sábado, 5 de dezembro de 2015

O Brasil não tem como voltar atrás

A destruição das Torres Gêmeas de Nova York pelo terrorismo mudou o mundo. Desde então, não fomos os mesmos.

No Brasil, que é observado hoje pelos países que reconhecem sua importância no cenário mundial, explodiu uma bomba política, o processo de destituição da presidenta, a ex-guerilheira Dilma Rousseff, cujas consequências ainda estão por decifrar.

A bomba foi lançada por um político com poder, o terceiro na hierarquia da República, o presidente da Câmara, e a explosão já ultrapassou, por sua gravidade, as fronteiras do país. O mundo está desconcertado com a notícia.

A perplexidade foi maior porque o personagem que acendeu o pavio da bomba, o deputado Eduardo Cunha, conta com a rejeição universal e até mesmo visceral da sociedade.


De acordo com o consultor político Murillo de Aragão, as chances de que o processo termine com a saída de Dilma Rousseff são de 50%, a mesma porcentagem que nas redes sociais divide os favoráveis e os contrários ao impeachment.

A bomba, porém, explodiu e não há como voltar atrás. Resta apenas esperar o resultado. Algo, porém, já parece se esboçar: o gesto suicida de Cunha fará com que o país não volte a ser o mesmo.

E não será, ganhe ou perda Dilma.

Desse estouro, que metade do país aplaude e outra metade reprova, poderia sair um Brasil diferente. E como em todas as convulsões políticas e sociais, é difícil saber se será melhor ou pior. Sairá mais unido ou mais rachado?

Se Dilma Rousseff permanecer porque o Congresso a absolveu, nem ela nem seu Governo poderão ser os mesmos. Muitas coisas terão que mudar para que ela recupere, por exemplo, sua popularidade que hoje é de apenas 10%. E para voltar a unir uma sociedade dividida.

A presidenta terá de reconstruir a alquebrada maioria no Congresso; terá que dar uma guinada em seu Governo, pois o processo deixará feridas entre os partidos que demorarão a cicatrizar.

Ela terá de apresentar ao país um projeto claro e rápido para recuperar a economia que afunda e cujo índice de desemprego atinge 20% da juventude.

Ela terá de esclarecer as relações com seu partido, o PT, assim como com seu mentor, o ex-presidente Lula, para que não haja dúvidas sobre quem governa o país.

Terá de ficar claro para os cidadãos comuns que a fórmula maldita de oferecer cargos e regalias para comprar o apoio de partidos e de congressistas (um pecado que está na raiz de tantas ilegalidades) sairá para sempre de sua agenda.

Terá de saber conquistar aqueles brasileiros que a levaram ao poder e que hoje confessam estar arrependidos.

Terá de demonstrar que estão errados aqueles que hoje a acusam de não se interessar pela política. Terá de aprender a ouvir mais e sem excessiva irritação. Terá de aceitar que nem sempre acertou no passado.

Dilma Rousseff não poderá ser a mesma se sair ilesa da guerra. Nem o país será o mesmo se ela tiver de deixar o comando. Os vencedores deverão demonstrar que têm uma fórmula melhor e mais segura para estancar com urgência a hemorragia da economia.

Terão de convencer o país de que eles saberão distribuir melhor a riqueza e que são capazes de oferecer um plus de realismo e de eficiência para gerenciar o Estado sem arruiná-lo novamente.

Terão de demonstrar que contam com a força e a lealdade no Congresso que faltou a Dilma. Que têm claro o caminho para uma alternativa melhor.

Terão de demolir com fatos a acusação de que o que pretendiam era apenas afastar a presidenta para ocuparem seu lugar e continuar com as mesmas falcatruas e as mesmas ambiguidades.

Terão, em primeiro lugar e acima de tudo, de conseguir pacificar a sociedade mostrando que sabem governar para todos usando mais as armas do diálogo do que as da guerra.

Os próximos meses, até que se conheça o resultado da bomba que Cunha se empenhou em fazer explodir, serão decisivos para saber que país emergirá desses escombros. Se melhor ou pior, mais unido ou mais dilacerado, com maior ou menor esperança e entusiasmo.

Dizem que existe quem seja capaz de escrever certo por linhas tortas. Oxalá que, com qualquer resultado do impeachment, o Brasil seja capaz de surpreender a si mesmo. Sem esquecer que é geralmente melhor não o que mais cacareja que ama o país, mas o que melhor sabe demonstrá-lo com fatos. E com menos desperdício de dinheiro público e de palavras vazias.

A política precisaria de mais silêncio e reflexão. De menos algazarra e menos brigas de galos. De menos fariseus vociferantes e mais samaritanos dispostos a curar com amor as feridas dos que sempre acabam esquecidos.

Todo o resto é apenas lixo.

As razões do impeachment

O dito bíblico, proferido por Jesus Cristo – até algum tempo atrás, fonte de inspiração dos prelados da CNBB -, “dize-me com quem andas e te direi quem és”, liquida o discurso de auto-absolvição feito por Dilma Roussef, na sequência imediata do anúncio de encaminhamento do processo de impeachment.

O fato é que, honesta ou não – e há controvérsias, já que honestidade não se resume a não surripiar dinheiro -, a presidente cercou-se de gente investigada pela polícia ou já sentenciada pela justiça, a começar pelo seu líder no Senado, Delcídio do Amaral.

Lula, então, enquadra-se até a medula na sentença divina. Não apenas seus amigos mais próximos estão neste momento vendo o sol nascer quadrado em Curitiba, como tem ao menos um de seus filhos, Luís Cláudio, correndo o risco de lhes fazer companhia. Ele próprio já foi chamado a dar explicações à polícia.

Impeachment  (Foto: Arquivo Google)

Aos que acham que não há nada que incrimine a presidente, basta lembrar que suas campanhas – a de 2010 e a de 2014 – foram, segundo delação premiada de alguns poderosos empreiteiros, financiadas com dinheiro roubado da Petrobras.

A lei, confirmando-se tal delinquência – e os sinais são eloquentes, o que explica a permanência na prisão daqueles empresários -, condena o candidato, soubesse ele ou não do que ocorria. Há numerosos precedentes na justiça eleitoral de governadores e prefeitos que perderam o mandato porque suas respectivas campanhas exibiram irregularidades.

A lei é implacável: o candidato é o responsável por sua campanha. O TSE, neste momento, investiga essas denúncias, que, confirmadas, podem oferecer saída ainda mais radical e sumária para a crise política, banindo de uma só vez presidente e vice.

Mas os delitos que envolvem a presidente não se esgotam aí. O pedido de impeachment, que se atém às pedaladas fiscais e atos administrativos, é até generoso, ao passar ao largo do escândalo da Petrobrás, do qual ela não pode ser excluída. Era, afinal, desde o início das denúncias, peça-chave da história.

Era, em 20013, quando tudo começou, ministra de Minas e Energia, a cujo comando está submetida a Petrobrás. E, como se não bastasse, presidia o Conselho de Administração, sem cujo aval nenhuma operação de grande porte, como a aquisição de uma refinaria arruinada, a de Pasadena, no Texas, jamais poderia ter sido adquirida.

E o foi, por um preço várias vezes superior ao que vale – e sem qualquer utilidade para o país. Sabe-se, porém, que, embora inútil para o país, gerou recursos para os envolvidos, na casa dos milhões de dólares, alimentando a campanha de Lula, em 2006.

Neste momento, o Ministério Público colhe a delação premiada de Nestor Cerveró, que então dirigia a área internacional da Petrobrás, responsável pela aquisição daquele ferro-velho.
Pelo que já vazou, Cerveró nega declarações anteriores de Dilma, de que não tinha informações suficientes e teria decidido mal-informada (o que, diga-se, não a absolve, do ponto de vista penal ou administrativo).

Disse mesmo que, por essa razão – não ter sido suficientemente informada -, teria depois tirado Cerveró do cargo, omitindo o fato de que, na sequência, ela mesma o recolocou em diretoria de igual quilate: a financeira, da BR Distribuidora.

Dilma não cometeu os delitos de Eduardo Cunha. Mas esteve no centro de delitos bem maiores, que a levaram à presidência da República, enquanto Cunha chegou apenas à da Câmara. Cunha mentiu para os integrantes da CPI da Petrobrás; Dilma mentiu para todo o país, reiteradamente, na campanha do ano passado.

Cunha está prestes a ser cassado pelo delito moral de mentir. Os demais delitos – a origem suspeita dos recursos nas contas da Suíça – não são o objeto do julgamento de seus pares. Eles serão posteriormente julgados pelo STF e poderão levá-lo à cadeia. Mas o delito que lhe pode suprimir o mandato é o da mentira. E Dilma também mentiu.

Há, entre muitas outras, uma gravação no Youtube em que ela, candidata, declara ao repórter do SBT que não cogitava de maneira alguma em recriar a CPMF – e ela é enfática na afirmação -, argumentando que “não seria correto”.

E por que agora não só é correto, como “indispensável”? Pelo viés da mentira, não ficaria pedra sobre pedra. Lula, quanto a isto, é, não apenas seu criador, mas seu mestre, virtuose na matéria.

A deflagração do processo de impeachment ensejou, da parte do PT e aliados, uma tentativa de reação ideológica, absolutamente descabida. Não está em pauta, de modo algum – e essa é apenas mais uma mentira -, um confronto de ideários, mas uma reação veemente da sociedade a um projeto criminoso de poder. A Era PT varreu os cofres da República.

Tudo o que, em tese, possa ter proporcionado (e aí há também controvérsias) ascensão social a setores da população já foi perdido. Desemprego, inflação, depressão econômica não apenas devolveram à pobreza os que eventualmente ascenderam à classe média, como ameaça liquidar os que nela já estavam.

O PT não merece o título de partido progressista, que se auto concedeu. Trata-se de força regressista, que impôs graves retrocessos ao país, que levará gerações para recompor-se e reencontrar-se com a autoestima.

Só isso já justifica o impeachment, que, no entanto, ainda terá como pano de fundo os camburões da operação Lava Jato.

Quase tudo em ruínas

Agora que tudo está em ruínas, exceto algumas instituições que resistem, não me preocupo em parecer pessimista. Quando anexei às listas das crises o grave momento ambiental, algumas pessoas ironizaram: el Niño? Naquele momento falava apenas da seca, da tensão hídrica, das queimadas e enchentes. Depois disso veio o desastre de Mariana, revelando o descaso do governo e das empresas que, não se contentando em levar a montanha, transformam o Doce num rio de lama.


No fim de semana compreendi ainda outra dimensão da crise. O Brasil, segundo especialistas, vive uma situação única no mundo: três epidemias produzidas pelo Aedes Aegypti (dengue, chikungunya e o zika vírus). O zika está sendo apontado como o responsável pelo crescimento dos casos de microcefalia. Sabe-se relativamente pouco sobre ele. E é preciso aprender com urgência. O dr. Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, considera a situação tão complexa como nos primeiros momentos da epidemia de aids.

Agora que está tudo em ruínas, restam os passos das instituições que funcionam, o prende aqui, prende lá, delata ou não delata, atmosfera de cena final, polícia nos calcanhares. Lembra-me a triste cena final do filme Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. A Polônia trocava um invasor, os nazistas, por outro, os comunistas: momento singular. No entanto, há algo de uma tristeza universal na Polonaise desafinada e no passeio do jovem casal por uma cripta semidestruída pelos bombardeios.

Aqui, a cena não é de filme de guerra, ocupação militar, mas de um thriller policial em que a quadrilha descoberta vai sendo presa progressivamente. Enquanto isso, não há governo para responder ao desemprego, empobrecimento, epidemias, mar de lama e ao sofrimento cotidiano dos brasileiros.

As cenas finais são eletrizantes e a ausência de um roteirista tornou o filme político ainda mais atraente. Mas perto da hora de acender a luz os cinemas se preparam, abrem as cortinas e já se pode ver, de dentro, como é sombria a noite lá fora.

Quase todos concordam com a gravidade da crise, nunca antes neste país o governo errou tanto, corrompeu tão disciplinadamente a vida política, corroeu tanto os alicerces da jovem democracia, engrandecida com a luta pelas diretas. Naquele momento, a bandeira das diretas tinha conotação positiva, era a esperança que nos movia. Muitos acham que só ela nos move. Mas diante das circunstâncias ameaçadoras é o instinto de sobrevivência que nos pode mover: o Brasil está se desintegrando.

Hoje a esperança só pode ser construída na luta pela sobrevivência. Chegou a hora de conversarmos por baixo, uma vez que do sistema político não vem resposta. Naturalmente, saindo do pequeno universo, abrindo-se para as diferentes posições no campo dos que querem a mudança. Nada que ver com conversa de ex-presidentes ou com essa história de que oposição e governo têm de se entender.

O governo tem de entender que chegou sua hora, pois é o grande bloqueio no caminho da esperança. Não é possível que, no auge de uma crise econômica, epidemias e desastre ambiental, o país aceite ser governado por uma quadrilha de políticos e empresários.

Às vezes me lembro do tempo do exílio, quando sonhava com um passaporte brasileiro. Agora é como se tivesse perdido o passaporte simbólico e de certa maneira voltasse à margem.

Vivemos momento em que quase tudo está em ruínas, como se fôssemos uma multidão de pessoas sem papel. O foco nas cenas de desmonte policial é importante. O voto direto dos senadores não seria aprovado, no caso Delcídio, não fora a vigilância da sociedade.

No entanto, a gravidade da situação pede muito mais. Há um momento em que você se sente órfão dos políticos do país. Mas logo em seguida percebe que é preciso caminhar sem eles. Hora de conversar na planície.

Não descarto a importância de um núcleo parlamentar que nos ajude a mandar para as Bermudas o triângulo Dilma, Renan, Cunha. Mas as grandes questões continuam: como recuperar a economia, como voltar a crescer de forma sustentável, como reposicionar o Brasil no mundo, distanciando-nos dos atrasados bolivarianos?

Uma das muitas maneiras de ver os limites do crescimento irracional é o próprio desastre em Mariana, a agressão ao Rio Doce. A essência desse crescimento é o depois de nós, o dilúvio. Às vezes o dilúvio se antecipa, como no distrito de Bento Rodrigues, e fica mais fácil compreender a gigantesca armadilha que legamos às novas gerações. É preciso uma conversa geral e irrestrita entre todos os que querem mudar, tirando da frente os obstáculos encalhados em Brasília.

Não se trata de estender o dedo como naquele cartaz do Tio Sam, dizendo: o país precisa de você. Na verdade, o caminho é mostrar que você precisa do país; se ele continuar se enterrando, alguns sonhos e perspectivas individuais se enterram também.

Compreendo as pessoas que temem a derrubada do governo e seus aliados porque não sabem precisamente o que virá adiante. Não sei se isto as conforta, mas o descobrimento do Novo Mundo foi feito com mapas equivocados e imprecisos. A fantasia dos navegantes estava povoada de monstros e prodígios, no entanto, acabaram sendo recompensados por se terem movido.

O desafio de agora é menor do que lançar-se nos mares desconhecidos. Os mapas nascem de um amplo diálogo e, mesmo se não forem cientificamente precisos, podem nos recompensar pela movida.

Desde o princípio, o impeachment era uma solução lógica, mas incômoda. Muita gente preferiu ficar com um governo porque ele foi eleito. Não importa se a campanha usou dinheiro do petrolão, Pasadena, não importam as mentiras, a incapacidade de Dilma. Ela foi eleita. Tem um diploma. E vamos dançar nas ruínas contemplando o luminoso diploma, cultuando sua composição gráfica, a fita colorida.

Muitos povos já se perderam no êxtase religioso como resposta a uma crise profunda. Mas os deuses eram mais fortes, o sol, a fecundidade, a morte. Estamos acorrentados a um diploma.

A presidente está braba

A presidente Dilma veio às falas e se declarou indignada. Ela, indignada. E nós, o quê? Nós, constrangidos a conviver com recessão, inflação e corrupção. Nós, sentenciados a acatar aumentos de impostos,
solução indicada por quem sequer entendeu a natureza do problema. Somos notificados, nós, em cadeia nacional, de que a presidente está braba...

Ora, leitores, o Brasil cansou de Dilma, do seu partido, das enrolações, das mentiras e das mistificações que mantêm o PT no poder.

Hoje à tarde, quinta-feira (3), assisti a leitura do pedido de impeachment ao plenário da Câmara dos Deputados. Estarrecedora a lista de crimes de responsabilidade fiscal praticados pelo governo! Na origem de cada um deles a mesma motivação: ocultação da realidade, dissimulação dos fatos, enganação. A tais práticas, lembremo-nos, era dado o nome de “contabilidade criativa”. Valha-nos Deus!

A presidente espera enfrentar a crise acusando a oposição de conspirar contra o interesse público. Mas quem agiu prolongada e determinadamente contra a nação, olhos postos apenas no interesse próprio e nas parcerias ideológicas? Quem fez o diabo e todos os diabinhos possíveis para vencer a eleição gerando o caos subsequente, jogando o país em mais uma década perdida?

O Brasil precisa de união nacional para enfrentar a crise. A presidente não perdeu apenas 70% dos votos que fez no ano passado. Por não respeitar o interesse público, por valorizar mais a reeleição do que o bem do país, ela perdeu o respeito do país. E não há, tampouco, como seu partido unificar qualquer coisa politicamente consistente. Enquanto o governo jogava o país na valeta da estrada por onde outros avançam, o partido governante entesourava e tratava de dedicar o Estado, o governo e a administração à tarefa de construir conflitos e impor suas pautas.

A unidade, em torno de Dilma Rousseff, só pode ser na tarefa de nos enganarmos uns aos outros para que, ao final, estejamos todos vivendo o mesmo delírio. E a unidade, em torno do PT, é a guerra de todos contra todos, é a simultaneidade dos ódios provocados e a explosão de todos os conflitos existentes, inventados e ainda por inventar.
O impeachment no qual o país depositou suas esperanças neste ano que chega ao fim foi posto em marcha. Ao longo das próximas décadas estaremos falando destes dias, destas semanas, e saberemos que, em 2015, o povo brasileiro mobilizou-se para que se cumprisse a Constituição e fossem afastados do poder aqueles que se uniram na mentira e nela se abastaram.

Tanto semearam divisão que acabaram unindo o país contra si.

Percival Puggina

Virou Carnaval

Natal sem Dilma ou Carnaval do impeachment

Três bobagens, três derrotas. Fala-se das tentativas do PT, do PC do B e de deputados governistas de obter do Supremo Tribunal Federal a anulação do processo de impeachment da presidente Dilma, iniciado pelo presidente da Câmara. Qualquer observador de bom senso desestimularia esse tipo de ação, não só pela falta de embasamento jurídico quanto pelo estímulo da interferência entre os poderes da União. Queriam a mais alta corte nacional de justiça atropelando a Câmara dos Deputados numa decisão exclusiva dos representantes da população. O resultado só poderia ter sido a rejeição, exarada em termos duros e necessários, pelos ministros Celso Mello, Gilmar Mendes e, sem a menor dúvida, por todos os demais integrantes do STF. Desmoralizaram-se os autores dos pedidos, mas, acima de tudo, ajudaram a desmoralizar o governo. Forneceram mais uma prova da confusão verificada em torno da presidente Dilma, que se foi consultada previamente e autorizou, fica muito mal. Mas se não foi, pior ainda.


Apesar das sucessivas reuniões ministeriais promovidas por Madame, continua o bate cabeça no Palácio do Planalto e adjacências. A novidade, ontem, foi a disposição do governo de apressar o julgamento. O argumento anunciado como exigência da presidente baseou-se no raciocínio de que se agora está feio, com o passar dos meses ficará horrível, tendo em vista o agravamento da crise econômica. Quer dizer, em vez de demonstrar disposição para debelar o desemprego, o aumento de impostos e as dificuldades crescentes na vida nacional, os detentores do poder preferem antecipar o confronto. Imaginam dispor de mais apoio, ou de menos abandono, antes que a situação se deteriore. É reconhecer a incapacidade de recuperar a economia. Em especial quando concluem melhor submeter-se agora ao pedido de afastamento, quando dizem dispor de 258 votos, do que daqui a dois ou três meses, quando faltará a certeza de que contarão com 172, o número mínimo para salvar o pescoço da rainha. Mais uma prova de fraqueza. Por isso sustentam os governistas a suspensão do recesso parlamentar, com o funcionamento normal do Congresso em janeiro. Dificilmente conseguirão, outra evidência de haverem perdido o controle do processo político.

Enquanto isso, prossegue a baixa tertúlia entre Dilma e seus ministros, de um lado, e Eduardo Cunha, de outro, acusando-se de mentirosos e chantagistas. Um lamentável espetáculo que não deveria ser encenado. Afinal, os dois grupos desdobraram-se em simulacros de entendimento e agressões ostensivas. Ninguém controla ninguém. O governo, com medo das ruas, prevendo que crescerão as manifestações ditas contra o impeachment, mas na realidade de indignação frente ao caos econômico. As oposições, cada vez mais ávidas de aproximar-se do vice Michel Temer, para o que der e vier.

Por enquanto, faltam votos no plenário da Câmara para a condenação da presidente. Em fevereiro, ignora-se, tendo em vista o perigo real e imediato da desagregação econômica prestes a transformar-se em crise social. Entre exortações para a antecipação do embate parlamentar, a pergunta fica é sobre o que fará mais mal ao país: o Natal sem Dilma ou o Carnaval do impeachment.

Que a dor nos ensine

Faz hoje um mês que a maior tragédia ambiental do Brasil consternou a todos e fez surgir, com maior seriedade, um debate sobre a mineração em nossas terras.

É hora de rememorar os acontecimentos, recontar a história dos tantos que sofreram as consequências e de computar o dano ocasionado à natureza, como faz esta edição de O TEMPO.

O momento é ainda mais oportuno para cobrar atitudes. Não se pode, de forma alguma, deixar esse tremendo prejuízo para depois.

Se as autoridades, pressionadas pela imprensa e pela opinião pública, começaram a cobrar a conta das empresas envolvidas, o momento é de organizar isso tudo e questionar como e quando isso sairá do papel e se transformará em indenizações capazes de recolocar a vida em curso nas bacias do rio Doce e do Carmo.

O susto, a revolta e a indignação não podem desaparecer com o passar dos dias. Devem ficar presentes na memória de todos. Cicatriz fruto da irresponsabilidade que se abateu sobre todos.

A Samarco, depois de 30 dias do acontecimento, resolveu se comunicar com a população. Demorou. Por meio dos anúncios veiculados, a mineradora diz que vai “fazer o que deve ser feito”. Esse é o compromisso de quem causou tanto prejuízo. Esse é o mínimo que se espera.

Mas uma pergunta deve ser repetida até a exaustão: quem vai fiscalizar?

Sabemos agora, depois de todo o sofrimento, que a mineradora, as proprietárias da empresa (Vale e BHP Billiton), o Ministério Público e as demais entidades do governo tinham noção dos riscos que representava a barragem de Fundão. Todos os indícios levavam à constatação de que algo de muito ruim estava prestes a acontecer. Lógico, ninguém queria que acontecesse. Mas, sim, sabiam que poderia ocorrer.

O caldo de lama entornou, e o que resta a todos, principalmente aqueles que fizeram vista grossa, é criar uma nova mentalidade, sobretudo nas empresas desse setor, tão importante para Minas, e no aparato governamental, demasiadamente permissível a atividade de tão grande risco.

Espera-se, enfim, que a lição pela dor tenha servido para alguma coisa. Vai levar um tempo. Não sabemos ainda se alguns anos ou décadas. Mas, por um lado, estamos diante de um momento único, que pode nos devolver um rio, um governo e uma sociedade, de fato.

O que tínhamos até o acidente, ou o desfecho de um enorme crime ambiental que vem de longa data, era um rio agonizando, um governo rendido e uma sociedade completamente apática. A conjugação desses três elementos criou a empresa que hoje é demonizada. Que essa empresa se reerga e levante consigo a autoestima dos mineiros, tão afetada pela tragédia.

Uma grande oportunidade para a presidente Dilma se explicar

Com a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do requerimento para que seja iniciado o processo de seu impeachment, a presidente Dilma Rousseff poderá esclarecer definitivamente todas as dúvidas sobre as acusações lhe são feitas pela oposição, pela imprensa e pela opinião pública. Como primeira magistrada, eleita por dois mandatos a presidente, sabe, melhor que ninguém, de seu dever em defender-se perante toda à Nação brasileira.
Terá a magnífica oportunidade de esclarecer nos mínimos detalhes as acusações que lhe são imputadas, e responder a todos os questionamentos que lhe são feitos. É assim em todas as democracias, dignas de tal nome. Faz parte da essência do regime. É praxe. É uma atitude que só engrandece quem tem ampla defesa e fortalece as instituições e o próprio regime.

Deve atender a esse dever, exercer esse direito o mais rápido possível e acabar de uma vez com todas as dúvidas. Se não o fizer, corre o risco de ser motivo de perguntas maldosas, como aquelas que circulam na mídia: “Só ela não sabia de nada? O sistema de apuração das eleições presidenciais foi manipulado? As verbas de financiamento de sua campanha eram ilícitas?”

Certamente existe muita gente interessada nestas respostas, num país, onde é tão difícil ganhar dinheiro honestamente, pagam-se tantos impostos e o povo não tem direito a serviços essenciais como saúde, educação e segurança pública de qualidade.

Afinal, no Brasil, milhares de pessoas morrem nas portas de hospitais infectos, onde falta o básico para um atendimento digno. Crianças não têm escolas que ofereçam ao menos o essencial. Os professores e os trabalhadores são mal pagos. A segurança pública é uma vergonha. As aposentadorias e pensões pagas pela Previdência beiram à miséria. As verbas destinadas à merenda escolar e à saúde das pessoas são vergonhosamente roubadas.

Este é um país, onde o cidadão comum paga juros extorsivos ao tomar um empréstimo bancário, mas empresários e banqueiros falidos conseguem empréstimos de longuíssimos prazos a juros subsidiados em estabelecimentos oficiais, criados originalmente para fomentar o desenvolvimento, mas são utilizados para financiar toda a sorte de falcatruas.

A presidente Dilma deve ao povo brasileiro essas explicações. Afinal, prometeu que ia ter como uma das prioridades de seu governo o combate à miséria, e, ao que parece, muito de seus correligionários entendem profundamente do assunto. Ninguém melhor que ela, como chefe de todos eles, para explicar ao povo como se pode enriquecer tão rapidamente.

Por tudo isso Dilma Rousseff, não deve desperdiçar esta oportunidade de ouro, que lhe é oferecida pela Câmara dos Deputados, dando ao contribuinte brasileiro todos estes esclarecimentos e provando definitivamente que as acusações que lhe são feitas são falsas e levianas. E se conseguir tudo isso, processar estes caluniadores na forma da lei!

A educação sentimental de Geraldo Alckmin


Depois de cerca de 200 escolas espalhadas pelo Estado de São Paulo terem sido ocupadas e de os alunos terem tomado as ruas da cidade em protesto, a reorganização escolar paulista foi suspensa. A mobilização dos estudantes da rede estadual de ensino foi uma reação ao plano que previa o fechamento de 93 escolas. E não é que eles estivessem se posicionando contra o plano, porque, a julgar pelo que dizem, os alunos não o conhecem. Daí a pergunta: se em um país com o histórico educacional do Brasil é preciso deixar bem claro e justificado o motivo para fechar uma escola que seja, o que dizer de mais de 90?

Ninguém elabora um projeto educacional pra fechar dezenas de escolas por pura maldade — ou imaginando que o ensino vá piorar em consequência disso. Então, poupemos por enquanto o secretário Herman Voorwald em relação ao plano. Até porque o membro do Governo Geraldo Alckmin já foi condenado em julgamento popular pela falta de transparência desse processo. À sombra das meninas em flor que desabrocharam pelas ruas do país nesta primavera, já devia estar bem claro às autoridades e gestores públicos que não dá mais para ignorar a população, principalmente em decisões que afetam diretamente a vida das pessoas.

Essas pessoas que vão para as ruas e ocupam espaços públicos não estão necessariamente corretas em suas demandas ou opiniões. Na maioria dos casos, inclusive, devem estar erradas — não são especialistas em educação, em deposição de presidentes ou segurança de barragens, só para ficar nos últimos acontecimentos. Mas o fato de estarem saindo às ruas sem a tradicional mobilização partidária é um ótimo indicativo de vontade de participar. E o caso das escolas de São Paulo, mais do que qualquer outro dos motivos que geraram protestos neste ano, parece o mais emblemático da distância entre o poder público e a população.

Isso ficou claro nas propostas do Governo para negociar com os estudantes que ocupam as escolas. A Secretaria de Educação de São Paulo basicamente se propôs, em sete diferentes tópicos, a informar as escolas sobre o plano e ouvir a opinião de grêmios, associações de pais e conselhos escolares acerca do projeto. Se esses procedimentos já não haviam sido feitos, resta perguntar aos responsáveis o que exatamente eles fizeram para elaborar a reorganização. Porque se as escolas não são posse dos alunos que as tomaram, também não pertencem aos governos que vêm e vão, e muito menos aos que simplesmente permanecem, anos a fio.

Em meio a tudo isso, o governador que, especula-se, pretende virar presidente da República em 2018, seguiu impassível, tocando sua agenda normalmente por semanas até optar pela suspensão, na esperança de que os encontros entre estudantes e policiais pelas ruas da cidade — que só renderam imagens diárias de jovens feridos — resolvessem um problema criado dentro dos gabinetes do próprio Governo. Por mais brilhante e efetiva que a reorganização escolar pudesse vir a se provar, aparentemente ela foi sepultada pela falta de traquejo político-social dos responsáveis pelo projeto. Para quem ainda tem alguma ambição política, essa não pode ser uma lição tão difícil de aprender — ou pelo menos decorar.

Corrupção, sonegação, lavagem, concentração de renda e impeachment

Em meio ao pedido de impeachment da presidente Dilma, é preciso assinalar que o maior problema do país é a corrupção. Sem dúvida alguma, trata-se de um processo em sequência, trazendo consigo a sonegação de impostos, a remessa maciça de capitais para o exterior, tudo isso ampliando a concentração de renda e, para concluir, o empobrecimento da população. Sim, porque, como estamos assistindo, a concentração de renda, em segmentos cada vez mais restritos, se reflete na queda do consumo, consequência da redução efetiva do mercado de emprego e das perdas salariais que acarreta.
Com base nesse panorama, bastante exposto à opinião pública, surpreende a declaração do ministro Joaquim Levy, em entrevista a Martha Beck, O Globo, edição de segunda-feira, quando assinalou ser importante entender a emergência fiscal em que o governo e o país se encontram. E acrescentou: a dificuldade de alcançar a meta (fiscal) este ano não é porque se gastou muito, mas porque a receita caiu muito além de qualquer previsão nossa ou do mercado. Previsão do mercado? Essa não.

Essa não porque estava claro que a arrecadação iria diminuir, sobretudo na medida em que o consumo desabou. Há meses O Globo, Valor, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, vêm noticiando e analisando a retração econômica que está sensibilizando a sociedade, principalmente após o próprio ministro da Fazenda, por mais de uma vez, ter-se referido à recessão, para, em seguida, utilizar o verbo retração, a fim de não irritar a presidente Dilma Rousseff.

Todos esses fatores deveriam tornar o quadro critico mais que previsível. E os reflexos da corrupção? Como está no título são enormes. Claro. Porque como os corruptores e corruptos podem fazer com o volume dos roubos que praticaram e praticam? Enviando-os para agências financeiras e bancos internacionais. Em dólares não observados pelo Banco Central. Não só para escapar da hipótese de fiscalização como também pelo fato de o dólar subir mais do que o real. Este ano, por exemplo, de janeiro a novembro, aa moeda americana valorizou-se na escala de 47% em relação ao padrão monetário brasileiro.

Dessa forma, além de não terem de prestar contas à Fazenda, ainda por cima obtêm lucros adicionais gigantescos, sem pagar impostos. Consequência direta da corrupção.

O ministro Joaquim Levy, portanto, especialista como é, não pode desconhecer tal engrenagens avassaladoras, a qual cria também em torno de si uma rede enorme de interesses, os mais diversos, oscilando entre a área econômico financeira o plano político, onde mora o poder público. E é assim que o governo perde concretamente a receita que deveria arrecadar, mas que não arrecada. Ela se escuma, para as praias da riqueza, da sofisticação, da exuberância.

Mas como só podem praticar a alta corrupção os mais poderosos, os milhões de homens e mulheres que compõem a força de trabalho brasileira, terminam perdendo espaço dentro de seu próprio país, enquanto os ladrões ganham espaços em bancos suíços, além nas agências de capitalização e captação e nos percursos que levam à rota de Monte Carlo. Em síntese: a corrupção é a maior exportadora de capitais do Brasil. Para muito poucos brasileiros que logram ultrapassar as lentes da Receita Federal e escapar das obrigações para com o país e o Tesouro Nacional.

Por falar em tesouro, os exportadores preferem o seu tesouro particular. E a renda vai se concentrando cada vez mais. E a Fazenda arrecadando cada vez menos. Enquanto isso, o país continua cada vez mais parado, ainda mais com o processo de impeachment
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Dilmês, em estado bruto

Com sentenças que, levadas ao pé da letra sem rigorosa revisão, seriam barradas da ata de reunião de condomínio de um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida, Dilma foi impondo o dilmês ao mundo civilizado 
Celso Arnaldo Araújo

Eventuais escorregadelas na forma e no conteúdo da fala humana são comuns no processo de comunicação entre pessoas, em qualquer nível. Umas se expressam melhor do que outras, simples assim. Mas alguns meses de exposição diuturna ao dilmês logo me permitiram concluir que aquela língua estranha falada pela presidenciável Dilma tinha método, tinha regras. Tinha até estilo – que, para um iniciado, podia ser facilmente reconhecido a partir de outro planeta. No discurso citado no capítulo anterior, no qual ela confessa ter feito embaixadinhas com uma bola não muito esférica de folhas de bananeira – o que deve tê-la indisposto com a turma do Itamaraty –, há inúmeras marcas registradas do dilmês. Se fosse preciso escolher uma, ei-la: “É uma bola que é uma bola.”
(Trecho do livro)

Quatro impossibilidades e um impeachment

Chocado com a profundidade da recessão e com as proporções da assustadora interação da crise econômica com a crise política, o país foi surpreendido pela notícia de que o presidente da Câmara decidira, afinal, acolher pedido de abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Embora ainda seja difícil vislumbrar com um mínimo de nitidez os complexos desdobramentos dessa decisão, é inevitável que as especulações sobre isso dominem o debate político e econômico do país nos próximos meses. O que se pode fazer, de imediato, é analisar em que medida as dificuldades que a presidente Dilma já vinha enfrentando foram agravadas pela deflagração do processo de impeachment.

Para perceber quão difícil já era a posição da presidente Dilma, é importante entender que ela se defrontava com quatro impossibilidades sérias que impunham a seu governo perspectivas muito pouco promissoras. Para quem não tinha se deixado levar pela autoilusão, já estava mais do que claro que:
1 — Sem que o governo mostrasse que tinha condições de conduzir a superação da crise econômica, seria impossível conter o alarmante processo de fragilização política da presidente Dilma;
2 — Sem um programa ambicioso e convincente de mudança do regime fiscal, seria impossível reverter a incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas, que vem impedindo a superação da crise econômica;
3 — Como faltavam à presidente a convicção necessária e o respaldo político requerido, tal mudança de regime fiscal estava completamente fora do seu alcance;
4 — Sem condições de conter os efeitos avassaladores que o prolongamento da crise econômica estava fadado a ter sobre a produção e o emprego em 2016, a presidente não teria como se livrar da prevalência de um quadro de grande incerteza política, turbinado por risco crescente de impeachment.
Ter essas quatro impossibilidades em mente ajuda a entender com mais clareza quão delicada já era a situação que vinha sendo enfrentada pela presidente Dilma, antes da deflagração do processo de impeachment.

Que, sem dar sinais inequívocos de que seria capaz de conduzir a superação da crise econômica, a presidente não conseguiria conter sua fragilização política era algo que Lula já vinha defendendo com grande empenho. O problema é que Lula acreditava que tais sinais poderiam advir de uma simples encenação que um novo ministro da Fazenda se disporia a fazer.

Que a superação da crise econômica exigiria mudança mais ambiciosa do regime fiscal era um fato considerado absolutamente trivial pela grande maioria dos analistas do quadro econômico brasileiro. E que a falta de convicção e de respaldo político da presidente Dilma impediria que ela levasse adiante tal mudança era quase consensual.

Tendo em vista a inexorabilidade das três primeiras impossibilidades, a presidente parecia condenada a enfrentar o desgaste político implícito na quarta impossibilidade. Bastava ter em mente que cada ponto percentual de aumento da taxa de desemprego significaria mais um milhão de pessoas desempregadas. E que o que se previa era que a taxa de desemprego se elevaria em pelo menos três pontos percentuais ao longo dos próximos meses.

É esse desgaste político adicional que deverá ser agora exacerbado pela deflagração do processo de impeachment. Com o Congresso conflagrado e a presidente fixada na salvação de seu mandato, a condução da política econômica deve se tornar ainda mais problemática do que vem sendo. E, à medida que o desconforto social com os efeitos do prolongamento da crise econômica se agrave nos próximos meses, a coalizão favorável ao impeachment pode se tornar irresistível.

Mais cedo ou mais tarde, o desfecho do processo de impeachment acabará ditado pela sensibilidade do Congresso à posição do eleitorado sobre a questão. Mas o Planalto sabe que, na disputa pela opinião pública, enfrentará grandes dificuldades. E nisso, tem toda razão. O que a presidente tem a mostrar, ao final de cinco anos de governo?

Rogério Furquim Werneck 

O fim de uma religião

A ainda presidente Dilma Rousseff cometeu crime de responsabilidade –de vários modos, violou a Lei 1.079– e sabe disso. Se o fez por ignorância ou dolo, essa seria matéria que os tribunais penais levariam em conta na hora de modular a pena.

Ocorre que a Câmara, que autoriza ou não a abertura do processo de impeachment contra ela, e o Senado, que processa e julga, são instâncias políticas, o que não quer dizer "arbitrárias". Afinal, para que atuem, é preciso que crimes –de responsabilidade!– tenham sido cometidos. E foram.


É por isso que a anunciada disposição dos petistas de recorrer ao Supremo contra a decisão de Eduardo Cunha (se é que o farão), alegando que Dilma não estuprou as contas por dolo, é ridícula. Permito-me uma pequena digressão, antes que avance.

Religiões, partidos, grupos e indivíduos são dotados de mitos fundantes, cujas verdades são irredutíveis à ordem dos fatos. Não se pode, por exemplo, ser cristão pondo a redenção dos oprimidos no lugar do dogma do cordeiro imolado, como faz a dita Teologia (Escatologia) da Libertação. O triunfo do Deus crucificado está na renúncia aos dons divinais no ato sacrificial, não na punição exemplar ou didática a seus perseguidores ou no perdão por motivos estratégicos ou pragmáticos. A ascese nunca é deste mundo.

Cada um de nós –mesmo sem pertencer a um judaísmo, a um cristianismo, a um islamismo ou a um budismo quaisquer– ancora a sua pequena lenda pessoal num conjunto de abstrações que cobra dos outros um respeito ritual. Cada um de nós é o sumo sacerdote de um culto porque é também o procurador de uma ortodoxia: só existe amizade, amor, companheirismo onde há respeito a valores.

Os petistas cometem um erro fatal quando vociferam a sua inocência e acusam o complô dos adversários, ignorando todas as óbvias violações do solo sagrado que seus sacerdotes promoveram. No PT, não há espaço para arrependimento. Não há pecado. E, portanto, não pode haver expiação e perdão.

Viveremos, sem dúvida, dias interessantes. O que está se desconstituindo –para o bem do país, acho eu– não é apenas um partido político, mas a crença de que um grupo de pessoas detém o monopólio da justiça, da virtude e das boas intenções. Também a reputação de Lula, o mensageiro da Palavra, se esfarela numa velocidade com a qual não contavam nem seus adversários mais ferozes.

Na quarta (2) à noite, minutos depois da decisão de Eduardo Cunha, as falanges do PT na internet já convocavam os fieis, em número sempre menor, para a guerra santa, tentando emprestar verossimilhança a uma farsa que cotidianamente é desmoralizada pelos fatos.

Chega a ser impressionante que o PT não se dê conta de que aquela gesta que lhe deu corpo, a luta dos bons contra os maus, já não encontra mais eco na realidade. O partido não é vítima de uma narrativa contada por terceiros, como tentam fazer crer alguns pistoleiros morais disfarçados de intelectuais e jornalistas. Não!

Os doutores de sua igreja é que se mostraram maus guardiões dos fundamentos que formavam uma irmandade, que propiciavam aos fiéis a experiência do pertencimento, a despeito das vicissitudes do mundo real.

Melhor que assim seja! Já estava na hora de o Brasil ter, de novo, um governo laico. À sua maneira, os pecadores do PT nos salvaram.