sexta-feira, 23 de março de 2018

Paisagem brasileira

JOSÉ ROSÁRIO: POR DENTRO DE UMA OBRA - Túlio Dias
José Rosário

Brasileiros não sabem se tem agrotóxicos na água que bebem

No mês passado, visitamos uma pequena comunidade rural no norte do Brasil para ver como os agrotóxicos afetam as pessoas no campo. O Brasil, uma potência em agricultura industrial, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Culturas como a de soja, de milho, de algodão e de cana-de-açúcar são cultivadas com enormes quantidades de agrotóxicos: cerca de 400 mil toneladas por ano. Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, 4 são proibidos na Europa, indicando quão prejudiciais são considerados para alguns padrões.

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Moradores que conhecemos temem os danos que podem decorrer dos agrotóxicos e a retaliação que podem sofrer caso denunciem essa situação. Pediram-nos inclusive para não publicar o nome da comunidade – disseram que um fazendeiro, dono da plantação nas redondezas, havia ameaçado um membro da comunidade por organizar um abaixo-assinado pela redução da pulverização de agrotóxicos. A plantação do fazendeiro alcança casas, seus pequenos jardins e um pequeno campo de futebol; e a área termina a apenas cinco metros do poço utilizado pela comunidade para obter água potável.

O responsável por manter o poço nos contou que estava preocupado com a possibilidade de que os agrotóxicos pulverizados nas plantações de soja afetem o abastecimento de água da comunidade. Ele não sabe se sua preocupação é fundada, porque o governo não fez testes com a água desde que o poço foi instalado há três anos. “Estamos preocupados com a pulverização de agrotóxicos, mas também nos preocupamos com as ameaças, por isso não queremos falar muito sobre isso”, ele disse com um riso sem jeito. “Isso é o que enfrentamos aqui".

Hoje é o Dia Mundial da Água. Água potável segura é um direito humano, incluindo o direito das pessoas saberem o que tem na água que estão bebendo. Sabemos que os resíduos de agrotóxicos podem escoar com a água da chuva pela superfície e atingir aquíferos que são muitas vezes fonte de água potável.

Alguns países testam regularmente o abastecimento de água potável para verificar a presença de agrotóxicos e disponibilizam os resultados para a população. No Brasil, na prática, isso não ocorre. Fizemos um pedido com base na lei de acesso à informação para obter os resultados dos testes nacionais de resíduos de agrotóxicos na água potável realizados entre 2014 a 2017. Descobrimos que, apesar das obrigações legais, sistemas de abastecimento de água raramente são testados.

Por lei, os fornecedores de água – sejam eles empresas estatais, privadas ou governos municipais – são responsáveis por testar 27 agrotóxicos específicos, a cada seis meses, nos sistemas de água que gerenciam e devem relatar esses resultados ao governo federal. Mas, a cada ano, uma média de 67% dos municípios em todo o país não envia nenhuma informação ao governo federal – e isso em um país que é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. O governo federal não tem ideia de quão contaminada pode estar a água potável no Brasil, ou mesmo sobre os males que pode estar causando a sua população.

Mesmo nos municípios que enviam as informações, a maioria dos testes está incompleta. Dos resultados apresentados em 2014, apenas 18% refletiam testes completos, realizados duas vezes por ano para detectar todos os 27 agrotóxicos, conforme exigido por lei.

Simplificando: o sistema brasileiro de monitoramento de água potável é vergonhosamente inadequado para detectar a ameaça de perigosos agrotóxicos.

Mesmo com este sistema mal estruturado, as autoridades brasileiras conseguem identificar alguns municípios onde a água potável contém resíduos de agrotóxicos acima dos limites legais. Na verdade, 15% do pequeno número de municípios que apresentaram os resultados dos testes durante este período de quatro anos encontraram pelo menos uma substância acima do limite legal.

Que tipo de substâncias são encontradas? Os agrotóxicos mais comuns não têm nomes muito conhecidos – aldrin, dieldrina, clordano e endrina –, mas todos são danosos à saúde humana. Essa vasta gama de inseticidas foi banida no Brasil na década de 1990, mas são tão persistentes que aparecem na água potável mesmo depois de décadas.

Quem se preocupa com o que está na água conta com poucas opções. Sem um sistema de teste abrangente, a melhor informação vem de estudos acadêmicos. Em 2016, pesquisadores publicaram o primeiro levantamento nacional brasileiro de contaminantes emergentes na água potável. Depois de cafeína – substância que indica a existência de esgoto não tratado –, o segundo contaminante mais comumente encontrado na água foi o herbicida atrazina, presente em 75% das amostras de todo o país.

A atrazina é legalmente permitida no Brasil. Seus níveis residuais na água estavam bem abaixo do limite legal, mas estudos recentes em animais mostram que, mesmo em baixas doses durante longos períodos, a atrazina pode ser um disruptor endócrino, interferindo nas funções reprodutiva, neural e de imunidade.

Pesquisadores detectaram a atrazina acima do limite permitido na água potável em dois municípios rurais no estado de Mato Grosso – Lucas do Rio Verde e Campo Verde. E o carbofurano, outro componente químico perigoso para a saúde humana, foi encontrado acima dos níveis permitidos em amostras de poços de água em Quitéria, uma área rural perto de Rio Grande, uma cidade no sul do país.

O que tudo isso significa? O Brasil usa grandes quantidades de agrotóxicos que comprometem o meio ambiente de seus cidadãos, e as autoridades têm fracassado em garantir que o abastecimento de água potável não esteja contaminado com níveis prejudiciais desses agrotóxicos. E isso é perigoso. O Brasil precisa adotar um sistema de monitoramento eficaz de água potável para garantir que seu abastecimento seja devidamente testado contra agrotóxicos e que os resultados sejam disponibilizados ao público.

Richard Pearshouse

Crime organizado

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A democracia está sendo cerceada. As grandes corporações manipulam as eleições e colocam seus políticos. Assim, em dado momento, podem controlar os projetos de grandes investimentos públicos, inflar os orçamentos e dividir lucros com esses peões que colocaram 
José Padilha

A anarquia é a norma política no Brasil

Os personagens que mandam na vida pública do Brasil de hoje, muitos dos quais não receberam um único voto para exercer os cargos que ocupam, estão envolvidos até a cabeça, neste momento, numa experiência sem precedentes: governar o país por meio de decretos judiciários, burocráticos e pessoais, estes últimos baixados basicamente por indivíduos cujo maior mérito é ter acesso ao Diário Oficial da União. Esqueçam os Três Poderes, como estão previstos na Constituição, e a obrigatória independência entre eles. Para que isso? O Brasil já está tentando há anos seguir essa regra, e obviamente não deu certo. Ruim por ruim, que tal experimentar um sistema em que as autoridades mais altas, sem maior entendimento entre elas próprias, saem por aí tomando as decisões que lhes dão na telha — e ficam olhando para ver se o resto do país obedece? Se obedecer, beleza: mais uma vez “as instituições funcionaram”. Se não obedecer, paciência: tenta-se alguma outra coisa ou deixa-se tudo mais ou menos como está. É uma espécie de anarquia aplicada, algo aparentemente inédito na história das nações. Os anarquistas, no caso, são os próprios governantes agarrados a suas cadeiras nos Três Poderes, boa parte deles em cargos “vitalícios”, “intransferíveis” e “irremovíveis” — ou seja, em português claro, o sujeito só sai de lá morto, ou praticamente isso. Têm outra particularidade extraordinária: façam o que fizerem, seus atos não estão sujeitos à apreciação nem à revisão de ninguém atualmente vivo sobre a superfície da Terra.

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Cabe tudo nessa anarquia. O doutor Zé ou a doutora Mané vão decidir na prática, conforme a roda da fortuna, se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpre ou não cumpre a pena de cadeia a que foi legalmente condenado (por nove juízes diferentes, até agora). Outros, também ao acaso, resolvem se o Código Florestal, em vigor há seis anos, vale ou não vale. Podem exigir de uma empresa a apresentação do CPF do compositor Johannes Brahms, sepultado em Viena há 121 anos, ou eliminar o brasão da República na capa dos passaportes. Decidem, cada um segundo o que acha “mais certo” na própria cabeça, sobre o envio de tropas do Exército ao Rio de Janeiro, sobre a legalidade do ovo frito ou sobre a precessão dos equinócios. Levam-se psicoticamente a sério. Acreditam que governam o Brasil, quando apenas mandam nele; imaginam-se garantidores da lei, quando garantem apenas o caos. O mais notável é que não pensam nem agem numa mesma direção — cada um, ou cada grupo, é um governo em seu terreiro, e a toda hora estão metidos em horrendas brigas de rua entre si. Se houvesse algum nexo no que fazem, isto aqui, pelo menos, funcionaria como uma ditadura — que sempre tem a vantagem de tomar decisões previsíveis e seguir uma lógica. Assim, do jeito que está, criaram um angu que não é nada.

A democracia brasileira, mais de 30 anos após o último governo militar, deu errado. Caiu rapidamente no abismo que os políticos e as elites de todos os tipos, com o apoio da “sociedade”, começaram a cavar já em 1988 com a nova “Constituição Cidadã” — seguramente, uma das mais estúpidas jamais criadas em qualquer país do mundo, uma espécie de pacto de suicídio coletivo capaz de travar o funcionamento das mais poderosas, ricas e eficazes nações que já se organizaram na história da humanidade. Com exceção dos artigos fundamentais para as democracias, que já estão há mais de dois séculos escritos em qualquer Constituição que se preze, e portanto não conferem mérito nenhum à Assembleia Constituinte de 88, quase todo o restante é um monumento ao triunfo do interesse particular sobre o interesse da maioria. Cada um enfiou lá o que quis, e todos tiraram uma fatia do pernil para si próprios. Somem-se os poderes frequentemente insanos que foram atribuídos a juízes, desembargadores, ministros, promotores, procuradores, ouvidores mais tribos inteiras de barões da burocracia — e eis aí, prontinha, uma receita infalível para o fracasso de qualquer empreitada humana.

Imagem do Dia

Cascata do Arado, terras de bouro
Cascata do Arado , Parque Nacional da Peneda-Gerês (Portugal) 

Que as mortes não nos separem

A morte de Marielle Franco e 60 mil mortes estúpidas registradas anualmente no Brasil deveriam unir-nos. Ou, pelo menos, nos aproximar. Mas não é isso que acontece no momento. Prevalecem discursos de ódio e a exploração política mais descarada.

Até autoridades engrossam o coro dos que tentam reescrever a história da vereadora, atribuindo-lhe um passado inexistente. O PT afirma que a morte de Marielle e a pena de Lula são faces de uma mesma moeda. Dilma a considera uma parte do golpe.

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A sensação de emergência com que vejo o problema da segurança pública no Rio às vezes me faz sonhar romanticamente com uma solução parecida com a que demos ao surto de febre amarela. Havia um problema, definiu-se a saída – vacinação – e as pessoas foram aos postos saúde. Nas filas, ninguém gritando “fora Temer”.

Era um tipo de problema que precisava ser enfrentado, não importa quem estivesse lá em cima. Restou apenas uma pequena minoria contra vacinas que defendeu suas ideias na rede, democraticamente, sem agressividade.

É impossível transplantar esse comportamento para a segurança pública. As saídas são mais complexas. E há um pesado clima político-ideológico em torno delas.

No entanto, não creio que o Brasil se resuma ao debate ensandecido, com tanta gente zangada e os robôs incendiando a discussão. Existe um espaço racional de conversa, sobretudo para um tema tão atacado pela esquerda e pela própria Marielle: a intervenção federal na segurança do Rio.

O primeiro desafio é desvendar o crime. Houve um debate inicial sobre federalizar ou não as investigações. Temo que isso nos leve aos impasses de quando surgiu a dengue: estadual ou federal?

A hipótese indicada, creio, é reunir o que há de melhor tanto na polícia do Rio quanto nos quadros federais. Mesmo porque a polícia do Rio tem experiência no campo.

Todavia é razoável desconfiar da possibilidade de um trabalho isolado. Mas não deixa de ser uma contradição aparente: combater a intervenção federal e duvidar da capacidade da polícia. Os que o fazem desprezam a desconfiança que grande parte dos cariocas tem na capacidade da polícia de deter sozinha o avanço da ocupação armada.

Usei a expressão aparente contradição porque cabe argumentar que uma coisa é a investigação técnico-científica e outra, a crítica à presença do Exército nas favelas do Rio.

O argumento dos defensores dos pobres, às vezes sem consultar realmente os pobres, é de que a presença do Exército traz ameaças aos direitos humanos. Mas a presença de um Exército que cumpre as leis, que tem regras de engajamento transparentes, não pode ser comparada à presença de traficantes com fuzis ou milicianos armados.

Entre um Exército ostentando a bandeira do Brasil e outro exército, de boné e sandálias, mas com modernos fuzis, parece existir uma hesitação. Como explicar isso?

De um lado, a dificuldade de compreender que os anos passaram e o Exército Brasileiro está comprometido com a democracia. De outro está a romantização dos bandidos. Não me refiro apenas às conversas em torno do chope nos botequins da vida. Nem à simples interpretação vulgar do marxismo. Essa romantização está presente em textos de eruditos de esquerda, como o historiador Eric Hobsbawn. Ele via o banditismo como reação a certas condições sociais. Apesar de brilhante, interpretava o mundo apenas com os olhos do marxismo.

No cenário cultural brasileiro, discutiu-se muito a frase de Hélio Oiticica “seja marginal, seja herói”, como um exemplo disso. Nesse caso específico, entretanto, creio que Oiticica falava do criador e sua relação com o mercado de artes plásticas.

O argumento dos opositores da presença militar é o de que os favelados são incomodados pelo Exército. A verdade é que, às vezes, são estuprados por traficantes, achacados pelas milícias, que vendem de tudo, do gás ao acesso à televisão fechada. E não há espaço para a sociedade monitorá-los amplamente, como o faz com o Exercito.

Um dos argumentos do PSOL é que a intervenção não é necessária. Talvez ele se apoie nos índices de homicídios mais altos, como os do Ceará e de outros Estados do Nordeste, por exemplo. Mas não enfrenta a questão específica do Rio: a ocupação armada. Como resolvê-la?

A resposta, nesse caso, costuma estar na ponta da língua: educação, saúde, saneamento, cultura. Mas como chegar lá com isso tudo?

A presença dos militares em si também não resolve o problema de fundo. Mas abre caminho para que a polícia estadual se recupere e tente reduzir a mancha territorial ocupada.

Alguns traficantes toleram o trabalho político em suas áreas. No caso da Vila Cruzeiro, do Complexo do Alemão, liberavam algumas ruas para o corpo a corpo eleitoral. Mas isso são concessões, migalhas de liberdade, pois não só o governo, como todos os candidatos devem ter acesso irrestrito a todos os pontos da cidade.

Às vezes, alguns mais exaltados nos dão a impressão de que, se a favela de repente tivesse segurança e todos os serviços básicos assegurados, seu discurso cairia no vazio, não saberiam mais para onde apontar a luta. Quando Temer decretou a intervenção na segurança, Bolsonaro disse que estava roubando sua bandeira.

Todos sabemos que Temer não se preocupa senão com a própria sorte e a do seu bando, já dizimado pela Lava Jato. Se a intervenção conseguir equilibrar as forças no Rio e contribuir para o longo processo de libertação de parte do território, muitas bandeiras podem ser roubadas também.

Não há nada a temer. Outras virão. Uma delas, congelada há algum tempo, são os escritórios de arquitetura destinados a orientar construções e reformas. Beleza, funcionalidade e conforto, de alguma forma, podem ser acrescentados aos morros pacificados.

A lei não vale para Lula

A segunda instância da Justiça pode mandar prender quem condenar. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal pela terceira vez há dois anos.

Mas até a quarta-feira dia 4 de abril, haverá pelo menos um homem neste país que ela não poderá mandar prender: Luiz Inácio Lula da Silva.

Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal. Sabem por quê? Porque seus ministros não estão dispostos a trabalhar amanhã.

A maioria deles tem compromissos fora de Brasília. O feriadão da Semana Santa, para os ministros, terá a duração de 13 dias. Tomara que chova.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Só no dia 4 de abril voltarão a se reunir para julgar o mérito do pedido de habeas corpus em favor de Lula.

E para que ele não corra o risco de ser preso até lá, concederam-lhe uma espécie de salvo conduto.

É justo que os brasileiros sejam obrigados a trabalhar amanhã, e até à próxima quinta-feira, e os mais bem pagos servidores públicos não?

Quem diz o que é justo e o que não é são os ministros da mais alta corte de justiça do país. Eles são donos da última palavra.

A não ser quando abrem mão dela. Abriram, por exemplo, ao decidir que cabe ao Congresso autorizar ou não a prisão de um deputado ou senador.

Uma vez, Lula classificou o ex-presidente José Sarney de “homem incomum”. E, por “incomum”, mereceria um tratamento especial.

O Supremo coroou Lula como “homem incomum”, digno de merecer, assim como Sarney, um tratamento para lá de especial.

É lá e cá

A Corte Suprema de Justiça da Venezuela se suicidou, para evitar ser assassinada. O resultado é o mesmo: está morta
Cecília Sosa, a primeira presidente da Corte venezuelana

Falsa contradição

Por causa dos 20 anos de ditadura militar, estabeleceu-se uma falsa contradição entre as políticas de segurança pública, contaminadas por métodos violentos e ilegais herdados da repressão à oposição ao regime, e a defesa dos direitos humanos, bandeira empunhada pelos antigos oposicionistas até como uma forma de sobrevivência. Incorporados à Constituição de 1988, de certa forma, esses direitos passaram a ter mais centralidade na atuação das antigas forças oposicionistas do que a defesa das instituições políticas que efetivamente garantiram a redemocratização do país, entre as quais se destacou o Congresso.

A violência generalizada e o colapso da segurança pública no Rio de Janeiro, em parte, são frutos do imbricamento dessa contradição com a corrupção em sucessivos governos e na Assembleia Legislativa fluminense, assim como no Tribunal de Contas do Estado. E não se sabe, ainda, se chegou às entranhas do Judiciário local. Afinal, desde a eleição de Leonel Brizola (PDT), em 1982, foram as antigas forças de oposição que governaram o Rio de Janeiro, ou seja, governos do PDT, do PSDB, do PT e do PMDB.


O fato é que o sistema de poder que controla o Estado foi progressivamente tomado de assalto por políticos e empresários corruptos, a partir de um bunker instalado na Assembleia Legislativa; por sua vez, permitiu-se que o crime organizado se enraizasse no sistema de segurança e se fez vista grossa à ocupação de “territórios” pelo tráfico de drogas, sobretudo nas favelas, e pelas milícias, nos subúrbios. A tentativa de retomá-los pelo Estado, sob a liderança do delegado federal José Mariano Beltrame, com as unidades de pacificação, por ironia e contra seus objetivos, fracassou em decorrência do grau de contaminação do aparelho de Estado, sem embargo da discussão sobre essa política em si.

Especialistas no combate à corrupção costumam usar as cores do trânsito para dividir a burocracia em três categorias: vermelha, formada por corruptos contumazes; amarela, por corruptos eventuais; e verde, os não corruptos. Quando a liderança é corrupta, o amarelo avermelha e o verde pode até amarelar; quando a liderança é incorruptível, o vermelho é que amarela e o amarelo esverdeia. A aposta dos militares que lideram a intervenção federal no Rio de Janeiro é que a mudança de comando no sistema de segurança e sua blindagem em relação aos políticos e empresários corruptos possam ter um efeito regenerador nas polícias Civil e Militar, desde que expurgados os corruptos contumazes.

O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), líder comunitária da favela da Maré e do movimento de mulheres negras do Rio, precisa lser visto em dois contextos. De um lado, a necessidade de ultrapassar a velha oposição entre defesa de direitos humanos e a política de segurança; de outro, deixar em segundo plano a disputa entre governo e oposição na hora de identificar o inimigo no combate à violência. Mais do que ineficaz, responsabilizar a intervenção pela morte da vereadora é burrice política.

Todas as investigações até agora apontam em direção às milícias que operam no Rio, uma provocação com o nítido propósito de isolar, desmoralizar e, se possível, intimidar as autoridades, entre as quais o ministro da segurança Pública, Raul Jungmann, e o comandante militar do Leste, general Braga Neto, o interventor. Isso já ocorreu outras vezes, com sucesso. A diferença agora é de correlação de forças, uma vez que essas autoridades, encarregadas de restabelecer a Lei e a Ordem, não estão sujeitas a chantagens. No lugar do aparelho de coerção do Estado tomado pela corrupção, o crime organizado esbarra em instituições que estão a salvo disso, entre as quais as Forças Armadas, o MP e a PF. Ou seja, a provocação pode ter efeito contrário e levar ao desbaratamento da organização criminosa que a promoveu.

Mas há variáveis culturais e ideológicas que precisam ser enfrentadas. A glamourização da malandragem, o jeitinho, o espírito naturalmente transgressor da população; e o esquerdismo infantil e inconfessável que vê no tráfico de drogas uma espécie de “banditismo social”. A convergência desses elementos leva água para o moinho das forças mais conservadoras, que acreditam no “prendo e arrebento” como forma de resolução dos problemas e até veem nas milícias a força do bem contra o mal. A tentativa de transformar o caso Marielle em bandeira partidária está, por essa razão, fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude.

O endurecimento das penas e a repressão generalizada ao consumo de drogas não oferecem solução duradoura. Mais eficaz são a educação, o esporte, o empreendedorismo, a legalização do aborto, a recuperação de áreas urbanas e o combate ao comércio ilegal de produtos roubados e aos serviços pirateados. Saídas radicais, à direita ou à esquerda, são vetores da violência. O que une mesmo é a luta pela paz.
Luiz Carlos Azedo