quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Já ganhei aposta com Fux
Luiz Fux é pai generoso. Ministro do STF, fez telefonemas para pedir nomeação de filha-advogada ao TJ-RJ ("É tudo que posso deixar para ela", disse a desembargador, segundo perfil da revista Piauí). Liberou filho-advogado para exercer advocacia de parentes no STF, ramo promissor da prática jurídica atual. Não ensinada nas faculdades, a habilidade exige laço de sangue.
Luiz Fux é colega generoso. Em liminar monocrática de 2014, jamais submetida ao plenário do STF, garantiu aos juízes do Brasil um aumento salarial oficioso por meio de auxílio-moradia ilegal. Cinco anos e bilhões de reais mais tarde, já negociado aumento com o Congresso, revogou a liminar. Sem perguntar ao plenário, sozinho "matou no peito", como fala. Herói da magistocracia.
Luiz Fux é generoso com citações de poesia. Em discurso, não desconfiou que o verso "recomeçar e só uma questão de querer, se você quer, Deus quer" talvez não fosse de Carlos Drummond de Andrade.
Luiz Fux só não é generoso com a clareza e a credibilidade de suas ideias.
Argumento é coisa séria em Estados de direito. A mais séria. É seu insumo, seu lubrificante, seu produto final. Alimenta a vida cívica e a legitimidade dos tribunais. Mas o Estado de direito também pede que os emissores de argumentos, sobretudo juízes, sejam levados a sério, tenham aparência de seriedade. Não é falácia "ad hominem", mas exigência de ética judicial.
Seriedade e aparência de seriedade são virtudes que Luiz Fux se esmera em não cultivar. Por isso, o voto de Fux está nu.
Inútil tentar classificar Fux por tipologias doutrinárias. Inútil perguntar se foi garantista ou punitivista, dicotomia que mais confunde o debate jurídico desde a Lava Jato. Garantista seria o juiz que manda soltar e absolver. Punitivista o que manda prender e condenar. Garantista que prende e punitivista que solta causam curto-circuito no senso comum autômato. Dicotomia que o jornalismo faria bem em abandonar. Melhor ler cada caso para além do resultado e observar variações argumentativas e factuais.
Fux não é punitivista nem garantista, apenas um casuísta. Resolveu deixar isso ainda mais claro no caso criminal mais importante da história nacional. Não é que o Fux de hoje discorde do Fux de ontem ou de amanhã. Fux não concorda nem discorda, apenas salpica ornamento verbal que dê alguma liga, alguma rima.
O voto de Fux não homenageou o direito de dissentir, o valor da divergência ou do pluralismo. Não ofereceu contraponto analítico numa deliberação sincera. Fux já condenou centenas de réus por tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Quando julga seus líderes, diz que STF não tem competência.
Chico Anysio não se inspirou em Luiz Fux para inventar Rolando Lero. Dias Gomes não o conheceu para compor Odorico Paraguaçu ou Sinhozinho Malta. Luiz Fux se fez seu próprio autor. Não saiu da ficção, mas se matriculou, voluntariamente, na escola literária de onde saiu Pedro Malasartes. É o mais jurídico que se pode dizer de seu voto.
Em 2020, fiz aposta pública com Fux. Disse que, na presidência, não pautaria uma longa lista de casos delicados à sua agenda. Casos como dos penduricalhos de juízes fluminenses ("fatos funcionais") ou do "juiz de garantias". Jamais pautou e perdeu. Cobrei e jamais pagou.
Luiz Fux não merece ser levado a sério pelo que diz, mas pelo que representa.
Conrado Hübner Mendes
Luiz Fux é colega generoso. Em liminar monocrática de 2014, jamais submetida ao plenário do STF, garantiu aos juízes do Brasil um aumento salarial oficioso por meio de auxílio-moradia ilegal. Cinco anos e bilhões de reais mais tarde, já negociado aumento com o Congresso, revogou a liminar. Sem perguntar ao plenário, sozinho "matou no peito", como fala. Herói da magistocracia.
Luiz Fux é generoso com citações de poesia. Em discurso, não desconfiou que o verso "recomeçar e só uma questão de querer, se você quer, Deus quer" talvez não fosse de Carlos Drummond de Andrade.
Luiz Fux só não é generoso com a clareza e a credibilidade de suas ideias.
Argumento é coisa séria em Estados de direito. A mais séria. É seu insumo, seu lubrificante, seu produto final. Alimenta a vida cívica e a legitimidade dos tribunais. Mas o Estado de direito também pede que os emissores de argumentos, sobretudo juízes, sejam levados a sério, tenham aparência de seriedade. Não é falácia "ad hominem", mas exigência de ética judicial.
Seriedade e aparência de seriedade são virtudes que Luiz Fux se esmera em não cultivar. Por isso, o voto de Fux está nu.
Inútil tentar classificar Fux por tipologias doutrinárias. Inútil perguntar se foi garantista ou punitivista, dicotomia que mais confunde o debate jurídico desde a Lava Jato. Garantista seria o juiz que manda soltar e absolver. Punitivista o que manda prender e condenar. Garantista que prende e punitivista que solta causam curto-circuito no senso comum autômato. Dicotomia que o jornalismo faria bem em abandonar. Melhor ler cada caso para além do resultado e observar variações argumentativas e factuais.
Fux não é punitivista nem garantista, apenas um casuísta. Resolveu deixar isso ainda mais claro no caso criminal mais importante da história nacional. Não é que o Fux de hoje discorde do Fux de ontem ou de amanhã. Fux não concorda nem discorda, apenas salpica ornamento verbal que dê alguma liga, alguma rima.
O voto de Fux não homenageou o direito de dissentir, o valor da divergência ou do pluralismo. Não ofereceu contraponto analítico numa deliberação sincera. Fux já condenou centenas de réus por tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Quando julga seus líderes, diz que STF não tem competência.
Chico Anysio não se inspirou em Luiz Fux para inventar Rolando Lero. Dias Gomes não o conheceu para compor Odorico Paraguaçu ou Sinhozinho Malta. Luiz Fux se fez seu próprio autor. Não saiu da ficção, mas se matriculou, voluntariamente, na escola literária de onde saiu Pedro Malasartes. É o mais jurídico que se pode dizer de seu voto.
Em 2020, fiz aposta pública com Fux. Disse que, na presidência, não pautaria uma longa lista de casos delicados à sua agenda. Casos como dos penduricalhos de juízes fluminenses ("fatos funcionais") ou do "juiz de garantias". Jamais pautou e perdeu. Cobrei e jamais pagou.
Luiz Fux não merece ser levado a sério pelo que diz, mas pelo que representa.
Conrado Hübner Mendes
Fux mata no peito a culpa dos golpistas e vira herói da extrema-direita
Deixa ver se entendi. O ministro Luiz Fux condena um ajudante de ordem (o tenente-coronel Mauro Cid) por crime (tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito) que o ajudado por ele (Bolsonaro) não cometeu. E condena também pelo mesmo crime o vice da chapa derrotada na eleição de 2022 (general Braga Netto), isentando o cabeça da chapa (Bolsonaro).
Dito de outra forma: criminoso se perdoa, delator se castiga. Vice de chapa se condena, cabeça de chapa se absolve. É como se Mauro Cid, à falta do que fazer, decidisse abolir a democracia no Brasil à revelia de um Bolsonaro distraído. É como se Bolsonaro não tivesse conhecimento das atividades golpistas de Mauro Cid e de Braga Netto, seu companheiro de chapa.
Juristas experientes que pensavam já ter visto tudo nunca viram nada sequer parecido. Jamais esquecerão. O de Fux foi um voto de mais de 420 páginas, cuja leitura durou 12 horas, mas que não se sustenta à luz de coisa alguma e irá para os anais do Supremo Tribunal Federal como o triste fim de um ministro à beira da aposentadoria. O “Voto Mickey.” Ou o “Voto Trump”
Dito de outra forma: criminoso se perdoa, delator se castiga. Vice de chapa se condena, cabeça de chapa se absolve. É como se Mauro Cid, à falta do que fazer, decidisse abolir a democracia no Brasil à revelia de um Bolsonaro distraído. É como se Bolsonaro não tivesse conhecimento das atividades golpistas de Mauro Cid e de Braga Netto, seu companheiro de chapa.
Juristas experientes que pensavam já ter visto tudo nunca viram nada sequer parecido. Jamais esquecerão. O de Fux foi um voto de mais de 420 páginas, cuja leitura durou 12 horas, mas que não se sustenta à luz de coisa alguma e irá para os anais do Supremo Tribunal Federal como o triste fim de um ministro à beira da aposentadoria. O “Voto Mickey.” Ou o “Voto Trump”
À falta de um único fio de cabelo, não se poderá dizer que o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo sobre as tentativas de golpe de dezembro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, a tudo assistiu arrepiado; perplexo, certamente. Mas teve uma hora em que o ministro Flávio Dino perdeu o fio da meada e preferiu interromper Fux. Travou-se então o seguinte diálogo:
DINO – Sobre Mauro Cid, o senhor já votou?
FUX – Sim.
DINO – Absolvendo ou condenando?
FUX – Condenando.
DINO – Um, dois ou três crimes?
FUX – (Sorriso)
DINO – Condenando Mauro Cid e absolvendo os outros? Só pra eu entender.
FUX – Ainda não acabei.
Ao acabar, além de Bolsonaro, Fux inocentou de todos os crimes mais cinco réus: o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, o ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, os ex-ministros da Defesa (Paulo Sérgio Nogueira) e da Justiça (Anderson Torres), e Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência.
Onde na terça-feira, para condenar os réus do chamado “núcleo crucial” do golpe, Moraes e Dino encontraram “fartas provas” de cinco crimes, Fux, ontem, não encontrou praticamente nenhuma. Qual foi a mágica feita por Fux? Moraes e Dino leram o processo como se vissem um filme; Fux, como se o processo fosse um álbum de fotografias. O que Moraes e Dino juntaram, Fux separou.
Ao que Fux fez dá-se o nome de isolamento de condutas. Ele desmontou a história com começo, meio e fim contada por Moraes e Dino. Os dois conectaram os fatos e montaram o quebra-cabeça da tentativa de golpe seguindo um itinerário lógico. Fux chutou o quebra-cabeça embaralhando as peças encaixadas. Elas voltarão ao seu lugar com o voto da ministra Cármen Lúcia.
Não se cobre coerência a Fux. Quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ele defendia o sistema eletrônico de votação. Ontem, disse não ter visto nada demais nos ataques de Bolsonaro às urnas. Em mais de 1.600 casos, Fux confirmou a competência do Supremo para julgar os réus do 8 de janeiro. Ontem, disse que o Supremo não é o fórum competente para essa tarefa.
Quatro anos atrás, Fux reagiu às declarações de Bolsonaro contra o Supremo. Em discurso no dia seguinte às manifestações bolsonaristas do 7 de setembro de 2021, Fux afirmou que a ameaça de Bolsonaro de descumprir decisões de Moraes configurava “crime de responsabilidade”. Ontem, limitou-se a taxá-las de “rudes”, no máximo, “inapropriadas”, mas não criminosas.
O criminalista Aury Lopes Jr. foi preciso em seu comentário sobre o comportamento do ministro:
“Hoje, Fux apresentou mais divergências pro-réu do que a soma de decisões de uma vida inteira”.
A vida é uma sucessão de portas que se abrem ou se fecham à nossa passagem. Sossegue, Fux: as da Disney jamais se fecharão para você.
DINO – Sobre Mauro Cid, o senhor já votou?
FUX – Sim.
DINO – Absolvendo ou condenando?
FUX – Condenando.
DINO – Um, dois ou três crimes?
FUX – (Sorriso)
DINO – Condenando Mauro Cid e absolvendo os outros? Só pra eu entender.
FUX – Ainda não acabei.
Ao acabar, além de Bolsonaro, Fux inocentou de todos os crimes mais cinco réus: o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, o ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, os ex-ministros da Defesa (Paulo Sérgio Nogueira) e da Justiça (Anderson Torres), e Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência.
Onde na terça-feira, para condenar os réus do chamado “núcleo crucial” do golpe, Moraes e Dino encontraram “fartas provas” de cinco crimes, Fux, ontem, não encontrou praticamente nenhuma. Qual foi a mágica feita por Fux? Moraes e Dino leram o processo como se vissem um filme; Fux, como se o processo fosse um álbum de fotografias. O que Moraes e Dino juntaram, Fux separou.
Ao que Fux fez dá-se o nome de isolamento de condutas. Ele desmontou a história com começo, meio e fim contada por Moraes e Dino. Os dois conectaram os fatos e montaram o quebra-cabeça da tentativa de golpe seguindo um itinerário lógico. Fux chutou o quebra-cabeça embaralhando as peças encaixadas. Elas voltarão ao seu lugar com o voto da ministra Cármen Lúcia.
Não se cobre coerência a Fux. Quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ele defendia o sistema eletrônico de votação. Ontem, disse não ter visto nada demais nos ataques de Bolsonaro às urnas. Em mais de 1.600 casos, Fux confirmou a competência do Supremo para julgar os réus do 8 de janeiro. Ontem, disse que o Supremo não é o fórum competente para essa tarefa.
Quatro anos atrás, Fux reagiu às declarações de Bolsonaro contra o Supremo. Em discurso no dia seguinte às manifestações bolsonaristas do 7 de setembro de 2021, Fux afirmou que a ameaça de Bolsonaro de descumprir decisões de Moraes configurava “crime de responsabilidade”. Ontem, limitou-se a taxá-las de “rudes”, no máximo, “inapropriadas”, mas não criminosas.
O criminalista Aury Lopes Jr. foi preciso em seu comentário sobre o comportamento do ministro:
“Hoje, Fux apresentou mais divergências pro-réu do que a soma de decisões de uma vida inteira”.
A vida é uma sucessão de portas que se abrem ou se fecham à nossa passagem. Sossegue, Fux: as da Disney jamais se fecharão para você.
Desta feita, Fux beijou os pés de quem? Coragem a favor do crime é covardia
Luiz Fux age como aquele que fatia uma vaca e depois ordena que os bifes façam “muuuu”. Como não fazem, conclui cheio de razão: “Viram só? Não é uma vaca”. Retiradas as óbvias conexões entre as ações criminosas, tudo parece apenas uma soma aleatória de declarações irresponsáveis — quando não, fez questão de frisar, mero exercício da liberdade de expressão.
Ai, ai… Fux condena Braga Netto por abolição de estado de direito, mas não Bolsonaro. O general agiria à revelia do chefe… Sabem de quem é a tese de que os militares teriam traído Bolsonaro com golpismo? De Cunha Bueno, um dos advogados de Bolsonaro.
Quando a fé vira estratégia de poder
Quando a confiança abre as portas, é o silêncio que carrega a destruição. Foi assim que, sob o véu de uma dádiva, o perigo entrou sorrindo na Cidade de Tróia. A história está repleta de estratégias de infiltração que seduzem, manipulam e dominam. E a fé, quando instrumentalizada, pode ser o cavalo de Tróia mais eficaz de todos.
No Brasil contemporâneo, essa lógica encontrou terreno fértil nos presídios. Líderes de facções e traficantes passaram a se “converter” ao pentecostalismo, reduzindo penas e ganhando legitimidade espiritual. A frase de Jesus – “Meu reino não é deste mundo” – foi silenciada para dar lugar a um projeto de poder religioso. Projeções indicam que os evangélicos podem se tornar maioria entre 2032 e 2035, impulsionados por conversões nas faixas etárias mais jovens e pelo crescimento nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Pesquisadores como Gedeon Freire de Alencar, Ronaldo Almeida, Edin Sued Abumanssur e David Mesquiati de Oliveira revelam que o pentecostalismo nos presídios não apenas floresceu – ele se entrelaçou com as dinâmicas do poder informal, criando uma fusão singular entre fé e facção. O púlpito e o comando se cruzam onde o Estado falha. Líderes religiosos emergem como mediadores entre o sagrado e o ilícito, oferecendo disciplina, pertencimento e até proteção espiritual.
Essa simbiose entre fé e poder já havia sido denunciada por Délcio Monteiro de Lima em Os Demônios Descem do Norte (1987). O autor escancara como seitas pentecostais vindas dos Estados Unidos se infiltraram nas periferias latino-americanas com discursos de salvação, mas práticas de dominação. “Os templos se multiplicam como botequins”, escreve, revelando uma expansão que não salva – seduz. A fé, travestida de consolo e prosperidade, passou a moldar consciências, silenciar revoltas e alinhar os pobres ao projeto político do Norte.
Essa lógica extrapolou os muros das prisões e invadiu o universo político. A CNBB, em sua travessia pelos ventos da história, buscou dialogar com os sinais dos tempos – mas nem todo tempo é de concórdia. Dentro das próprias comunidades católicas, brotaram grupos ultraconservadores que, em vez de beber da fonte do Evangelho, sorvem da retórica do medo. Flertam com uma simbiose pentecostal que não busca o Espírito, mas o poder; desejam um Estado teocrático, onde dogmas substituam direitos, e onde o crucifixo se confunda com o cetro.
São pessoas comuns, paradoxais em sua fé e política: condenam o aborto em nome da vida, mas celebram a “arminha” como gesto de alinhamento ideológico, mesmo diante de discursos que relativizam o genocídio. Essa incongruência não é exceção – é sintoma. Como na campanha contra a Fraternidade Ecumênica de 2021, onde o chamado ao diálogo inter-religioso foi atacado como “infiltração comunista”.
Esses grupos representam uma intersecção inquietante entre fé, conservadorismo e ativismo digital. Mimetizam a estética da extrema direita: vídeos inflamados, acusações infundadas, campanhas de boicote. Transformam o púlpito em palanque, e o sacrário em
quartel. Acusam a CNBB e o CONIC de promover “ideologias revolucionárias”, sem perceber que a própria Boa Nova já foi, em seu tempo, uma revolução contra o império, contra a exclusão, contra o ódio.
Dentro da própria Igreja, ergue-se um muro de polarização – onde o irmão se torna inimigo, e o Evangelho é usado como escudo, não como ponte. É um paradoxo sagrado: enquanto o Espírito sopra sobre o colegiado da CNBB como brisa de Pentecostes, sinal vivo da sinodalidade sonhada pelo Concílio Vaticano II, há quem, em nome de uma fé endurecida, levante muralhas contra o vento. Criticam o que é, na verdade, manifestação da Ruah divina: o discernimento coletivo, a escuta plural, o caminhar em comunhão.
Se outrora a Teologia da Libertação era “o perigo”, agora o cavalo de Tróia reaparece. Mas desta vez, ele não vem de fora: está dentro dos muros da fé, sorrindo como esperança, mas carregando a ruína.
Celso José Machado
No Brasil contemporâneo, essa lógica encontrou terreno fértil nos presídios. Líderes de facções e traficantes passaram a se “converter” ao pentecostalismo, reduzindo penas e ganhando legitimidade espiritual. A frase de Jesus – “Meu reino não é deste mundo” – foi silenciada para dar lugar a um projeto de poder religioso. Projeções indicam que os evangélicos podem se tornar maioria entre 2032 e 2035, impulsionados por conversões nas faixas etárias mais jovens e pelo crescimento nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Pesquisadores como Gedeon Freire de Alencar, Ronaldo Almeida, Edin Sued Abumanssur e David Mesquiati de Oliveira revelam que o pentecostalismo nos presídios não apenas floresceu – ele se entrelaçou com as dinâmicas do poder informal, criando uma fusão singular entre fé e facção. O púlpito e o comando se cruzam onde o Estado falha. Líderes religiosos emergem como mediadores entre o sagrado e o ilícito, oferecendo disciplina, pertencimento e até proteção espiritual.
Essa simbiose entre fé e poder já havia sido denunciada por Délcio Monteiro de Lima em Os Demônios Descem do Norte (1987). O autor escancara como seitas pentecostais vindas dos Estados Unidos se infiltraram nas periferias latino-americanas com discursos de salvação, mas práticas de dominação. “Os templos se multiplicam como botequins”, escreve, revelando uma expansão que não salva – seduz. A fé, travestida de consolo e prosperidade, passou a moldar consciências, silenciar revoltas e alinhar os pobres ao projeto político do Norte.
Essa lógica extrapolou os muros das prisões e invadiu o universo político. A CNBB, em sua travessia pelos ventos da história, buscou dialogar com os sinais dos tempos – mas nem todo tempo é de concórdia. Dentro das próprias comunidades católicas, brotaram grupos ultraconservadores que, em vez de beber da fonte do Evangelho, sorvem da retórica do medo. Flertam com uma simbiose pentecostal que não busca o Espírito, mas o poder; desejam um Estado teocrático, onde dogmas substituam direitos, e onde o crucifixo se confunda com o cetro.
São pessoas comuns, paradoxais em sua fé e política: condenam o aborto em nome da vida, mas celebram a “arminha” como gesto de alinhamento ideológico, mesmo diante de discursos que relativizam o genocídio. Essa incongruência não é exceção – é sintoma. Como na campanha contra a Fraternidade Ecumênica de 2021, onde o chamado ao diálogo inter-religioso foi atacado como “infiltração comunista”.
Esses grupos representam uma intersecção inquietante entre fé, conservadorismo e ativismo digital. Mimetizam a estética da extrema direita: vídeos inflamados, acusações infundadas, campanhas de boicote. Transformam o púlpito em palanque, e o sacrário em
quartel. Acusam a CNBB e o CONIC de promover “ideologias revolucionárias”, sem perceber que a própria Boa Nova já foi, em seu tempo, uma revolução contra o império, contra a exclusão, contra o ódio.
Dentro da própria Igreja, ergue-se um muro de polarização – onde o irmão se torna inimigo, e o Evangelho é usado como escudo, não como ponte. É um paradoxo sagrado: enquanto o Espírito sopra sobre o colegiado da CNBB como brisa de Pentecostes, sinal vivo da sinodalidade sonhada pelo Concílio Vaticano II, há quem, em nome de uma fé endurecida, levante muralhas contra o vento. Criticam o que é, na verdade, manifestação da Ruah divina: o discernimento coletivo, a escuta plural, o caminhar em comunhão.
Se outrora a Teologia da Libertação era “o perigo”, agora o cavalo de Tróia reaparece. Mas desta vez, ele não vem de fora: está dentro dos muros da fé, sorrindo como esperança, mas carregando a ruína.
Celso José Machado
Trump vai declarar guerra ao Brasil por causa de Bolsonaro?
Se é certo que de Donald Trump é possível esperar de tudo, qual o grau de seriedade que se deve aplicar à nada sutil ameaça feita pela sua porta-voz na tarde de terça-feira?
Karoline Leavitt, com a ligeireza que lhe é peculiar, comentou num mesmo e longo período as sanções já aplicadas ao Brasil, o combate que os Estados Unidos estão elevando a operação militar contra cartéis de traficantes e a defesa da liberdade de expressão.
Para o último item, afirmou a porta-voz, Washington dedicará todo seu "poder econômico e militar". Fica a questão nada retórica: está Trump disposto a declarar guerra ao Brasil caso Jair Bolsonaro (PL) seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal?
Pode soar delirante ou apenas ridículo, mas esse é o subtexto da fala de Leavitt, que ocorre num momento em que a administração republicana deslocou consideráveis recursos militares para o entorno estratégico da Venezuela, ditadura que consideram responsável pelo aumento do influxo de drogas nos EUA.
Recapitulando: em 9 de julho, Trump anunciou que elevaria a 50% o imposto de importação de produtos brasileiros porque, entre outras coisas mas em primeiro lugar na sua visão, o Brasil estava perseguindo Bolsonaro —para ele, Alexandre de Moraes e Lula (PT) são indistinguíveis.
O ministro do Supremo não só deu de ombros como impôs medidas cautelares e, depois, prisão domiciliar ao ex-presidente. Recebeu, na via inversa, uma dura punição ao se ver atingido pela draconiana Lei Magnistky, desenhada para coibir a atividade econômica de terroristas, traficantes, ditadores e criminosos de guerra.
Ele, assim como todos os colegas de corte exceto os três que Trump associa ao bolsonarismo, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux, também teve seu visto americano cassado —medida estendida às suas famílias e, depois, levada a ministros do governo Lula por motivos aleatórios.
Como se viu no voto de Moraes, proferido enquanto Leavitt se manifestava, a pressão resultou em nada, mesmo com a certeza de que mais estará por vir. Não parece que será agora, com retórica canhoneira, que terá algum sucesso.
Voltando à questão, é mais do que improvável que o gogó da Casa Branca seja mais que isso. Primeiro, por uma questão de motivação legal: Trump está cercando a Venezuela de navios e caças, explodindo barcos suspeitos de tráfico sem perguntar antes, porque se ampara numa questionável decisão de fevereiro.
Segundo ela, cartéis de drogas são organizações terroristas. Assim, as regras de liberdade plena para atacar esses inimigos seriam aplicáveis aos grupos que operam na Venezuela e, por essa lógica, no México e até no Brasil.
Mas o foco foi sobre Caracas porque, além de tudo, Maduro é um desafeto que tem um prêmio de US$ 50 milhões por sua cabeça em Washington, procurado pela Justiça americana por tráfico. Se Trump irá às vias de fato ou apenas torce para que o ditador caia, é incerto, mas seu adversário é frágil.
Na hipótese esotérica de querer empregar a força para defender a liberdade de expressão que diz ver encarnada em Bolsonaro, o presidente americano precisaria pedir autorização ao Congresso. Não parece um caso sustentável nem para o mais empedernido aliado dos belicosos secretários Marco Rubio (Estado) e Pete Hegseth (Guerra).
Noves fora a parte prática: como seria a punição militar ao Brasil? Um míssil de cruzeiro Tomahawk sobre o Supremo? Um bloqueio naval contra um aliado de mais de dois séculos? A obliteração nuclear de Brasília? A invasão inviável de um país continental?
Nada disso faz sentido, com a ressalva de que é sempre bom voltar à frase que abre esse texto. Também não é algo corriqueiro ver tal tipo de ameaça, que serve como lembrete acerca de incapacidades crônicas de defesa do Brasil.
Mesmo sem a prevalência do bom senso no Hemisfério Norte esses dias, a bravata de Leavitt parece fazer pouco mais do que colocar nova cunha na relação entre Brasília e Washington e empolgar os que desfraldaram bandeiras americanas no 7 de Setembro.
Karoline Leavitt, com a ligeireza que lhe é peculiar, comentou num mesmo e longo período as sanções já aplicadas ao Brasil, o combate que os Estados Unidos estão elevando a operação militar contra cartéis de traficantes e a defesa da liberdade de expressão.
Para o último item, afirmou a porta-voz, Washington dedicará todo seu "poder econômico e militar". Fica a questão nada retórica: está Trump disposto a declarar guerra ao Brasil caso Jair Bolsonaro (PL) seja condenado pelo Supremo Tribunal Federal?
Pode soar delirante ou apenas ridículo, mas esse é o subtexto da fala de Leavitt, que ocorre num momento em que a administração republicana deslocou consideráveis recursos militares para o entorno estratégico da Venezuela, ditadura que consideram responsável pelo aumento do influxo de drogas nos EUA.
Recapitulando: em 9 de julho, Trump anunciou que elevaria a 50% o imposto de importação de produtos brasileiros porque, entre outras coisas mas em primeiro lugar na sua visão, o Brasil estava perseguindo Bolsonaro —para ele, Alexandre de Moraes e Lula (PT) são indistinguíveis.
O ministro do Supremo não só deu de ombros como impôs medidas cautelares e, depois, prisão domiciliar ao ex-presidente. Recebeu, na via inversa, uma dura punição ao se ver atingido pela draconiana Lei Magnistky, desenhada para coibir a atividade econômica de terroristas, traficantes, ditadores e criminosos de guerra.
Ele, assim como todos os colegas de corte exceto os três que Trump associa ao bolsonarismo, André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux, também teve seu visto americano cassado —medida estendida às suas famílias e, depois, levada a ministros do governo Lula por motivos aleatórios.
Como se viu no voto de Moraes, proferido enquanto Leavitt se manifestava, a pressão resultou em nada, mesmo com a certeza de que mais estará por vir. Não parece que será agora, com retórica canhoneira, que terá algum sucesso.
Voltando à questão, é mais do que improvável que o gogó da Casa Branca seja mais que isso. Primeiro, por uma questão de motivação legal: Trump está cercando a Venezuela de navios e caças, explodindo barcos suspeitos de tráfico sem perguntar antes, porque se ampara numa questionável decisão de fevereiro.
Segundo ela, cartéis de drogas são organizações terroristas. Assim, as regras de liberdade plena para atacar esses inimigos seriam aplicáveis aos grupos que operam na Venezuela e, por essa lógica, no México e até no Brasil.
Mas o foco foi sobre Caracas porque, além de tudo, Maduro é um desafeto que tem um prêmio de US$ 50 milhões por sua cabeça em Washington, procurado pela Justiça americana por tráfico. Se Trump irá às vias de fato ou apenas torce para que o ditador caia, é incerto, mas seu adversário é frágil.
Na hipótese esotérica de querer empregar a força para defender a liberdade de expressão que diz ver encarnada em Bolsonaro, o presidente americano precisaria pedir autorização ao Congresso. Não parece um caso sustentável nem para o mais empedernido aliado dos belicosos secretários Marco Rubio (Estado) e Pete Hegseth (Guerra).
Noves fora a parte prática: como seria a punição militar ao Brasil? Um míssil de cruzeiro Tomahawk sobre o Supremo? Um bloqueio naval contra um aliado de mais de dois séculos? A obliteração nuclear de Brasília? A invasão inviável de um país continental?
Nada disso faz sentido, com a ressalva de que é sempre bom voltar à frase que abre esse texto. Também não é algo corriqueiro ver tal tipo de ameaça, que serve como lembrete acerca de incapacidades crônicas de defesa do Brasil.
Mesmo sem a prevalência do bom senso no Hemisfério Norte esses dias, a bravata de Leavitt parece fazer pouco mais do que colocar nova cunha na relação entre Brasília e Washington e empolgar os que desfraldaram bandeiras americanas no 7 de Setembro.
1984 = 2025?
Publicado em 1949, o conhecido livro “1984”, do George Orwell, narra um futuro no qual o “Grande Irmão”, o Estado, tudo controla, por meio de ampla vigilância e do Ministério da Verdade, que reescreve a história. Até que ponto Orwell previu o mundo de hoje?
Embora muitos procurem negar, é fato que cada dia mais vivemos numa sociedade de vigilância. O fato de ocorrerem eleições periódicas em muitos países não é suficiente para descartar nem a vigilância nem a manipulação dos fatos.
Com o mundo atual dividido – artificial, equivocada e perigosamente – entre “nós e eles”, a vigilância e a manipulação, diz-se, são feitas por eles, nunca por nós! Será?
Lembremo-nos do Edward Snowden, ex-membro da Agência de Segurança Nacional dos EUA, que revelou como aquela instituição, e outras, vigiavam, sem amparo legal, milhões de pessoas mundo afora. A própria Dilma Roussef foi espionada. Entre outras, Snowden revelou que a ASN tinha capacidade de ligar remotamente câmeras de computadores e celulares, passando a gravar a intimidade dos alvos.
Mais recentemente, milhares de pessoas foram assassinadas pelo governo de Israel, que fez explodir os “pagers” usados por aqueles definidos como inimigos.
No “Ocidente”, diz-se que é a China que faz vigilância, por meio das câmeras com reconhecimento facial instaladas por todo o país. Indagada, a ChatGPT afirma, com ressalvas pela inexistência de dados oficiais e a dificuldade de se obter informações seguras, serem entre 600 e 700 milhões de câmeras, sendo incerto quantas possuem capacidade de reconhecer faces. As mesmas dificuldades aplicam-se para calcular aquelas instaladas noutros locais (sempre em milhões): EUA (60 a 85), Inglaterra e Japão (5 em cada), Rússia (200 mil só em Moscou), Alemanha (1,5 milhão) e, no Brasil, avalia que cerca de 47 a 80 milhões de pessoas são potencialmente cobertos pelos projetos existentes.
Mas a vigilância não depende das câmeras: a internet e os celulares tornaram-se também instrumentos de espia e controle. Os dados guardados nos datacenters – eufemisticamente chamados de “nuvem” – sob controle de corporações cada vez mais associadas ao plutocrata Trump – são, também, meios de saber o que pensamos, fazemos, com quem conversamos e muito mais! Não fosse assim e o Departamento de Estado não analisaria as redes sociais dos pretendentes a visto de entrada nos EUA.
Os mesmos EUA que estão em campanha acelerada para mudar a história. A começar pela nada inocente alteração do nome do Golfo do México, são muitas as iniciativas de Trump: demitiu diretores de instituições culturais, abriu guerra contra universidades e determinou uma “revisão” das exposições dos museus Smithsonian, para que o relato histórico se adapte a sua visão! Publicou, ainda, Ordem Executiva para “Restaurar a Verdade e a Razão na História Americana”.
O ano de 2025 tornou-se o temido 1984? Em grande parte, sim; de outra maneira como entender que dirigentes globais nada de eficaz façam contra a pobreza, contra as mudanças climáticas, acirrem os espíritos contra imigrantes e ainda ampliem gastos militares? Big Brother no comando?
Embora muitos procurem negar, é fato que cada dia mais vivemos numa sociedade de vigilância. O fato de ocorrerem eleições periódicas em muitos países não é suficiente para descartar nem a vigilância nem a manipulação dos fatos.
Com o mundo atual dividido – artificial, equivocada e perigosamente – entre “nós e eles”, a vigilância e a manipulação, diz-se, são feitas por eles, nunca por nós! Será?
Lembremo-nos do Edward Snowden, ex-membro da Agência de Segurança Nacional dos EUA, que revelou como aquela instituição, e outras, vigiavam, sem amparo legal, milhões de pessoas mundo afora. A própria Dilma Roussef foi espionada. Entre outras, Snowden revelou que a ASN tinha capacidade de ligar remotamente câmeras de computadores e celulares, passando a gravar a intimidade dos alvos.
Mais recentemente, milhares de pessoas foram assassinadas pelo governo de Israel, que fez explodir os “pagers” usados por aqueles definidos como inimigos.
No “Ocidente”, diz-se que é a China que faz vigilância, por meio das câmeras com reconhecimento facial instaladas por todo o país. Indagada, a ChatGPT afirma, com ressalvas pela inexistência de dados oficiais e a dificuldade de se obter informações seguras, serem entre 600 e 700 milhões de câmeras, sendo incerto quantas possuem capacidade de reconhecer faces. As mesmas dificuldades aplicam-se para calcular aquelas instaladas noutros locais (sempre em milhões): EUA (60 a 85), Inglaterra e Japão (5 em cada), Rússia (200 mil só em Moscou), Alemanha (1,5 milhão) e, no Brasil, avalia que cerca de 47 a 80 milhões de pessoas são potencialmente cobertos pelos projetos existentes.
Mas a vigilância não depende das câmeras: a internet e os celulares tornaram-se também instrumentos de espia e controle. Os dados guardados nos datacenters – eufemisticamente chamados de “nuvem” – sob controle de corporações cada vez mais associadas ao plutocrata Trump – são, também, meios de saber o que pensamos, fazemos, com quem conversamos e muito mais! Não fosse assim e o Departamento de Estado não analisaria as redes sociais dos pretendentes a visto de entrada nos EUA.
Os mesmos EUA que estão em campanha acelerada para mudar a história. A começar pela nada inocente alteração do nome do Golfo do México, são muitas as iniciativas de Trump: demitiu diretores de instituições culturais, abriu guerra contra universidades e determinou uma “revisão” das exposições dos museus Smithsonian, para que o relato histórico se adapte a sua visão! Publicou, ainda, Ordem Executiva para “Restaurar a Verdade e a Razão na História Americana”.
O ano de 2025 tornou-se o temido 1984? Em grande parte, sim; de outra maneira como entender que dirigentes globais nada de eficaz façam contra a pobreza, contra as mudanças climáticas, acirrem os espíritos contra imigrantes e ainda ampliem gastos militares? Big Brother no comando?
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