quarta-feira, 27 de abril de 2022

Pensamento do Dia

Ivailo Tsvetkov (Bulgária)

 

A luz do Sol desinfeta as urnas

Com seu conhecimento da História da República e com sua experiência no poder, Fernando Henrique Cardoso adverte há tempos contra crises que saem do nada. A maior delas foi a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Colocou o país na borda de uma guerra civil, sem motivo nem propósito. Jânio tinha um golpe na cabeça, é verdade, mas a maquinação estava só na cabeça dele, como se viu. 

Jair Bolsonaro alimenta uma crise semelhante e colocou no tabuleiro conflitos com o Supremo Tribunal Federal e com a Justiça Eleitoral. Para quê? Afora a vontade de permanecer no governo, não se conhece seu projeto para reduzir o desemprego ou a inflação.

Em poucos dias, surgiram dois focos críticos. 

Um é o perdão concedido ao deputado Daniel Silveira. Como o alcance da medida não afeta a inelegibilidade do cidadão, a encrenca desemboca num falso problema. A menos que o Congresso aprove uma lei mudando a regra, o que será jogo jogado.

O segundo foco surgiu com a nota do ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, vendo “ofensa grave” numa afirmação “irresponsável” do ministro Luís Roberto Barroso. O magistrado havia dito que as Forças Armadas vêm sendo orientadas para duvidar das urnas eletrônicas.


Barroso não ofendeu as Forças Armadas, basta ler o que ele disse. Elogiou-as. Ademais, a suspeição contra o processo eletrônico de votação é arroz de festa na retórica do presidente Bolsonaro. 

O ministro da Defesa lembrou em sua nota que as Forças Armadas têm assento na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) e “apresentaram propostas colaborativas, plausíveis e exequíveis, no âmbito da CTE, calcadas em acurado estudo técnico realizado por uma equipe de especialistas, para aprimorar a segurança e a transparência do sistema eleitoral, o que ora encontra-se em apreciação naquela Comissão”.

O nó da questão está no final da frase: “ora encontra-se em apreciação naquela Comissão”.

Fica a suspeita de que foram apontadas vulnerabilidades na coleta dos votos e na sua totalização. Esse debate pode ser feito já ou depois da eleição. Se for deixado para depois, importa-se a encrenca criada por Donald Trump nos Estados Unidos. É melhor fazê-lo logo. Como ensinou o juiz americano Louis Brandeis em 1913, “a luz do Sol é o melhor desinfetante”.

O homem fracassou

O ser humano é o único que se falsifica. Um tigre há de ser tigre eternamente. Um leão há de preservar, até morrer, o seu nobilíssimo rugido. E assim o sapo nasce sapo e como tal envelhece e fenece. Nunca vi um marreco que virasse outra coisa. Mas o ser humano pode, sim, desumanizar-se. Ele se falsifica e, ao mesmo tempo, falsifica o mundo. 


(...) O homem não nasceu para ser grande. Um mínimo de grandeza já o desumaniza. Por exemplo: — um ministro. Não é nada, dirão. Mas o fato de ser ministro já o empalha. É como se ele tivesse algodão por dentro, e não entranhas vivas.

O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca de cena e anunciar, de testa erguida: ‘Senhoras e senhores, eu sou um canalha’”. 

E, em tom eloquente: 

- Não há nada que fazer pelo ser humano: o homem já fracassou.
Nelson Rodrigues, entrevista ao repórter J. J. Ribeiro, do jornal O Opiniático

Indulto engatilhado

Os milicianos têm método. Em sua expansão territorial no Rio, saindo da zona oeste em direção à zona sul, eles oferecem guaritas de segurança nas ruas. Após a recusa, vem a onda de furtos e roubos de celulares e carros, os quais —por milagre!— são encontrados intactos no dia seguinte. Cria-se a situação e, com ela, nova oferta de proteção, ameaçadoramente irrecusável. É o teatro do crime.

Em Brasília encena-se no momento o teatro do golpe. O deputado Daniel Silveira —ex-PM que rasgou a placa em homenagem a Marielle Franco— sabia desde sempre que seria condenado pelo STF e poderia pegar longo tempo de prisão e perder os direitos políticos. Mesmo assim, fez o jogo do chefe, pois também sabia que o indulto estava engatilhado. A bela palavra "graça" nunca foi tão aviltada.

Em arranjo disposto nos mínimos detalhes, Silveira —que nas últimas semanas conversou diversas vezes com Bolsonaro e os generais do Planalto— nem disfarçou suas intenções. Ao contrário, agiu da maneira mais exibicionista possível, recusando-se a usar tornozeleira, dizendo que não aceitaria a decisão do Supremo e exigindo um julgamento no Superior Tribunal Militar.

As costas quentes estendem-se até o presidente da Câmara, Arthur Lira, que não levou ao plenário um parecer do Conselho de Ética sugerindo a suspensão do mandato de Silveira. Para os tolos ou para os golpistas (ambos navegam no mesmo barco), o deputado continuou vestindo a fantasia de defensor das liberdades de opinião.

Sem conseguir aproximar-se significativamente de Lula, o líder das pesquisas, e com rejeição de 60%, Bolsonaro está vendo o caminho da reeleição se fechar. Não tem como explicar a corrupção no governo, o desemprego, a inflação, a fome. Resta-lhe manter as milícias digitais incendiadas, afrontar, ao lado das Forças Armadas, o STF, adversário preferido, e tumultuar o país. Os sobressaltos estão aí. Virão outros.

O mito do império euro-asiático que justifica a guerra

Os euro-asiáticos não tiveram uma vida fácil até à chegada ao poder de Vladimir Putin, um oficial do KGB saudoso do poder soviético e desejoso de fazer voltar a Rússia ao seu destino histórico. Deram-lhe a justificação ideológica para exercer o poder e, sobretudo, para iniciar um novo processo de expansão a partir de Moscovo.

Todos os opinadores, académicos, jornalísticos ou simplesmente espectadores, tentam responder à pergunta fundamental: o que se passa na cabeça de Putin? Será um narcisista, um nacionalista ressabiado, ou um louco? Mas Putin, seja qual for a sua persona, representa a actualidade de uma ideia secular, o euro-asianismo.

Euro-asianismo? Quem ouviu falar deste conceito? No entanto, aberta ou sub-repticiamente, as teorias euro-asiáticas influenciaram toda a História da Rússia, subjacentes aos quatro regimes que o país conheceu, o czarismo, o comunismo, a (breve espécie de) democracia e, agora, a república ditatorial.

Putin pode ter motivações pessoais – o seu próprio poder e a reconstituição do poder da Rússia estalinista – e um perfil psicológico mórbido, mas representa a continuação de uma ideia imperial que vem do tempo dos czares.

Por detrás da vaidade, Putin tem ideias concretas sobre o seu papel na História da Rússia e, por extensão, do Mundo. Há quem lhe chame de “Kremlin centrismo” e, na actualidade, de “putinismo”; basicamente, o conceito é que Moscovo deve ter um papel central na política e na ideologia internacionais, contrariando a decadência civilizacional representada pela Europa e o domínio militar dos Estados Unidos.


Vários intelectuais teorizaram sobre este conceito, nomeadamente Lev Gumilyov (1912-1992), Alexander Prokhanov (n. 1938) e Aleksandr Dugin (n.1962), entre outros que seria entediante citar.

Em termos de leitura da História, esta corrente acredita, primeiro, que a situação geográfica de Moscovo a coloca no centro do continente euro-asiático e, segundo, que os russos e russófilos têm um papel fundamental a defender os valores autocráticos e deístas que são a única garantia de sobrevivência da Civilização.
(Pensei bem antes de usar o adjectivo “deísta”, porque a teoria ultrapassa o conceito de “cristão”, embora o inclua. Contudo, é uma corrente abertamente anti-semita e anti-muçulmana.)

Nesta ordem de ideias, o perigo principal vem da Europa, porque rejeita qualquer influência da Rússia e porque criou uma cultura liberal e construiu uma sociedade de abundância que são extremamente atraentes. É o diabo sedutor da decadência, que vive no luxo e permite todos os comportamentos.

Os Estados Unidos também são o inimigo, por várias razões; protegem a decadência europeia com o seu poderio militar, e impõem ao mundo o conceito degenerado da democracia, tentando cercar e conter a expansão das boas ideias civilizacionais centralizadas no Kremlin.

A realidade inevitável do Grande Império Euro-Asiático tem sido contrariada, ao longo dos séculos, pela formação de Estados independentes e, depois de 1789, imbuídos duma filosofia igualitária e permissiva que vê o euro-asianismo como uma selvajaria autoritária e regressiva.

Se pensa que estou a exagerar nesta visão apocalíptica, tente ver a televisão russa (o que é muito difícil actualmente, mas aparece irregularmente nas redes sociais) os debates entre os defensores da grande Rússia e da integração da Europa – a Ucrânia é apenas o começo – na ordem social “correcta”. Vivem num mundo paralelo mirabolante.

Se percebe francês, leia o artigo de Laure Mandeville, jornalista especializada no Leste europeu e que foi corresponde do jornal “Le Figaro” em Moscovo, entre 1997 e 2000. Ela relata em pormenor estes argumentos surreais e violentos a que os russos são expostos diariamente. Um exemplo: “O estalinismo não foi um acidente, mas antes um elemento orgânico do nosso destino de potência global”, escreveu o jornalista Pastoukhov na Novaia Gazeta.

Ou seja, esta filosofia ultrapassa as questões de regime. Estaline foi apenas um elo na cadeia de expansão do Império Euro-Asiático, não interessa se usou o comunismo como método. A Rússia estava no bom caminho, afirmando-se como potência de peso mundial e, através do Comintern, espalhando as boas ideias pelos países capitalistas decadentes. O facto de o regime soviético ser anti-capitalista não passava de um capítulo no percurso; na realidade o que interessava era a expansão do império. Em geral, os pensadores euro-asiáticos não são, ou não foram, comunistas. Gumilyov esteve preso décadas e sofreu todas as agruras de quem vivia sob o poder de Estaline e não pensava em conformidade.

Os euro-asiáticos não tiveram uma vida fácil até à chegada ao poder de Vladimir Putin, um oficial do KGB saudoso do poder soviético e desejoso de fazer voltar a Rússia ao seu destino histórico. Deram-lhe a justificação ideológica para exercer o poder e, sobretudo, para iniciar um novo processo de expansão a partir de Moscovo.

Pastoukhov e outro jornalista, Dmitri Bykov, publicaram artigos anunciando o nascimento duma forma de “fascismo neoestalinista” capaz de desencadear uma guerra civil contra os russos “europaisados” que não concordavam com a orientação putinista, ou seja, um novo terror. Na agência de informação oficial russa, a RIA Novosti, um artigo propõe que a Ucrânia seja “desnazificada e des-europeinisada” (a palavra não existe, mas percebe-se). Os dirigentes devem ser “liquidados” e uma grande parte da população, que é constituída por “nazis passivos”, desejosos de ser independentes e europeus, devem ser “castigados” para “expiar os seus pecados contra a Rússia”.

É verdade, estas coisas foram escritas, são ditas e publicadas diariamente.
Quanto à miséria em que vive a generalidade do povo russo, é porque decidiram sacrificar o seu bem-estar em nome do destino histórico do país. A verdade é que as sondagens mostram que a grande maioria dos russos está ao lado de Putin e a sua popularidade aumentou desde que começou a invasão da Ucrânia. Poderia dizer-se que é porque só têm acesso à propaganda oficial; contudo, há outro valor que os anima: o reconhecimento do seu país como uma potência capaz de subjugar os ingratos que ousaram sair da sua esfera de influência.

Pode acreditar-se no destino inevitável do império euro-asiático, ou pode achar-se que estão todos malucos; a verdade, real e evidente, é que a máquina da História está em andamento e não vai por um caminho jovial e bucólico. As teorias imperiais – há outras, como sabemos – são mirabolantes como teorias, mas quando começam a ser praticadas só trazem desgraça e sofrimento, tanto para as vítimas como para os agressores.

O Armagedão não é uma profecia aterradora; é a realidade perante os nossos olhos.
José Couto Nogueira

Indulto para o Brasil

Faltam 166 dias para ser decretada anistia ampla, geral e irrestrita alcançando todos os brasileiros que abominam métodos, ações e palavras do atual Presidente da República. Será a remissão das doenças políticas, econômicas e sociais disseminadas desde 2018.

Falta muito, se pesarmos os males causados ao País diariamente pelo inominável. Pelos olhos de Poliana, personagem de Eleanor Porter, depois de três anos e quatro meses de desgoverno, falta pouco. Em 02 de outubro, a gente vai se vingar, sendo feliz de novo.


Indubitável que o futuro presidente terá muito trabalho para alforriar nossa alegria confiscada. Será árdua sua missão para descosturar alinhavos tortuosos do sujeito. Precisará de ajuda, muito apoio político. Carece dar ponto sem nó. A desgraça foi posta. Os estragos foram muitos.

Nosso indulto tem que vir a tempo de evitar uma hecatombe. Há poucas dúvidas de que teremos Lula versus o inominável. A terceira via parece se desmanchar no ar. Nesse início de semana, não conseguiu sequer agendar um jantar de tratativas. Votos nulos e brancos não ajudarão a vitória da civilidade em 2022.

Enquanto não chega o dia D das eleições, e o indulto da paz não é decretado, ninguém espera sentado para ver o circo pegar fogo, como quer e prega o atual PR. No cercadinho, nessa segunda, afrontou mais uma vez o Supremo. Disse que seu indulto ao deputado condenado a oito anos em regime fechado, é constitucional e será cumprido.

Desafiador, disse que “só Deus o tira da cadeira” de presidente da República e incitou seguidores: “povo armado jamais será escravizado”. O que quer esse sujeito senão afrontar o estado de direito? Enfraquecer o Judiciário? E, mais uma vez, conclama indiretamente a escora dos militares para um possível golpe contra a justiça eleitoral.

Bem provável que Deus dê uma mãozinha para arrancar, pelas vias legais, o inqualificável da cadeira. É testemunha da desgraceira que vivemos. Enquanto isso, o País conta com a Justiça Eleitoral para frear a verborragia fascista. Nesse fim-de-semana, Barroso, ex-presidente do TSE, acusou manipulação das Forças Armadas contra a lisura das eleições. O Ministro da Defesa reagiu. Negou orientação da tropa contra o pleito.

Nesse caso, pé atrás. Melhor se fiar em quem? Em Deus. Quem sabe, Exu? Orixá do bem, chamado para abrir caminhos e superar dificuldades.

Laroie, Exu.