quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Motivos ocultos

Quando se quer demitir alguém, qualquer fato ou coleção de fatos serve. E se os fatos em estado puro não prestam, é sempre possível distorcê-los ao gosto do dono da caneta.

Foi o que fez “o nosso presidente”, como o chama seu porta-voz, o general Rego Barros. Ou o “capitão”, como insiste em chamá-lo o demitido ministro Gustavo Bebianno.

A verdadeira, ou as verdadeiras razões do presidente Jair Bolsonaro para despachar aquele que foi seu faz tudo desde o início da campanha do ano passado, essas permanecem ocultas.

É claro que Bebianno não foi demitido porque iria receber no Palácio do Planalto um diretor da Rede Globo, por mais que Bolsonaro a trate como inimiga do seu governo.

Nem porque teria vazado para o site Antagonista o que já fora publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. Muito menos porque viajaria à Amazônia na companhia de mais dois ministros.

Para quem, como diz Bolsonaro, nada tem a ver com o escândalo das falsas candidaturas do PSL, a menção que ele faz ao episódio pode ser uma pista razoável da causa de saída de Bebianno.

Melhor dizendo: de uma das causas, mas não a determinante. Carlos envenenou o pai com a suspeita de que Bebianno vazara informações sobre as ligações da família com milicianos no Rio.

Envenenara-o também com a suspeita de que Bebianno queria derrubar Flávio com os rolos de Queiroz para pôr no lugar o seu suplente, o empresário Paulo Marinho, amigo do ex-ministro.

Doses tão reforçadas de veneno injetadas num cérebro tão pouco privilegiado como o do capitão produziram lá o seu efeito, admita-se. Mas ainda parece faltarem mais coisas.

Quem ganhou com a deposição de Bebianno – fora Carlos, o paranoico, o protetor número um do pai ao invés de limitar-se a ser o protegido número um por ele?


Com certeza, a ala militar do governo ganhou. Sim, ela mesma, que nos últimos dias pareceu ter ficado ao lado de Bebianno com receio de que a saída precoce dele desgastasse o governo.

A demissão de Bebianno reforçou a turma da caserna com a ascensão de mais um general de pijama ao posto de ministro. Agora são 8 os ministros que um dia vestiram farda.

Nunca antes na história do país tantos militares ocuparam funções antes destinadas a civis. Nos três últimos governos militares do ciclo de 64 foram apenas sete ministros.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem para os que sonhavam com o retorno ao poder desta vez por meio do voto, mas o futuro a Deus pertence. E se ele não for róseo para o governo…

Se não for será um desastre para as Forças Armadas, principalmente para o Exército, que ajudaram um ex-capitão sem brilho a se eleger e, em seguida, a governar.

Não dá para separar mais o Exército do governo como disse desejar o general Vilas Bôas que o comandou até há pouco. Villas Bôas, hoje, serve no Palácio do Planalto e obedece ao capitão.

A jogada dos generais foi arriscada. A imagem do Exército está indissoluvelmente atada à do governo Bolsonaro. Para o bem ou para o mal. Tomara que seja para o bem.

Brasil acima de tudo. O Deus de cada um acima de todos.

Brasil do Carnaval


Fatiamento do caixa dois é prêmio à banda suja

Chegou ao Congresso o pacote anticrime de Sergio Moro. Ao contrário do que havia anunciado o ministro da Justiça, as propostas não foram acomodadas num mesmo embrulho. O governo decidiu fatiá-las. Fez isso para que o pedaço sobre a criminalização do caixa dois fosse servido numa fatia à parte. Moro alega que "reclamações razoáveis" dos congressistas levaram o governo a ajustar sua estratégia.


Que reclamações são essas? Bem, os políticos alegam que o caixa dois é um crime menos grave do que a corrupção e a violência praticada pelas facções criminosas. Pode-se enxergar a concordância de Sergio Moro em relação ao fatiamento de duas formas. Numa, o ministro foi pragmático. Para não prejudicar a totalidade do pacote, concordou com a tese de que o caixa dois é menos grave. Noutra visão, o recuo é uma rendição do ex-juiz da Lava Jato.

Em abril de 2017, quando ainda vestia toga, Moro disse na Universidade de Harvard que o caixa dois é uma "trapaça contra a democracia. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha é pior que para o enriquecimento ilícito. Se eu peguei essa propina e coloquei em uma conta na Suíça, isso é um crime, mas esse dinheiro está lá, não está mais fazendo mal a ninguém naquele momento. Agora, se eu utilizo para ganhar uma eleição, para trapacear uma eleição, isso para mim é terrível."

Se o Brasil fosse um país lógico, o governo aproveitaria a festejada renovação promovida pelas urnas de 2018 para testar os limites do novo Congresso. Mas o Planalto, com a inusitada concordância de Moro, ofereceu à banda velha da política a oportunidade de livrar seus culpados da forca sem prejudicar a corda que apertará o pescoço dos outros criminosos.

Na prática, o Planalto ofereceu ao pedaço podre do Congresso a oportunidade de proteger o próprio pescoço. Por uma dessas fatais coincidências, Moro foi ao Congresso acompanhado do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, um beneficiário confesso de caixa dois.

Justiça dos camaleões

Caixa dois nas eleições é trapaça, é crime contra a democracia. Alguns desses processos me causam espécie quando alguns sugerem fazer uma distinção entre corrupção para fins de enriquecimento ilícito, e a corrupção para fins de financiamento de campanha eleitoral. Para mim, a corrupção para financiamento de campanha eleitoral é pior que para o enriquecimento ilícito
Sérgio Moro, ainda como juiz em Curitiba

O Brasil governado pelo fígado e pelas redes sociais

A queda de braço iniciada na semana passada entre Carlos Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e o agora ex-ministro Gustavo Bebianno deixou a dúvida se o Brasil estava diante de novos gênios da política, ou de um clã deslumbrado com o poder. A resposta fica em aberto, mas a única verdade que o episódio com Bebianno retrata é que este início do Governo Bolsonaro não está tropeçando em adversários políticos de outros partidos como era de se esperar. Ele esbarra nos fígados do presidente e do filho Carlos. Os Bolsonaros não se importaram em fritar publicamente Bebianno, o homem que liderou a campanha eleitoral vitoriosa do atual presidente, quando ocupava o cargo de presidente do PSL. Foi tratado como mentiroso por pai e filho, à luz do dia, por ele ter dito à imprensa que havia conversado com o presidente no dia anterior por três vezes.

O azedume dos Bolsonaros tinha menos a ver com o diz-que-diz para jornais de seu antigo aliado, e mais com as notícias da candidatura laranjas do PSL que receberam milhares de reais na reta final da campanha apenas para cumprir tabela, sem chance de serem eleitas. “Querer empurrar essa batata quente desse dinheiro lá para a candidata de Pernambuco pro meu colo, aí não vai dar certo. Aí é desonestidade e falta de caráter”, disse Bolsonaro num áudio enviado a Bebianno, que veio à tona nesta terça. O presidente se refere à candidatura de Maria de Lourdes Paixão, que recebeu 400.000 reais do fundo partidário do PSL apenas três dias antes da eleição, segundo levantou o jornal Folha de S. Paulo. Lourdes só teve 274 votos.

Com os ânimos tão exaltados, o presidente preferiu estender o mistério sobre o destino de seu ministro até esta segunda-feira. Afinou o discurso com a equipe – leia-se, seguraram os dedos antes de escrever nas redes sociais – e fecharam uma agenda positiva para atenuar o desgaste da crise que se instalou com o bode na sala das laranjas do PSL. Mas o desfecho foi conhecido, com o anúncio da decisão de “foro íntimo” do presidente de exonerar seu agora ex-ministro. Intimidade, contudo, é uma palavra estranha para quem tuíta e governa pelas redes sociais.

Bolsonaro ainda teve a ideia de gravar um vídeo reconhecendo a dedicação de Bebianno à frente da coordenação da campanha eleitoral que o fez chegar ao Palácio do Planalto. Mas era uma gota de água numa enorme ferida no ego.

Advogado que ocupou o ministério da Secretaria-Geral de Governo, Bebianno mostrou que o seu sangue também ferveu. Além de publicar no Instagram um versinho sobre lealdade de amigos no final de semana e trocar a foto de Bolsonaro do seu perfil, teve áudios vazados para a imprensa com os diálogos entre ele e o presidente que lhe dão razão quando dizia que havia falado com o presidente por três vezes por mensagens de WhatsApp. Não se sabe se ele foi o autor do vazamento, mas tudo leva a crer que sim. Se amor com amor se paga, então para a bílis deve valer o mesmo.

Até a semana passada, quando Bebianno ainda integrava a equipe do Governo, o Brasil esperava que a volta de Bolsonaro a Brasília após 17 dias de convalescência teria a reforma da Previdência como carro-chefe. Era o assunto mais importante a tratar depois da sua estadia em São Paulo para recuperar-se da última operação para a retirada da bolsa de colostomia, sequela do atentado a faca que sofreu durante a campanha. Mas ele nem havia saído do hospital quando o imbróglio começou com Bebianno.

A ousadia do pai e filho de rifar um ministro nas redes sociais levava a crer que tivessem calculado todos os riscos de uma decisão do gênero. Mas os áudios desta terça tiraram Bolsonaro do papel de potencial estadista para o de bombeiro que precisa apagar incêndios para manter unidade na base diante das ambições de votar projetos de grande monta. Desde que assumiu, o presidente não conseguiu levantar a cabeça, mantendo-se a reboque de polêmicas de frases de efeito de ministros e de alfinetadas distribuídas a desafetos e à esquerda.

Com o fígado, não há pontes que se construam numa democracia. Seu jeito beligerante foi bom para ganhar a torcida anti-PT em um ano eleitoral. Mas em menos de dois meses esse método já demonstrou fissuras entre seus apoiadores, muitos que criticaram o modo intempestivo como demitiu Bebianno. O áudio vazado nesta terça demonstra que Bolsonaro tinha razão para reclamar do ex-ministro. Mas falta coerência quando ele mantém o ministro do Turismo, Marcelo Antônio, por ter patrocinado outras candidaturas laranja em Minas Gerais. Eleito com a força das redes sociais, o presidente teve uma ascensão meteórica e surpreendente. A velocidade digital, no entanto, é implacável como nos reality shows da TV. Quem não responde pelo que diz ou escreve perde a vez e a audiência.
Carla Jiménez

Bolsonaro é uma decepção, mas ainda restam Moro e ministros militares

​Ainda não se passaram dois meses e a decepção é enorme. Excluindo-se os fanáticos por Bolsonaro, que podem se igualar aos fanáticos por Lula, cujas opiniões (de ambos os lados) nem devem ser levadas em consideração, muitos eleitores do candidato do PSL já começam a ficar desiludidos. E não faltam motivos.


O ministro da Economia, por exemplo, é altamente suspeito. Ligado aos banqueiros, jamais dá uma só palavra sobre a dívida pública, que é o maior desafio brasileiro, e se comporta como se a reforma da Previdência fosse resolver milagrosamente todos os problemas do país.

Melhor faria o economista Paulo Guedes se comparecesse ao Ministério Público Federal e prestasse depoimento sobre o prejuízo que causou a vários fundos de pensão. Se é inocente, porque se recusou a prestar depoimento e agora se esconde sob o manto do foro privilegiado?

Como diria Ary Barroso, o ministro Guedes está levando o país por “caminhos tristonhos”. Deveria mandar fazer auditorias sobre a Previdência e a dívida pública, deixar as coisas bem claras, mas ele segue à risca a definição de que “a estatística é a arte de torturar os números até que confessem os resultados que são desejados”.

Para demonstrar a má fé de Guedes, estamos publicando diariamente os demolidores artigos da auditora Maria Lúcia Fattorelli, considerada uma das maiores especialistas mundiais em finanças públicas.

Detalhe importante: seus argumentos sobre a “maquiagem” para criar déficits nas contas da Previdência jamais foram respondidos pelos governos de Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, que seguiram a mesma trilha de apoio aos interesses dos banqueiros.

Com a divulgação das conversas com Bebianno, deu para perceber que Bolsonaro é inseguro e limitado, segue a orientação dos filhos e acredita em conspirações. Mandou proibir que os ministros entrem com celulares nas reuniões do primeiro escalão, embora permita que o filho Carlos e o sobrinho Léo Índio assistam a essas reuniões de celulares em punho, conforme foto publicada em O Globo.

Com ministros desqualificados na Economia, Educação, Relações Exteriores, Meio Ambiente, Turismo e Direitos Humanos, o que segura o governo é a ala militar, mas acontece que nenhum dos generais defende a realização das auditorias nem tenta evitar o desmonte da Previdência. Eles somente se preocupam com os interesses corporativos dos militares, esquecidos da mensagem de Francisco Barroso, alertando que o Brasil espera que cada um cumpra seu dever.