quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Pensamento do Dia

 


Pandemia deixou mais de 1,3 milhão de crianças órfãs

Mais de 1,3 milhão de crianças brasileiras perderam pais ou responsáveis nos dois primeiros anos da pandemia de covid-19, segundo artigo publicado na Lancet Regional Health – Americas. O estudo, coassinado pela professora Lorena Barberia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, combinou modelagem estatística e dados do registro civil para estimar o impacto da mortalidade entre adultos que cuidavam de crianças.
Desigualdades e perfis afetados

De acordo com a professora, a maior parte dos casos envolve a perda de um único cuidador, frequentemente idosos com mais de 60 anos, grupo mais vulnerável à doença. “Em muitas famílias brasileiras, o principal responsável era uma pessoa idosa, o que ampliou a magnitude da orfandade”, explica. O levantamento também mostra que adolescentes entre 12 e 17 anos foram os mais afetados, faixa etária em que o impacto emocional tende a ser ainda mais sensível.

Entre as mais de 1,3 milhão de crianças órfãs, aproximadamente 280 mil tiveram perdas diretamente associadas à covid-19 — 149 mil perderam pais e 135 mil, avós ou outros cuidadores idosos. A orfandade, porém, variou bastante pelo território nacional: Roraima apresentou as maiores taxas proporcionais, enquanto Santa Catarina registrou as menores.
Falta de políticas e legado da pandemia

Para Lorena Barberia, o Brasil se destaca por ter dados que permitem vincular crianças a adultos falecidos nas declarações de óbito, o que ajudou a validar as estimativas. Apesar disso, ela alerta para a falta de políticas públicas específicas. “Houve um trauma muito grande, e ainda não temos mecanismos para identificar e atender essas crianças de forma adequada”, afirma.

O estudo reforça que compreender a dimensão da orfandade é essencial para orientar políticas sociais e educacionais. “Precisamos garantir que essas crianças não fiquem desamparadas. É um legado silencioso da pandemia que o País ainda precisa enfrentar”, conclui a especialista.

É tempo para nova humanidade

Ainda há tempo de sermos humanos. E o tempo é agora de cultivarmos uma nova humanidade.
Sri Prem Baba

Verdade e completude: entre Gödel e as fake news

Nos primeiros anos da década de 1990, frequentei assiduamente o Grupo de Ciências Cognitivas do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA-USP) que se formara sob a liderança do professor Newton da Costa (1929-2024), importante protagonista nos estudos de Lógica, com trabalhos de notória abrangência científica.

A liderança do professor Newton da Costa dava o tom das discussões que, frequentemente, versavam sobre as implicações dos trabalhos de Kurt Gödel (1906-1978), matemático popularmente lembrado como o companheiro de caminhadas de Albert Einstein (1879-1955) pelo campus da Universidade de Princeton.

O que Gödel e Einstein conversavam sempre foi objeto de curiosidade. O livro Incompleteness: The Proof and Paradox of Kurt Gödel, de Rebecca Goldstein, além de recriar essas caminhadas, traz uma discussão acessível dos consagrados teoremas de Gödel, componentes da espinha dorsal da lógica matemática e fundamentais para a teoria da computação.

As exposições sobre lógica do professor Newton e do professor Henrique Schützer Del Nero (1959-2008) que, na época, coordenava o Grupo de Ciências Cognitivas do IEA-USP, invariavelmente remetiam meus pensamentos para o ano de 1965, quando eu cursava a terceira série ginasial (hoje oitavo ano do ensino fundamental) que previa, no programa de Matemática, o estudo da Geometria Euclidiana no plano.

Naquele tempo, fiquei maravilhado com a estrutura lógica apresentada pelo professor de Matemática da minha turma de ginásio, Edmir Jonas Braga, cujos dados biográficos, infelizmente, não tenho.

Postulados e axiomas considerados verdadeiros sobre pontos, retas e planos permitiam deduzir propriedades de ângulos, triângulos, quadriláteros e polígonos com maior número de lados.

Na minha inocência, mantida até as palestras do professor Newton, passei a acreditar no projeto concebido por David Hilbert (1862-1943), considerado um dos maiores matemáticos do século 20, a respeito do formalismo matemático, versando sobre a possibilidade da demonstração de toda afirmação matemática verdadeira.

De maneira geral, é como a Matemática é vista no dia a dia, recebendo a qualificação de “Ciência Exata” e tida como infalível quando requisitada para a análise de qualquer tipo de problema.

É o pensamento que conduz o projeto de Hilbert: verdades matemáticas são sempre logicamente demonstráveis. É esse pensamento que, talvez, afaste os estudiosos das Humanidades, estes obrigados a conviver com complexidade, imprevisibilidade e diversidade, aparentemente distantes da vida da Matemática, vista como intrincada e com caminhos traçáveis pela lógica determinística.

A visão crítica do projeto de Hilbert, devida primordialmente a Gödel, leva ao conceito de Incompletude e a seus teoremas que estão bem explicados no artigo: Os trabalhos de Gödel e as denominadas ciências exatas, do professor Carlos Ventura D’Alkaine (1935-2021), publicado pela Revista Brasileira de Ensino de Física em 2006.

Tentando dar uma ideia resumida, o Teorema da Incompletude (Primeiro Teorema de Gödel) afirma que um sistema formal consistente contendo a aritmética elementar é incompleto, isto é, contém sentenças verdadeiras indemonstráveis.

O entendimento do conceito de Incompletude não é, entretanto, uma refutação do projeto de Hilbert para os fundamentos da Matemática. É, apenas, uma condição limitante para possíveis sistemas matemáticos formais.

Tentando trazer essa discussão para nossa vida, observamos que mesmo as verdades matemáticas têm suas condições limitantes e requerem análise cuidadosa e responsável para serem aceitas e demonstradas.

O progresso da tecnologia e da ciência computacional, com algoritmos em parte devidos a Gödel, trouxe uma inundação de fatos, interpretações e ideias muito pouco verificáveis e que, em muitos casos, passam a dirigir o pensamento e as ações das pessoas.

É comum encontrarmos receitas de medicamentos milagrosos, de modos de vida saudáveis e, até, de como gerir a carreira profissional, todas com fundamentos altamente duvidosos e de origem desconhecida.

Viralizam pelas redes sociais notícias sobre economia, guerras e políticas, fabricadas por pessoas sem qualquer compromisso com a verdade e, muito menos, com a preservação da espécie humana e do planeta.

Até mesmo a medida de credibilidade de notícias, documentários e palestras passou a ser o número de seguidores, sem questionamentos sobre origem, intenção ou possíveis consequências de sua propagação.

O aumento assustador de golpes, crimes econômicos, episódios de pedofilia originados pelo mau uso das redes precisa ser, de alguma forma, contido. Não se trata de censura e de ideologia e sim, de respeito ao ser humano e ao planeta.

Questiona-se sobre como olhar e evitar os possíveis males. Sugiro olhar, como Gödel fez com a lógica, para a vida no planeta com redobrada atenção para a consistência e completude daquilo que se propaga sob o rótulo de informação.

Além disso, profissionais de ciência da computação têm, fundamentados nos trabalhos de Gödel, Alan Turing (1912-1964) e dos prêmios Nobel, John Joseph Hopfield (1933-) e Geoffrey Everest Hinton (1947-), capacidade para criar ferramentas aptas a prover nosso novo mundo digitalizado das devidas ações preventivas e corretivas.

Assim, acredito no bom uso da alta capacidade de conectividade à nossa disposição nas redes. Tudo depende de os seres humanos serem capazes de combinar o conhecimento com a ética e a generosidade.

Dois anos de genocídio em Gaza, 77 anos de negação

Após a revolta dos sitiados contra seus carcereiros em 7 de outubro de 2023, a máquina sionista de hasbara se mobilizou pelo mundo para impor uma narrativa falsa. Seu objetivo era claro: apagar a história, distorcer a realidade e apresentar Israel como a eterna vítima. De acordo com essa estrutura, Israel era uma entidade pacífica surpreendida por um ataque não provocado que supostamente surgiu do nada.


O dia 7 de outubro não caiu do céu. Foi o ápice de décadas de desapropriação, cerco e desumanização sistemática. Muito antes de outubro de 2023, Gaza foi descrita por observadores internacionais como a maior prisão a céu aberto do mundo . Foi submetida a um bloqueio de dieta de fome por mais de 16 anos, ou 5.800 dias. Muito antes disso, seus 2,3 milhões de habitantes, dos quais 1,3 milhão são refugiados ou seus descendentes, foram expulsos de suas casas e aldeias em 1948 durante a Nakba, uma catástrofe criada por milícias terroristas sionistas que realizaram limpeza étnica nos palestinos nativos para criar um estado para os judeus escaparem do ódio europeu.

Para compreender o dia 7 de outubro, é preciso situá-lo no continuum do sofrimento palestino. Aquele único dia não foi uma aberração. Foi um dos quase 28.000 dias de ódio sionista e opressão israelense desde 1948. Cada dia carregava o peso do exílio, do cerco, da humilhação, da pobreza e da desesperança. No entanto, a hasbara quer apagar essas décadas da memória registrada, os 28.000 dias de apatridia palestina, e reduzir a história a um único dia, dissociado do contexto.

O "primeiro 7 de outubro" não foi em 2023; foi em 1948, quando milícias terroristas sionistas, transformadas no atual exército israelense, cometeram massacres, arrasaram aldeias e expulsaram palestinos em massa. Esse ato fundamental de limpeza étnica continua até hoje. Os bombardeios diários, a fome, a negação da dignidade humana básica ao povo de Gaza são extensões desse pecado sionista original.

A maior arma da hasbara é controlar a mídia, reformulando a narrativa e a memória seletiva. Ela busca descontextualizar a memória e ocultar a violência estrutural que tornou o 7 de outubro inevitável. Recordar os 28.000 dias que o precederam é expor a injustiça contínua no cerne desta suposta guerra: um povo colonizado e sitiado lutando pela sobrevivência contra uma potência ocupante que insiste em sua subjugação permanente.

Dois anos se passaram desde que Israel desencadeou seu plano de genocídio. Uma estratégia de destruição sistemática de lares, hospitais, escolas, infraestrutura e da própria vida. Gaza, hoje, não é uma zona de guerra. É o cemitério de um povo sufocado diante dos olhos de um mundo que perdeu sua humanidade.

Dois anos, vinte e quatro meses, setecentos e trinta dias a mais do que aquele dia 7 de outubro. Por mais medida que seja, a vida desde outubro de 2023 tem sido uma eternidade de sofrimento para o povo de Gaza. Uma crônica de genocídio transmitida ao vivo pela TV. A medida mais fundamental deste holocausto é a destruição e a perda impressionante de vidas. Gaza, hoje, é o lugar mais implacavelmente bombardeado da história: em termos de explosivos por metro quadrado, Israel lançou quase setenta vezes mais bombas sobre Gaza do que os Aliados sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial e cem vezes mais do que os EUA lançaram sobre o Vietnã do Norte durante a Operação Rolling Thunder.

Em setembro de 2025, mais de 66.000 pessoas foram assassinadas, entre elas pelo menos 19.424 crianças . Milhares mais estão "desaparecidos", enterrados anonimamente sob os escombros de suas próprias casas. Vidas jovens foram apagadas; milhares de histórias terminaram antes de começar. O número total de feridos ultrapassou 167.500 , deixando um número esmagador de sobreviventes com ferimentos que mudaram suas vidas. Desde que Israel quebrou um cessar-fogo em março de 2025, 12.956 almas foram perdidas. No total, os feridos e mortos representam mais de 10% da população de Gaza. Estas não são baixas colaterais; são as vítimas intencionais de uma campanha deliberada de apagamento da existência palestina.

Além de bombas e balas, outra arma insidiosa está ceifando vidas: a fome. Uma fome planejada pelos sionistas, declarada pela Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), apoiada pela ONU. Mais de 500.000 pessoas vivem em condições de Fase 5 — o nível mais alto, caracterizado por "fome, miséria e morte". Pelo menos 440 pessoas morreram de fome, incluindo 147 crianças, e centenas de milhares ficaram sem comida ou água potável. O Comitê Internacional de Resgate relata que uma em cada três crianças pequenas passou pelo menos 24 horas sem comida.

Cada um dos 625.000 estudantes de Gaza está fora da escola há dois anos. Mais de 18.000 estudantes e 972 professores foram mortos. Quase 92% das escolas estão danificadas ou destruídas; todas as universidades estão em ruínas completas . A OMS relata que mais de 2.300 profissionais de saúde e ajuda humanitária foram mortos e, dos 36 hospitais de Gaza, apenas 14 estão funcionando parcialmente .

Para encobrir seus crimes, Israel fechou Gaza para a mídia internacional e visou jornalistas locais que trabalhavam em Gaza. Segundo a Universidade Brown, Israel matou mais jornalistas em Gaza desde outubro de 2023 do que na Guerra Civil Americana, na Primeira e Segunda Guerras Mundiais, na Guerra da Coreia, na Guerra do Vietnã, nas guerras na ex-Iugoslávia e na guerra pós-11 de setembro no Afeganistão – juntas. Israel assassinou 278 jornalistas com pouco ou nenhum protesto do "mundo livre" ou da "imprensa livre". Ao se recusar a confrontar a censura israelense às reportagens de Gaza, eles traem os próprios princípios de verdade e liberdade que afirmam defender.

Isto não é guerra; é um genocídio premeditado, segundo a letra da lei. A Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, de 1948, define genocídio como atos cometidos com “a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. O Artigo II lista cinco atos:


Matando membros do grupo: 66.000 e contando.

Causando danos físicos ou mentais graves: milhares de crianças amputadas.

Imposição deliberada de condições de vida calculadas para causar destruição física: bloqueio de ajuda alimentar, destruição de terras agrícolas, 92% das casas destruídas.

Imposição de medidas destinadas a prevenir nascimentos: visando clínicas de fertilidade.

Transferência forçada de crianças.

Israel cometeu pelo menos os quatro primeiros — de forma indiscutível, sistemática e pública. Os assassinatos em massa, a mutilação de dezenas de milhares de pessoas e a fome de civis se enquadram perfeitamente no requisito da Convenção.

A Associação Internacional de Estudiosos do Genocídio (IAGS) anunciou, em 31 de agosto de 2025, que as ações de Israel em Gaza se enquadram na definição de genocídio prevista na Convenção da ONU. O Artigo III da Convenção estende a responsabilidade não apenas aos perpetradores, mas também aos facilitadores do genocídio. Isso inclui Washington, Londres, Berlim e Paris. Após a acusação contra líderes israelenses pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), qualquer país que financie e arme criminosos de guerra indiciados é responsável, nos termos do Artigo III, e pode ser levado ao TPI.

Na última fase do holocausto na Cidade de Gaza, em 1º de outubro, o ministro da guerra sionista, Israel Katz, autorizou, ou tornou kosher, o ataque aos 250.000 civis restantes na Cidade, quando os classificou como "terroristas". Civis que não têm meios físicos ou financeiros ou aqueles que se recusam a deixar suas casas e não se tornam estatísticas de refugiados em uma nova Nakba feita por Israel.

Este genocídio não é exclusivo de Israel; é o fracasso moral coletivo da chamada civilização ocidental. Ao facilitar a ação de criminosos de guerra indiciados, fornecendo-lhes as ferramentas para o genocídio e proteção diplomática, os governos ocidentais expuseram o sistema de valores seletivo que defendem. Seu silêncio ostensivo, mesmo com um ministro da Guerra rotulando 250.000 civis de "terroristas", revela que os "valores ocidentais" nada mais são do que uma fachada cínica que mascara sua hipocrisia e hierarquia racial.