sábado, 1 de outubro de 2016

sIstema eleitoral brasileiro legenda justica

Mr. Hyde, dr. Jeckyl e o seu voto

“O médico e o monstro”, na versão que se poderia dar da fábula nesta agonia das mumificadas instituições brasileiras, deveria se chamar “O monstro e o médico”. Fomos tão longe nas distorções e tão fundo no “Eu sou, mas quem não é?” que tantas vezes salvou a pele do líder do petismo e do Foro de São Paulo desde as primeiras revelações do que se acreditava ter sido apenas o “mensalão”, que hoje “mr. Hyde” é que é a “matriz” que se apresenta aberta e cotidianamente pelos palcos enquanto o bom “dr. Jeckyl”, sempre meio envergonhado da “caretice” dos seus pruridos “moralistas”, luta por emergir da normalidade da anormalidade a que nos acostumamos.

É realmente impressionante, para quem não viveu isso como o longo e meticuloso processo de engenharia do vício que foi desde a primeira flor do mal plantada por Getulio Vargas, que num sistema que ainda é chancelado em última instância pelo voto apenas e tão somente um numero contado de personagens que chegam a ser quixotescos de tão desviados do padrão num bastião isolado da 1a Instância do Judiciário em Curitiba e dentro do Ministério Público e da Polícia Federal afirmem-se sem nenhuma reserva ou restrição como defensores intransigentes da ética na política e no trato dos dinheiros públicos.

Com um sistema político que obriga ao trânsito pelo lado escuro da lua pela maior parte dos caminhos que levam ao poder, das instâncias mais baixas de representação da sociedade em diante, não ha nem poderia haver um só partido político entre os que percorreram uma parte dessa estrada que se possa dar o luxo de “fechar questão” em torno dessa causa, nem que seja apenas “pro forma”. Ha, quando muito, “bandas saudáveis” dentro de partidos que exibem mais ou menos despudoradamente a sua insalubridade. Iniciativas individuais de membros do Legislativo tangidos para o voto contra as conspirações de lesa-pátria se e quando a imprensa detecta a tempo e denuncia com suficiente estridência as manobras para anistiar crimes cometidos, legalizar ações ilegais, devolver a impunidade aos culpados, permitir o desfrute de dinheiros roubados e por aí afora.

Feel like Jekyll & Hyde more often than you want to admit?  We are not crazy...there's some science going on here. :)  Click the image.:
Não estamos sozinhos nisso mas chocamos pela crueza, pela explicitude e pela ausência de resistência com que o crime transita no meio de nós. Todas as instituições da Republica – e não apenas as do Estado – dividem-se hoje em “bandas” mais e menos contaminadas. O governo que substituiu o que caiu de podre é, ele próprio, dividido assim. Vive num permanente embate de nuances. No STF a banda podre é quase oficial, sendo a saudável fluida o bastante para nunca ser possivel antecipar o que sairá de lá mesmo quando o que está em causa é a literalidade do texto constitucional. O voto sobre prisões a partir da condenação pela 2a Instância, marcado para a quarta-feira, 5, será um marco histórico a definir com que velocidade “dr. Jeckyl” poderá vir a sobrepor-se ao “mr. Hyde” que se tornou padrão. À frente da arguição de “inconstitucionalidade” da inauguração da prestação de justiça num prazo discernível em pleno 3º Milênio, representando toda a “banda podre” do Poder Judiciário que tem vivido de torturar a idéia de justiça com os ferros-em-brasa do formalismo cínico, está ninguém menos que a OAB advogando em causa própria pela eternização da eternização dos litígios.

Quase todas as outras representações da sociedade civil – sindicatos de trabalhadores e patronais, partidos políticos, ONGs, “movimentos sociais”, artistas, intelectuais e outras subcelebridades do vasto planeta da parasitação do dinheiro público – dividem-se igualmente em bandas muito podres e bandas menos podres.

É penoso o parto de um Brasil novo a partir desse criado pela socialização da corrupção, também dita “corporativismo”, onde tudo pode ser “regulamentado” e “regulamentado” de novo por uma legião de ungidos blindados contra qualquer represália de quem lhes deu um mandato, do que resulta que cada individuo tem ao menos uma tetazinha para chamar de sua e nenhum está totalmente a cavaleiro para apontar o dedo aos demais sem ser retrucado.

A boa notícia é que as manobras conspiratórias para dar sobrevida ao mal que, por abuso, condenou à morte o organismo de que se sustenta também já são quase sempre “órfãs”. Elas emergem das sombras envergonhadas e sem reivindicação de direito autoral. Não ha mais fabricantes de “narrativas”, nem manipuladores de regimentos internos, nem “velhas raposas” até ha pouco festejadas como “matreiras” e “habilidosas” que assumam a paternidade de “jabutis”, de inversões da lógica da justiça com base em formalidades e outros “passa-moleques” do gênero. Não ha mais quem se levante para defender de cara limpa as falcatruas tentadas.

Tudo está mapeado e medido. Os efeitos são indesligáveis das suas causas. A conspiração que resta é a do silêncio, também ela uma confissão de dolo. Mas o privilégio anda com o rabo entre as pernas, consciente da miséria que custa, sabendo-se insustentavel e em litígio com a matemática, pendurado por um fio e pedindo tiro. Basta que seja encarado de frente para que finalmente se esboroe.

Tudo considerado até que vamos indo bem. O interesse geral, ainda que de forma difusa, tem prevalecido mesmo porque a alternativa é incontemplavel. O próximo degrau escada abaixo não tem volta. Depois da partida “dos ingleses”, o Rio de Janeiro real em que os representantes eleitos do povo já começam a pagar ao crime organizado antes da eleição, pela mera licença para se apresentar como candidatos nos seus territórios privativos de caça, é a “avant première” do Brasil de pesadelo que, ninguém se engane, é a única alternativa ao Brasil de sonho que só a lei imperando, igual para todos, pode repor em pé.

Uma parte do remédio é a matemática quem vai impor. Mas a eleição de domingo definirá as condições em que partiremos – ou não – para as reformas mais profundas que se farão necessárias adiante para por o Brasil de sonho novamente no horizonte.

Aposta no caos

As eleições municipais deste domingo devem confirmar o declínio dos candidatos de esquerda, em especial os do PT, nas cidades mais importantes do país. Os motivos são óbvios e estão capitulados nas (até aqui) 35 fases da operação Lava Jato.

Isso, porém, não atenuará – muito pelo contrário - a ação predatória dos grupos organizados, que se abrigam sob o guarda-chuva protetor dessas legendas, contra o governo Temer.

Despojado dos meios institucionais, resta a batalha campal, em que são especialistas. O PT perde nas urnas, mas mantém seus feudos estratégicos na máquina pública, estruturados em quase 14 anos de reinado, nas três esferas federativas, fornidos com a grana grossa (e põe grossa nisso) da corrupção.

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O partido, além de aparelhar o Estado, patrocinou a construção de uma gigantesca máquina sindical e estabeleceu sua hegemonia nas universidades, na mídia e nos meios artístico e intelectual. Em síntese, aparelhou a sociedade civil.

Do ponto de vista da ação estratégica, isso vale muito mais que um punhado de vereadores e prefeitos, ainda que de cidades importantes. O poder destrutivo de uma militância treinada e remunerada é incomparavelmente maior que o das multidões desorganizadas que ocuparam, aos milhões, do ano passado para cá, as ruas das principais cidades brasileiras.

O processo de despetização da máquina pública é lento e penoso. Não basta extinguir alguns cargos comissionados. A militância está no Ministério Público, no Judiciário (inclusive no STF), nas embaixadas, nos meios de comunicação, dispondo de uma ativa falange de formadores de opinião, engajados no “fora, Temer”.

A reação de Lula às denúncias da Lava Jato tem sido a de mobilizar essa militância contra as instituições, incentivando o discurso vitimista do golpe – o que, não sendo, como não é, verdade, constitui ele sim um golpe.

Ciro Gomes, ex-ministro de Lula e pré-candidato à Presidência da República, chegou a afirmar, em entrevista, que se dispõe a “sequestrar” o ex-presidente e levá-lo a uma embaixada para que saia do país e escape de prestar contas à Justiça.

O que fez é um crime, semelhante, só que a céu aberto, ao que Delcídio do Amaral propôs fazer com Nestor Cerveró. Mas, diante do que o próprio Lula faz, propondo a guerra civil, já não impressiona ninguém. O que se tem, na impossibilidade de uma solução legal e institucional aos crimes já revelados, é o apelo à baderna e a tentativa de construção de uma “narrativa” fictícia que transforme criminosos (in)comuns em perseguidos políticos.

A dificuldade está em que os fatos insistem em acontecer. Esta semana foi preso o segundo ex-ministro da Fazenda da Era PT, Antonio Palocci, sob a mesma acusação – roubo - do anterior, Guido Mantega. Já estão na cadeia, também por esse delito, três ex-tesoureiros do PT, um ex-presidente (José Dirceu) e são réus os dois petistas que ocuparam a Presidência da República, Lula e Dilma.

Há ainda uma extensa lista de delações premiadas, de empresários e outros cúmplices, por vir à tona e outra já revelada, exposta no Youtube. Não há chance de todos estarem contando uma história falsa. Tudo se articula num desenho nítido, que faz jus ao que os procuradores da Lava Jato intitularam de Propinocracia.

Não obstante tudo isso, a mobilização obsessiva de jovens nas universidades, entoando o discurso do golpe, mostra que aquela que, em tese, deveria ser a elite pensante do país, faz questão de virar as costas à realidade e desafiá-la. A tanto chegou o ensino universitário.

E é exatamente esse confronto, entre o país real, que herdou uma economia arruinada e instituições desacreditadas, e o país da militância – minoritário, mas organizado -, que mantém o ambiente de tensão, que dificulta a tarefa de superar a crise.

A política, em sua origem, foi concebida como o meio pacífico de contornar conflitos. Sem ela, volta-se à barbárie.

E é nela, na barbárie, que PT e aliados, que desmoralizaram ainda mais a política brasileira (que nunca foi grande coisa, mas que agora é coisa nenhuma) jogam suas fichas, na tentativa de fugir à responsabilidade pelos crimes perpetrados.

Legítima carnificina?

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Se vivemos hoje numa sociedade intolerante com as diferenças, se a vida humana parece ter perdido o valor, é também porque ainda se aceita a barbárie oficial e porque assassinos se escondem no meio de grupos, com a mesma esperança desses PMs: conseguir a absolvição pela “impossibilidade de individualizar as imputações”. Muitos conflitos e mortes se devem à impunidade estimulada por um Judiciário lento e, no caso da carnificina de Carandiru, comprometido.

A decadência que Dilma legou

Os relatórios dos últimos cinco anos sobre a competitividade global preparados pelo Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) mostram de maneira evidente a rápida decadência do Brasil no cenário internacional. São, por isso, um retrato em números da desgraça que, de maneira sistemática e eficaz, a gestão Dilma Rousseff impôs à economia brasileira com suas irresponsáveis políticas fiscais e supostamente desenvolvimentistas. Embora tradicionalmente pouco competitivo em razão de problemas estruturais há muito conhecidos, o Brasil vinha recuperando posições na classificação mundial até o primeiro ano do governo Dilma. Desde então, porém, vem despencando. Perdeu 33 posições entre 2012 e 2016, ano em que ficou em 81.º lugar entre 138 países. É o pior desempenho do País desde 2007, quando a pesquisa foi iniciada.

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Ao desastre que a gestão dilmista foi para a economia brasileira e para as finanças públicas somou-se, nos últimos anos, a revelação do imenso esquema de pilhagem de recursos que o governo do PT instalou na Petrobrás e em outras empresas controladas pelo Estado, para financiar o projeto do partido de manter-se indefinidamente no poder. O bilionário desvio de dinheiro beneficiou o principal partido do governo e seus aliados, além de dirigentes partidários, funcionários públicos e empresas que prestaram serviços ao governo federal.

Desse modo, aos problemas tradicionalmente enfrentados pelos investidores para atuar na economia brasileira a gestão lulopetista, sobretudo durante o governo Dilma, acrescentou outros, citados com destaque no relatório de competitividade de 2016 entre os fatores negativos que fizeram cair a classificação do Brasil, como a deterioração da qualidade da administração do setor público. Obviamente, quanto mais corrupto o governo, menos confiança ele inspira nas pessoas que precisam tomar decisões sobre projetos de longo prazo. Assim, no quesito instituições, um dos utilizados na pesquisa do WEF, o Brasil ocupa apenas a 120.ª posição entre os países relacionados.

O fracasso da política econômica do governo Dilma, expresso de maneira óbvia na longa e intensa recessão em que o País continua mergulhado, igualmente afetou, e muito, a classificação brasileira no ranking mundial de competitividade. A retração dos mercados de trabalho (com o desemprego atingindo atualmente mais de 11 milhões de trabalhadores), de bens e serviços e financeiro tornou pior a avaliação do Brasil em vários itens utilizados pelo WEF. Quanto ao ambiente de negócios, um dos principais itens para se avaliar a competitividade de uma economia, o Brasil é apenas o 128.º colocado. Em eficiência do mercado de trabalho, ocupa o 117.º lugar. Esta última classificação é mais um fator a demonstrar a urgência da reforma da legislação trabalhista, para torná-la mais adequada às profundas transformações por que passou e vem passando o mercado de trabalho em todo o mundo.

Problemas antigos, como excesso de burocracia, precariedade da infraestrutura, altos encargos trabalhistas, estrutura tributária complexa e baixa capacidade de inovação, também tiveram alguma influência na péssima classificação do Brasil no ranking de competitividade. Agora, o País é o pior entre os Brics (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul). Na América Latina, o Brasil está à frente apenas da Argentina (104.º colocado) e da Venezuela (130.º).

Se há um lado positivo no relatório de 2016 do WEF é o fato de que os recentes e poderosos fatores que fizeram despencar a classificação do Brasil tendem a perder força com o afastamento definitivo do PT do poder e a posse de Michel Temer na Presidência da República. Eliminou-se de imediato um forte elemento de instabilidade institucional e criou-se a expectativa de que, com a nova gestão, os graves erros do passado recente serão corrigidos e mudanças para melhorar o ambiente para a atividade econômica serão feitas.

Editorial - Estadão

O enigma das urnas

O Brasil volta no domingo às urnas após o terremoto que o impeachment de Dilma significou. Trata-se de um teste democrático e de um enigma que deverá ser atentamente analisado.

É verdade que as eleições são municipais, o que acarreta um forte componente local. Entretanto, dado o momento de convulsão social e política que o país atravessa, representarão também uma mensagem para conhecer por onde caminha a sociedade neste momento e qual é o peso da luta contra a corrupção na política.

As eleições municipais desta vez serão também, de certa forma, uma prévia da presidencial de 2018, revelando-nos qual Brasil sai do áspero debate político levado a cabo desde a última eleição e depois da volta da esquerda à oposição. Será que algo mudou, ou o Brasil continuará sendo o mesmo?

O resultado das urnas nos indicará, por exemplo, o que estava por trás das grandes manifestações, a favor ou contra Dilma e o PT, que ocorreram desde a última vez que os brasileiros foram às urnas.

Será esta a hora de conhecer melhor, já com o voto, quem continuará defendendo a experiência dos últimos Governos de esquerda e quem optará por uma alternativa mais liberal.

Alternativa, além do mais, imprescindível para que um partido não se eternize no poder, o que acaba corrompendo até os melhores.


Como vão votar, por exemplo, quase 40 milhões de pessoas que perderam o emprego, ou os 40 milhões da classe C que estão sentindo na carne os efeitos da inflação ainda descontrolada, da maior taxa de juros do mundo e da perda do seu poder aquisitivo?

Será um teste para saber se a esquerda, sobretudo o PT, sofrerá ou não uma sangria de votos devido às acusações de corrupção contra seus maiores líderes, assim como devido ao fato de que a crise deriva de um modelo equivocado de economia criado pelo Governo Dilma.

Mas também é possível que esses milhões de eleitores menos escolarizados, mais preocupados com os problemas de cada dia e com medo do desemprego, julguem que todos os políticos são iguais e que vender o voto não tem importância.

Afinal, não foi Lula quem disse que melhor um político, “por mais corrupto que seja”, porque precisa conquistar votos na rua a cada eleição, do que um funcionário concursado, que tem o seu salário assegurado pelo resto da vida?

As urnas nos revelarão se continuam sendo maioria os intelectuais defensores de soluções ideológicas, ou se boa parte da sociedade já superou o drama da saída de Dilma e busca caminhos novos para tentar superar a crise.

O que os brasileiros comuns parecem querer, quando se fala com eles, é uma vida menos angustiante economicamente e serviços de saúde e educação menos precários e elitizados. Eles não entram em certas polêmicas jurídicas. O que perguntam, por exemplo, não é se o Governo Temer é ou não legítimo. Querem saber se, com ele, “as coisas vão melhorar”.

As urnas nos vão revelar se tinham ou não razão ou certas elites pensantes, acomodadas no privilégio de sua tranquilidade econômica.

São os eleitores quem vão dizer se tinham ou não razão certos acólitos do PT ideológico, que, sem escutar a rua, continuam cantando no coro sem perceber que a missa já acabou.

Para as vítimas da crise, a missa provavelmente nunca começou.

O resultado das urnas desta vez poderá ser, portanto, particularmente revelador e significativo para entender se, depois de tantas polêmicas, a sociedade mudou, e em que direção.

Feliz domingo de eleições, que sempre me causam inveja democrática, já que eu só consegui votar quando já tinha 40 anos, devido à longa e dura ditadura franquista.

Imagem do Dia

Castelo de Nests, na Crimeia (Ucrânia)

Comparação indevida

Tem sido repetida com frequência a comparação indevida e absurda das prisões da Lava-Jato com a ditadura. Para quem se esqueceu, ou não sabe, naquela época as pessoas eram sequestradas pelas forças de segurança, respondiam a Inquérito Policial Militar sem direito a advogado, eram julgadas por tribunais militares, mesmo sendo civis, e por leis ditatoriais que suspendiam direitos como o habeas corpus.

Isso sem falar nos piores horrores, como a tortura e os assassinatos, muitas vezes seguidos de ocultação de cadáver. Corpos nunca foram devolvidos às famílias e ainda assombram o país, que não teve coragem de exigir as informações sobre as circunstâncias dos desaparecimentos. Isso não se parece, em nada, com as prisões da Lava-Jato. O juiz Sérgio Moro defende as prisões cautelares e medidas fortes, e antes que alguém de novo compare com a ditadura militar, é bom lembrar que ele está falando em usar todo o rigor que a lei democrática permite, e não a supressão dessas garantias constitucionais. O que os procuradores da Lava-Jato estão propondo são medidas que levaram ao Congresso, para que, se votadas, fechem as inúmeras brechas pelas quais foi se expandindo o sistema de desvio do dinheiro público.

O ministro Ricardo Lewandowski deseducou jovens quando disse a estudantes do Direito da USP que o impeachment foi um “tropeço na democracia”. Se ele estava convencido de que o país tropeçava na democracia, por que não disse em tempo? Por que Lewandowski aceitou presidir o julgamento final desse impeachment? E ainda tratou o problema como uma recorrência. “A cada 25, 30 anos, temos um tropeço na nossa História.” E acrescentou: “Lamentável. Quem sabe vocês jovens conseguem mudar o rumo da História.” Lamentável que o ex-presidente do Supremo se refira assim ao processo que comandou. O que o constrangeu a ficar por horas a fio, por dias seguidos, presidindo um julgamento, se achava que, naquele ato, o país tropeçava na democracia?

O Brasil teve momentos na sua República que nunca devem ser repetidos, como os dois períodos ditatoriais, que atropelaram a Constituição, as liberdades democráticas, o Direito. Mas esses passados não podem ser comparados ao momento do impeachment, evidentemente. Se o ministro Ricardo Lewandowski acha que a lei, a Constituição, o rito democrático não estão sendo respeitados, deve ser mais claro e não usar uma figura de linguagem que insinua mais do que explica o seu pensamento.

Outros têm sido mais explícitos, mas igualmente equivocados. Frequentemente, advogados, políticos, investigados e réus têm afirmado, para defender seus pontos de vista, que o país estaria voltando aos excessos da ditadura militar. Foi o que disse a defesa do ex-ministro Antonio Palocci no dia da sua prisão. Não há qualquer semelhança entre prisões com ordem judicial, confirmadas por instâncias superiores, com o que se viveu no regime militar. Os que fazem a comparação sabem que usam um velho trauma do país para manipular a opinião das pessoas. A ditadura militar provocou uma sequência tão terrível de atentados aos direitos e garantias individuais que o país tem horror de que tal barbárie ocorra novamente. Para usar esse temor, em seu favor, é que os atingidos pela investigação, e seus defensores, fazem a comparação descabida.

Poderia ser só retórica, exagero de linguagem, técnica de defesa, não fosse uma forma de deseducar o país que recuperou a democracia há apenas 31 anos. Se quem não viveu aquele tempo continuar sendo convencido de que são modelos equivalentes, o país estará banalizando o que foi a ditadura e estará enfraquecendo a democracia. Por que deveriam os brasileiros preservar esse regime se ele permite “golpe”, “tropeço”, “prisões arbitrárias”, “excessos só cometidos no regime militar”?

O mais perigoso desse erro é reduzir a confiança na democracia. Ela nos custou caro demais para que se aceite a leviandade de compará-la com o que o país viveu em época de terror do Estado contra os seus adversários políticos. É falsa, abusiva e absurda a comparação. O país vive o Estado de direito e nele combate o flagelo da corrupção. Não há tropeços, nem arbítrio.

O jeitinho da bandidagem

auto_ricoO TSE apurou que ao menos 93 mil pessoas fizeram doações eleitorais incompatíveis com sua situação financeira, no valor total de R$ 300 milhões, informa a Folha.

Exemplos: 22.400 beneficiários do Bolsa Família doaram R$ 21,1 milhões — são 940 reais por cabeça.

Outros 46.700 desempregados contribuíram com R$ 52 milhões — R$ 1.100 por desempregado.

As 149 páginas que o Brasil não leu

Este Brasil lindo e trigueiro, malandro e brejeiro, se fixou no PowerPoint. Tudo bem. A Olimpíada acabou, o pessoal precisa se divertir com alguma coisa. Mas, sem querer ofender ninguém, fica a sugestão: Brasil, leia a denúncia do Ministério Público Federal contra Lula. Não, não estamos falando de reportagem, nem de comentário, nem de flash na TV, no rádio ou na internet. Leia a denúncia assinada por 13 procuradores da República. São 149 páginas. Não dói tanto assim. Até diverte.

Ao final, você poderá tirar sua própria conclusão sobre a polêmica do momento: Lula era ou não era o comandante máximo do esquema da Lava-Jato? Perdoe o spoiler: você vai concluir que era. E que PowerPoint não é nada.

De saída, uma ressalva: a referida denúncia, apesar de sua extensão que dá uma preguiça danada neste Brasil brasileiro, é só o começo. As obras completas do filho do Brasil demandarão muito mais páginas – se é que um dia chegarão a ser publicadas na íntegra. De qualquer forma, ao final dessas primeiras 149, você não terá mais dúvidas sobre quem é Luiz Inácio da Silva e sobre quem é o Brasil delinquente que o impeachment barrou.

Os procuradores seguiram um caminho simples: o do dinheiro. A literatura da Lava Jato é tão vasta que a plateia se perde no emaranhado de delações, na aritmética dos laranjas e na geometria das trampolinagens. Aqui, a festa na floresta está organizada basicamente em três eixos: a ligação direta e comprovada de Lula com os diretores corruptos da Petrobras, incluindo a nomeação deles e sua manutenção no cargo para continuarem roubando; a ligação pessoal e comprovada de Lula com expoentes do clube das empreiteiras, organizado para assaltar a Petrobras; e a ligação orgânica e comprovada de Lula com os prepostos petistas e seus esquemas de prospecção de propinas.

José Dirceu, João Vaccari Neto e Silvinho Pereira são algumas dessas estrelas escaladas pelo ex-presidente para montar o duto nacionalista que depenou a Petrobras. Interessante notar que, quando Dirceu cai em desgraça por causa do mensalão, o esquema do petrolão continua a todo vapor – e o próprio Dirceu, mesmo proscrito, continua recebendo o produto do roubo. Claro que um ex-ministro sem cargo, investigado e, posteriormente, preso, só poderia atravessar todo esse calvário recebendo propina se continuasse tendo poder no esquema – e só uma pessoa poderia conferir tanto poder a um político defenestrado: o astro-rei do PowerPoint.
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A novela da luta cívica de Lula em defesa de “Paulinho” (Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e um dos mais famosos ladrões do esquema) é comovente. O então presidente da República não mede sacrifícios e atropelos para nomear e manter o gatuno no cargo. Os procuradores não foram genéricos em sua denúncia. Ao contrário, optaram por aproximar o foco de algumas triangulações tão específicas quanto eloquentes. Uma delas, envolvendo também Renato Duque – colocado pela turma de Lula na Diretoria de Serviços da Petrobras para roubar junto com o Paulinho –, ilumina outro protagonista da trama: Léo Pinheiro, executivo da OAS. Montado o elenco, os procuradores apresentam o eletrizante enredo do caso Conpar.

“A expansão de novos e grandiosos projetos de infraestrutura, incluindo a reforma e a construção de refinarias, criou um cenário propício para o desenvolvimento de práticas corruptas”, aponta a denúncia. Ou seja: o governo Lula criou um PAC da corrupção. O ladrão fez a ocasião. E entre as ocasiões mais apetitosas estava uma obra de R$ 1,3 bilhão na Refinaria Getúlio Vargas (Repar), que acabou custando R$ 2,3 bilhões. A OAS integrava o consórcio Conpar, que graças ao prestígio de Léo Pinheiro, amigo do rei, arrematou o contrato em flagrante “desatendimento da recomendação do departamento jurídico da Petrobras sobre a necessidade de avaliação da área financeira para a contratação do consórcio Conpar, em junho de 2007”.

Como 149 páginas não cabem em uma, fica só o aperitivo para este Brasil brejeiro largar o PowerPoint e conhecer, com seus próprios olhos, a denúncia que Sergio Moro acatou. O caso Conpar, como você já imaginou, termina em Guarujá. No mínimo, você aprenderá como ocultar (mal) um tríplex à beira-mar.

Victor Hugo

Boa noite e bons sonhos!:
O povo é o silêncio.
Serei o advogado desse silêncio.
Paulo Mendes Campos

Dilma fura fila do INSS para obter aposentadoria

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Menos de 24 horas depois de ter assinado, em 31 de agosto, a notificação do Senado avisando que seu impedimento fora aprovado, Dilma Rousseff já estava aposentada pelo INSS. Com a velocidade de um raio, ela obteve a remuneração mensal de R$ 5.189,82, o teto da Previdência. O tempo médio de espera para que um brasileiro comum consiga marcar uma data para requerer a aposentadoria é de 74 dias. Em Brasília, onde pedido de Dilma foi deferido, o suplício chega a 115 dias.

Dilma não precisou nem colocar os pés do lado de fora do Alvorada. Em notícia veiculada no site de Época, o repórter Bruno Boghossian conta que madame furou todas as filas servindo-se dos préstimos do petista Carlos Gabas, seu ex-ministro da Previdência. Na pele de pistolão da ex-chefe, Gabas entrou pelos fundos de uma agência da Previdência na quadra 502 da Asa Sul de Brasília. Estava acompanhado de uma mulher munida de procuração de Dilma.

A dupla se dirigiu a uma área restrita a servidores da repartição. Atendeu-os o chefe da agência, Iracemo da Costa Coelho. Encerrado o encontro, Dilma já estava formalmente aposentada. Não há nos computadores do INSS nenhum vestígio de que a presidente deposta ou seus prepostos tenham solicitado o agendamento que se exige dos cidadãos comuns.

Ouvidos, Dilma e Gabas afirmam que não houve privilégio ou tratamento diferenciado. Nessa versão, o atendimento ocorreu longe do balcão, numa sala de frequencia restritra a servidores por decisão do chefe da agência do INSS. Alegou-se, de resto, que o agendamento fora solicitado “meses” antes. Algo que o sistema informatizado da Previdência contesta.

Noutro procedimento fora dos padrões, o INSS realizou entre 8h42 e 18h43 do dia 10 de dezembro de 2015 notáveis 16 alterações na ficha laboral de Dilma. Tudo homologado por uma única servidora: Fernanda Cristina Doerl dos Santos, da Diretoria de Atendimento do INSS. Oito dias antes, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), anunciara sua decisão de aceitar o pedido de impedimento de Dilma.

Quem paga o desperdício? Quem pode menos

Relatório divulgado há poucos dias na Europa informa que o velho continente poderia economizar mais de US$ 1,8 trilhão por ano com avanços na gestão do lixo. E um terço disso seria resultado apenas da economia no consumo de recursos naturais. O Brasil, segundo a empresa consultora (McKinsey), também poderia ganhar muito, já que cada pessoa produz em média 330 quilos anuais de resíduos.

Um dos exemplo apontados de desperdício no lixo é o da quantidade de ouro em lixões, que pode ser maior que a existente em minas de onde o metal é extraído. A vantagem poderia ser ainda maior para recicladores se se reduzisse a carga tributária sobre produtos reciclados, em alguns casos maior que a aplicada a materiais virgens.

ilustrações-zupi8:
Steve Cutts
É um sinal de avanço, por isso a apresentação em Santa Catarina do primeiro documento declaratório de resíduos industriais, por um acordo entre a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes e a Fundação do Meio Ambiente. Já aderiram ao sistema 18 mil empresas da região. E foram emitidos 328,7 mil manifestos de transporte de resíduos (retoquejor.com.br). Com isso, é possível acompanhar todas as etapas da cadeia de destinação de resíduos sólidos no Estado – influenciando a produção, o transporte, o destino e o aproveitamento desses resíduos.

A iniciativa é importante por muitos ângulos. Por exemplo: as emissões de gases do efeito estufa no Brasil provenientes do setor de resíduos sólidos continuam a crescer e, segundo o relatório lançado em setembro, atingiram o maior número nos últimos 44 anos, com 68,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalentes – com aumento de 80% entre 2000 e 2014 e de 500% desde 1970. Embora essas emissões representem apenas 3,7% do total dos vários setores geradores (mudanças no uso da terra, energia, agropecuária e processos industriais), têm grande impacto na atmosfera por causa da geração de gases com maior potencial de aquecimento, como o metano (21 vezes mais potente que o dióxido de carbono) e o óxido nitroso (310 vezes mais potente).

Curiosamente, diz o estudo, as emissões de gases de efeito estufa em 2014 no País permaneceram estáveis em relação ao período anterior, apesar da queda de 18% na taxa de desmatamento na Amazônia. O Brasil emitiu 1,558 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente – uma redução de 0,9% em relação a 1,571 bilhão de toneladas emitidas em 2013. As razões ainda não foram explicitadas.

É possível que mais à frente os cientistas se deparem com dificuldades diante das taxas de desmatamento na Amazônia entre 2014 e 2015, que aumentaram 24%, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe (amazonia.org, 27/9). São dados a serem divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente na primeira semana de outubro.

De agosto de 2014 a junho de 2015 foram desmatados 6.207 quilômetros quadrados, ou 6,45% acima do estimado em fins de novembro. Os Estados que mais desmataram, pela ordem, foram Pará, Mato Grosso e Rondônia. Uma das hipóteses é a de que os sistemas de controle já não funcionem com a mesma eficácia – embora haja diferenças entre alguns Estados e outros.

Uma revisão recente realizada pelo Inpe mostra que a perda florestal, com base nos dados de 2015, é de 6.207 quilômetros quadrados, quando em novembro se calculava em 5.835 km2 (16% mais que em 2014). O novo número é 4,1 vezes a área da cidade de São Paulo (Observatório do Clima, 27/9). Um exemplo mais das altas taxas de desperdício de patrimônios valiosos.

Há poucos dias foram publicados (Folha de S.Paulo, 26/9, texto de Leão Serva) dados sobre o desperdício num setor como o de veículos. Segundo o texto, “a propaganda de carros continua oferecendo virilidade e glamour, enquanto entrega congestionamento, estresse, doenças e aquecimento global”. E por isso mesmo “metade dos moradores da maior cidade do Brasil buscam jeitos de usar menos o automóvel”, diante das “irracionalidades deste: gasta cerca de 95% do combustível para ‘levar a si mesmo’; um veículo médio pesa cerca de 1,5 mil quilos, o motorista 75 kg (5%); e os carros levam geralmente só uma pessoa: quer coisa mais irracional?” E segue “o desfile de irracionalidades”: o carro só é usado para rodar 20 km diários; a desvalorização é rápida; são altos os custos com IPVA obrigatório, seguro, manutenção – um total de 10%, fora a desvalorização de 20%. Ainda é possível falar em incentivos fiscais. E outro estudo assegura que a gasolina deveria custar cinco vezes mais que seu preço.

Para quem achar que são os únicos desperdícios, depois de não ter êxito na venda de suas empresas de energia térmica (altamente poluidoras) a Petrobrás está tentando agora (Folha de S.Paulo, 27/9) agrupar todas as unidades numa única empresa, “para oferecer depois uma participação a outro investidor”. O plano prevê investimentos de US$ 74,1 bilhões nos próximos cinco anos e estabelece nova metade vendas de ativos, de US$ 19,5 bilhões entre 2017 e 2018. Nesse processo, deixará de atuar nos segmentos de petroquímica, fertilizantes e biocombustíveis. Mas continuará com a energia térmica, “para usar quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas estiver baixo”.

Mais desperdício? A Fundação Getúlio Vargas mostra que “46% das 851 obras contratadas com recursos do FGTS no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foram concluídas, estão paralisadas” ou nem sequer foram iniciadas (Danielle Nogueira, O Globo, 26/9). Dos R$ 28,6 bilhões em financiamentos, R$ 17,5 bilhões foram para 398 contratos cujas obras estão pendentes.

Desmatamento, destinação do lixo sem nada pagar ao poder público, nenhum pagamento de custos pela poluição do ar, etc., etc. – assim vamos, desperdiçando sem cobrar custos. O poder público paga, transfere para quem não tem poder.

O mundo perfeito

Imagine um veículo sendo conduzido em excesso de velocidade. Em seguida, pense em um sistema que registre esta infração através de câmeras. Na sequência entra um programa de computador que identifica o proprietário daquele veículo, emite um auto de infração e o despacha pelos correios - tudo automaticamente.

Seria este cenário futurista demais? Não. Funciona há anos na Holanda. Aliás, o primeiro sistema de reconhecimento automático de placas de automóveis surgiu em meados da década de 1970, no Reino Unido. Em 1979 foram realizados os testes finais na mais movimentada rodovia do país, e em 1981 a polícia efetuou a primeira prisão de um ladrão de carros graças a este sistema.

Conceptual Illustrations by Davide Bonazzi  Davide Bonazzi is an illustrator from Bologna Italy. He mixes digital techniques with textures of scanned found objects, in order to give his bold conceptual illustrations a warm and evocative atmosphere. Check them out!:
Davide Bonazzi
Atualmente, nos EUA e Reino Unido, já estão em uso outros programas de computador dedicados a prevenir crimes. Um deles, por exemplo, é capaz de indicar se alguém está tentando furtar um carro em um estacionamento. Outro identifica condutas suspeitas e eventuais furtos em locais públicos. Em todos estes casos, os suspeitos são detidos automaticamente por policiais próximos.

O uso de programas de computador para julgar o conteúdo das cenas capturadas pelas câmeras de vigilância tem sido justificado através de argumentos econômicos. Sustenta-se, por exemplo, que um ser humano consegue monitorar no máximo cinco telas de vídeo simultâneamente ao longo de 30 minutos antes de distrair-se e começar a falhar - evidentemente, programas de computador não tem essas falhas.

E é assim, de computador em computador, que começamos a chegar a uma nova era, a um admirável mundo novo. Mas arrisco uma pergunta: estamos preparados para ele? Minha resposta - que me perdoem os entusiastas pela tecnologia, dentre os quais me incluo - é não.

Começo a justificar minha opinião citando o caso de John Gass. Trata-se de um motorista profissional, 41 anos de idade, residente em Massachussetts (EUA). Ele vivia e trabalhava em paz até o dia em que um programa de computador interpretou equivocadamente alguns dados e simplesmente suspendeu sua habilitação para conduzir veículos.

Este erro levou umas duas semanas para ser corrigido pelos humanos. Parece incrível, mas até uma audiência em um juizado foi necessária. Meditemos, agora, por um instante, sobre o impacto deste erro na vida pessoal e profissional daquele cidadão. Que tal nos colocarmos, por alguns momentos, no lugar dele?

Cito um outro caso, o de uma norte-americana de 21 anos, branca, moradora de Vanderburg. Ela estava em sua casa, em paz, quando por lá chegou a polícia e carregou-a sumariamente para a cadeia. Apurou-se, depois, que o mandado de prisão era dirigido a um homem negro. Enquanto não descobriram o erro, causado por um programa de computador, ela sofreu vergonhas daquelas que marcam uma vida. Uma vez mais, coloque-se no lugar desta pobre moça por alguns instantes.

Não quero, com estes exemplos, repudiar o uso da tecnologia. Absolutamente. Apenas desejo realçar que nossas máquinas evoluem mais rapidamente que nossos primitivos corações.

A verdade, que os casos acima narrados claramente demonstram, é que mudou-se a tecnologia - mas o descaso e a despreocupação para com a dignidade alheia seguem firmes. Mudaram as máquinas, mas não os homens! A patuleia gemia ao som dos carimbos? Que passe a gemer sob o silêncio estéril dos processadores! Era torturada pelas montanhas de papel? Que o seja, agora, pelas telas de computador - deve ser mais moderno!

Pedro Valls Rosa