sábado, 18 de janeiro de 2020

Insegurança (sic) eleita

Passei a conhecer um homem que tentou vencer uma insegurança com os meios errados, sabe? Ele poderia ter tido nesse percurso um processo de engrandecimento, mas não foi isso que aconteceu. Ele tentou vencer aquela insegurança dele na marra, passando por cima de críticas em vez de se engrandecer e governar sem as ideologias, obsessões e fantasmas que ele trouxe quando assumiu. Acho que isso ainda pode acontecer, mas o que aprendi foi isso, um homem que não se engrandeceu no cargo, que perdeu essa oportunidade, de fazer um governo melhor do que ele
Thaís Oyama, autora de "Tormenta", livro sobre o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro

A luta entre razão e emoção

O mote da década de 50 acompanhou por anos a vida dos consumidores: “vale quanto pesa”. O símbolo da balança na embalagem garantia a legitimidade do sabonete e reforçava o conceito da “verdade verdadeira”. De lá para cá, a verdade passou a perder substantivos e a ganhar superlativos, dando vazão ao bordão desses tempos virtuais: “vale muito mais do que pesa”. Que embala propagandas, expressões sobre pessoas, políticos, jogadores de futebol etc.

E cai bem no momento em que a política começa a rejeitar velhos paradigmas. Nesse ano eleitoral, enquanto o superlativo dominará a política, a verdade se cobrirá de "fake news", dividindo os mundos real e virtual, a serem guiados por três ferramentas cognitivas: a razão, a emoção e a polarização.

O cenário da razão abriga eleitores conscientes, autônomos, que já não agem ao estilo “Maria vai com as outras”. Esse campo disputará o processo decisório com o da emoção. Basta medir a temperatura ou ver o desfile de adjetivos nas redes sociais entre bolsonaristas e oposicionistas.



Indignação, revolta, ódio se amalgamam nas bandas que dividem a sociedade: os adeptos do presidente Jair; os oposicionistas que não leem pela cartilha da direita-radical-conservadora; e os centristas, que olham em volta à procura de novos protagonistas.

Bolsonaro e Lula lideram o cabo de guerra, com linguagem embalada em celofane emotivo. Ambos se esforçam para antecipar a campanha usando metralhadoras expressivas para agregar parceiros e encantar as turbas com uma semântica desarrumada e destemperada.

Ora, quando falta razão, valem-se da emoção em mensagem subliminar, querendo dizer “somos gente como vocês”. Metáforas se produzem aos montes para garantir um suporte de simpatia.

Mas a movimentação social no Brasil mostra que a razão, no processo de tomada de decisões, amplia adeptos até nos setores populares, tradicionalmente emotivos. Os comportamentos racionais hoje em dia indicam reordenamento de valores, princípios e visões dos grupamentos sociais sobre sua cidadania.

É o caso de perguntar: que vetor influenciará mais na campanha deste ano? Atente-se para o ethos nacional, que agrega valores como cordialidade, improvisação, exagero, paixão, solidariedade. A “alma caliente” dos trópicos se contrapõe à frieza anglo-saxã. Ou seja, a emoção ganha da razão.

Mas o processo racional se expande ao correr do avanço civilizatório. As mudanças começam no campo individual. A pessoa, escondida no anonimato, descobre que pode ser cidadã. A cidadania deixa de ser bandeira de instituições e se torna desejo. Isto é, amplia-se a consciência do “EU" em contraponto ao conceito do "NÓS", esteira da propaganda política.

Maior autonomia desenvolve autogestão técnica, pela qual os indivíduos traçam rumos e selecionam meios de atingir seu intento. As pessoas já não aceitam as regras do poder normativo e fogem dos "currais" psicológicos que enclausuram pensamentos.

O campo social alarga os discursos, propicia a rebeldia das formas e provoca a rejeição a tudo que se assemelhe a totalizações. Classes sociais e categorias profissionais desfraldam suas bandeiras. Se muitos ainda votam com a emoção, outros fazem uso da razão: o voto sai do coração para subir à cabeça.

Foi-se Alvim, permaneceu política cultural tóxica

A presença de expressões de Joseph Goebbels, ex-ministro da Propaganda de Adolf Hitler, nos lábios de uma autoridade do Brasil não poderia ter outro desfecho senão a exoneração de Roberto Alvim da poltrona de secretário Nacional de Cultura. Apesar de a ficha de Jair Bolsonaro ter demorado algumas horas para cair, foi ao olho da rua um assessor que não deveria nem ter sido nomeado. Mas há um problema: permanece intacta a pretensão do presidente de colocar em pé uma política cultural tóxica.

Os detalhes da nova política foram aprovados por Bolsonaro. O secretário demitido esteve com o presidente na véspera. Participou de uma live. Recebeu efusivos elogios do chefe. A política do governo para esse setor parte de um diagnóstico segundo o qual a "cultura está doente". E seria necessário promover um "renascimento da arte".

Esses conceitos mimetizam, macaqueiam a teoria nazista da "arte degenerada", cujo expurgo Hitler promoveu na Alemanha. A pretexto de estimular um nacionalismo de viés governista, conspira-se contra a essência da manifestação artística, combate-se tudo o que possa parecer crítico, transgressor ou plural.

A ideia de que o Brasil precisa ser salvo de sua própria cultura —respeitada mundialmente pela diversidade— sobreviverá à saída de Alvim. O que nos conduz ao miolo da encrenca: o problema está no bunker do Planalto, não nos subúrbios do governo. Sob Bolsonaro, o palácio convive com a patologia da guerra. O lema de Bolsonaro é: "Nós estamos certos e todos os outros estão errados".

Estabelecida a lógica do bunker, o mundo ao redor deixa de ter importância. Guerreia-se pelo gosto de guerrear. Podendo se concentrar em guerras relevantes —contra a paralisia econômica, contra a corrupção, contra o analfabetismo— o governo dispersa energias com guerras imaginárias —contra coisas como o globalismo e o marxismo cultural. Bolsonaro e seus ideólogos criam os fantasmas que assustam o governo. 

Pensamento do Dia


Bolsonaro e sua circunstância

Não causa surpresa o derretimento acelerado da popularidade do presidente Jair Bolsonaro detectado por uma pesquisa XP/Ipespe recentemente divulgada. O levantamento mostrou que, em um ano, a expectativa positiva em relação ao desempenho do governo para o restante do mandato caiu nada menos que 23 pontos porcentuais, de 63% para 40%. O índice de entrevistados que consideram Bolsonaro “ruim” ou “péssimo” passou de 20% para 39% no mesmo período. Pode-se dizer que esses números refletem não um ou outro problema em especial, mas o conjunto da obra.

O governo Bolsonaro parece se esforçar para inspirar em cada vez mais brasileiros a sensação de que suas decisões estapafúrdias, que carecem de lastro jurídico ou mesmo de racionalidade, não são meros acidentes ou fruto de circunstâncias passageiras, e sim reflexo preciso daquilo que o presidente é.


Não se trata apenas de despreparo para o cargo, dificuldade que se poderia amenizar com alguma dedicação aos livros e atenção aos conselhos de quem já viveu a experiência de governar; a esta altura, passado um ano de mandato, já está claro que Bolsonaro desacredita deliberadamente o exercício da Presidência porque não saberia fazer de outra forma e, graças a essa limitação insuperável, convenceu-se de que foi eleito para desmoralizar a política e sua liturgia institucional, algo que ele faz como ninguém. Vista em retrospectiva, a reunião ministerial em que o presidente apareceu de chinelos e camisa (falsificada) de time de futebol logo nos primeiros dias de governo parece hoje, perto do que já vimos, um encontro de estadistas.

Num dia, o ministro da Educação aparece num vídeo dançando com um guarda-chuva, numa imitação circense do filme Dançando na Chuva, para acusar seus críticos de difundirem fake news; noutro, o secretário da Cultura toma emprestado trechos de um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, para anunciar o advento de uma cultura “nacional” financiada pelo Estado, causando horror e estupefação no País e fora dele. Entre um e outro desses momentos nada edificantes de seus assessores, o próprio presidente Bolsonaro achou tempo e oportunidade para fazer piadas de mau gosto sobre um vasto cardápio de temas grosseiros, como se estivesse em um churrasco com amigos.

Enquanto isso, sempre que pressionado a tomar decisões realmente relevantes para o País, como autorizar privatizações potencialmente polêmicas, cortar privilégios de servidores públicos e reduzir subsídios, o presidente hesitou. Mesmo a reforma da Previdência, que o governo celebra como um feito de Bolsonaro, foi sabotada em vários momentos pelo presidente, tendo sido aprovada graças à mobilização de parlamentares e alguns técnicos do governo. Preocupado em construir seu próprio partido e sua candidatura à reeleição, sobre a qual fala quase todos os dias, Bolsonaro dedica todo o seu tempo não a pensar em maneiras de promover o desenvolvimento do País, mas a alimentar polêmicas de cunho claramente eleitoreiro, enquanto assina medidas destinadas à irrelevância – mas só depois de causar tumulto e insegurança jurídica no País.

Quando confrontado pelos jornalistas a respeito disso ou a respeito dos cada vez mais volumosos problemas do clã Bolsonaro e de alguns de seus assessores mais próximos com a Justiça ou com a lisura administrativa, o presidente reage de forma truculenta. Mais recentemente, disse que os jornalistas são uma “espécie em extinção” e mandou que a imprensa tomasse “vergonha na cara” e tratasse de “deixar o governo em paz”.

Não são rompantes, e perde tempo quem acredita na possibilidade de que, com o tempo, Bolsonaro vá temperar seu comportamento. O assessor que se inspirou em Goebbels para anunciar o “renascimento da cultura nacional” só foi exonerado porque houve uma grita generalizada diante de tamanho absurdo. Noves fora o plágio nazista, o conteúdo da fala que custou o cargo ao tal secretário é essencialmente o que Bolsonaro já disse e repetiu inúmeras vezes, mesmo antes da eleição. Portanto, ninguém pode se dizer surpreendido, nem mesmo os eleitores mais ingênuos. Bolsonaro é Bolsonaro há muito tempo.

Goebbels tabajara

Alguém grafitou, no Twitter, que o inacreditável foi abolido no Brasil. Aqui tudo pode acontecer, já aconteceu ou está por acontecer.

O governo Bolsonaro praticamente se inaugurou no exterior com um sintomático forfait no encontro de Davos, no ano passado. Aquela foto com a mesa vazia, só com os placements de Araújo, Guedes, Moro e Bolsonaro, entrou para a história do vexame e da patetice universais no instante em que o fotógrafo fez clique.


Duvido que no momento exista país mais ridículo e ridicularizado que o Bolsonistão. Como somos um povo gozador, suspeito que só conseguimos sobreviver até agora aos fatos inacreditáveis de nosso dia a dia graças, exclusivamente, ao nosso bem-humorado estoicismo.

Dia desses, um dos personagens do chargista André Dahmer acusou seu interlocutor de não ser “lunático o suficiente para ganhar um cargo no governo”. Em vez de lunático, o “malvado” poderia ter dito: mentiroso, ignorante, semianalfabeto, corrupto, miliciano, evangélico. Ou, simplesmente, militar da reserva.

Bolsonaro escalou militares da reserva cuidando de escolas, do INSS, como se o programa prioritário de seu governo fosse punir servidores públicos e dar emprego aos colegas de farda. Se bem que ainda melhor do que ser oficial da reserva e ganhar uma boquinha no serviço público é ser filha de militar com pensão vitalícia. Uma delas embolsou em dezembro R$ 537 mil.

Prossigamos. Mentiroso é o que mais tem entre os áulicos do capitão Jair. Por osmose ou sabujice, eles distorcem fatos e números, reescrevem a história, e nem se avexam de atribuir à atual administração obras de governos anteriores. O ministro estratosférico Marcos Pontes, coonestado pelo vice Mourão, não exaltou a inauguração da nova Estação Antártica Comandante Ferraz como um projeto do governo Bolsonaro? Quando o presidente tomou posse, as obras da Estação – iniciadas ainda no governo Dilma – já estavam nos finalmentes.

Se a mentira é fruto da ignorância ou de confusão mental, a gente pode até fingir, misericordiosamente, que não prestou atenção, embora seja difícil fingir não ter ouvido o novo comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior, afirmar, no dia de sua posse, que o Brasil já esteve com os EUA “em três guerras mundiais”: a primeira, a segunda, e...ih, a terceira eu perdi.

Por falar em ignorância, esta talvez seja a verruga mais saliente do atual governo, a característica predominante do presidente e sua corte. Nos dois sentidos que a palavra tem: falta de conhecimento & incivilidade.

O caso mais grave é o do ministro da Educação, Abraham Weintraub, campeão nacional de solecismos (“haviam emendas”), erros de crase, ortografia (“imprecionante”, “paralização”, “suspenção”) e até de pessoas (Franz “Cafta”). Dizem que ele só não engrossou o coro dos bolsodescontentes com a indicação para o Oscar do documentário Democracia em Vertigem por não saber se vertigem se escreve com g ou j. É uma vergonha sem paralelos da história do MEC.

Seu antiesquerdismo paranoico – acusou concursos públicos de dar preferência a candidatos marxistas e estudantes de plantarem maconha nos campi universitários – segue o mesmo padrão de histeria e leviandade de seus companheiros de armas infiltrados nos setores mais diretamente comprometidos com a gestão da Cultura, a menina dos olhos da política de reaparelhamento ideológico do Estado do bolsonarismo.

O presidente da Biblioteca Nacional, Rafael Nogueira, despontou do anonimato ao qualificar o rock como coisa de satanistas e abortistas. Por esse despautério, consolidou-se como um dos mais fortes candidatos ao Damares de Ouro deste ano.

Roberto Alvim, o demitido secretário especial de Cultura, um Goebbels tabajara por temperamento e carreirismo, assumira a liderança da guerra cultural em curso. Começou com um Waterloo moral, ao insultar Fernanda Montenegro e, ao invés de recolher-se a um bivaque, avançou suas tropas contra a Fundação Casa de Ruy Barbosa, cuja recém-empossada presidente, Leticia Dornelles, lá foi posta para ser o para-raios de um expurgo que não se satisfez com banir de seus quadros gente de comprovada experiência e competência em pesquisas e guarda de documentos preciosos.

Na segunda-feira, uma manifestação de ex-funcionários e usuários do acervo da Fundação culminou com a entrega de um abaixo-assinado de intelectuais, que chegou a ter 30.000 assinaturas, à nova e inadequada mandachuva da instituição, que tratou o protesto mais ou menos como o presidente tratou a imprensa mundial em Davos 2019.

Na quarta-feira, Dornelles aparou outro raio. O cientista político Christian Lynch, entusiasticamente nomeado por ela para um alto cargo na Casa, acabou vetado, em cima da hora, por Alvim, que descobriu ter Lynch manifestado, algum tempo atrás, “ideias execráveis” a respeito de Bolsonaro. Que eu saiba, só os bolsominions mais caturras ainda não execram o execrável.

Alvim também semeou uma crise no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), autarquia federal por ele tutelada. A historiadora Kátia Bogéa, servidora de carreira no Iphan, foi substituída na presidência do órgão pelo arquiteto mineiro Flávio de Paula Moura, indicado por sua experiência como auxiliar da mãe no restauro de obras de arte.

Pelo mesmo “critério técnico” adotado na escolha do arquiteto, doutores em arquitetura, museólogos e profissionais com longa prática no Patrimônio foram trocados por apadrinhados de políticos da base aliada do governo, entre os quais o dono de uma oficina mecânica e um cinegrafista.

Não dá para acreditar. No entanto, acredite.

Ainda não acabou

O governo e as diretrizes oficiais continuam os mesmos. O surto de nazismo explícito de Roberto Alvim funciona para testar a sensibilidade de instituições e da sociedade para detectar o inadmissível. Teste positivo. Devem vir outros

Dez razões que levaram Bolsonaro a demitir Roberto Alvim

Por que o presidente Jair Bolsonaro demitiu Roberto Alvim? Será que discordava dos termos do discurso pomposo sobre os prêmios na Cultura? Não. Em nenhum momento discordou. O problema foi "apenas" a inspiração nazista? Não. Foi a repercussão. Interna e externa. Aqui vão 10 razões para a rápida exoneração, apesar das desculpas de Alvim. Seu "bombardeio cultural conservador" foi abortado em voo livre - mas só na aparência.

Bolsonaro o exonerou... 

1) Para não virar motivo de chacota e indignação internacional, logo agora que o amigo Trump pediu o ingresso do Brasil na OCDE, no lugar da Argentina. Nos principais sites de notícias do mundo, Goebbels ressuscitou graças ao governo Bolsonaro.

2) Para fazer média com os judeus. Se fosse uma fala contra nossas atrizes, nossos negros ou nossos gays, Alvim seria agraciado com elogios e cafunés. 


3) Para o Congresso não ficar de mal com ele, nas pessoas de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, e bloquear todos os seus ímpetos de legislar – e para não deixar o presidente do STF Dias Toffoli incomodado. Não convém, não convém.

4) Para não transformar Richard Wagner no hino oficial da Cultura, porque Bolsonaro detesta ópera e não entendeu a frase em alemão que estava na mesa de Alvim.

5) Para poder “bombardear” a arte e a cultura no Brasil com mais esperteza, sem ser tachado de nazista. O trecho fatal do discurso, segundo o próprio Alvim, foi “uma coincidência retórica” – entre o pensamento de Goebbels e o do presidente brasileiro, sobre "a arte pura, heroica, conservadora e imperativa"...Uma coincidência "infeliz". Só isso.

6) Para agradar a Olavo de Carvalho, que já estava achando Alvim ruim da cabeça. E se Olavo acha alguém louco...

7) Para não ouvir da imprensa que seu governo é formado em parte por lunáticos fanáticos, uma imprensa que “não tem vergonha na cara” e cisma em ser profissional e independente. Pela primeira vez, não rebateu as críticas.

8) Para o Brasil parar de insistir na demissão do “imprecionante” Abraham Weintraub. Por um tempo. Weintraub ganhou sobrevida na Educação com a saída de Alvim. 

9) Para ganhar tempo e adiar a demissão de Salles, outro trapalhão. Ele não ficará à frente do Meio Ambiente até o fim do mandato presidencial.

10) Para ganhar tempo e adiar a demissão de Damares. Ela não ficará à frente do Ministério da Mulher e Direitos Humanos até o fim do mandato presidencial.

"Roberto Alvim, quem?" foi o título de minha primeira coluna sobre esse obscuro e estranho secretário de nossa Cultura, que jamais representou os artistas.

Um capitão de olho no dinheiro e nos votos

Nos últimos tempos, o presidente Bolsonaro veio lançando uma lorota – mais uma – de que precisava, a todo custo, liberar a bolada de R$ 2 bilhões aos partidos, a título de fundo eleitoral, pois, do contrário, caso vetasse a destinação desses recursos, correria o risco de sofrer um impeachment. Nada mais enganoso. O capitão joga para a torcida e faz uso de um recorrente artifício de seu governo, as fake news, para ficar de bem com aliados e apoiadores. O movimento tem razões de ser. O mandatário vem sendo diariamente pressionado por manifestantes da própria base a ir contra a distribuição de dinheirama eleitoreira. Também a sua turba rechaça as benesses com verba pública.


Acredita ser vergonhoso o esquema. Mas Bolsonaro tem interesse direto nisso. Está em vias de criar a própria sigla, Aliança pelo Brasil. Necessita vitalmente de simpatizantes e dos quadros políticos. Precisa ficar de boa com a casta parlamentar. Em suma, não vai se furtar ao usufruto dessa importante arma para azeitar o sistema e se dar bem. É do jogo. O problema é que ele se faz de rogado. Culpa o Legislativo pela gastança fora de hora. Alega que está encurralado. Adota o jogo de cena. Bolsonaro tem um desafio importante pela frente. A campanha que definirá o novo quadro de poderes municipais pode influenciar diretamente na composição de seu governo. O mandatário quer estender o arco de aliança e de influência para outras camadas da população. Mira a baixa renda e precisa de prefeitos, vereadores e demais políticos locais para alcançar o objetivo.

A versão Bolsonaro na carapuça, digamos, mais popular vem sendo construída. O presidente estabeleceu como prioridade a capitalização de votos na base da pirâmide social, por meio de medidas com apelo nas classes “C”, “D” e “E”. Anseia fazer frente à atuação do PT e, em especial, a do demiurgo de Garanhuns, o Lula de volta às ruas, e está disposto a torrar mundos e fundos – mesmo aqueles dos quais não dispõe — para o intento. Precisa combinar com os russos e, fundamentalmente, com a equipe econômica do czar Paulo Guedes, que tem se empenhado em conter despesas e passou a tesoura nos excessos.

O passo escolhido por Bolsonaro para dar início a sua cruzada populista será o de uma reforma no programa mais bem-sucedido e reluzente do período petista, o Bolsa Família. Bolsonaro almeja ampliá-lo. Quer lhe propiciar nova roupagem, com maiores atrativos. Imagina passar dessa forma a imagem de um chefe de nação benevolente. Caudilhos como Hugo Chaves, da Venezuela, seguiram o mesmo roteiro e acabou por legar a herança que hoje todos conhecem: um país em frangalhos, quebrado, em caos. Por aqui, o capitão tem planos mirabolantes e caros. Vai conceder um bônus fixo a famílias necessitadas, equivalente a um 13º do programa, que deve provocar uma conta adicional de R$ 7 bilhões no orçamento do ano. Para proteger os cofres públicos da derrama, quer usar receitas do petróleo e do combate a fraudes no INSS. De um modo ou de outro, está fazendo caridade com o chapéu alheio.

Perdido em seus sonhos de garantia da cadeira do Planalto por mais um mandato, Bolsonaro abriu a carteira. Chegou a cogitar um desconto na conta de energia de templos religiosos. Foi convencido a voltar atrás. Não desistiu ainda de aumentos generosos ao funcionalismo público, mesmo diante da perspectiva de uma reforma administrativa que o ministro Guedes luta para implementar. Ele emite sinais trocados. Altera ao bel prazer e de acordo com as suas conveniências a escala de medidas vitais que deveria tomar como governante. O Bolsonaro que busca votos e dinheiro para causas pessoais é o maior inimigo do Bolsonaro presidente. E, por tabela, do País.