quarta-feira, 21 de abril de 2021

Morte governa o Brasil

 


Os militares e a escolta política

Se alguém tinha dúvidas sobre as intenções de Jair Bolsonaro ao trocar o comando das Forças Armadas, basta acompanhar os pronunciamentos do novo ministro da Defesa. Em poucas semanas, o general Walter Braga Netto mostrou que pretende manter a escolta política dos militares ao governo e seguir a retórica conflituosa do presidente.

Desde o início do mandato, Bolsonaro usa as Forças Armadas como ferramenta para intimidar adversários políticos e outros Poderes. Foi assim em seu embate com governadores e em ameaças que fez ao STF. Braga Netto indicou que vai ajudar o presidente nesse delírio autoritário.

Na semana passada, com o governo acuado pela CPI da Covid, o ministro agiu como auxiliar político de Bolsonaro e repetiu a tática de desviar o foco das investigações. "O uso de recursos pelos gestores dessas instâncias, estadual e municipal, deve ser acompanhado pela população e sofrer apuração rigorosa", declarou. 

Braga Netto reforçou o gesto de continência nesta terça, na posse do novo comando do Exército. Num recado ao Congresso e ao Judiciário, disse que "é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros".

"A sociedade, atenta a essas ações, tem a certeza de que suas Forças Armadas estão prontas a servir aos interesses nacionais", completou. O general só não quis explicar por que os militares deveriam vigiar o que ocorre no terreno da política.

Em contraste, o comandante demitido fez um discurso burocrático, quase sonolento. Edson Pujol passou longe da cartilha bolsonarista e apresentou um relatório de gestão que mencionava até a sinalização de trânsito no setor militar de Brasília.

O antecessor de Braga Netto também dava guarida ao presidente. Fernando Azevedo e Silva sobrevoou com Bolsonaro uma manifestação golpista e assinou uma mensagem ao STF em tom ameaçador, mas foi derrubado mesmo assim. O novo ministro já provou que está disposto a cumprir as missões políticas do chefe para ficar mais tempo no cargo.

Seria carnavalesco se não fosse vergonhoso

O carnaval é uma festa de reversão. Uma ironia coletiva marcada por uma resistência à “dura realidade da vida”. Resistência que se manifesta com fervor, fora na esfera política, numa festa. O que se recusa no carnaval, portanto, não é a riqueza imoral dos malandros populistas, mas uma estrutura social que se perpetuava como abençoada ou “naturalizada”.

Neste tipo de rito, havia limites para certas fantasias como a de padre, militar ou juiz. Você pode se fantasiar do que quiser, mas não deve ultrapassar o plano da troça. Como no cinema, o fim do mundo acaba quando o filme termina. Mas essa ontológica diferenciação funciona somente no Brasil da bandeira e na Constituição; ela não faz parte do mundo real no qual as autoridades constituídas são as que mais desmoralizam, carnavalizando o Brasil.

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O carnaval foi “inocente” enquanto as iníquas polaridades sociais brasileiras eram parte do jogo-jogado. Reverter hierarquias era central no carnaval enquanto “brincadeira”. Mas, no mundo globalizado, transparente e igualitário de hoje, sumiu a distinção entre o sério e o jocoso. Ficou mais difícil mentir e sabotar.

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Quem ditou tal transformação?

Não foi o STF nem o Congresso ou uma CPI. Foi a consciência de igualdade republicana em conflito com os limites dos superiores protegidos do riso dos inferiores, que descontavam carnavalescamente sua opressão. Assim, aqueles que pelo seu sofrimento não deveriam rir ou “brincar” em vez de trabalhar, agora poderiam trocar de lugar. No carnaval, somos obrigados a ficar alegres. E um amigo afirma que, como políticos, temos que roubar...

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O carnaval vira um zumbi quando a igualdade deteriora as hierarquias familísticas e jurídicas tradicionais.

A igualdade obriga a ver o outro como um alternativo, não como um superior ou inferior. É certo que as desigualdades são enormes, mas muito mais flexíveis. Hoje, elas competem com uma mobilidade social que os governos tentam impedir.

Ademais, hoje o carnaval também escapou de um calendário sagrado.

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Carnavalizar é permitir um encontro a ponto de não se saber mais quem são os atores e os espectadores. Num sentido amplo, o carnaval subverte a ordem. Se “vale tudo no carnaval”, sabemos que o mundo é feito de proibições porque o Brasil ainda é uma aristocracia fantasiada de democracia – ambas carnavalizadas.

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O princípio geral do carnaval era o de poder ser tudo, sendo pessoa comum. E o que todo mundo quer é “se arrumar”.

Ser fidalgo e ter cabedal, fazer, desfazer e controlar quem aplica as leis e assim ficar livre das subordinações de um sistema no qual a fonte da modernidade – o trabalho livre – é estigmatizada e desenhada para inferiores. Para escravos negros e subalternos, ou para quem comete crimes comuns.

Conforme ouvimos desce criança: bandidos devem trabalhar de sol a sol. É coisa para escravos que, carnavalescamente, podiam ter escravos.

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O sistema é marcado por uma lassidão irresponsável dos seus limites. Tudo o que é legal (que é o “real” dos autos) pode ser interpretado e modificado. Mas os casos dependem de quem vai a julgamento. Um foro privilegiado é incompatível com a igualdade democrática e deveria ser banido. Tal privilégio é, obviamente, uma figura aristocrática e fascistoide, pois ela neutraliza o axioma segundo o qual todos os seres humanos são intrinsecamente livres e iguais.

Em consonância, o “paciente” (como dizem, com queda poética e isenção medicinal, os juízes do supremo) não é marcado pela eventualidade do seu crime, mas por formalismos absurdos num mundo tocado a internet.

São essas cambalhotas legais que não cabem mais. Seria carnavalesco – os legalismos surreais promovem uma troca de lugar, fazendo dos bandidos seres injustiçados e dos xerifes, meliantes inquisitoriais, se não fosse vergonhoso.

No Brasil, o voto não reforça a democracia igualitária – ele privilegia os eleitos. A eleição carnavaliza, reconstruindo privilégios e fazendo o presente controlar o passado. Não estamos em 2021, mas num orwelliano 1984.

Longe de ser contabilizado


Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado contra disso
Paulo Francis

Os estribos do general

O novo ministro da Defesa está empenhado em agradar o chefe. Walter Braga Netto estreou no cargo com uma exaltação ao golpe de 1964. Em seguida, passou a usar cerimônias militares para endossar o discurso do capitão.

Ontem o general aproveitou a troca de comando do Exército para fazer mais um comício bolsonarista. Às vésperas da Cúpula do Clima, ele tentou rebater as críticas da comunidade internacional pela devastação da Amazônia. “Os brasileiros que estão presentes na região sabem que a floresta continua de pé”, afirmou.

A patriotada não apaga o que as imagens de satélite mostram ao mundo. Ao analisá-las, o Imazon constatou que o desmatamento em março foi o maior para o mês nos últimos dez anos.

Com o governo pressionado pela abertura da CPI da Covid, Braga Netto disse que “é preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros”. A frase sugere que a eleição deu um salvo-conduto ao presidente, como se ele não precisasse prestar contas à sociedade e ao Congresso.

O ministro também afirmou que o Brasil passa por um período de “intensa comoção e incertezas, que colocam a prova a maturidade, a independência e a harmonia das instituições”.

Faltou lembrar que os ataques ao equilíbrio entre os poderes partem do Planalto. Nas últimas semanas, Bolsonaro voltou a atacar ministros do Supremo e acionou sua milícia digital para intimidar os senadores que pretendem investigá-lo na CPI.

O general arrematou o discurso com uma advertência pouco sutil. Disse que as Forças Armadas estão “prontas” e “sempre atentas à conjuntura nacional”. A conversa casa com a retórica golpista do capitão, que tem ameaçado adversários políticos com o que ele chama de “meu Exército”.

Braga Netto assumiu a Defesa no momento em que o presidente cobrava mais manifestações de apoio dos militares. Sua primeira medida foi derrubar o general Edson Pujol, que tentava controlar a exploração política da tropa.

Ontem o ministro se despediu do ex-comandante com um bordão da caserna: “Que nossos estribos se choquem em cavalgadas futuras”.

Bilhete a um jovem bolsonarista

Se o amigo vive no Brasil de Jair Bolsonaro, parabéns. Até há pouco, jovem, feliz, negacionista e com histórico de atleta, você era imune à Covid. Enquanto os velhos morriam, você assobiava no azul —distanciamento, higiene, restrições ao comércio, máscara e vacinas eram coisa de maricas e comunistas. Nas últimas semanas, no entanto, ao sentir o vírus perigosamente por perto e sabendo que amigos de seu porte físico e idade estavam intubados ou já no cemitério, é possível que você esteja pedindo ingresso no Brasil real —o nosso.

Não podemos bater-lhe a porta na cara, mas não espere muito de nossa parte. Somos 200 milhões à mercê da pandemia, dependendo apenas de nossos cuidados e do sacrifício dos profissionais da saúde —aqueles que nunca mereceram uma palavra de gratidão de Bolsonaro, muito menos uma visita de solidariedade a uma linha de frente. Mas fique certo de que esses profissionais o tratarão com a mesma heróica dedicação com que nos tratam —para eles, você será só mais um a ser salvo, não um farrista de aglomerações, festas clandestinas e carreatas.


Nós, brasileiros de segunda classe, estamos há um ano lendo e ouvindo entrevistas dos epidemiologistas e infectologistas. Mês a mês, eles avisaram sobre o que iria acontecer —e aconteceu. O combate a uma pandemia não pode caber a uma besta fardada como Eduardo Pazuello, cuja grande façanha militar foi obrigar um soldado a puxar uma carroça diante dos colegas num quartel em Brasília, em 2005. Talvez não seja também da sola de um cardiologista invertebrado como Marcelo Queiroga. Os especialistas continuam a avisar e a não serem levados em conta.

Neste Brasil à deriva, torça para não ser intubado. E, se for, que os hospitais tenham os remédios para ajudá-lo a engolir aquela tubulação.

Suas chances de sobreviver não serão muitas, mas, se sair dessa, aí, sim, bem-vindo ao Brasil real.

Vale o Hino?

Dos símbolos pátrios, o hino nacional é, sem dúvida, o que mais emociona. Por não ser inanimado, por ser música.

E é considerado um dos mais bonitos do mundo, como comprova a repercussão de sua execução por Paulinho da Viola na abertura das Olimpíadas de 2016 no Rio.

Isto posto, vale refletir sobre a banalização de seu uso – desde qualquer manifestação de araque até o mais desimportante jogo de futebol, no mais longínquo município, em uma utilização herética de símbolo maior.

Ao contrário do que possivelmente pensem alguns, não é o volume de execuções do hino, ou sua audição em todo e qualquer evento que aumentará o patriotismo do brasileiro. Antes, será a qualidade do feito ou evento e o sentimento ao cantá-lo – coisas intrínsecas.

A revalorização do hino nacional passa por esse filtro, que o devolva à condição de uma obra capaz de elevar o espírito, saudar realizações e vitórias com dimensão, que estejam à altura de tal trilha sonora.

Querelas à parte – porque há certamente divergências quanto ao comentário -, se prevalecesse o critério seletivo, poderíamos mesmo pensar em alguma ordem do mérito do hino nacional, como uma comenda séria entre tantas distribuídas politicamente por aí.

Mas, acima de tudo, talvez em pouco tempo se criasse a expressão “vale o hino”, assim como a clássica “vale a pena”, quando se quer reforçar o apreço ou investimento em alguém ou algo.

Nos tempos atuais, quem “vale o hino”, em circunstâncias em que é tão decisivo o espírito patriótico de união e solidariedade? Quantos e quais poderiam merecer o comentário “Fulano vale o hino”?

Claro, vai polarizar de novo. Mas vale o hino provocar a reflexão.

Pensamento do Dia

 


Reality

Se o Brasil fosse um reality-show, tipo Big Brother Brasil, quem hoje estaria no paredão da eliminação?

No modelo BBB, o paredão é uma berlinda, onde, uma vez por semana, três dos participantes-confinados, indicados por seus pares, vão a júri popular eletrônico. O mais votado sai e leva na mochila o sonho de ganhar um milhão e meio de reais.

Por essa grana, homens e mulheres, previamente selecionados pela produção do reality, expõem ao mundo suas vidas com tudo que cabe dentro – do caráter às tripas.

Na banalidade do cotidiano dos confinados, durante meses, o público telespectador vai elegendo mocinho/as e bandido/as, além dos nem-uma-coisa nem-outra, que fazem figuração obrigatória para sustentar as longas temporadas do programa.

Quem leva a bolada do prêmio é o escolhido, pelo público votante, como o mais mocinho de todos. Mesmo os “bandidos” podem passar por diversos paredões e não sair. Mas não chegam ao final. E, vida afora, irão “desfrutar” fama de ex-BBB do mal. (Há, claro, os/as ex-BBB do bem. Muitos).

Simplificado assim parece só mais uma das muitas chatices que a TV aberta apresenta.

Pra quem nunca viu, jura jamais passar perto, odeia quem assiste e quem comenta ouso dizer: não é só uma bobagem. O BBB é também espelho ou menu do país – onde, a cada temporada, cabem das modas e modismos de cabelo e de roupa ao politicamente correto. Aí valendo bons e explícitos ensinamentos sobre elementares questões humanitárias - respeito às diferenças, compaixão, fraternidade, sororidade.


Em 19 anos de existência e 21 edições, o BBB já criou “especialistas” em treinar os selecionados antes do confinamento. Ensinam, imagino, espécie de etiqueta, de como não cometer erros capazes provocar a ira do público, severo em seus julgamentos.

Ainda que devidamente treinados, é quase impossível resistir, sem deslizes, aos 90 dias de vida vigiada 24h por dezenas de câmeras. Aí é que moram os perigos de tropeços fatais. Quem não convence, sai. Não há torcida organizada que sustente os muito incorretos no exercício de ser humano.

No Brasil real, quantos entre nossas autoridades, se expostos 24 horas/dia, por muitas câmeras, iriam ao paredão e seriam sumariamente eliminadas por mau comportamento humanitário?

Bolsonaro não vale. Não há especialista ou treinamento capaz de humaniza-lo. Já está no paredão da História. Será eliminado. Não há torcida ou boiada que dê conta de salvá-lo.

Exposto, não conseguiu ser big um dia sequer. Brother? Só dos filhos.

Mas, de cloroquina em cloroquina, audácia e impunidade, Jair conseguiu levar um país inteiro ao paredão. Ainda que com torcida e reza, diariamente, milhares de brasileiros – bons, maus ou nem tanto – vão para a eliminação na triste berlinda da morte.

A vida, às vezes, em forma de tragédia, imita um reality-show.
Tânia Fusco 

Farda emporcalhada

Pazuello, quando o Bolsonaro lhe proibiu de comprar vacinas, você deveria ter pedido demissão. Obedecendo, você se ferrou e nos ferrou junto
Edson Leal Pujol, ex-comandante do Exército, segundo história de um encontro com Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro

Bolsonaro poderia se sair bem na Cúpula do Clima, mas não tem preparo intelectual ou moral

Quando criou Eremildo, o Idiota, o jornalista e historiador Elio Gaspari jamais poderia imaginar que esse personagem de ficção pudesse ganhar corpo e até vir a ocupar a Presidência da República. Mas o fato realmente aconteceu e agora o Brasil e o mundo acompanham atentamente as aventuras do estranho personagem – alguns, como muita preocupação; outros, de forma divertida, achando graça nas trapalhadas do presidente.

Aliás, não é a primeira vez que alguém chega a governar o país sem ter a menor condição de ocupar o cargo. Na minha opinião, isso aconteceu com Delfim Moreira, que teve problemas psiquiátricos, Jânio Quadros, com os mesmos sintomas, Lula da Silva, que era corrupto, mas tinha delírios e se dizia o homem mais honesto do mundo, e Dilma Rousseff, que via um cachorro atrás de cada criança. Realmente, nenhum deles passaria num mero teste psicológico, que deveria ser exigido a todo governante.

A diferença entre Jair Bolsonaro e esses antecessores era a existência de ministros que poderiam assessorá-los a contento, enquanto na atual gestão o Planalto se transformou num deserto de homens e ideias, como dizia Oswaldo Aranha, um estadista de verdade.

Se não fosse ignorante até a décima geração e se não estivesse cercado por outros idiotas, o presidente Eremildo, digo, o presidente Bolsonaro. poderia surpreender os demais governantes que formam essa Cúpula do Clima.

Bastaria que explicasse a eles que o Brasil tem a mais moderna e avançada legislação ambiental do mundo, que deveria ser adotada pelo concerto das nações, para garantir o equilíbrio ecológico do planeta.


Se não fosse idiota, Eremildo diria a eles que não adianta nenhum agricultor desmatar áreas na Amazônia, porque só pode usar 20% delas, os restantes 80% têm de ser obrigatoriamente preservados. Na região do Cerrado, 30% da extensão das propriedades rurais têm de ser mantidos como reserva florestal. E no resto do país a preservação cai para 20% das áreas agrícolas.

Eremildo diria também que só em São Paulo, a área recuperada nos últimos anos já é equivalente à extensão de todas as reservas ambientais do Estado. Ou seja, no Brasil, a preservação ambiental está garantida, só é preciso haver fiscalização.

Ao receber essa informação, os governantes que participam da Cúpula do Clima certamente ficariam surpresos e dispostos a ajudar o Brasil, inclusive financeiramente, como Bolsonaro pretende.

Mas é aí que a porca torce o rabo, como se dizia antigamente, porque o governo Bolsonaro acaba de conseguir que a fiscalização ambiental simplesmente pare de existir.

Às vésperas da Cúpula do Clima, servidores do Ibama denunciam que a fiscalização ambiental está paralisada, devido a uma instrução normativa imposta pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

A nova regra obriga que a multa aplicada pelos fiscais passe antes pela autorização de um superior. Com isso, a fiscalização fica automaticamente desativada e as mais modernas leis ambientais do mundo estão sendo atiradas no lixo pelo governo do presidente Bolsonaro, que nesta quinta-feira será recebido na Cúpula do Clima como se fosse o idiota que realmente é.

Campeonato do fim do mundo

“Nesse campeonato do fim do mundo, quando você é muito bem-sucedido, você acrescenta meio grau na temperatura do planeta”, disse, de forma contundente, o escritor e líder indígena Aílton Krenak na última segunda-feira no centro do Roda Viva.

Para ele, é este campeonato que o Brasil, tendo Jair Bolsonaro e Ricardo Salles como técnico e auxiliar, resolveu jogar. E é na condição de líder da tabela desse torneio macabro que o país chega à Cúpula de Líderes pelo Clima, proposta por Joe Biden, que será anfitrião virtual de 40 chefes de Estado a partir desta quinta-feira para marcar a volta dos Estados Unidos à mesa das negociações climáticas, depois de quatro anos de abandono desta agenda por Donald Trump.


Todos os olhos do mundo antes da reunião estão postos sobre o Brasil. Os sucessivos recordes de desmatamento da Amazônia, as queimadas na floresta e também no Pantanal, o desmonte da estrutura de fiscalização ambiental e a reiterada disposição de Bolsonaro de liberar a exploração mineral e de madeira em reservas indígenas, rever demarcações e legalizar terras ocupadas ilegalmente na região amazônica são apenas alguns dos "feitos" pelos quais o presidente brasileiro deverá ser questionado por seus pares.

Embora mantenham a absoluta falta de compreensão a respeito da importância econômica central da agenda climática e ambiental em qualquer fórum global hoje, Bolsonaro e seus auxiliares terão mais uma mostra de sua inadequação para esse debate, pois as cobranças para que se endureça com eles vêm não apenas dos adversários de sempre, como lideranças ambientalistas como Krenak ou a jovem Greta Thunberg, ou artistas como Leonardo di Caprio ou Wagner Moura, mas dos empresários.

Escrevi a esse respeito aqui na coluna na semana passada, e retomo o fio desta meada: Salles só será ameaçado no cargo quando Bolsonaro sentir na pele o risco de mantê-lo, ainda que ele sempre tenha feito exatamente o que o chefe mandou.

Grandes empresas brasileiras sabem o quanto de prejuízo reputacional e de negócios enfrentarão quando se tornar um imperativo para vendas a certificação ambiental de produtos, algo cada vez mais comum. Vale sobretudo para o poderoso agronegócio, até aqui ainda um reduto de apoio ao bolsonarismo, mas que não rasga dinheiro.

A pressão mundial é para que Biden endureça o jogo com o Brasil, não aceitando fazer nenhum acordo com o governo do capitão a não ser que o país reveja sua doutrina ambiental e se comprometa com metas objetivas e mensuráveis de redução de desmatamento e de emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa.

Bolsonaro ficará ainda mais exposto pelo fato de que os anfitriões querem marcar sua “volta ao jogo” com a assunção de metas ousadas e o anúncio de investimento pesado em conter o aquecimento global, para além da mera retórica.

Sabemos como o presidente brasileiro costuma se comportar em eventos mundiais como a Assembleia Geral da ONU ou o Fórum Econômico Mundial de Davos: como um peixe fora d’água, alguém que sabe que não tem o que dizer para além das quatro linhas das redes sociais e do cercadinho do Alvorada, onde fica seguro na companhia dos seus seguidores fanáticos.

Sem o “amigo" Donald Trump a chancelar o desdém e o discurso negacionista em relação ao Meio Ambiente, Bolsonaro ficará completamente isolado na cúpula. O discurso proferido nesta terça-feira pelo ministro da Defesa, Braga Netto, na linha “a Amazônia é nossa”, mostra que o nacionalismo mofado é a tônica em todas as áreas do Executivo, não só na pasta de Salles.

Parece ingênua, portanto, qualquer esperança de que o Brasil vá ao encontro munido de novos propósitos para deixar a liderança da peleja do fim do mundo. Só fará isso se levar um cartão vermelho de Biden.