O desejo é apresentado pelas serpentes que prometem uma ilimitada satisfação, sofisticação, realização. Fazem com que as mulheres prefiram um salto de 20 centímetros, equilibrando-se sobre um ponteiro, ao prazer de um confortável sapato. Todas sabem disso, todas sentem o conforto de um contra a dificuldade e os calos do outro. E daí?
Nas ruas por onde passamos, nas novelas, nos jornais, a dose inoculada obsessivamente estimula a compulsão; esta movimenta as lojas. Quando estudante, um professor contou-me que um sujeito com a mão apoiada na fria bigorna a golpeava com martelo; questionado sobre a “loucura”, respondeu que tinha imenso prazer quando não acertava os dedos. Quer dizer, fazemos da nossa vida um sacrifício inútil. Não temos educação para conseguir separar o bom do supérfluo. A vaidade tomou o lugar que deveria ser ocupado pelo justo discernimento.
Sacrificam-se coisas indispensáveis por um par de óculos usado por uma atriz de novela.
Assisti, faz tempo, à palestra de um “mago internacional de marketing”, uma aula de feitiçaria para vender por meio de compulsões provocadas nos incautos. Mostrava que as medidas devem insinuar-se como a serpente – em nada espalhafatosas ou faraônicas – e atingir o ponto fraco, inserir a chave na fechadura e rodá-la para entrar na cabine que comanda as decisões. Escrúpulos ele nunca acenou.
Antigamente eram as bruxas que sabiam criar a mandinga fatal e fazer acreditar: “Nisso está a felicidade”. Posta a premissa, o indivíduo passa a ser um atormentado. Um Perseu acorrentando à rocha com o fígado arrancado aos pedaços pela águia. Nesse conto, os antigos mostraram que conheciam bem que o fígado não tem nervos, não dá dor, e que, mesmo despedaçado, se regenera em qualquer idade. É o órgão do desejo, só tem ambição. A mulher, para ser admirada, se expõe a qualquer frio para mostrar o decote. E não sente frio. O desejo desconhece a dor, assim como o fígado, e ainda se perpetua.
O Perseu do século XXI se acorrenta aos desejos mais fúteis, não se apercebe de que é infeliz por não saber dominá-los. Acredita no “não tenho, portanto, sou infeliz”, mas ao contrário, é “infeliz por desejar demasiadamente e sem educação emocional”.
O niilismo budista ensina que o Nirvana se abre quando os desejos deixam de se recompor, quando morre o mecanismo que os cria, quando a matéria é dominada e, por isso, extinta em sua importância.
Jobs, antes de ser empresário, fez vida mística na Índia, se aproximou do conceito de “karma”, entendeu a sutileza tão abstrusa para o ocidental, da concatenação da causa e dos efeitos. Enxergou na vaidade um sentimento apenas “analógico”, e na “necessidade”, outro muito mais poderoso. Nesse campo, se deram seus estrondosos sucessos, como assim se deu nessa geração de “gênios nascidos em garagens”. Microsoft, Apple, Facebook, Alibaba, Oracle etc. Os Nasdaq.
Produtos “imprescindíveis”, “sine qua non”, ultrapassando a mera vaidade no ranking de valores que dominaram por séculos a humanidade.
Apesar disso, o segredo da felicidade permanece o mesmo explicado por Buda e por Cristo no Sermão da Montanha. Este mundo é uma mera passagem, um quebra-cabeça para se enfrentar com sabedoria.
Um desses “afortunados” gênios, Pierre Omidyar, da eBay, titular de uma dezena de bilhões, explica que, alcançando a riqueza espetacular, entendeu que esta não provoca necessariamente a satisfação. “Fiquei, da noite para o dia, estupidamente rico e vi que podia comprar não só o carro dos meus sonhos, mas como todos os 30 carros que estavam na loja. E, quando você percebe isso, todos os carros, de repente, deixam de ser interessantes e não satisfazem mais nada”.
Enfim, o desejo e a felicidade são tão efêmeros como tentar embrulhar um arco-íris. Nunca o serão. Ao menos nesta terra.