sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Gente fora do mapa


Aberta fila de indicações políticas de Bolsonaro

Foi deflagrada em Brasília uma articulação política de dimensão que não se via desde 2003, quando o petismo substituiu o tucanato no poder federal. A pretexto de expurgar da máquina estatal os "esquerdistas" que ocupam poltronas nas repartições públicas desde o primeiro mandato de Lula, os operadores de Jair Bolsonaro começaram a organizar uma espécie de fila do emprego. Parlamentares dispostos a apoiar o governo do capitão estão sendo convidados a fazer indicações para cargos federais situados nos Estados.

Encontram-se sobre o balcão assentos em órgãos muito cobiçadas por deputados e senadores. Por exemplo: Dnit, Incra, Dnocs, Funasa e Ibama. São nichos tradicionais de politicagem e corrupção. Em português castiço, o que se vê nos bastidores da transição é o velho toma-lá-dá-cá —aquele modelo arcaico de fazer política que Bolsonaro havia amaldiçoado durante a campanha eleitoral. No melhor estilo franciscano, é dando que o futuro governo espera receber apoio às reformas que enviará ao Congresso.

O pretexto ideológico é frágil, pois vários congressistas entram na fila não para ocupar, mas para manter cargos que já controlam. São fisiológicos profissionais. Apoiavam Fernando Henrique Cardoso. Continuaram apoiando Lula. Deram suporte a Dilma Rousseff. E ajudaram a derrubá-la para manter seus espaços na máquina estatal sob Michel Temer.

Há, porém, um quê de originalidade no fisiologismo à Bolsonaro. Por enquanto, as negociações não passam pelas cúpulas dos partidos. Abordados diretamente, integrantes do chamado baixo clero legislativo se sentem valorizados como cardeais. Onyx Lorenzoni, o futuro chefe da Casa Civil, seleciona um grupo de parlamentares barrados nas urnas de outubro para compor um grupo para ajudar a organizar a fila e preencher os cargos.

Desigualdade ao extremo


Matar é o ápice da desigualdade social
Judith Butler

O teatro principal

Bomba fiscal é bomba social. A do Brasil é monumental e o novo governo mal começou a lidar com ela. Depois de muito espremer as estatísticas, economistas da FGV-SP chegaram a um número de forte expressão simbólica, dada a questão social embutida na frase “atacar a questão fiscal”. De cada 1 real gasto pelos cofres públicos, 75 centavos vão para pagamento de previdência, programas assistenciais, transferências de benefícios.


Trata-se, na verdade, de uma gigantesca folha de pagamentos, dos quais dependem direta ou indiretamente cerca de 2/3 da população do País. Falar em “ajuste fiscal”, “atacar a questão dos gastos públicos” significa, portanto, lidar com um problema social de implicações políticas que o novo governo está começando a entender. Vai demandar um grau de capacidade de articulação e equilíbrio cuja ausência até aqui em governos anteriores foi compensada através da distribuição de benesses (de todos os tipos) e aumento de impostos – e não há mais espaço para nenhum deles.

A questão tributária e a quebradeira dos Estados têm de ser colocadas também nessa conta – que, insisto, é uma conta para a Política. Assim, os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados em Brasília são apenas parte do desafio. A coesa e coerente equipe econômica sob Paulo Guedes e a estrutura de comando executiva composta ainda por vários militares de boa formação e cabeça aberta dispõe de qual “governabilidade” diante: a) do tamanho da bomba (que é uma corrida contra o tempo) e b) da óbvia falência de um sistema político que talvez esteja apenas iniciando um processo de recuperação?

Os sinais do período de transição indicam que Bolsonaro entendeu que a articulação política com o Congresso tem sentido mais amplo do que contar votos de deputados e isso não é tarefa para um homem só. Entendeu que política é negociação e compromisso e tanto é assim que encontrou um nome para o Ministério da Educação do agrado de um círculo político do qual ele, Bolsonaro, depende para apoios (evangélicos). Está apanhando ainda para perceber que propostas de palanques (e lacração em redes sociais) não são programa nem método de governo – quanto mais depressa Bolsonaro “institucionalizar”, melhor para ele mesmo.

A política trouxe do vocabulário militar expressões como “teatro principal de operações” e “teatro secundário de combate”. Há nos primeiros passos da transição iniciada pela onda política que varreu o País a clara evidência de confusão entre esses dois planos. É “normal” para a situação de um presidente empurrado aonde chegou por uma transformação política que se dá tanto em torno de “valores” quanto pelo desejo de ver a economia destravando e gerando prosperidade (portanto, de projetos e plataformas). O problema aqui é se concentrar no teatro principal e não gastar energias em ávidos debates secundários, cujo principal mérito é sobretudo produzir muita repercussão em redes sociais.

Diante do fato inconteste que o Brasil é fatiado em interesses corporativistas dos mais diversos, e muito bem organizados, ganhar a eleição foi o mais fácil e a verdadeira guerra começa agora. A tal da “governabilidade”, entendida como capacidade de levar adiante o que o governo acha que precisa fazer, depende diretamente da concentração de esforços no que realmente importa. O preço político a ser pago é enorme e difícil de ser calculado, mas provavelmente não conseguirá ser saldado se o emprego do capital trazido pela vitória eleitoral se dissipar em muitas frentes.

Brasil mostra sua bandeira


Cadáveres insepultos

Três deputados estaduais do Rio pelo MDB estão presos há mais de um ano por corrupção, à espera de serem cassados por seus pares. Enquanto isso não acontece, continuam recebendo seus salários, verbas de representação, ajuda de custo e outras benesses. Seus funcionários de gabinete também continuam na folha de pagamento, embora não tenham o que fazer.

Outros sete deputados estaduais, dos quais cinco reeleitos em outubro último, foram presos há duas semanas e podem ter o mesmo destino: prisão com vencimentos integrais enquanto não perderem os mandatos, leve o tempo que levar.

Os três primeiros deputados presos, um deles o notório Jorge Picciani, ex-presidente da Assembleia fluminense e velho cúmplice do ex-governador Sérgio Cabral, já custaram à Alerj pelo menos R$ 9 milhões nesse período. Se a cassação dos outros sete também se arrastar, a despesa com esses cadáveres insepultos passará de R$ 20 milhões. Num estado falido e com os serviços nas últimas, como o Rio, é de se perguntar o que não se compraria de importante para a população com esse dinheiro.

Na área da saúde, R$ 20 milhões comprariam muita coisa em gaze, algodão, luvas hospitalares, máscaras, seringas, roupa de cama, jalecos, instrumentos, anestésicos, analgésicos, luz, gás, alimentação e conforto para os residentes. Vidas poderiam ser salvas com a maior fartura desses itens.

Na área da educação, R$ 20 milhões equivaleriam a currículos mais exigentes, tecnologia de ponta em sala de aula, professores com melhores salários, bibliotecas decentes, merenda para os alunos e maior aproveitamento em geral.

No quesito segurança, R$ 20 milhões representariam mais serviço de inteligência, fronteiras estreitamente vigiadas, armamento mais sofisticado, menos operações de risco e menor número de mortos.

Seria ótimo, não? OK, agora, acorde. E os ditos cadáveres podem voltar a caminhar entre nós.

Uma família do barulho!

Famílias presidenciais são como todas as famílias: sempre têm espaço para mais uma … confusão. É o caso dos Trump e, também, dos Bolsonaro.

Jair, o pai, elegeu-se presidente da República e ainda conseguiu pôr três filhos no Legislativo. Um na Câmara de Vereadores do Rio, outro na Câmara dos Deputados e um terceiro no Senado. Feito inédito nessa faixa verde-oliva-amarela abaixo do Equador.

A família Bolsonaro constitui o primeiro círculo do poder do futuro governo. É um núcleo masculino, onde se destaca em cadeira cativa a mulher de Bolsonaro, Michelle, uma ativista social. Nele, Bolsonaro-pai só permitiu a entrada de uma pessoa que não é da família, o deputado federal eleito pelo Rio Hélio Fernando Barbosa Lopes, ou Hélio “Bolsonaro” ou ainda Hélio Negão, invariável acompanhante do presidente eleito em todas as ocasiões. São velhos amigos íntimos.

Dificilmente haverá decisão importante de governo sem trânsito por esses cinco (os três filhos parlamentares, o silencioso deputado federal Hélio e a primeira dama Michelle). No mínimo, eles terão conhecimento prévio das decisões capazes de afetar a vida de todos os brasileiros e – quem sabe? – de abalar a de parte do mundo.

Ao integrar os filhos-parlamentares no centro de decisões de governo, Bolsonaro-pai criou um problema para o presidente Bolsonaro. É desses problemas insolúveis, pelas seguintes razões:

1) filhos são indemissíveis da vida de qualquer pai;

2) os Bolsonaro-parlamentares são jovens, inexperientes em política, e se apresentam em público como se fossem generais de uma revolução deflagrada no berço doméstico;

3) eles são percebidos como os mais qualificados intérpretes da vontade do pai-presidente e os mais autênticos porta-vozes do presidente-pai;

No conjunto, aparentam uma corte familiar. Isso, no tumultuado ambiente político de uma transição de governo, é suficiente para atrair gestos gratuitos de cortesia, alianças interessadas e adversários no poder.

De Hélio Negão nunca se ouviu palavra. Nem mesmo um sussurro. Tampouco se viu um gesto. Da primeira-dama tudo que se ouviu até agora foi um breve discurso sobre sua disposição de batalhar por uma causa nobre – a inclusão de pessoas portadoras de deficiências.

Os Bolsonaro-filhos são opostos. Comportam-se como parlamentares de movimentos estrepitosos, indiscretos, e parecem ter necessidade de reafirmação pública e constante do poder conquistado pelo DNA de família.

Nas últimas 48 horas, um disse nos Estados Unidos que a reforma da Previdência tem poucas chances de ser aprovada. O outro, aqui, que tem chances, sim. O terceiro…

Eles se comunicam e se divulgam de preferência via fraseados de 240 caracteres no twitter, geralmente no estilo de desabafo contra tudo e contra todos que, por acaso, possam não concordar com 100% do ideário lapidado na Barra da Tijuca, o berço doméstico.

À medida em que a posse presidencial se aproxima, começam a ver adversários e até inimigos por todos os lados. Como foi o caso do vereador carioca Carlos Bolsonaro com seu twitter a respeito do perigo que corre a vida do seu pai.

Não creio que Carlos faça gosto pela leitura de clássicos. Ele poderia ter citado Marco Antonio nos funerais de César: “Então, eu e vocês e todos nós também tombamos, enquanto essa sanguinária traição florescia sobre nós.” Caberia num post com 140 caracteres.

É possível que Jair Bolsonaro não imaginasse que venceria a eleição. Eleito, talvez não imagine como será seu governo com três filhos políticos afoitos, indiscretos e com a ansiedade juvenil de reafirmar a todo momento, sua condição de família onipresente no coração do poder.

Deus salve a América! Quero dizer: o Brasil.

Brasileiros vão às compras e ignoram Lula

A descoberta de outros casos de corrupção e lavagem de dinheiro deixa sombrios os dias de Lula. Para quem achava que passaria poucos dias na cela, que renasceria das cinzas como a fênix para um novo voo político como candidato a presidente da república, o tempo passou e só Carolina não viu, como diria Chico Buarque, seu mais ardoroso defensor. Da euforia da pré-campanha, quando se apresentava como candidato, mesmo com a certeza de que a Justiça iria impugnar seu registro, Lula agora se prepara para uma prolongada permanência atrás das grades, agora com o tempo desfavorável a um desfecho feliz.


Já não se vê por aqui os movimentos de “Lula Livre” e a campanha do “Fora Temer”, patrocinada pelos petistas. Parecem clichês do passado que vão se desmilinguido enquanto o país caminha para outro momento político. A brasileirada está mais preocupada em encher os carrinhos de compras nas lojas de departamento no frisson do Black Friday do que sair pelas ruas friorentas da Big Apple acenando a bandeira de PT injustiçado.

No meio dos brasileiros – até entre os petistas radicais – já não se ouve tanto a defesa doentia de Lula. Parece que os protestos foram engolidos pelos novos tempos, depois do último depoimento do ex-presidente à juíza Gabriela Hardt que o enquadrou de forma severa ao perceber a intenção dele em tumultuar o interrogatório quando insinuou que o juiz Sérgio Moro tinha relações próximas com o doleiro Youssef. Se Lula imaginava que iria impor suas bravatas, o que se viu foi um cara abatido e acuado diante da juíza determinada a não deixá-lo fazer proselitismo político.

A sensação que tenho por onde passo – Miami e Nova Iorque – é de que existe um conformismo entre os seguidores de Lula de que ele ficará mais tempo na cadeia do que se imaginava. E que depois da campanha feita no exterior com dinheiro público por embaixadores simpatizantes do PT e cineastas com dinheiro da Ancine, é fria, hoje, a reação dos brasileiros em relação a causa petista.

A imprensa, então, quase não fala de política brasileira. O próprio Bolsonaro já está frio, gelado, no noticiário. Trump, com os seus arroubos, não deixa espaço pra ninguém na mídia. Quem vem ocupando as manchetes por aqui é outro brasileiro, o ex-presidente da Nissan, o Carlos Ghosn, preso no Japão sob acusação de sonegação fiscal.

O executivo é figura presente nas primeiras páginas dos principais jornais como Financial Times, NYT e Washington Post. Há controvérsias quanto a sua prisão. Fala-se, inclusive, que os japoneses teriam armado uma arapuca contra Ghosn, também naturalizado libanês, para retirá-lo da presidência do conselho com inveja do sucesso dele à frente da própria empresa deles. É o que pensa pelo menos os dirigentes da Renault, empresa francesa, parceira da Nissan, que condena a prisão de Ghosn.

Assim como a imprensa, os organismos internacionais também baixaram a bola na campanha do “Lula Livre”. Alguns dirigentes tentaram, em vão, tumultuar o processo eleitoral, mas recuaram diante da decisão soberana do TSE de manter a inelegibilidade de Lula nas eleições desse ano. Há um certo temor entre os minguados petistas sobreviventes no exterior de que o ex-presidente será novamente condenado. E se isso de fato ocorrer, dizem eles, Lula dificilmente sairá da cadeia, já que seu partido, derrotado nas urnas, está no ostracismo.

Outros militantes acreditam que Lula, caso condenado novamente, deverá ser transferido para um presídio comum para cumprir as penas. Mantê-lo sob custódia na Polícia Federal requer uma logística que a própria PF não está acostumada, pois o local não é para abrigar preso já condenado. Além disso, Lula custa muito caro ao estado pelo aparato à sua disposição por ser um preso que exige atenção especial.

Enfim, o velho ditado do “rei posto, rei morto” é o que se ouve dos brasileiros, que nesse momento se acotovelam com os japoneses nos corredores lotados das lojas de grife, quando falam sobre a situação atual de Lula.

O ostracismo do Lula assemelha-se a cena de um político apagado como se alguém tivesse puxado a tomada, deixando-o na escuridão.