não tenho resposta para nada.

— Só tem você na rua a esta hora.

Dê Almeida
— Tem mais de 8 bilhões de pessoas no mundo e você vem perguntar logo pra mim?

— É a pessoa que está mais perto.

— Pergunte pra outra, já disse. Procure.

— Onde?

— A cidade é grande, o país é grande, o mundo enorme, vá pelas galáxias.

— Onde estão as outras 7.999.999.999 pessoas?

— Quer endereço? Qual é? Estão por aí, vá até a esquina. Vá ao centro. Vá aos parques, aos shoppings. Vá às manifestações de protesto, tem tanta gente lá, devem saber mais do que eu o que o senhor ia perguntar.

— Custa responder?

— Não gosto de falar com estranhos.

— É só uma pergunta!

— Mas você pode engrenar na conversa, me enganar, me dar uma facada, um tiro, me estrangular, me violentar, me bater, me esfaquear, deixando meus intestinos de fora.

— Está louca, pirada, fumou crack, qual é?

— Tive duas amigas estupradas, você tem cara de estuprador, sai, sai. Só estou na rua porque estou voltando do meu primeiro emprego, fiquei desempregada sete anos, passei fome, quase virei puta.

— Tenho cara de estuprador?

— Não sei a cara deles, você está me levando na conversa, vai me degolar, cortar minha orelha, furar meus olhos, arrancar minha bocetinha, cortar meus dedos, arrancar meu nariz, meus dentes. E acabei de colocar este aparelho, me custou tanto! Não arranque meus dentes, moço.

— Está louca? Que neura! Só quero fazer uma pergunta.

— Quem me diz que você não é um homem bomba, puxa um cordão, explode tudo, você, eu, as casas, arrasa o quarteirão, mata um monte de gente? Sei que você quer me degolar como esses terroristas da televisão, lá do Oriente. Aquilo nem existe, deve ser filme.

— Olhe para mim, estou de bermuda, camiseta. Onde está a bomba? A faca para degolar?

— Isso é maneira de se vestir?

— Com este calor é!

— Canalha, o senhor é um canalha.

— E você, louca!

— Viu? Se revelou. Marginal, black bloc, isso que você é. Vândalo, destruidor de vitrine, de orelhões, de lixeiras, de caixas de correio, ladrão de bolsa de mulher, quer meu celular, ladrão de caixas eletrônicos. Meu deus! Cadê a polícia! Socorro, socorro. Não tem ninguém, ninguém. Ele vai me matar.

— Cala a boca, moça! Cala!

Ela não se calou.

— Cale-se. Não é nada disso.

Ela não se calou.

— Cale-se, pelo amor de Deus!

Ela não se calou. As pessoas estão transtornadas, neuróticas, todos têm medo. Do quê?

— Cale-se, te peço, cale-se.

Ela não se calou. Não havia outra maneira. Juro que se tivesse uma faca cortaria a garganta dela, ficou histérica, vão acabar me prendendo nesta merda deste bairro. Janelas se abrem, as pessoas gritam umas para as outras das janelas, chamem os seguranças, apitos, linchem, linchem, cortem em pedacinhos. Fujo, corro, me escondo, cachorros latem em todas as casas, luzes se acendem, alguém chamou a polícia. Me tranco dentro de um banheiro químico fedorento, vomito de medo e nojo. Tá difícil ficar vivo nesta terra.
Ignácio de Loyola Brandão (Trecho do romance inédito)