quarta-feira, 22 de maio de 2024
Desastre gaúcho reafirma nossa ignorância
Desastres ensinam o óbvio infalível dos inesperados que reafirmam nossa ignorância, desmazelo e onipotência. Alertam sobre o que precisamos aprender e chamam a atenção para os limites de nossas certezas. Para o fato de não haver rotina, treinamento, regra, programa ou costume que não tenha a sua contraparte no acidente, no esquecimento, na mentira, na ausência e na surpresa do que está aquém ou além da plausibilidade do aqui e agora, garantidores da concretude do real.
São os imprevistos humanos ou naturais que nos obrigam a parar para pensar. O imprevisto força a desconfiar do previsto. Coage a tomar consciência do exagero ou da intrigante falha que promoveu o inesperado. Do inesperado que desmanchou a cena, o roteiro, o plano, esquema ou rotina, obrigando a realizar o grave e difícil exercício de “ouvir, parar e olhar”, como dizem os avisos americanos nas encruzilhadas ferroviárias.
Dos nossos, eu não posso falar, porque liquidamos estupidamente nossas ferrovias. Ademais, eles jamais seriam lidos por passantes analfabetos. Essa condição trágica e básica da secular opressão do nosso “povão”. Povo ou gente que, como clama nossa habitual hipocrisia populista, tudo merece! Não há como duvidar de que enriquecemos à sua custa e por meio dele! Temos, portanto, que manter esse amado “povão” como “massa”. Massa ignara sem a qual não exerceríamos nossa indiscutível ascendência bacharelesca, jurídico-legal, militar, acadêmica, ideológica, religiosa, artística e moral. Ascendência confirmadora desse papel de professores e salvadores do povo, usando os mesmos chavões e leis que dependem dos indiciados para ser cumpridos. Leis que confirmam que o crime compensa.
Sem esquecer, é claro, as clássicas receitas ideológicas mal entendidas (algumas, lembro, escritas em alemão...) que nós, bacharéis e burros-doutores, palpitamos com o intuito de destruir, enervar ou simplesmente chatear nossos adversários. Esses “outros” que a igualdade torna antagonistas para a infelicidade do nosso coração aristocrático, que imediatamente invoca as hierarquias não politizadas assegurando supremacia social. A nostalgia da gradação social mantém vivo o “você sabe com quem está falando?”. Essa advertência incompatível com a isonomia democrática, cuja função é impedir a impessoalidade exigida pela difícil igualdade democrática.
Igualdade que, como aprendi com Millôr Fernandes, meu mestre em ciências ocultas e letras apagadas, desmantela o “sabe com quem está falando?” e previne a presença da velha ordem social ordenada em múltiplas polaridades: senhores/escravos, pretos/brancos, superiores/inferiores, pobres/ricos, santos/pecadores, progressistas/fascistas. Nessa estrutura dualista, os inesperados sociais são tragédias ou escândalos salvacionistas.
O cataclismo gaúcho demanda uma reação inesperada porque não é “político”. Não tem nem um lado de “direita” nem de “esquerda”. Sendo natural e não tendo intenções, atinge a totalidade humana a seu redor de modo igualmente indiferenciado.
Então, como reagir, se nossa administração pública é relacional e politizada? Como agir com presteza e eficiência com um sistema administrativo amarrado em si mesmo? Um sistema pateticamente burocratizado, porque não pensa em eficácia, mas em autoproteção e em manter o poder. Em salvaguardas, porque nossa índole política é assaltar o que é de todos. A “coisa pública” de que os administradores eleitos pelas nossas esperanças se apoderam, porque o que é público não é de ninguém, logo é de quem abocanha o poder.
A catástrofe natural mostra os limites de um sistema político alérgico a sacrifícios e altruísmos, orientado que está pela mesquinhez e pelo sectarismo dos “governos” que, no fundo e, com o perdão pela ofensa, não merecem a democracia.
A enchente grita que é preciso governar para o Brasil, e não para partidos, grupos, segmentos, burocracias e corporações. Todos têm direito a influenciar o país e, no governo, a propor suas diretrizes, mas o Brasil tem de ser guiado por meio de projetos comuns. Fala-se muito em “Estado” e “governo”, mas os governos sempre vencem as eventuais disputas. A tragédia gaúcha apresenta claramente a necessidade de um Estado mais harmonioso: impessoal, eficiente e equilibrado.
São os imprevistos humanos ou naturais que nos obrigam a parar para pensar. O imprevisto força a desconfiar do previsto. Coage a tomar consciência do exagero ou da intrigante falha que promoveu o inesperado. Do inesperado que desmanchou a cena, o roteiro, o plano, esquema ou rotina, obrigando a realizar o grave e difícil exercício de “ouvir, parar e olhar”, como dizem os avisos americanos nas encruzilhadas ferroviárias.
Dos nossos, eu não posso falar, porque liquidamos estupidamente nossas ferrovias. Ademais, eles jamais seriam lidos por passantes analfabetos. Essa condição trágica e básica da secular opressão do nosso “povão”. Povo ou gente que, como clama nossa habitual hipocrisia populista, tudo merece! Não há como duvidar de que enriquecemos à sua custa e por meio dele! Temos, portanto, que manter esse amado “povão” como “massa”. Massa ignara sem a qual não exerceríamos nossa indiscutível ascendência bacharelesca, jurídico-legal, militar, acadêmica, ideológica, religiosa, artística e moral. Ascendência confirmadora desse papel de professores e salvadores do povo, usando os mesmos chavões e leis que dependem dos indiciados para ser cumpridos. Leis que confirmam que o crime compensa.
Sem esquecer, é claro, as clássicas receitas ideológicas mal entendidas (algumas, lembro, escritas em alemão...) que nós, bacharéis e burros-doutores, palpitamos com o intuito de destruir, enervar ou simplesmente chatear nossos adversários. Esses “outros” que a igualdade torna antagonistas para a infelicidade do nosso coração aristocrático, que imediatamente invoca as hierarquias não politizadas assegurando supremacia social. A nostalgia da gradação social mantém vivo o “você sabe com quem está falando?”. Essa advertência incompatível com a isonomia democrática, cuja função é impedir a impessoalidade exigida pela difícil igualdade democrática.
Igualdade que, como aprendi com Millôr Fernandes, meu mestre em ciências ocultas e letras apagadas, desmantela o “sabe com quem está falando?” e previne a presença da velha ordem social ordenada em múltiplas polaridades: senhores/escravos, pretos/brancos, superiores/inferiores, pobres/ricos, santos/pecadores, progressistas/fascistas. Nessa estrutura dualista, os inesperados sociais são tragédias ou escândalos salvacionistas.
O cataclismo gaúcho demanda uma reação inesperada porque não é “político”. Não tem nem um lado de “direita” nem de “esquerda”. Sendo natural e não tendo intenções, atinge a totalidade humana a seu redor de modo igualmente indiferenciado.
Então, como reagir, se nossa administração pública é relacional e politizada? Como agir com presteza e eficiência com um sistema administrativo amarrado em si mesmo? Um sistema pateticamente burocratizado, porque não pensa em eficácia, mas em autoproteção e em manter o poder. Em salvaguardas, porque nossa índole política é assaltar o que é de todos. A “coisa pública” de que os administradores eleitos pelas nossas esperanças se apoderam, porque o que é público não é de ninguém, logo é de quem abocanha o poder.
A catástrofe natural mostra os limites de um sistema político alérgico a sacrifícios e altruísmos, orientado que está pela mesquinhez e pelo sectarismo dos “governos” que, no fundo e, com o perdão pela ofensa, não merecem a democracia.
A enchente grita que é preciso governar para o Brasil, e não para partidos, grupos, segmentos, burocracias e corporações. Todos têm direito a influenciar o país e, no governo, a propor suas diretrizes, mas o Brasil tem de ser guiado por meio de projetos comuns. Fala-se muito em “Estado” e “governo”, mas os governos sempre vencem as eventuais disputas. A tragédia gaúcha apresenta claramente a necessidade de um Estado mais harmonioso: impessoal, eficiente e equilibrado.
Quem suja sua aldeia?
Imagine que sua aldeia esteja suja, muito suja. Por toda parte, sujeira tóxica. Joga-se a culpa na população, dita mal-educada, mas os maiores responsáveis são outros. A sujeira é tanta que algumas pessoas se juntam, pesquisam e identificam quem gerou não todas, mas uma, apenas uma das muitas formas da sujeira tóxica espalhadas.
Coletam montanha de resíduos. Descobrem não ser possível identificar a origem de metade dela, que só cinco indivíduos são responsáveis por ¼ da outra metade e 56 geram mais de 50% desse material que emporcalha sua aldeia. Que você sugere fazer com esses sujões?
Ao saber quem são, sabe-se que, embora milionários, fazem isso para ganhar mais dinheiro. Com este, compram pessoas para defendê-los, exagerando algumas verdades e mentindo. Sim, eles criam empregos (monótonos e mal remunerados na maioria) e pagam (poucos) impostos, pois recebem incentivos. Eventualmente, sonegam e subornam, ou usam meios mais deploráveis.
Além de sujarem a aldeia, eles envenenam seus conterrâneos, iludindo-os, com sofisticadas técnicas de convencimento, a ingerirem produtos que provocam câncer, diabetes, hipertensão e outros males. Gente fina esses 56, não? Que fazer com eles?
Na aldeia vivem pessoas tecnologicamente sofisticadas, e aqueles 56 estão entre os mais tecnológicos. Com suas tecnologias digitais, conhecem detalhes da vida de cada um, permitindo-lhes imediata e esmagadora resposta aos que a eles se opõem. Assim, impedi-los de continuar a sujar sua aldeia e envenenar seus corpos é difícil.
É também essencial e urgente.
As considerações acima não são distopia; refletem a realidade atual. A sujeira que os 56 espalham é o plástico e os venenos são tabaco, açúcar, hiper processados (viciantes arremedos de alimentos vendidos como tal), conforme identificado em estudo (https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adj8275 ) feito por 12 universidades, com milhares de amostras coletadas, ao longo de cinco anos, em 84 países. Analisaram plásticos retirados do ambiente. Metade do material analisado perdeu a digital, impossibilitando identificar sua origem. A outra metade mantinha sinais identificadores de quem os lançou: apenas 19.586 indivíduos lançaram 50% do plástico! Os cinco maiores são: Coca-Cola, responsável por 11%, Pepsi, por 5%, Nestlé (3%0), Danone (3%) e Altria/Philip Morris (2%). Que fazer com essas menos de 20.000 pessoas (jurídicas) que sujam o lar de oito bilhões e matam? Que democracias são essas cujos governos são mais responsivos a eles que aos eleitores?
Moralmente, merecem completo repúdio e escárnio, mas isso não os deterá. Uma forma de impedi-los é nunca comprar seus produtos, o que é difícil pois estes estão por toda parte e os sujões gastam rios de dinheiro para convencer crianças e adultos a usá-los. Legalmente, após vencer seus lobbies, há várias possibilidades: uma é acabar com os subsídios que recebem; outra é cobrar deles a limpeza da aldeia, de forma proporcional à sujeira que lançam, e fazer o mesmo com os demais que emporcalham e matam em nossa aldeia, com outros produtos.
Coletam montanha de resíduos. Descobrem não ser possível identificar a origem de metade dela, que só cinco indivíduos são responsáveis por ¼ da outra metade e 56 geram mais de 50% desse material que emporcalha sua aldeia. Que você sugere fazer com esses sujões?
Ao saber quem são, sabe-se que, embora milionários, fazem isso para ganhar mais dinheiro. Com este, compram pessoas para defendê-los, exagerando algumas verdades e mentindo. Sim, eles criam empregos (monótonos e mal remunerados na maioria) e pagam (poucos) impostos, pois recebem incentivos. Eventualmente, sonegam e subornam, ou usam meios mais deploráveis.
Além de sujarem a aldeia, eles envenenam seus conterrâneos, iludindo-os, com sofisticadas técnicas de convencimento, a ingerirem produtos que provocam câncer, diabetes, hipertensão e outros males. Gente fina esses 56, não? Que fazer com eles?
Na aldeia vivem pessoas tecnologicamente sofisticadas, e aqueles 56 estão entre os mais tecnológicos. Com suas tecnologias digitais, conhecem detalhes da vida de cada um, permitindo-lhes imediata e esmagadora resposta aos que a eles se opõem. Assim, impedi-los de continuar a sujar sua aldeia e envenenar seus corpos é difícil.
É também essencial e urgente.
As considerações acima não são distopia; refletem a realidade atual. A sujeira que os 56 espalham é o plástico e os venenos são tabaco, açúcar, hiper processados (viciantes arremedos de alimentos vendidos como tal), conforme identificado em estudo (https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adj8275 ) feito por 12 universidades, com milhares de amostras coletadas, ao longo de cinco anos, em 84 países. Analisaram plásticos retirados do ambiente. Metade do material analisado perdeu a digital, impossibilitando identificar sua origem. A outra metade mantinha sinais identificadores de quem os lançou: apenas 19.586 indivíduos lançaram 50% do plástico! Os cinco maiores são: Coca-Cola, responsável por 11%, Pepsi, por 5%, Nestlé (3%0), Danone (3%) e Altria/Philip Morris (2%). Que fazer com essas menos de 20.000 pessoas (jurídicas) que sujam o lar de oito bilhões e matam? Que democracias são essas cujos governos são mais responsivos a eles que aos eleitores?
Moralmente, merecem completo repúdio e escárnio, mas isso não os deterá. Uma forma de impedi-los é nunca comprar seus produtos, o que é difícil pois estes estão por toda parte e os sujões gastam rios de dinheiro para convencer crianças e adultos a usá-los. Legalmente, após vencer seus lobbies, há várias possibilidades: uma é acabar com os subsídios que recebem; outra é cobrar deles a limpeza da aldeia, de forma proporcional à sujeira que lançam, e fazer o mesmo com os demais que emporcalham e matam em nossa aldeia, com outros produtos.
Desastres ambientais elevam número de deslocados no Brasil
Em 2010, Nedine Beauger perdeu sua casa no terremoto em Porto Príncipe, no Haiti, e se tornou uma entre um milhão de desabrigados no país. Morou entre abrigos e ruas por dois anos, até que em 2015 decidiu emigrar para o Brasil. Em contato com uma comunidade de haitianos no Facebook, escolheu Porto Alegre. Aos 42 anos, mãe solo de uma filha de 5, ela se vê mais uma vez sem casa, mas agora longe da família, atingida pelas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul.
"Foi difícil recomeçar no Brasil, saía para procurar trabalho sem falar português. Agora perdi tudo de novo, não sei para onde poderei ir", conta a haitiana, que morava no Sarandi, um dos bairros mais afetados pelas chuvas em Porto Alegre.
Hospedada na casa de um amigo haitiano depois de cinco dias num abrigo com a filha, Beauger faz parte dos mais de 600 mil deslocados pelas inundações no Rio Grande do Sul. O total não está distante dos 745 mil deslocamentos por desastres registrados em todo o ano de 2023 no Brasil, segundo relatório anual da organização não-governamental Observatório de Deslocamento Interno (IDMC, na sigla em inglês), divulgado nesta terça-feira.
Os números do IDMC são os mais altos para o Brasil desde o início dos registros, em 2008, e se referem a deslocamentos, não necessariamente a indivíduos, que podem se deslocar mais de uma vez. Em 2023, os deslocamentos foram causados sobretudo por chuvas no Amazonas, Pará, Acre e Maranhão e nos três estados da região Sul. No ano passado, o mundo também bateu recorde de deslocamentos por desastres: foram 26,4 milhões causados por inundações, deslizamentos, secas e queimadas, de acordo com o observatório.
Sejam desalojadas, caso de quem tem moradia temporária em outras casas, ou desabrigadas, essas pessoas não são refugiadas climáticas, porque não cruzaram as fronteiras nacionais, sustenta Andrea Pacífico, coordenadora desde 2012 do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais da Universidade Estadual da Paraíba.
A pesquisadora lembra que não existem tratados internacionais para a proteção daqueles que costumam ser denominados "refugiados ambientais", termo usado pela primeira vez por um especialista do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1985. Mas muitos países, como o Brasil, têm legislações com um entendimento ampliado para solicitações de refúgio ou de visto humanitário, que foi concedido, por exemplo, a muitos haitianos após o terremoto de 2010.
"Os estrangeiros que chegam ao Brasil por desastres naturais têm os direitos garantidos pela Lei de Migração de 2017, mas os deslocados internos ainda são invisíveis. Falamos desalojados, desabrigados, removidos", afirma Pacífico, que é professora de Relações Internacionais.
Ela ressalta que, apesar da ausência de tratados internacionais e da diferença entre refugiados e deslocados, o próprio Alto Comissariado da ONU Para Refugiados (Acnur) auxilia deslocados internos. "Se o Brasil passar a usar o termo, terá que responder internacionalmente por essas pessoas."
Com foco na proteção específica dessas populações, a deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP) apresentou no dia 7 de maio um projeto de lei que cria a Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos. Ele já ganhou a coautoria de 20 deputados, com o objetivo de pressionar o Congresso por uma tramitação de urgência.
Também no dia 7, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de 2022 que dá prioridade a vítimas de desastres ambientais para a compra ou reconstrução de moradias no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. O texto agora segue para o Senado.
Já no projeto de lei apresentado por Hilton, o acesso a moradia para deslocados ambientais é mais amplo, sem estar vinculado a um programa. O texto prevê ainda a alteração da CLT para dar estabilidade de dois anos aos deslocados ambientais.
O novo projeto de lei começou a ser gestado há dois anos pela ambientalista Naira Santa Rita Wayand após ela perder sua casa com inundações e deslizamentos em Petrópolis, município do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022. No ano passado, Wayand fundou o Instituto DuClima, que participou da elaboração do projeto junto com o Instituto Marielle Franco e a Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (Resama).
"Meu apartamento era no primeiro andar, não ficava em área de risco, e a água chegou até o segundo. Enquanto isso, o Morro da Oficina ia abaixo", lembra ela, que se mudou com a mãe e o filho de 2 anos para Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Wayand contou com a ajuda de seu empregador para se instalar em Juiz de Fora, onde a mãe fazia tratamento de saúde. Enquanto isso, percebeu uma grande alta de preços dos aluguéis em Petrópolis, o que chama de "capitalismo de desastre". "Não saí porque quis, mas porque fui forçada. Mas no meu caso, como todos os outros dos últimos 20, 50 anos, não houve auxílio do Estado", afirma.
Como ativista, Wayand defende o uso do termo "deslocados ambientais", mas reconhece que falar em "refugiado ambiental" causa comoção e muitas vezes é usado para a mobilização política, como fez a própria divulgação do projeto de lei.
Além do problema de definição, o acesso a dados comparativos é dificultado pela variedade de desastres e diferentes metodologias. A seca, por exemplo, não costuma ser considerada causa de deslocamentos no Brasil, afirma Andrea Pacífico, que tem pesquisa sobre o sertão do Nordeste.
"Meu pai e mãe são do sertão de Alagoas, sempre ouvi sobre as dificuldades dos sertanejos. Eles não têm nada de retirante. São forçados a migrar por sobrevivência", diz ela, que há três anos faz pesquisa de campo com deslocados por barragens na Paraíba.
De acordo com Ricardo Fal-Dutra Santos, coordenador regional do IDMC para as Américas, Europa e Ásia Central, como a seca é um desastre de evolução lenta, é mais difícil identificá-la como causa de deslocamento. Ainda assim, o relatório do observatório aponta 32 mil deslocamentos devido à seca na Amazônia em 2023, contra 700 em 2022. "É um aumento significativo", afirma. "O que continua uma lacuna para nosso entendimento são os números baixos de deslocamentos por queimadas, que sabemos que ocorrem, mas não se refletem nos dados no Brasil."
Natureza cíclica
De acordo com Santos, para a adoção de políticas públicas, é importante notar que os desastres têm uma natureza cíclica. No Rio Grande do Sul, a gravidade de enchentes anteriores foi desconsiderada, e famílias atingidas continuaram nos mesmos lugares que foram novamente destruídos, em intensidade muito mais forte. Agora, cidades inteiras do Rio Grande do Sul terão que ser reconstruídas, como Eldorado do Sul, Lajeado e Muçum.
Morando desde 2013 em Eldorado do Sul, Giancarlo Ugalde viveu duas temporadas de fortes chuvas em 2023. Em setembro, a cidade não foi alagada. Em novembro, os bairros mais baixos foram inundados, mas sua casa ficou protegida. Quando as chuvas das últimas semanas começaram, ele e a mulher, que pretendiam se mudar por conta de uma proposta de trabalho, apressaram a transferência para Sertão Santana com a filha de 4 anos. A casa nova já é abrigo para diversos de seus parentes de Eldorado do Sul, que foi completamente inundada.
"Os padrinhos da minha filha e os pais da minha comadre estão aqui porque perderam tudo, a água chegou até o teto. Um tio perdeu a casa e a empresa", conta Ugalde, de 41 anos. "Retornamos no sábado para ver nossa casa porque o rio recuou, mas é um cenário de guerra, a cidade toda ficou debaixo de água. Tem muita sujeira, cheiro horrível. Mesmo que alguém possa voltar para casa, não tem mercado, não tem padaria, não tem nada. A cidade vai ter que nascer de novo. Quem tem a possibilidade de não voltar para Eldorado não vai voltar."
"Foi difícil recomeçar no Brasil, saía para procurar trabalho sem falar português. Agora perdi tudo de novo, não sei para onde poderei ir", conta a haitiana, que morava no Sarandi, um dos bairros mais afetados pelas chuvas em Porto Alegre.
Hospedada na casa de um amigo haitiano depois de cinco dias num abrigo com a filha, Beauger faz parte dos mais de 600 mil deslocados pelas inundações no Rio Grande do Sul. O total não está distante dos 745 mil deslocamentos por desastres registrados em todo o ano de 2023 no Brasil, segundo relatório anual da organização não-governamental Observatório de Deslocamento Interno (IDMC, na sigla em inglês), divulgado nesta terça-feira.
Os números do IDMC são os mais altos para o Brasil desde o início dos registros, em 2008, e se referem a deslocamentos, não necessariamente a indivíduos, que podem se deslocar mais de uma vez. Em 2023, os deslocamentos foram causados sobretudo por chuvas no Amazonas, Pará, Acre e Maranhão e nos três estados da região Sul. No ano passado, o mundo também bateu recorde de deslocamentos por desastres: foram 26,4 milhões causados por inundações, deslizamentos, secas e queimadas, de acordo com o observatório.
Sejam desalojadas, caso de quem tem moradia temporária em outras casas, ou desabrigadas, essas pessoas não são refugiadas climáticas, porque não cruzaram as fronteiras nacionais, sustenta Andrea Pacífico, coordenadora desde 2012 do Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Deslocados Ambientais da Universidade Estadual da Paraíba.
A pesquisadora lembra que não existem tratados internacionais para a proteção daqueles que costumam ser denominados "refugiados ambientais", termo usado pela primeira vez por um especialista do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1985. Mas muitos países, como o Brasil, têm legislações com um entendimento ampliado para solicitações de refúgio ou de visto humanitário, que foi concedido, por exemplo, a muitos haitianos após o terremoto de 2010.
"Os estrangeiros que chegam ao Brasil por desastres naturais têm os direitos garantidos pela Lei de Migração de 2017, mas os deslocados internos ainda são invisíveis. Falamos desalojados, desabrigados, removidos", afirma Pacífico, que é professora de Relações Internacionais.
Ela ressalta que, apesar da ausência de tratados internacionais e da diferença entre refugiados e deslocados, o próprio Alto Comissariado da ONU Para Refugiados (Acnur) auxilia deslocados internos. "Se o Brasil passar a usar o termo, terá que responder internacionalmente por essas pessoas."
Com foco na proteção específica dessas populações, a deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP) apresentou no dia 7 de maio um projeto de lei que cria a Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos. Ele já ganhou a coautoria de 20 deputados, com o objetivo de pressionar o Congresso por uma tramitação de urgência.
Também no dia 7, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de 2022 que dá prioridade a vítimas de desastres ambientais para a compra ou reconstrução de moradias no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. O texto agora segue para o Senado.
Já no projeto de lei apresentado por Hilton, o acesso a moradia para deslocados ambientais é mais amplo, sem estar vinculado a um programa. O texto prevê ainda a alteração da CLT para dar estabilidade de dois anos aos deslocados ambientais.
O novo projeto de lei começou a ser gestado há dois anos pela ambientalista Naira Santa Rita Wayand após ela perder sua casa com inundações e deslizamentos em Petrópolis, município do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022. No ano passado, Wayand fundou o Instituto DuClima, que participou da elaboração do projeto junto com o Instituto Marielle Franco e a Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais (Resama).
"Meu apartamento era no primeiro andar, não ficava em área de risco, e a água chegou até o segundo. Enquanto isso, o Morro da Oficina ia abaixo", lembra ela, que se mudou com a mãe e o filho de 2 anos para Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Wayand contou com a ajuda de seu empregador para se instalar em Juiz de Fora, onde a mãe fazia tratamento de saúde. Enquanto isso, percebeu uma grande alta de preços dos aluguéis em Petrópolis, o que chama de "capitalismo de desastre". "Não saí porque quis, mas porque fui forçada. Mas no meu caso, como todos os outros dos últimos 20, 50 anos, não houve auxílio do Estado", afirma.
Como ativista, Wayand defende o uso do termo "deslocados ambientais", mas reconhece que falar em "refugiado ambiental" causa comoção e muitas vezes é usado para a mobilização política, como fez a própria divulgação do projeto de lei.
Além do problema de definição, o acesso a dados comparativos é dificultado pela variedade de desastres e diferentes metodologias. A seca, por exemplo, não costuma ser considerada causa de deslocamentos no Brasil, afirma Andrea Pacífico, que tem pesquisa sobre o sertão do Nordeste.
"Meu pai e mãe são do sertão de Alagoas, sempre ouvi sobre as dificuldades dos sertanejos. Eles não têm nada de retirante. São forçados a migrar por sobrevivência", diz ela, que há três anos faz pesquisa de campo com deslocados por barragens na Paraíba.
De acordo com Ricardo Fal-Dutra Santos, coordenador regional do IDMC para as Américas, Europa e Ásia Central, como a seca é um desastre de evolução lenta, é mais difícil identificá-la como causa de deslocamento. Ainda assim, o relatório do observatório aponta 32 mil deslocamentos devido à seca na Amazônia em 2023, contra 700 em 2022. "É um aumento significativo", afirma. "O que continua uma lacuna para nosso entendimento são os números baixos de deslocamentos por queimadas, que sabemos que ocorrem, mas não se refletem nos dados no Brasil."
Natureza cíclica
De acordo com Santos, para a adoção de políticas públicas, é importante notar que os desastres têm uma natureza cíclica. No Rio Grande do Sul, a gravidade de enchentes anteriores foi desconsiderada, e famílias atingidas continuaram nos mesmos lugares que foram novamente destruídos, em intensidade muito mais forte. Agora, cidades inteiras do Rio Grande do Sul terão que ser reconstruídas, como Eldorado do Sul, Lajeado e Muçum.
Morando desde 2013 em Eldorado do Sul, Giancarlo Ugalde viveu duas temporadas de fortes chuvas em 2023. Em setembro, a cidade não foi alagada. Em novembro, os bairros mais baixos foram inundados, mas sua casa ficou protegida. Quando as chuvas das últimas semanas começaram, ele e a mulher, que pretendiam se mudar por conta de uma proposta de trabalho, apressaram a transferência para Sertão Santana com a filha de 4 anos. A casa nova já é abrigo para diversos de seus parentes de Eldorado do Sul, que foi completamente inundada.
"Os padrinhos da minha filha e os pais da minha comadre estão aqui porque perderam tudo, a água chegou até o teto. Um tio perdeu a casa e a empresa", conta Ugalde, de 41 anos. "Retornamos no sábado para ver nossa casa porque o rio recuou, mas é um cenário de guerra, a cidade toda ficou debaixo de água. Tem muita sujeira, cheiro horrível. Mesmo que alguém possa voltar para casa, não tem mercado, não tem padaria, não tem nada. A cidade vai ter que nascer de novo. Quem tem a possibilidade de não voltar para Eldorado não vai voltar."
Israel quer manter o direito de matar de fome os palestinos em Gaza
Nos cinco primeiros dias da operação, nenhum dos alimentos e suprimentos que entraram na Faixa de Gaza por meio de um cais artificial construído pelos Estados Unidos foi distribuído aos palestinos por organizações de ajuda – algo como 569 toneladas, disse, ontem, o general Patrick S. Ryder, porta-voz do Pentágono.
No último sábado, multidões famintas saquearam vários caminhões do Programa Alimentar Mundial que transportavam ajuda com destino ao cais, o que levou à suspensão das entregas no domingo e na segunda-feira. Devido à falta de suprimentos e à insegurança, a ONU deixou de alimentar os palestinos em Rafah.
A ONU alertou que o projeto do cais, no valor de US$ 320 milhões, pode tornar-se inútil a menos que Israel forneça condições de que os grupos humanitários precisam para operar com segurança. Israel continua a usar a fome como arma de guerra. A fome já foi usada como arma de guerra pelos nazistas contra os judeus.
Cerca de 800 mil palestinos, que se deslocaram de Gaza, no Norte da Faixa, para Rafah, no Sul, a mando de Israel no início da guerra, permanecem na cidade debaixo de tendas. Primeiro, Israel bombardeou Gaza até quase destruí-la por completo. Agora, bombardeia Rafah. Os palestinos não têm para onde correr.
A fome como arma de guerra é um crime contra a humanidade reconhecido em todos os tratados internacionais. Por isso, Karim Khan, o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, pediu a prisão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, do seu ministro da Defesa e de três líderes do Hamas.
Os Estados Unidos e países europeus criticaram duramente o pedido do promotor, mas só no caso dos israelenses que ele quer prender, não no caso dos líderes do Hamas. Disseram que os israelenses, eleitos democraticamente, não podem ser simplesmente equiparados a terroristas que não foram eleitos.
Os líderes do Hamas foram eleitos pelos palestinos em 1995, mas Israel finge esquecer isso. Nos últimos 20 anos, pelo menos, Israel financiou o grupo Hamas acreditando que assim o teria como aliado. Surpreendeu-se quando o Hamas, em 7 de outubro do ano passado, invadiu o seu território sem aviso prévio. Israel não avisa seus inimigos antes de atacá-los.
O promotor alega que está equiparando as vítimas, não os algozes. O Hamas matou e sequestrou israelenses civis e inocentes – pouco mais de 1.200, segundo Israel. Mas Israel, até aqui, já matou 35 mil palestinos civis e inocentes, segundo o Hamas, e não quer parar de matá-los apesar das pressões que sofre para isso.
No ano passado, as Forças Armadas do ditador do Azerbaijão, Ilham Aliyev, mataram 100 mil armênios. Foi uma limpeza étnica. A comunidade internacional nada disse a respeito. Israel promove uma limpeza étnica na Faixa de Gaza que não é chamada por esse nome. Ontem, um porta-voz do governo de Israel, Tal Heinrich, declarou:
“Apelamos às nações do mundo civilizado e livre – nações que desprezam os terroristas e qualquer pessoa que os apoie – a apoiarem Israel. Oponham-se à decisão do [promotor] e declarem que, mesmo que sejam emitidos mandados de prisão, eles não serão executados. Porque é sobre a nossa sobrevivência.”
A resposta de Netanyahu foi repleta de evasivas. Ele chamou as acusações do promotor de “uma tentativa de negar a Israel o direito básico de autodefesa”. Ora, o promotor reconhece o direito de Israel defender-se – o que está em discussão é como. A vida de um israelense inocente é igual à vida de um palestino inocente. Ou não é?
No último sábado, multidões famintas saquearam vários caminhões do Programa Alimentar Mundial que transportavam ajuda com destino ao cais, o que levou à suspensão das entregas no domingo e na segunda-feira. Devido à falta de suprimentos e à insegurança, a ONU deixou de alimentar os palestinos em Rafah.
A ONU alertou que o projeto do cais, no valor de US$ 320 milhões, pode tornar-se inútil a menos que Israel forneça condições de que os grupos humanitários precisam para operar com segurança. Israel continua a usar a fome como arma de guerra. A fome já foi usada como arma de guerra pelos nazistas contra os judeus.
Cerca de 800 mil palestinos, que se deslocaram de Gaza, no Norte da Faixa, para Rafah, no Sul, a mando de Israel no início da guerra, permanecem na cidade debaixo de tendas. Primeiro, Israel bombardeou Gaza até quase destruí-la por completo. Agora, bombardeia Rafah. Os palestinos não têm para onde correr.
A fome como arma de guerra é um crime contra a humanidade reconhecido em todos os tratados internacionais. Por isso, Karim Khan, o promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, pediu a prisão do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, do seu ministro da Defesa e de três líderes do Hamas.
Os Estados Unidos e países europeus criticaram duramente o pedido do promotor, mas só no caso dos israelenses que ele quer prender, não no caso dos líderes do Hamas. Disseram que os israelenses, eleitos democraticamente, não podem ser simplesmente equiparados a terroristas que não foram eleitos.
Os líderes do Hamas foram eleitos pelos palestinos em 1995, mas Israel finge esquecer isso. Nos últimos 20 anos, pelo menos, Israel financiou o grupo Hamas acreditando que assim o teria como aliado. Surpreendeu-se quando o Hamas, em 7 de outubro do ano passado, invadiu o seu território sem aviso prévio. Israel não avisa seus inimigos antes de atacá-los.
O promotor alega que está equiparando as vítimas, não os algozes. O Hamas matou e sequestrou israelenses civis e inocentes – pouco mais de 1.200, segundo Israel. Mas Israel, até aqui, já matou 35 mil palestinos civis e inocentes, segundo o Hamas, e não quer parar de matá-los apesar das pressões que sofre para isso.
No ano passado, as Forças Armadas do ditador do Azerbaijão, Ilham Aliyev, mataram 100 mil armênios. Foi uma limpeza étnica. A comunidade internacional nada disse a respeito. Israel promove uma limpeza étnica na Faixa de Gaza que não é chamada por esse nome. Ontem, um porta-voz do governo de Israel, Tal Heinrich, declarou:
“Apelamos às nações do mundo civilizado e livre – nações que desprezam os terroristas e qualquer pessoa que os apoie – a apoiarem Israel. Oponham-se à decisão do [promotor] e declarem que, mesmo que sejam emitidos mandados de prisão, eles não serão executados. Porque é sobre a nossa sobrevivência.”
A resposta de Netanyahu foi repleta de evasivas. Ele chamou as acusações do promotor de “uma tentativa de negar a Israel o direito básico de autodefesa”. Ora, o promotor reconhece o direito de Israel defender-se – o que está em discussão é como. A vida de um israelense inocente é igual à vida de um palestino inocente. Ou não é?
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