sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pensamento do Dia

Angel Boligan

Evangélicos derrotam Bolsonaro

A bancada dos deputados evangélicos da Câmara celebrou, ontem, sua primeira vitória sobre o presidente eleito Jair Bolsonaro. Ele havia convidado Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto Ayrton Senna, para ser o próximo ministro da Educação.

Como Mozart, aos olhos dos evangélicos, é um educador liberal a ponto de ser elogiado pela esquerda, o nome dele foi vetado. O que fez Bolsonaro? Trocou Mozart pelo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e estado Maior do Exército.


Fogos de artifício espocaram no Rio onde mora o pastor Silas Malafaia, que se revoltara com a escolha de Mozart. E em Richmond, no estado norte-americano de Virgínia, onde mora o ensaísta de direita Olavo de Carvalho, padrinho da indicação de Vélez Rodríguez.

O ensaísta e o futuro ministro têm pelo menos duas coisas em comum. Primeira: Olavo foi comunista por dois anos no final dos anos 60 do século passado, e Vélez Rodríguez de esquerda no seu país. Segunda: os dois migraram para a direita tão logo se viram em apuros.

Para quem se apresentou durante a campanha como não político apesar de ser deputado há 30 anos, disposto, uma vez eleito, a enfrentar as pressões dos seus pares por cargos aqui e acolá, Bolsonaro demonstrou que não será bem assim.

Prometeu fazer um governo “sem concessões a ideologias” para se contrapor a quase 14 anos de governos do PT marcadamente ideológicos. Era conversa para enganar eleitores, e deve ter enganado muitos deles, talvez o suficiente para vencer.

Inexiste governo ideológico porque é impossível encarar as questões sem partir de um ponto de vista. A visão do PT sempre foi de esquerda. A de Bolsonaro, de extrema direita com um viés militarista. Nada a ver apenas com o conservadorismo que é outra coisa.

A democracia restaurada por aqui desde 1985 passará por seu mais estressante teste a partir de janeiro de 2019. Deus é Pai!

Velhinho privilegiado

Há 7.072 detentos idosos em todo o país, segundo dados do CNJ de agosto deste ano. Desses 1.492 estão com 71 anos ou mais

Jair, o que a gente vai dizer?

O grande espetáculo geopolítico do século ganhou mais ritmo. O Departamento de Comércio do governo americano acaba de divulgar uma lista de novas tecnologias que terão exportação restringida. Elas incluem inteligência artificial, computação quântica e robotics. A lista de restrições às exportações dessas tecnologias é claramente desenhada para preservar o avanço americano em relação à China.

A divulgação da lista ocorreu poucas horas depois de um áspero duelo de discursos no encontro da cúpula econômica dos países da Ásia e do Pacífico entre o presidente da China (ao qual a imprensa internacional já se refere como imperador) e o vice-presidente americano Mike Pence (Trump esnobou o encontro). A guerra de palavras entre Beijing e Washington tornou mais difícil acreditar numa solução breve para a declarada guerra comercial entre os dois gigantes da economia mundial.


Mais ainda: na guerra de discursos, China e Estados Unidos descreveram-se mutuamente como potências coloniais na Ásia. Pence pediu aos países da região (e outros fora dela) que não aceitem “dívida externa” (uma referência à grande iniciativa estratégica chinesa de projetos de infraestrutura em vários países) que possa “comprometer sua soberania”. E Xi Jinping acusou os EUA (embora não tivesse mencionado o nome) de solapar o sistema de regras internacionais “por motivos egoísticos”.

Se alguém ainda tinha alguma dúvida, a ascensão da China resulta num confronto geopolítico de proporções inéditas, e tanto o desafiante (a China) como o desafiado (os Estados Unidos) comportam-se totalmente de acordo ao que previam algumas teorias sobre Relações Internacionais: a superpotência americana não pode tolerar o surgimento de uma outra superpotência capaz de dominar sozinha uma parte do mundo. E, inicialmente, dedica-se a uma clássica política de “containment” (comparável à da Guerra Fria com a União Soviética). A China já denuncia esse tipo de “cerco”.

As mesmas teorias supõem que inicialmente a China crescerá de forma harmônica e pacífica, até sentir que sua própria segurança (e crescimento) estão em risco – o ponto já parece ultrapassado. É esse tipo de tensão geopolítica que tem trazido medo nos últimos meses aos mercados internacionais – mais até do que as disputas comerciais travadas em termos de “guerras”. Aqui entra o papel de indivíduos. Xi Jinping, o novo imperador chinês, não deixa de maneira alguma a impressão de ser um dirigente propenso a ceder a pressões externas. Ao contrário: ele parece convencido de que o único objetivo dos Estados Unidos é o de conter a China.

Xi vai se encontrar dentro de alguns dias na cúpula do G20 com Donald Trump, o homem que acredita que conflitos geopolíticos dessa magnitude colossal se resolvem com “amigos” conversando ao redor de um campo de golfe (como ele fez com Xi Jinping na Florida). De fato, a cúpula chinesa aparentemente diferencia entre as instâncias tradicionais de formulação de condutas externas americanas (departamentos de Defesa e Estado), que se engajaram no “containment” como estratégia frente à China, e a figura de Trump.

O problema, porém, ficou claro para as outras potências que lidaram com chineses e americanos nos últimos tempos. Cada vez mais Washington e Beijing pedem aos líderes de outros países que assumam um lado nessa disputa monumental. Mesmo com tantos oceanos nos separando dos EUA e da China, não vamos escapar de ouvir a mesma pergunta: qual o lado?

E aí, Jair, o que a gente vai responder?

Filhos da época

Somos filhos da época
e a época é política.

Todas as tuas, nossas, vossas coisas
diurnas e noturnas,
são coisas políticas.



Querendo ou não querendo,
teus genes têm um passado político,
tua pele, um matiz político,
teus olhos, um aspecto político.

O que você diz tem ressonância,
o que silencia tem um eco
de um jeito ou de outro político.

Até caminhando e cantando a canção
você dá passos políticos
sobre um solo político.

Versos apolíticos também são políticos,
e no alto a lua ilumina
com um brilho já pouco lunar.
Ser ou não ser, eis a questão.
Qual questão, me dirão.
Uma questão política.

Não precisa nem mesmo ser gente
para ter significado político.
Basta ser petróleo bruto,
ração concentrada ou matéria reciclável.
Ou mesa de conferência cuja forma
se discuta por meses a fio:
deve-se arbitrar sobre a vida e a morte
numa mesa redonda ou quadrada.

Enquanto isso matavam-se os homens,
morriam os animais,
ardiam as casas,
ficavam ermos os campos,
como em épocas passadas
e menos políticas.

Wislawa Szymborska, "Poemas"

Quem julga quem?

Teoricamente, quem julga os juízes é o Conselho Nacional de Justiça, mas, na prática, é a única categoria profissional que, em caso de crime provado, venda de sentenças, propinas, tem como punição máxima a aposentadoria com salário integral. É um prêmio, não um castigo. E um dos mais vergonhosos símbolos de injustiça do Judiciário.


É difícil acreditar que cidadãos de bem, que estudam muito e trabalham demais, que têm como escolha e missão aplicar a justiça para todos, não tenham tentado mudar essa regra que prova que o crime compensa no Brasil, para alguns. Em contraponto ao aumento salarial do Judiciário, o CNJ deveria abolir esse prêmio por mau comportamento que depõe contra a corporação.

Não se imagina que um juiz como o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, concorde com a manutenção desses privilégios vergonhosos sustentados com dinheiro público. Claro que não é só isso, nem são só os juízes.

São vantagens e privilégios que vão se acumulando com a ajuda de parlamentares que transformam em lei os desejos das categorias mais poderosas, entre elas a que talvez os julgará um dia.

Como entender bonificações por triênios, quinquênios, licença-prêmio para funcionários?

Então a pessoa é premiada por se manter no emprego (vitalício) durante três ou cinco ou dez anos? Não é obrigação?

Por que juízes têm dois meses de férias por ano? Sua atividade profissional seria mais cansativa e desgastante do que a de médicos, dentistas ou motoristas de caminhão? Será que trabalham mais e em piores condições do que outras carreiras públicas? Policiais, bombeiros, professores...

Não me julguem mal, juízes amigos, com todo o respeito, estamos falando de justiça e exemplo. Os magistrados, por sua autoridade moral, devem ser os primeiros a praticar a justiça, dando o exemplo. Não basta ser justo, é preciso parecer justo. Certamente, há muitos juízes contrários a essas injustiças — e também muito medo da pressão corporativista e do poder do sindicato da toga. É difícil julgar a si mesmo.

Paisagem brasileira

Lençois (BA)

O que Bolsonaro dirá aos pobres?

Ainda há criação de empregos com carteira assinada, neste ano. Mas está devagar e, de novo, quase parando, como deu para notar pelos dados divulgados pelo Ministério do Trabalho.

O número de empregos formais cresce a 1,2% ao ano, praticamente nada, ritmo um tico menor que o de setembro.

O número de empregos formais na indústria parou de crescer. Voltou ao patamar de outubro de 2017. Ao menos a situação parou de piorar na construção civil. Há avanço melhorzinho no setor de serviços. Mas o quadro geral é de estagnação.


A taxa de desemprego geral, medida pelo IBGE, deve chegar a uns 12,2% em 2018, progresso ínfimo em relação aos 12,7% da média do ano passado. Pelas previsões, deve ficar perto de 11,7% em 2019, melhoria outra vez pequena, embora mais gente deva estar empregada.

Mesmo que o ritmo de crescimento da economia aumente, como se prevê para 2019, os danos socioeconômicos ainda serão extensos e há pouco o que fazer.

Obviamente, um crescimento de pelo menos 2,5% no ano que vem, que é o chute informado dos economistas, seria um alívio em relação ao 1,4% deste 2018. Mas alívio para quem?

O que Jair Bolsonaro dirá ao eleitorado? Pode, claro, dizer sem mentir que o estrago é grande e o remédio é difícil. Como vai dizê-lo, e o que as pessoas vão ouvir, é outra conversa.

Em tese, o governo vai começar o ano propondo uma reforma da Previdência, até aqui majoritariamente rejeitada pela população, e um plano de aumento mínimo do salário mínimo, se é que vai haver reajuste além da inflação (isto é, zero de aumento real). Sem medidas dessa espécie, dificilmente haverá crescimento maior da economia em 2019, se é que não sobreviria nova deterioração.

Ou seja, só é bom se for ruim, por assim dizer.

Uma recuperação mais rápida da construção civil tende a minorar o desemprego entre os mais pobres. Com reformas em andamento, é possível que as taxas de juros de prazo mais longo até baixem e a confiança econômica cresça, o que pode animar vendas e construção de imóveis residenciais.

Quanto à infraestrutura, tão cedo a coisa não andará mais rápido, pois o governo não tem dinheiro e terá de se organizar para tocar a construção pesada, o que leva tempo. De resto, falta muito para que as concessões à iniciativa privada resultem em abertura de canteiros de obras.

O crescimento regional será desigual, um tanto menor na região Nordeste, onde a vida é mais dura, estimam economistas do Bradesco, em relatório publicado nesta quarta-feira (21). Muitos pobres, de resto, estão cronicamente desempregados ou precarizados.

No que diz respeito a programas sociais ou serviços públicos, um grande feito será evitar que mais governos estaduais entrem em colapso.

O governo federal pode compartilhar algum dinheiro que receberá em 2019 com leilões de petróleo, como já indicou que vai fazer, mas os estados voltarão à breca logo em 2020 se não fizerem ajustes duros, na Previdência e no funcionalismo.

Ou seja, as providências mais sensatas ainda serão impopulares. Dificilmente o povo vai notar que se evitou degradação adicional dos serviços públicos.

Bolsonaro não tem até agora um discurso para os mais pobres, no que diz respeito a problemas socioeconômicos. Não terá recursos para nada em 2019. As melhorias possíveis dependem, pois, de reformas, de habilidade política.

Quanto mais energia gastar em planos econômicos muito ambiciosos ou mirabolâncias de outra espécie, mais implausível será seu sucesso.

Progredimos!?

Fizemos progressos desde a Idade Média. Pelo menos já não se esquarteja em público
George R. R. Martin

Um professor de História

O professor de História, no seu primeiro dia de aula, entra e os alunos nem percebem, conversando, falando ou jogando no celular. Ele escreve na velha lousa um imenso H, e depois vai desenhando cabeças com bigodes e barbas, enxada, foice. A turma foi prestando atenção, trocando risinhos, e agora espera curiosa. Finalmente ele fala:

– Não vamos estudar aquela História com H, só com heróis e grandes eventos! Vamos estudar a partir da nossa história, da onde e como viemos. Por exemplo, como é seu sobrenome?

– Oliveira.

– Pois é, muitos Oliveiras têm esse nome porque eram imigrantes europeus, fugidos de perseguições religiosas, então adotavam nomes de árvores ou plantas, Oliveira, Pereira, Trigueiro e tantos outros. E o seu sobrenome?

_ Santos.

– Foi o nome adotado por muitos ex-escravos ou filhos mestiços de fazendeiros com escravas. Você é, como diz o IBGE, pardo, o que não é vergonha nem demérito algum, ao contrário, a maioria do povo brasileiro é pardo. E o seu sobrenome?

– Vicentini.

– Origem italiana. Os italianos, como os espanhóis, alemães, japoneses, vieram para cá para bater enxada, trabalhar nos cafezais quando os escravos foram libertados.

O engraçadinho da turma levanta o braço:

– Meu sobrenome é Silva, professor. Tem mais Silva na lista telefônica que formiga em formigueiro. Daonde eu vim?

– Da selva. Silva é selva, em latim. Foi o nome dado pelos romanos antigos aos que vinham das florestas para morar na cidade, eram os “da selva”. Se a gente pensar que a maioria das pessoas morava no campo há meio século, e depois se mudou em massa para as cidades, a origem do nome até se justifica.

A turma espera em silêncio: aonde ele quer chegar?

– Proponho o seguinte. Vocês conversem com seus pais, avós, tios, para saber dos antepassados. Daonde vieram, por que, trabalharam e viveram onde e como. Cada um contará então a história de sua família, e daí vamos situar essa história familiar na história social. Vamos falar da cafeicultura, por exemplo, depois que alguém falar que seu avô trabalhou com café.

Uma mocinha levanta a mão:

– Não só meu avô, professor, minha avó conta que também trabalhava. Levantava às cinco, fazia café, dava de mamar ao nenê, porque ela diz que sempre tinha um nenê no ombro, outro na barriga e uma criança na barra da saia. Depois de fazer o café e tratar das galinhas, recolher os ovos, tirar leite das vacas e cuidar da horta, ela ia levar marmita pro meu avô e os filhos maiores no cafezal, e ficava lá também batendo enxada até o meio da tarde, quando voltava pra preparar e janta e...

– Bem, só com isso que você contou podemos estudar a cafeicultura e o feminismo, comparando as famílias daquele tempo e de hoje, tantas mudanças. Cada um de vocês, com sua história, vai acender o fogo do conhecimento em cada aula. Eu só vou botar lenha, dar as informações, vocês vão dar vida à História, que aí, sim, vai merecer H maiúsculo! Combinado?

Os alunos aplaudem, entusiasmados, comentam: nossa, massa, uau, professor maneiro!... Saem, e depois ele, saindo, dá com o diretor nervoso:

– Eu ouvi sua aula, professor, aqui ao lado da porta, como faço com todo novato! O senhor tire essas ideias da cabeça, viu? Vai ensinar conforme o programa, começando pelo descobrimento, as três caravelas, a calmaria etc. Entendido? Ora, onde já se viu, História viva... Só por cima do meu cadáver!

O professor novato vai pelo corredor, sentindo-se morrer por dentro. Na sala dos professores, nas paredes estão Tiradentes e o crucifixo de Jesus, dois mártires. Ele chora, perguntam por que, apenas consegue dizer “não é nada, é uma longa História”.
Domingos Pellegrini

Faltou a Bolsonaro o Posto Ipiranga da Educação

Bolsonaro cogitou a sério nomear um craque: o educador Mozart Ramos. Vetado pela bancada da Bíblia, Mozart foi trocado pelo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, indicado pelo polemista Olavo de Carvalho.

Guru ideológico da família Bolsonaro, Olavo de Carvalho já havia apadrinhado o chanceler Ernesto Araújo. Está prestes a empatar com o DEM em número de ministros. Eis o placar: Olavo 2 X 3 DEM.

Nada é mais desesperador no Brasil do que a unanimidade educacional. Entre os políticos, não há quem discorde: reverter a deterioração do ensino público é uma prioridade máxima. A despeito disso, a educação nunca dá o prometido salto.

Bolsonaro ajuda a entender o motivo. Enquanto o presidente eleito transitava na área educacional entre o acerto e o desastre, Paulo Guedes, o czar econômico do capitão, concluía a composição de sua equipe livre de pressões.

Se um deputado evangélico se dirigisse ao Posto Ipiranga para vetar um dos técnicos selecionados para o BC, BB, BNDES e Caixa seria tratado a pontapés. Se Olavo de Carvalho ligasse para apadrinhar fulano ou beltrano seria ignorado.

As estatísticas sobre analfabetismo funcional revelam que as escolas brasileiras ainda não conseguem ensinar adequadamente o A-E-I-O-U. Mas a prioridade do novo ministro é implantar uma escola sem partido e livre da educação de gênero.

Evangélicos e aliados já estão providenciando uma lei no Congresso. Proselitismo político em sala de aula terminará na cadeia. Resta explicar como se dará a fiscalização do trabalho dos 2,4 milhões de professores que atuam nas mais de 200 mil escolas de ensino fundamental e médio.

Na reta final da composição da nova Esplanada dos Ministérios, faltou a Bolsonaro discernimento e coragem para providenciar um Posto Ipiranga para a área da educação.

Em vez de tirar um partido para colocar outro, talvez fosse mais produtivo providenciar escolas nas quais os adolescentes não tivessem que aprender coisas inúteis de pessoas que não entendem do que falam, para receber ao final um certificado de que sabem o que ignoram, estando perfeitamente aptos a engrossar as estatísticas do subemprego.