terça-feira, 30 de outubro de 2018

Acabou a eleição, Brasil!


Pequenez na derrota

Treze anos no poder não fizeram do PT uma oposição mais madura. Desde a deposição de Dilma Rousseff, em 2016, o partido retrocedeu ao esquerdismo panfletário, acrescido de fantasias persecutórias, em busca de preservar seus nichos mais fiéis —e à custa de intensificar sua rejeição no restante majoritário do eleitorado nacional.

Derrotado na disputa presidencial deste domingo, Fernando Haddad esteve longe de mostrar a capacidade de liderar uma oxigenação do discurso e das práticas da sigla. Dificilmente poderia ser promissor, nesse contexto, o pronunciamento que fez quando já se conhecia o veredito das urnas.

Voltaram, previsivelmente, os queixumes contra o impeachment de Dilma e a “prisão injusta” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A “tarefa enorme” que disse ver pela frente seria “defender o pensamento e as liberdades desses 45 milhões de brasileiros [foram 47 milhões ao final da apuração]” que nele votaram. A despeito do adjetivo empregado, a missão não abarca a maioria que fez outra escolha.

Haddad também não seguiu o rito democrático de cumprimentar de pronto o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), pela vitória. Só veio a fazê-lo nesta segunda-feira, por meio de uma rede social. Menos mal, mas ainda assim sintomático da propensão petista a negar legitimidade aos adversários.

O PT recebeu um respeitável mandato oposicionista no pleito, no qual elegeu 56 deputados federais e quatro governadores. Ainda mais eloquente, entretanto, foi a ampla e aguda rejeição ao partido —maior entre os votantes mais ricos e escolarizados dos grandes centros urbanos, mas elevada em quase todos os estratos e regiões.

Mais que tolice, soa a ofensa a insistência em atribuir tal sentimento a elitismos ou preconceitos. O auto-engano servido à militância contribui para envenenar o ambiente político, enquanto a sigla mantém o culto a líderes flagrados em desmandos e se esquiva de reconhecer seus erros econômicos.

Talvez aposte que, fazendo oposição agressiva, intransigente e dogmática, venha a colher os dividendos de um desgaste futuro, nada implausível, do governo Bolsonaro.

Bastaria, assim, oferecer ao público a tradicional receita de soluções fáceis, que desconhecem as limitações orçamentárias, e a mitologia dos anos de bonança sob Lula.

A ser esse o caso, cumpre recordar que nem a impopularidade devastadora de Michel Temer (MDB) — para nem mencionar os temores despertados pela candidatura do capitão reformado — bastou para reconduzir os petistas ao Planalto.

A derrota desmascarou os democratas de galinheiro

O discurso lido por Jair Bolsonaro revogou o destempero da primeira fala improvisada pelo presidente eleito e desconcertou adversários que esperavam ansiosamente algum escorregão autoritário. O candidato vitorioso transformou num “juramento a Deus” a promessa de respeitar a Constituição, as leis, os direitos humanos, as múltiplas liberdades. Louvou o Estado Democrático de Direito e reiterou o compromisso de esforçar-se pela pacificação do Brasil.

O discurso de Fernando Haddad, declamado minutos depois, deixou em frangalhos a fantasia do estadista que Lula escolheu para impedir que a democracia brasileira fosse assassinada por uma versão piorada de Adolf Hitler. Alheio aos 10 milhões de votos que escavaram um abismo entre ele e Bolsonaro, Haddad transformou o que deveria ser um civilizado reconhecimento da derrota no primeiro comício do terceiro turno de uma eleição que acabou.


Em vez de desejar boa sorte ao vencedor, o democrata de galinheiro tentou desqualificar a decisão da maioria do eleitorado, exigiu a libertação do corrupto engaiolado pela Justiça e avisou que a luta continua. A seu lado no palanque, Gleisi Hoffmann confirmou que o partido não perdeu para Bolsonaro: foi vítima das fraudes, da enxurrada de fake news, das injustiças praticadas contra Lula e de outras perversidades engendradas por fascistas e neonazistas.

Guilherme Boulos aproveitou o clima beligerante e convocou para esta terça-feira atos de protesto contra o governo que nem começou. Não esclareceu se vai convidar para as manifestações Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Marina Silva e outros parceiros recentes da “frente democrática” simulada pela tribo que sonha fazer do Brasil uma Venezuela tamanho família. Tampouco revelou se vai aproveitar o ajuntamento para invadir algum imóvel.

O palavrório dos companheiros de naufrágio destoou pateticamente da cara de velório. Fiascos do gênero confundem seus protagonistas, sobretudo se portadores de cabeças muito avariadas. Mas o surto de alucinações não dura muito. Sacerdotes ou meros devotos, os integrantes da seita logo descobrirão que Lula vai continuar na cadeia, que a Lava Jato venceu a quadrilha, que Bolsonaro nocauteou Haddad, que os brasileiros não são um ajuntamento de otários.

O comportamento dos vencidos informa: o PT pode até sobreviver por alguns anos, mas a agonia é irreversível. Condenado ao desaparecimento pelo eleitorado que tapeou por tanto tempo, o partido que virou bando vai morrer de sem-vergonhice.

O grande tesouro

Os milionários quiseram comprar a felicidade com seu dinheiro, os políticos quiseram conquistá-la com seu poder, as celebridades quiseram seduzi-la com sua fama. Mas ela não se deixou achar. Balbuciando aos ouvidos de todos, disse: "Eu me escondo nas coisas mais simples e anônimas..."
Augusto Cury

Bolsonaro é a lápide do sistema que apodreceu

A vitória de Jair Bolsonaro consolidou o processo eleitoral de 2018 como uma pequena revolução. Desde a transição da ditadura para a democracia, há 33 anos, não se via um vendaval semelhante na política brasileira. A guinada promovida agora pelo eleitor foi maior do que aquela ocorrida em 2002, quando Lula se tornou presidente da República pela primeira vez.

O triunfo de Bolsonaro se deve menos às qualidades do novo presidente e mais aos defeitos do sistema político que ele confrontou. O sistema partidário apodreceu. Bolsonaro é o resultado desse apodrecimento. Em termos partidários, os dois maiores perdedores da temporada foram o PT e, subsidiariamente, o PSDB. Em termos pessoais, o maior derrotado foi Lula.

Ironicamente, Bolsonaro é um personagem do sistema que o eleitor escolheu para dar uma resposta antissistêmica. Sua vitória caiu sobre a estrutura partidária como uma lápide. Para ressuscitar, os partidos terão de se reinventar. Quanto a Bolsonaro, ele terá de oferecer resultados práticos rapdiamente. Do contrário, o pedaço do eleitorado que enxergou nele uma solução logo começará a vê-lo como uma espécie de São Jorge às avessas, capaz de abandonar o plano de salvar a donzela para se casar com o dragão.

Paisagem brasileira

Cruzeiro, Ernandes Silva

Militares recomendam que Bolsonaro limpe a imagem do país no exterior

Uma das conclusões tiradas na importantíssima reunião conjunta dos Altos Comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica, quarta-feira passada em Brasília, foi a recomendação de que o presidente Jair Bolsonaro iniciasse imediatamente, com apoio do Itamaraty, um esforço diplomático visando a recuperar a imagem do Brasil no exterior, que vem sendo difamada nos últimos anos pelos advogados do ex-presidente Lula da Silva, pelos políticos do PT e pelos intelectuais e artistas simpatizantes do partido.


A estratégia de desmoralizar o país começou quando Lula da Silva passou a ser processado, depois que se comprovou que o então presidente havia criado o maior esquema de corrupção jamais implantado no mundo, com desmembramento para outros país.

 O fato concreto é que Lula da Silva, como é chamado no exterior, ainda tem muito prestígio internacional, por ser o primeiro operário a ser eleito para presidir um país da importância do Brasil, que tem a quinta maior população e está entre as dez maiores economias do mundo. E Lula conseguiu se eleger e depois elegeu Dilma Rousseff, apesar de ter parca instrução e se orgulhar de jamais ter lido um livro.

O único caso com alguma semelhança foi de Lech Walesa na Polônia, mas trata-se de um profissional instruído e que teve sua eleição apoiada pelos Estados Unidos e por países europeus, num movimento coordenado para desestabilizar a União Soviética, com apoio do Papa João Paulo Segundo,

Como líder sindicalista, Lula teve apoio direto do regime militar brasileiro , sua prisão foi uma comédia encenada, jamais foi perseguido, e mesmo assim ganhou uma polpuda Bolsa Ditadura, que receberá até o fim dos seus dias.

Lula virou um fenômeno mundial. Sem jamais cultivar o hábito da leitura, tornou-se o político recordista mundial em títulos de Doutor Honoris Causa. Nunca se viu nada igual. Seu prestígio do exterior era – e ainda é – impressionante.

Montou o maior esquema de corrupção do mundo, já foi condenado, está preso, mas continua respeitado pelo mundo a fora, a ponto de o Comitê de Direitos Humanos da ONU ter determinado ao governo brasileiro que ele fosse libertado e tivesse liberada sua candidatura a presidente da República.

A campanha no exterior realmente deu certo. Os correspondentes estrangeiros, que moram a maioria no Rio, não entendem nada da política brasileira, são simpáticos a Lula e continuam a propagar a crença de que ele é “perseguido político” e sua prisão é injusta.

Agora é cinza

Com a eleição de Jair Bolsonaro, chega ao fim a campanha eleitoral mais exacerbada de nossa história, numa disputa de rejeições. Uns festejam a vitória e tripudiam, certos de que são os bons. Outros, derrotados, buscam bodes expiatórios e juram revanche. A poeira precisa assentar, pelo futuro de todos.

Talvez um bom começo de reflexão nos faça constatar que, em meio a tanta gente que votou diferente de nós, muitos (talvez a maioria) queriam o bem do país e tempos melhores. A polarização pode não ter deixado que se percebesse, mas muita gente não votou assim ou assado porque era comunista ou fascista, corrupto, vendido, racista ou homofóbico — em suma, não votou em um candidato porque ele era horrível mas votou apesar de ele representar horrores. Ou seja, escolheu apenas para impedir o outro de chegar lá, mesmo tendo de tapar o nariz para as características daquele cujo nome confirmava na urna. Sem qualquer entusiasmo por sua opção, muitos só queriam deter o que lhes parecia assustador. Votaram por pavor.

Há alguns anos, na campanha que levou um operário à Presidência, aprendeu-se que a esperança vencia o medo. Desta vez, se constatou que o medo se misturou à raiva e venceu a esperança, de roldão. Um medo fabricado por estratégias de demonizar a divergência. Palavras de ordem repetidas sem pensar, negando a realidade, impediram o exame dos fatos e a reflexão sobre eles. Não se discutiu programa nem se vislumbrou qualquer exame de consciência ou autocrítica. Ao longo do caminho, ficaram nomes respeitáveis, expelidos como inúteis em tempos de moralidade duvidosa, mentira e autoritarismo. Tempos de ouvidos tapados ao diálogo.

Agora, resta aos derrotados fazer oposição responsável, sem querer afundar o país, mas respeitando os limites institucionais, a Lava-Jato, a Ficha Limpa, os números e cuidando da qualidade da democracia tão esgarçada, enquanto se enfrentam os problemas imediatos, que são tantos.

Tempo de rescaldo, que agora é cinza. Com mais de 50 tons.

A verdade que nos libertaria

Funciona na Inglaterra ou no Kenya, na Austrália ou na Índia, na Nova Zelândia ou nos Estados Unidos. Em todas as democracias de DNA saxônico apoiadas no sistema de eleição distrital pura, a célula básica é o school board. Esses conselhos diretores das escolas públicas são diretamente eleitos pelos pais dos alunos do bairro ao qual cada escola serve. Normalmente têm 7 membros, eleitos de dois em dois anos de carona nas eleições municipais ou nacionais, em grupos alternados – tres numa eleição, quatro na seguinte – para mandatos de quatro anos. Como acontece com todo funcionário diretamente eleito nessas democracias, eles podem sofrer uma retomada de mandato (recall) a qualquer momento se seus eleitores acharem por bem faze-lo.

O elo de ligação entre os eleitores e cada membro desses conselhos é o endereço. Tanto os candidatos quanto os eleitores têm de ser moradores do bairro. O conselho eleito nomeará o diretor da escola e aprovará ou não os seus orçamentos anuais e os seus planos educacionais, de forma totalmente independente do estado e do grupo político que o estiver controlando no momento (e você sonhando com “escola sem partido”…).


Nos EUA esses conselhos têm ainda a prerrogativa de emitir títulos de dívida para fazer melhoramentos, comprar equipamentos, construir novos prédios ou mesmo contratar mais professores ou aumentar os salários deles. O estado só interefere para aumentar verbas das escolas das comunidades sem condições de bancar as próprias melhorias.

Seguindo uma norma de alcance nacional, a emissão de qualquer título de dívida pública tem de vir acompanhado de um projeto mostrando quanto dinheiro vai ser captado para fazer exatamente o quê, em quanto tempo e a que custo o titulo vai ser resgatado, quem e como vai pagar a operação. Normalmente a fórmula usada para pagar investimentos em escolas é adicionar um aumento temporário no imposto territorial do bairro (IPTU) servido por ela. Tudo definido, o projeto aparecerá na cédula da próxima eleição nacional ou municipal para um “sim” ou um “não” somente da comunidade afetada (controlado pelo endereço de cada eleitor).

O mesmo princípio aplica-se aos distritos eleitorais e às obras e serviços públicos municipais ou estaduais. No sistema de eleição distrital pura, divide-se o numero total de habitantes pelo número de representantes desejados para cada instância – câmaras de vereadores ou assembleias legislativas, por exemplo. A unidade contada é sempre o numero de habitantes e não o de eleitores porque é obrigatório que o distrito eleitoral tenha uma correspondência com um elemento físico que possa ser aferido. Como na média nacional a um determinado numero de individuos, habitações ou famílias corresponde um mesmo numero médio de eleitores, o que vale é o endereço. Um distrito eleitoral municipal será, portanto, uma soma de distritos escolares (bairros). Uma soma de distritos municipais dará um distrito estadual e uma soma de distritos estaduais dará um distrito nacional. Com 513 congressistas teriamos distritos de mais ou menos 400 mil habitantes neste Brasil de 207 milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435 deputados, cada distrito federal tem aproximadamente 700 mil habitantes. Todos esses distritos e subdistritos serão desenhados sobre o mapa do país e, uma vez feito isso, só poderão ser alterados com base no censo nacional, a cada 10 anos. Cada candidato a uma função pública – seja ao conselho diretor de uma escola, a uma câmara de vereadores, a uma assembléia legislativa ou ao congresso nacional – só poderá concorrer por um distrito eleitoral. E cada distrito eleitoral elegerá apenas um representante.

Assim, cada representante eleito saberá exatamente o nome e o endereço de cada um dos seus representados, e vice-versa. O congressista americano não é o representante do estado fulano, é o representante do distrito eleitoral numero tal. Não ha vices nem suplentes. Em caso de vacância será convocada uma eleição extraordinária somente naquele distrito para eleger o substituto.

Qualquer eleitor pode iniciar uma petição de retomada de mandato (recall) do seu representante. Cada bairro, cidade ou estado – as instâncias até onde vale esse recurso – estabelece o numero mínimo de assinaturas necessários para qualificar uma votação de retomada pelo distrito inteiro (em geral algo entre 5 e 10% dos eleitores de um distrito). O secretário de estado municipal ou estadual, funcionário que existe só para organizar essas “eleições especiais” que acontecem a toda hora, confere as assinaturas. O distrito então decide no voto, do orçamento da escola publica do bairro à construção de uma nova estrada no seu estado, a compra de mais carros da policia da sua cidade ou o salário dos seus funcionários. Tudo, sempre, votado e pago diretamente só pelos cidadãos afetados. Espaço zero para roubalheiras.

Juízes também. Ninguém é onipotente. A cada quatro anos o nome de cada um deles aparecerá na cédula da eleição na sua comarca com a pergunta. “O juiz fulano fica mais quatro anos”? “Sim” ou “não”.

Leis de inciativa popular cuidando desde casamento gay e uso de maconha ate leis penais ou proibição de aumento de impostos sem aprovação de quem vai paga-los, passam por esse mesmo processo. Coleta de assinaturas e qualificação seguida de subida à cédula da próxima eleição para aprovação direta.

Para a eleição de novembro agora, quase 180 questões de alcance estadual qualificaram-se para aparecer nas cédulas de todo o país. Milhares de outras de alcance municipal – leis, processos de retomadas de mandatos de conselheiros escolares e funcionários eleitos (todos os que têm função de fiscalização do governo ou contato direto com o publico), também estarão nelas. O povo, senhor absoluto e irrecorrível dos políticos, decide tudo no voto.

Assim, na próxima vez que você vir a sua eleição nacional ser apurada em duas horas, não fique todo orgulhoso. Você está sendo enganado. Isso que existe por aqui tem uma vaga semelhança com democracia, mas não é.