segunda-feira, 19 de outubro de 2015

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Moralistas sem moral

Há uma semana, a presidente Dilma estava no chão, e a caneta de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, cheia de tinta para assinar o ato que autorizaria a abertura do processo de impeachment contra ela.

Esta semana começa depois de mais um movimento abrupto da gangorra do poder: agora é Eduardo que está no chão, atingido por novas denúncias de roubalheira. E Dilma posa de vencedora.

Amanhã fará uma semana que Dilma perguntou a sindicalistas reunidos por Lula para escutá-la em São Paulo: “Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficiente para atacar a minha honra? Quem?”

Entusiasmada com os aplausos que recebeu, chamou o impeachment de “golpismo escancarado”, e seus adversários de “moralistas sem moral”.

De fato, são “moralistas sem moral” os políticos que tratam Eduardo com brandura, interessados apenas em que ele ceda às pressões e ponha para tramitar na Câmara o processo de deposição da presidente reeleita há menos de um ano.

Mas serão “moralistas com moral” aqueles que igualmente tratam Eduardo com brandura, empenhados apenas em que ele desista de derrubar Dilma?

Na condição de investigado, Lula desembarcou em Brasília para ser ouvido por procuradores da República.

Aproveitou a viagem para negociar com Eduardo o fim do impeachment em troca da salvação do mandato dele, ameaçado de ser cassado pela Câmara.

E da boa vontade da Justiça quando fosse obrigada a julgar Eduardo por corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.

Como Lula, sem ser um amoral, poderia garantir a Eduardo que deputados ligados ao governo negarão seus votos para cassá-lo?

Como Lula, sem ser um amoral, poderia prometer que o governo empregará toda a sua força para que Supremo Tribunal Federal absolva Eduardo dos seus crimes? Ou pelo menos para que não lhe aplique duras penas?

Diante da mesma plateia de sindicalistas que recepcionou Dilma em São Paulo, Lula justificou as “pedaladas fiscais” do governo que resultaram na rejeição de suas contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União.

E o que disse? Que o governo foi obrigado a pedalar para não deixar sem dinheiro o Bolsa Família e demais programas de assistência aos mais pobres.

Mentiu – o que não pega bem para um moralista com moral. Para um sem moral não faz diferença.

As pedaladas tiveram a ver com despesas feitas pelo governo para além do que o orçamento permitia. Com isso, desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Quem desrespeita lei incorre em crime. Não vale a desculpa imoral usada por Dilma de que governos anteriores procederam assim também.

Quanto à pergunta que ela fez aos sindicalistas: “Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficiente para atacar a minha honra?”

Há muita gente que tem, sim. Talvez falte motivo para o ataque. Em compensação, há motivos de sobra para que se ponha a conduta de Dilma em dúvida.

É provável que ela não tenha roubado. Mas que sequer tenha visto que roubavam?

Seu sucessor no Ministério das Minas e Energia é suspeito de ter roubado. Sua sucessora na Casa Civil, de tráfico de influência.

Como mandachuva na Petrobras, aprovou negócios que envolveram propinas. E viu a empresa submergir em um mar de lama.

Dinheiro sujo financiou suas duas campanhas.

Se tudo isso a surpreendeu, por carecer de competência não tinha condições de presidir o país. Não tinha mesmo.

Ricardo Noblat

A corrupção que ameaça as instituições

Há um evidente mal-estar na sociedade brasileira. As pessoas estão saudavelmente indignadas, enojadas, saturadas com os níveis inaceitáveis de corrupção que alcançamos. Confesso meu abatimento quando outro dia, no avião, saindo de Brasília, abri o jornal e vi a manchete: “92% dos brasileiros acham que todo político é corrupto”. Para quem vai completar 40 anos de militância e 34 anos do primeiro mandato, não é fácil encarar isso. Em recente conversa com minha filha, admiti que não era esse o país que queríamos entregar às novas gerações. Um sentimento generoso e uma utopia ousada moveram minha geração. Fizemos muito. A redemocratização, o combate à miséria, a estabilização da economia. Mas o Brasil de 2015 não é portador do futuro que imaginávamos. Há uma distância abissal entre os cidadãos e o mundo político. Os laços não são de confiança, admiração, esperança, ao contrário. Mas nesse mesmo dia, na praça onde caminhava, quatro senhoras colhiam assinaturas em apoio a um Projeto de Lei de Iniciativa Popular propondo dez medidas contra a corrupção.
A corrupção não nasceu hoje nem é monopólio brasileiro. Faz parte da condição humana. Onde há burocracia, interesses, balcões de intermediação, poder, dinheiro, potencialmente está a semente da corrupção. A política carrega, como nenhuma outra atividade humana, as contradições de nossa existência, virtudes e pecados. O problema é que, no Brasil, a corrupção se tornou endêmica, sistêmica, institucionalizada, operada em escala amazônica e industrial. Não há uma cultura republicana vitoriosa. Não houve aprendizado. A crise de Collor, a CPI do Orçamento, o mensalão não produziram a mudança cultural esperada. Não é à toa que figuras como Joaquim Barbosa e Sérgio Moro se transformam em verdadeiros heróis nacionais. Essa é a vitória, as instituições estão se fortalecendo, mas ainda impera certo ceticismo, como se no fim tudo fosse acabar em pizza.

A corrupção corrói o tecido social, mina a confiança, rouba eficiência da economia, dilacera a política, dinamita a solidariedade entre as pessoas. A cruzada anticorrupção deve envolver a todos. Não há corruptos sem corruptores. O empresariado tem papel central, estancando o estabelecimento de relações promíscuas.

Maquiavel nunca disse que “os fins justificam os meios” e identificava na corrupção generalizada a razão da queda da República romana. Jamais a diferença, em Weber, entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade autorizou o assalto aos cofres públicos em nome de uma “boa causa”. Nem os assaltos e sequestros da extrema esquerda nos anos 60, nem a mentira para ganhar eleições, nem a corrupção para comprar apoio parlamentar.

Mas o pior é que hoje, no Brasil, se trata de corrupção pura e simples, enriquecimento ilícito, roubo do dinheiro de todos. Verdadeiros corruptos sem causa. Os tempos são cinzentos, mas juntos, não tenho dúvidas, reconstruiremos a esperança e a decência.

Dilma se transformou?

Dilma se transformou? Marcou sem dúvida muitos pontos na entrevista coletiva na Suécia na qual fez, talvez, as afirmações mais importantes e taxativas de seu segundo mandato.

É possível alegar que se trata de um escudo contra as tentativas de retirá-la da Presidência; ou de uma estratégia a meio caminho entre o maquiavelismo e as táticas de guerrilha que ela conhece muito bem por tê-las praticado em sua juventude.

Pode também ter sido a confissão de uma inesperada transformação. O certo é que, acossada por todos os lados, com uma popularidade pífia, falou claramente, sem rodeios, algo que não costuma ser seu forte. “Quando digo não, não há outra opção, é não e acabou”, disse aos jornalistas ao afirmar que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, não só continua em seu governo como confiou a ele a política econômica do mesmo. “Se ele continua é porque nós concordamos com essa política”.

Pela primeira vez e com todas as letras, respondendo a uma declaração do presidente do PT, Rui Falcão, que pedia uma mudança da política econômica e indiretamente a saída de Levy, Dilma respondeu, quase como um desafio, que essa não será sua política. “O presidente do PT pode ter a opinião que quiser. Sua opinião não é a do Governo”. E explica que respeita suas opiniões, porque o PT “integra a base aliada” e é o partido mais importante da mesma, mas acrescenta algo de grande importância neste momento em que um de seus pontos fracos é a desagregação da base aliada que a levou ao poder. O fato do PT ser o partido mais importante da coalizão, diz Dilma, “não significa que sua opinião seja a do Governo”. Reivindica assim a força dos outros aliados.

Se o PT e os movimentos sociais até já se manifestaram nas ruas contra a política de ajustes fiscais e contra qualquer aumento de impostos, que é o ponto principal da política econômica defendida por Levy, Dilma foi de novo taxativa: defendeu a volta da odiada CPMF, o imposto sobre as transações bancárias como algo fundamental: “acreditamos que a CPMF é crucial para que o país volte a crescer”, um mantra que até o momento somente Levy havia dito.

Se existe uma notícia que esteve em todos os jornais na semana passada foi o fato de Lula pedir à Presidenta diretamente a saída de Levy do governo. Também aqui, Dilma foi taxativa, dura: “Nunca me pediu nada”. E acrescentou: Quando o Presidente Lula quer alguma coisa não tem o menor constrangimento em fazê-lo”.

Indiretamente, com todos sabendo que tanto Lula como o PT gostariam da saída de Levy, após a defesa sem rodeios sobre ele feita por Dilma, ela disse que Lula não se furta a lhe pedir alguma coisa,mas ela também não tem problemas na hora de lhe dizer não.

E por último, a Presidenta até chegou a fazer na Suécia um mea culpa sobre um dos pontos importantes da fracassada política econômica de seu primeiro mandato, que agora decidiu corrigir. Uma confissão que até sábado ela se negava a fazer. A Presidenta admitiu que um dos fatores que levaram o país a esse momento de crise econômica foi “a diminuição de tributações para setores da economia”, que ela havia concedido generosamente em seu primeiro mandato.

O leitor poderá concluir que, das graves e importantes afirmações feitas por Dilma na Suécia, é possível dizer que ela agora admite que decidiu assumir a responsabilidade de exercer em seu segundo mandato uma política econômica de cunho mais liberal, de ajuste fiscal baseado mais no crescimento do que no consumo, que se parece mais com as propostas feitas pela oposição durante a última campanha eleitoral e que é o verdadeiro programa do banqueiro Levy.

É possível.

Dilma se transformou? Decidiu, em um jogo de vida e morte, seguir seu próprio caminho justo no momento em que é acusada de ter delegado seu mandato ao seu tutor, Lula, que está governando em seu lugar?

Mistérios da emaranhada e enigmática política da qual é preciso se desligar se quiser realmente que o Brasil volte a crescer.

Logo saberemos se Dilma deu, com suas afirmações, um xeque-mate na partida que dava por perdida, ou se foi somente um salto suicida no vazio.

Uma coisa é certa: a Presidenta nunca falou tão claro e sem usar seu linguajar característico, difícil de interpretar até mesmo para os especialistas em linguística.

“Quando digo não, não há outra opção, é não e acabou” mandou dizer a gregos e troianos. E isso até os mais analfabetos entendem.

Perigosa irresponsabilidade

Mais uma semana se passou de total paradeiro, de descaso com as dificuldades que o cidadão comum, as instituições, as empresas e o resto do país vivem sem que se mudasse o eixo das preocupações dos que têm a responsabilidade institucional de oferecer soluções para que se estanque a vertiginosa degradação geral que acomete o Brasil. Estamos no fundo do poço, entregues a quadrilhas que chegaram ao seu pior momento: não se entendem quanto ao que querem. Instalou-se em Brasília, de onde se espera que apareçam alternativas e propostas, a mais desordenada briga de gangues.

A presidente e seus olheiros, desde 1º de janeiro, cuidam de evitar que o deputado Eduardo Cunha, para muitos estranhamente ainda solto, leia de sua cadeira de presidente da Câmara dos Deputados o pedido de instalação de impeachment. Eduardo Cunha, de conhecida carreira, foi apanhado como titular de centenas de contas no exterior (na Suíça, nos Estados Unidos e no Panamá), de onde, comprovadamente, sem qualquer dúvida, ele e sua família tiravam dinheiro para comprar calcinha, pagar o personal, a depilação, viajar e hospedar-se nos melhores hotéis. E é nas mãos dessa figura que está a decisão de cumprir ou não o ato protocolar.

Em paralelo, mais ninguém nesse país sabe o que espera para que a Procuradoria da República e o STF enviem para a casa de Cunha, num camburão da frota, as algemas, o macacão alaranjado e a tornozeleira que a família poderá ter que usar nos próximos anos, como prêmio, por décadas, de afrontosa burla e fraude em bem urdidas ações colecionadas para pilhar o patrimônio público.

Como sugestão, que se requisite o estádio Mané Garrincha, pela sua proximidade com a Justiça, com os Tribunais Superiores e com a Polícia Federal, (por facilidade logística), e nele se organizem as celas que a Justiça precisa para receber mais rápida e economicamente, ainda que com desmerecido conforto, mas banho de sol, essa horda que está arrebentando o país. Independentemente de partido, se do PT, do PSDB, do PMDB, de qualquer outra banda podre que são quase todos os 36 partidos do Brasil.

Mas que lá se abriguem por muitos anos os que meteram a mão no caixa do tesouro. Os que em bando sempre ocuparam espaços de decisão para se enriquecerem. Os que usam ou usaram sua caneta, sua autoridade, seu cargo, seu mandato, para nomeações imorais, para furtar e mamar, sem limites, nas tetas dos governos, os privilégios que reservaram para sua satisfação. O espaço é pródigo para receber essa galera. Ladrões, muitos contando tempo para farta aposentadoria nos Estados, nos municípios, nas assembleias legislativas e câmaras municipais, em todos os poderes do Estado. Juntem todos que, sem medo de sermos injustos, poderão partir em caravanas rumo ao Planalto Central. O Mané Garrincha receberá.

O que não podemos mais é ficar onde estamos, com o povo desempregado, com fome, sentado num barril de pólvora, no limite da explosão.

A escolha de Sofia

Quem cai primeiro: Dilma ou Eduardo Cunha? Essa, para mim, é uma escolha de Sofia, a personagem que teve de decidir qual dos dois filhos seria sacrificado. Sofia queria que ambos sobrevivessem, daí a angústia de sua escolha. No caso brasileiro, gostaria que os dois caíssem e, se possível, levassem também o Renan Calheiros.

Para o ex-ministro Joaquim Barbosa, o impeachment de Dilma é uma bomba atômica. Mesmo discordando de sua conclusão, acho que a imagem é útil e nos remete ao período da Guerra Fria, no qual a ameaça de uma hecatombe nuclear se tornou um fator de equilíbrio.

Eduardo Cunha tem contas na Suíça e foi detonado por quatro delatores. Hoje, conta com a simpatia da oposição. O líder do PSDB fez um discurso nauseante de apoio a Cunha na CPI. Fiquei tão chocado que escrevi mensagem de protesto para seu gabinete.

CONGRESSO PW

Mas Cunha floresceu no período do PT. Era líder de seu partido, o PMDB, comandava votações e nas questões econômicas fechava com o governo. O processo de degradação que o PT favoreceu acabou levando a uma consequência lógica na Câmara: o mais hábil e experimentado bandido acabaria ocupando a presidência.

A imagem de Barbosa serve, no entanto, para descrever o quadro. O impeachment tem valor para Cunha apenas como ameaça. Ele sabe que o impeachment de Dilma, imediatamente, levaria à sua própria queda. Dilma e Cunha necessitam um do outro e talvez evitem a guerra até que um deles caia por si próprio, derrubado pelos cupins que o consomem. Só existe um fator capaz de trazer alguma esperança: a participação popular. Sem ela, o Congresso fica perdido, os dramas vão se arrastar e reduziremos as chances de prosperidade das novas gerações.

Lula, por exemplo, escolheu um caminho de defesa: os fins justificam os meios. As pedaladas fiscais aconteceram para financiar o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. É um argumento tenebroso porque engana os mais ingênuos e continua dando à quebra das regras do jogo um certo charme de Robin Hood. 

Acontece que o governo não pedalou apenas com os gastos sociais. Fez inúmeras despesas, em torno de R$ 26 bilhões, sem consulta ao Congresso. Em qualquer democracia do mundo, isso é crime bem mais grave do que comer um bombom na mesa do delegado da PF.

Não importam Teoris e Rosas e outros juristas vestidos de preto, com uma linguagem empolada. Nessa semana fizeram o que condenamos nos juízes de futebol: apitaram perigo de gol. O governo acentuou seus erros num ano eleitoral precisamente para dizer agora: esqueçam o passado, não sou responsável por ele. E, com esse argumento, pedalou até em 2015.

Enquanto potencialmente puder acenar com o impeachment de Dilma, Cunha ficará vivo. E enquanto tiver Cunha como seu grande oponente, o governo vai propor a ele um acordo de sobrevivência. É uma dádiva para o PT que ele tenha encarnado a oposição.

Dizer que nada vai se resolver enquanto for decidido por cima não é, necessariamente, pessimismo. Milhões de pessoas rejeitam Dilma e Cunha. Mas não podem apenas esperar que um destrua o outro. 

Ou supor que as instituições, por si próprias, encontrem a saída. O Brasil está vivendo, de novo, aquele dilema do personagem de Kafka que esperou anos diante da porta do castelo, para descobrir que ela sempre esteve aberta.
Nossa oposição é medíocre, o Supremo aparelhado pelo PT, que se gaba de ter pelo menos cinco ministros na mão. Os principais personagens, Dilma e Cunha se equilibram pelo terror.

Milhões de pessoas querem mudança. Mas esperam que aconteça num universo petrificado de Brasília. As coisas se parecem um pouco como aquele poema de John Donne sobre sinos dobrando. Não pergunte por quem dobram, pois dobram por você. De uma certa maneira, não será o Cunha, Congresso ou Supremo que resolverão essa parada. Ela depende de cada um.

Enquanto os atores institucionais e seus cronistas nos reduzirem apenas a expectadores, esse filme de quinta categoria não acaba nunca. Não quero dizer com isso que precisamos fazer manifestações cada vez maiores, para os jornalistas medirem, fita métrica na mão, o nosso avanço.

Com mais de meio século de experiência nas ruas, cheguei à conclusão de que nelas, como em outros lugares, não é só a quantidade que conta. Há um grande espaço para a qualidade e invenção. Mesmo sem nenhuma garantia de que esse caminho dê certo, ele tem, pelo menos, a vantagem de estar nas nossas mãos.

Da anistia às diretas, passando pela queda de Collor, as conquistas populares foram notáveis. Mas assim como na profissão de jornalista, o passado é muito bom mas não serve de consolo para os desafios do momento. O foco é sempre a próxima tarefa.

E o Brasil parece ter empacado na próxima tarefa. Ela não se resume na troca no poder, mas também na busca de um crescimento sustentável em todos os sentidos. Não podemos mais voar como galinha nem seguir, desvairadamente, destruindo recursos naturais.

Alguns amigos sonham com a garotada que vem aí. Mas os ombros dos jovens não precisam suportar o mundo. O futuro interessa também aos que não estarão vivos para presenciá-lo.

O medo que nos tribaliza


Resultado de imagem para O medo que nos tribalizaDaqui a algumas décadas – quando esses inícios do século 21 estiverem em definitivo no passado – é provável que nos lembremos deles como um “medievo de medo”. E sobre o medo diremos que corrói as relações sociais – e, com elas, todo o resto, qual cupim na madeira. Ainda não temos a dimensão exata do estrago da chamada sociedade apavorada, mas sabemos o bastante: cidades acuadas pela violência e por seus efeitos são cidades em que o conhecimento não é dividido, porque a convivência foi afetada na jugular. Ela decresce. Um punhado de pessoas que não têm nada em comum – fora dividir o mesmo território – outra coisa não é senão a negação do processo civilizatório.


De modo que o medo se tornou o maior dos nossos problemas. Os americanos de outras datas se deram conta disso. É o país do mundo em que mais se estuda a felicidade – e seus efeitos, inclusive, sobre a economia. E também onde mais investiga os efeitos nefastos do medo, e o atentado diário que esse fenômeno faz à geração de riquezas, com tudo o que demanda dessa palavra. Pensemos em estudos como o de Barry Glassner, autor de Cultura do medo.

É curioso o que acontece no Brasil. As principais cidades estão numa zona endêmica de violência, caso lhe sejam aplicados os critérios internacionais. Nossos dados são superlativos, mas a violência e seu filhote, o medo, estão longe de mobilizar a sociedade. O número de pesquisas é insuficiente. A sociedade organizada tem um discurso a respeito, mas tropeça na hora de agir. 

A explicação é evidente – lamentamos, protestamos, mas continuamos achando, impotentes, que se trata apenas de uma incumbência do Estado. Muitos diriam que não poderia ser diferente. A violência alcançou tamanho grau que o homem comum só consegue responder com silêncio. É o que qualquer um faz quando se sente impotente. Mas já são horas de romper esse círculo do vício e provocar uma cultura de sociedade da justiça e da paz, como se dizia. Ou reagimos com uma agenda positiva, ou vamos nos empobrecer ao extremo, fazendo apostas torpes na sociedade vigiada. Cabe à sociedade organizada dizer “alto lá”.

A divulgação do 9.º Anuário Brasileiro de Segurança Pública – produzido com a base de dados dos governos estaduais – nos dá elementos para iniciar a conversa. Em um ano, aumentamos os índices de violência em 5%. Em vidas, é bastante. O número de mortos de 2014 foi de 58.559 pessoas – sendo as causas homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte, latrocínio e ações policiais. O cálculo beira o surreal – uma morte a cada nove minutos e índices alarmantes de 28 mortes a cada 100 mil habitantes.

Vale fazer um recorte na estatística de latrocínio, mesmo não sendo a mais alarmante. Representa menos de 5% das mortes – um total de 2.061 vítimas, seguida de 773 feridos. O efeito de um latrocínio é cruel sobre o imaginário. A violência da rua passa à porta da sala. Na clássica oposição entre casa e rua explorada por Roberto DaMatta, enquanto a “rua” cabe ao Estado, a “casa” está sob nossa custódia. É ali que, nas nossas mais sinceras crenças, fazemos a nossa parte. Esse esforço é desprezado. Violar o espaço doméstico é praticamente permitido. Diz-se por aí que não há solução para esse tipo de infração e ao que acarreta. A dizer: cada furto e roubo é a possibilidade do homicídio e da lesão corporal. Ao saber que esse temor é desprezado pelo poder público, resta ao cidadão leiloar o que lhe sobrava de confiança nas forças de segurança.

Eis o ponto. O mundo da segurança pública se rendeu à sociedade do espetáculo. Está empavonado demais para se ocupar de “miudezas”. Todos os esforços são no sentido de reprimir o crime organizado e de “manchetear” a ideia de um Estado corajoso e providente. É claro que essas ações são urgentes e necessárias, mas há um flagrante descuido com a violência às pessoas comuns. Pura burrice. Essas pessoas poderiam se tornar agentes cidadãos de segurança pública, caso se sentissem assistidas pelas polícias. Ao negligenciar a atmosfera de medo provocada pelo roubo e furto – e como esses delitos sugerem a possibilidade do latrocínio –, o poder público outra coisa não faz senão empurrar parte da população para os braços da informalidade das pequenas milícias e para a indústria de cercas elétricas, câmeras e afins.

A população fica trancafiada, enquanto quem deveria ajudar a lidar com isso defende uma hierarquia na solução dos crimes, partindo da supremacia do crime organizado. Ora, difícil sustentar que não há um alto grau de profissionalização dos assaltos a carros e residências. São sofisticados, e não ladrões de ocasião. 

Olheiros, pequenas redes de informação, “sociedades anônimas” podem não precisar de helicópteros para que sejam reprimidos, mas sua dissolução é urgente. Só assim para neutralizar as raízes do medo. Há um mal que se infiltra pelas calçadas, com potencial de ser tanto mal quanto o tráfico. Tomara que o futuro não nos conte mais essa verdade.

Nau à deriva

O Brasil assemelha-se a uma nau à deriva sob intensa tormenta, sem saber para onde ir nem ter nenhuma orientação. O timoneiro, no caso, timoneira, envolta em suas fantasias, já não consegue perceber a realidade e, sobretudo, a sua gravidade. Sua maior preocupação é a própria sobrevivência, tudo o mais e todos os outros – a saber, a totalidade dos cidadãos deste país – são simplesmente mandados às favas.

Seus auxiliares imediatos, seus assessores, compartilham a mesma visão enevoada, vendo nas ondas que se agigantam e no furacão que se aproxima um claro céu de brigadeiro. Olham o “sol”, como se ele se oferecesse naquele momento. Juntos, todos olham o inexistente e fecham os olhos para a triste realidade. E a nave vai soçobrando.


Triste a situação vivida pelos brasileiros. Acreditaram, em sua metade, num discurso eleitoral, melhor, eleitoreiro, que tudo fez para encobrir a realidade, para que a tormenta que se aproximava não fosse vista. Foram, depois, com os demais, lançados dentro de um furacão.

A timoneira da ilusão nada mais fez senão afundar a si mesma em discursos desconexos, frases sem sentido, como se assim o feito não tivesse sido feito, o encoberto não tivesse sido descoberto. A desesperança, a desconfiança e a falta de expectativas terminaram por atingir todos os habitantes deste país.

E o que é proposto? Um arremedo de ajuste fiscal, com base na criação de um “novo” imposto, a velha CPMF, que nada mais é do que um arranjo provisório para maquiar contas estouradas e que continuarão a estourar se verdadeiras reformas não forem empreendidas, como a da Previdência. E mesmo essa medida tem pouquíssimas chances de ser aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Aliás, no mundo da sobrevivência, mesmo esse esquálido ajuste fiscal passou a segundo plano. Quase já nem se fala dele. Foi literalmente substituído pela tentativa presidencial de evitar o impeachment.

A nave afundando e a timoneira só preocupada consigo, em como vai sobreviver, mesmo se o custo disso for o País, que pode ter prolongada a sua agonia por ainda três longos anos, o que pode hipotecar o futuro das próximas gerações.

No meio da tormenta, contudo, a timoneira ganhou certo fôlego, embora a tempestade não vá amainar. Ao contrário, só tende a aumentar. E quanto mais durar a agonia, piores serão os seus efeitos futuros.

A decisão de dois ministros do Supremo de suspender o ritual do impeachment como estabelecido pelo presidente da Câmara dos Deputados foi inicialmente interpretada pelo governo e por jornalistas e analistas mais afoitos como uma suspensão do impedimento enquanto tal. E não como deveria ser, a saber, somente da aplicação do regimento da Câmara para dirimir eventuais questões, como a de eventual recurso ao plenário.

Na verdade, o poder monocrático do presidente da Câmara dos Deputados foi reforçado, pois cabe a ele, solitariamente, decidir pelo acolhimento ou não de um pedido de impeachment, encaminhando-o, então, a uma comissão especial a ser criada. Ele é, segundo a Constituição e a Lei do Impeachment, o senhor dessa decisão.

Acontece que – por causa da Lava Jato e dos seus desdobramentos no Supremo Tribunal Federal – o deputado Eduardo Cunha está também navegando sob intensa tormenta, preocupando-se exclusivamente com a preservação de seu mandato, que lhe dá foro privilegiado num julgamento que se avizinha. Tudo fará para sua própria sobrevivência.

O governo dança ao ritmo de seus passos! E para ele, quanto mais se prolongar esse impasse, melhor, pois terá de enfrentar o Conselho de Ética, no qual haverá uma nova configuração entre seus “amigos” e “inimigos”. Eis o fôlego do governo!

E o Brasil? Este sucumbe à falta de governo e à incerteza generalizada. O cenário econômico só tende a piorar, não havendo nenhuma sinalização de melhoria. Decisões necessárias ou são ignoradas ou foram relegadas ao limbo. Reformas estruturais nem chegaram a entrar na ordem do dia. Não há, no curtíssimo prazo, nem decisão favorável nem desfavorável ao impeachment, o que faz com que os agentes econômicos só posterguem suas decisões. O impeachment só se delineará mais claramente em algumas semanas.

Acrescente-se o fato de o ministro Joaquim Levy perder crescentemente apoio, com o PT nem mais se preocupando em guardar as aparências e passando a pedir abertamente a sua demissão. O próprio presidente Lula está seguindo essa tendência, advogando pelo populismo que levou o País a este descalabro. Sem definição política não há definição econômica. As perspectivas são, nesse sentido, sombrias.

Tudo deveria ser feito para que a atual tormenta não dure até as eleições de 2018. Mesmo que lá, naquele longínquo momento, novos ganhadores venham a conquistar o poder, o País estará em posição ainda mais claudicante. Não haverá o que comemorar e o novo governo terá pela frente uma duríssima situação. Quanto mais as decisões tardarem, pior será o descalabro. O bom senso exige que esse cenário seja abreviado.

Para que ele se torne factível seria necessária uma reconfiguração político-partidária, com o vice-presidente, Michel Temer, assumindo a Presidência da República. A presidente se afastaria, uma nova agenda nacional seria elaborada e apresentada à Nação, encarando os problemas com realismo. O discurso da ilusão deveria ser substituído pelo do sacrifício.

Nesse cenário, o melhor seria que tal processo fosse o resultado de uma articulação política, que pusesse o futuro do Brasil acima de qualquer disputa partidária. O desprendimento teria de ser o seu vetor principal, com os partícipes então disputando o poder, entre si se for o caso, em 2018, já então com um país reformado, pois teria feito as reformas e os ajustes imprescindíveis. O momento exige pessoas com o perfil de estadista, e não meros oportunistas de ocasião.

Um hipopótamo na Praça dos Três Poderes

Um congresso reunindo os maiores caçadores do mundo fazia sucesso no coração da África. Numa clareira, no meio da selva, cada um dos participantes esmerava-se em contar as façanhas mais corajosas. Ao final de cada intervenção, o orador era aplaudido.Quanto mais leões e leopardos tivesse matado, mais palmas e gritos de entusiasmo. Foi quando o Gaguinho, célebre caçador de onças do pantanal, levantou-se e exclamou “Hip! Hip!” ao que a assembleia completou “Hurra! Hurra!”. Mais duas vezes, com os olhos fora da órbita, ele repetiu “Hip! Hip”, seguindo-se vibrantes “Hurra! Hurra”, com tentativas de carregar nos ombros o caçador mais corajoso, que abatera oito leões com uma única bala no fuzil.

Foi quando chegou um hipopótamo e comeu todo mundo. Ninguém percebeu que o Gaguinho estava alertando para o avanço da fera…

Conta-se a historinha onde os hipopótamos são carnívoros, a propósito de outro congresso, se não de caçadores, ao menos de mentirosos, reunido na Praça dos Três Poderes. Derramam-se todos em veementes exortações a respeito de a impunidade estar varrida do Brasil e de que quantos meteram a mão nos dinheiros públicos sofrerão as penas da lei.

Pois o Gaguinho, que também é deputado, já começou a alertar, mas ninguém presta atenção. Trocando as sílabas, ele denuncia que Eduardo Cunha, presidente da Câmara, não será punido. Que manterá seu mandato e sua função, por conta do alegado benefício da dúvida, da liderança e das manobras que executa junto aos colegas e pelas ligações com o palácio do Planalto.

O problema para os nossos caçadores é o hipopótamo que se aproxima, fantasiado de povo. Não dá para imaginar o cidadão comum permanecendo mergulhado na indiferença. Acabará ganhando as ruas, sem a certeza de suas manifestações acontecerem pacífica e ordeiramente, como as mais recentes. E não se pense que centralizadas apenas na figura de Eduardo Cunha. Há montes de caçadores sendo flagrados em assaltos à Petrobras e demais empresas públicas. Dos 513 deputados e 81 senadores, quantos mantém contas secretas na Suíça e em variados paraísos fiscais? Quantos receberam dinheiro podre para as campanhas e mil outros objetivos?

O hipopótamo está com fome e revoltado diante do desemprego em massa, da alta de impostos, taxas e tarifas, da redução salarial, da deterioração dos serviços públicos e da violência crescente.

Inferno cotidiano

O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço
Italo Calvino

Depois da água, gestão do lixo pode ser o novo foco de crise


Um café com leite e um pão com manteiga iniciam o dia de milhares de brasileiros. O preço do pãozinho subiu. O do café também. E o banho matinal está mais curto por causa da crise hídrica. Fora isso, a vida segue. Ninguém se pergunta para onde vai o pote de manteiga quando seu conteúdo acabar, tampouco o que fazer com o resto de café no coador ou com a embalagem de leite. E esse será o centro de uma nova crise, caso o poder público e a população não se mobilizem.

O cenário é crítico. Só no Brasil, no ano passado, 30 milhões de toneladas de lixo foram parar nos lixões, que são aterros considerados inadequados e oferecem risco ao meio ambiente e à saúde. Esse número representa 40% do total de lixo gerado no país neste ano. Os dados fazem parte de um levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Sólidos (Abrelpe). “São cerca de 80.000 toneladas de lixo poluindo solo e água diariamente”, afirma Ednilson Viana, professor da USP e membro do Conselho de Curso de Gestão Ambiental. “As pessoas não têm noção do que isso significa”.

Para Viana, os números apontam para um possível colapso em um futuro não muito distante. “Estamos a caminho de uma situação crítica, como a situação da água. A próxima crise será a do lixo”, diz. E os passos dados pelo poder público nesse âmbito também são lentos. Em 2010, foi instituída a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que, dentre outras coisas, estabelecia que os municípios entregassem, até agosto de 2012, um plano de gestão para o lixo. Também concedia o prazo de agosto de 2014 para que as cidades acabassem com os lixões.

Nenhum dos dois prazos foi cumprido. Por isso, em julho deste ano,o Senado aprovou a prorrogação desse tempo, dividindo as datas para os diferentes tamanhos de cidades. Com a nova norma, as capitais e municípios de regiões metropolitanas têm até 31 de julho de 2018 para acabar com os lixões. As cidades com mais de 100.000 habitantes terão até o final de julho de 2019. Já os municípios entre 50.000 e 100.000 habitantes têm até 31 de julho de 2020, e os com menos de 50.000 habitantes têm até julho de 2021.

O Grilo Falante de Lula

O palestrante Luiz Inácio da Silva é um sujeito de sorte. Antes de se consagrar com suas palestras internacionais, ele passou pela Presidência da República, onde não ganhava tão bem. Mas tinha bons amigos, especialmente na empreiteira Odebrecht, que lhe sopravam o que dizer nas reuniões com outros chefes de Estado. Os recados eram passados ao futuro palestrante, então presidente, sob o título “ajuda memória” – ou seja, os empreiteiros estavam ajudando o presidente a se lembrar de coisas úteis, uma espécie de transplante de consciência. A Odebrecht era o Grilo Falante de Lula.


Nem Pinóquio teve uma ajuda-memória tão generosa. A de Lula se transformou em negócios de bilhões de reais – mas é bem verdade que Pinóquio não tinha um BNDES, só um Gepeto. É uma desvantagem considerável, especialmente porque Gepeto não fazia operações secretas, ao que se saiba. “O PR fez o lobby”, escreveu o então ministro da Indústria e do Comércio aos amigos da Odebrecht, respondendo à cobrança da empreiteira sobre a defesa de seus interesses pelo PR Lula junto ao PR da Namíbia. Essa e outras ajudas-­memórias valiosas, reveladas pelo jornal O Globo, não tiveram nada de mais. Segundo todos os envolvidos, isso é normal.

A normalidade é tanta que a parceria foi profissionalizada. Quando Luiz Inácio terminou seu estágio como PR, foi contratado pela Odebrecht como palestrante. Nada mais justo. Com a quantidade de ajuda-­memória que ele recebera da empresa durante oito anos, haveria de ter muita coisa para contar pelo mundo. Foi uma história bonita. Lula soltinho, sem a agenda operária de PR, viajando pelos países nas asas do lobista da Odebrecht, fazendo brotar obras monumentais por aí e mandando Dilma e o BNDES bancá-las, enquanto botava para dentro cachês astronômicos como palestrante contratado da empresa ganhadora das obras. Normal.

A parceria também funcionou no Brasil, claro, com belos projetos como o estádio do Corinthians – que uniu seu time do coração com a sua empreiteira idem. Num drible desconcertante dos titãs, o Morumbi foi desclassificado para a Copa de 2014 e brotou em seu lugar o Itaquerão, por R$ 1 bilhão. Como não dava para Gepeto fazer a mágica, o Pinóquio PR chamou o bom e velho BNDES para operar mais esse milagre. Após alguns anos fazendo os bilhões escorrerem dos cofres públicos para parcerias interessantes como essas – incluindo as obras completas da Petrobras –, o palestrante e seu partido levaram o Brasil à breca. Ainda hoje, em meio à mais terrível crise das últimas décadas, que derrubou o aval para investimento no Brasil e fará dele um país mais pobre, a opinião pública se pergunta: como foi que isso aconteceu?

Graças a essa pergunta abilolada, o esquema parasitário que tomou de assalto o Estado brasileiro ainda permanece, incrivelmente, sediado no Palácio do Planalto. O tráfico de influência como meio de privatização de recursos públicos – através de parcerias, consultorias, convênios, mensalões e pixulecos mais ou menos desavergonhados – foi institucionalizado, de cabo a rabo, no governo petista. Lula, o palestrante, é investigado pelo Ministério Público por tráfico de influência internacional. O Brasil se surpreende porque quer: esse é o modus operandi de todos os companheiros que já caíram em desgraça – Vaccari, Delúbio, Erenice, Palocci, Dirceu, Valério, Youssef, Duque, Vargas, João Paulo, Rosemary... Faltou alguém? Ou melhor: sobrou alguém?

Marcelo Odebrecht recomendou que Lula ressaltasse o papel de “pacificador e líder regional” do presidente de Angola. E assim foi feito. Deu para entender? O dono da empresa e cliente do governo era quase um adido cultural do presidente. Se o Brasil não consegue ver promiscuidade (ou seria obscenidade?) nesse enredo, melhor botar o Sergio Moro em cana e liberar o pixuleco.

Acaba de ser arquivado o inquérito contra Lula no mensalão. No auge do escândalo com a Odebrecht e demais envolvidas no petrolão, o PT bate seu próprio recorde de cinismo advogando a proibição das doações eleitorais de empresas. Pixuleco nunca mais. Ajuda-memória ao gigante: ou abre os olhos agora ou não verá as pegadas companheiras sendo mais uma vez apagadas. Aí os inocentes profissionais estarão prontos para o próximo golpe.

Guilherme Fiuza

E nós? Nós, os mortais afetados

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As nossas coisas, as que nos dizem respeito direto, a melhoria, o desenvolvimento, o andamento das questões comportamentais e sociais, os projetos – até quando vamos ficar esperando a decisão que essa infernal política mequetrefe está diariamente nos impondo, envergonhando? Com que forças podemos gritar, tal como He-Mans, para salvar nossa Etérnia?- “Pelos Poderes do Brasil!”

Nunca tivemos um Congresso Nacional tão ordinário. Nunca, e olha que não sou eu que estou afirmando, mas muitas das maiores cabeças pensantes – sim, temos muitas, por aí, isoladas, vozes no deserto – do país. Pessoas da maior qualidade em suas áreas, de esquerda-direita-centro-alto-baixo-norte-sul-leste- oeste. Nunca tivemos um Governo democrático eleito, lindo, mas tão incapaz. Nunca tivemos um Judiciário tão dividido, discutível. E, se imprensa um dia foi chamada de Quarto Poder, agora está abaixo do rabicó da cobra, submetida. Submetida.

Embora possa parecer contraditório chamar de pensantes algumas dessas mentes que continuam ainda apoiando o Governo como um todo, há também de se compreender alguns de seus motivos. O principal, a preocupação com a segurança institucional. Mas, no geral, podem dizer o que for, não há mais como defender o atual estado das coisas. Já transbordam das quatro paredes opiniões bem claras sobre o patetismo do petismo, o trapalhonismo, o cabeça-durismo da senhora governante e seus amiguinhos, também conhecidos por total falta de capacidade política e aptidão para governar.

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O impasse está criado. Cada dia o buraco fica mais fundo. Pergunto aqui e ali, transitando entre estes dois mundos, os a favor e os contra. Ninguém me dá uma resposta objetiva. Uns não aceitam impeachment nem renúncia, nem querem ouvir falar, mas também não nos respondem onde encontrar a luz. Outros se juntam ao que há de mais malévolo, ou se fingem de mortos, ou apenas tentam se safar de seus próprios erros pulando de lagoa em lagoa, coaxando.

Enquanto isso parece que tudo que nos é mesmo importante – de nossas vidas, dia a dia, padrões, pode esperar – e não pode. A velha questão do País do Futuro que nunca chega. Agora com mais uma novidade: o tal sigilo carimbado. Estão querendo trancar por anos e anos as informações que nos são de direito. Transparência só na roupa das meninas, nada de transparência nos atos. Não importa se podemos ficar sem água, se a violência se espalha, se agora é hora da tecnologia nos servir, voltamos à idade da pedra. Pagamos e não recebemos, e nem sabemos porque pagamos, mas querem nos sugar ainda mais. As melhorias propostas pioram, subtraem, inacreditável. De troco, decretos, decisões revogáveis de acordo com a cara que acordam, olham no espelho, furam os balões de ensaio que empinam, estocando vento. Não temos para onde olhar. Um atrás do outro, fazendo cada uma pior que a outra.

Desenvolvimento de pesquisas? Células tronco? Legalização ou descriminalização? Discussão sobre o aborto? Estado laico? Novo código penal? Verdadeira justiça social? Ficaria algum tempo enumerando questões que, enquanto vemos passar o lodaçal, de roubos à luz do dia, de arroubos administrativos e de arrobas boiando nas redes sociais, estão sendo postas na fila de espera.

O problema é que nem começaram a distribuir as senhas. Não há mais cadeiras para sentarmos para esperar. Palavras demenageur012cruzadas já não nos distraem mais.

Começar de novo. Por onde? Por uma nova Assembleia Nacional Constituinte, talvez. Mas como apagar tudo que está aí? Não dá nem para falar em passar um branquinho corretor – vão me acusar de racista. Porque nessa hora, na hora de melhorar, de partir para cima, sempre aparece um montinho de politicamente corretos, que corretos não são politicamente agindo.

Marli Gonçalves 
São Paulo, passando da hora de enfeitarmos nossas janelas, portas e frestas com verde e amarelo, claramente