quarta-feira, 15 de junho de 2016
Dilma e Marina: dois símbolos quebrados?
Dilma Rousseff e Marina Silva são duas mulheres-símbolo da política brasileira que se veem atualmente arrastadas pelo turbilhão das suspeitas de corrupção.
Rousseff foi a primeira mulher a alcançar a Presidência da República, depois de ter dirigido nos governos Lula dois ministérios de prestígio, o de Minas e Energia e o da Casa Civil.
Durante seu primeiro mandato, as revistas internacionais a colocaram entre as mulheres “mais poderosas do mundo”.
Silva, a ecologista, foi a primeira mulher ministra de Meio Ambiente no Brasil. Lula a escolheu em seu primeiro Governo como símbolo da defesa da Terra. Mais tarde, deixou o Governo alegando que seus projetos eram boicotados e se lançou sozinha à conquista da Presidência. É a política que mais prêmios internacionais acumula por seu empenho em prol do meio ambiente.
Ambas as políticas, Dilma e Marina, se enfrentaram duas vezes na corrida pela Presidência. Nas duas ocasiões, Dilma venceu a disputa.
Em 2014, o duelo entre as duas políticas-símbolo foi feroz. Dilma, aconselhada por seu marqueteiro João Santana, hoje preso por corrupção, acusou a rival de querer acabar com as conquistas sociais, arrancando a comida do prato dos pobres, caso chegasse à Presidência.
Dilma ganhou essa eleição que acabou sendo um sinal de discórdia e que a levou a um julgamento político sob a acusação de crime fiscal.
É provável que Dilma não recupere o mandato do qual foi afastada por até seis meses. E é possível que Marina, que hoje aparece nas pesquisas empatada com o carismático Lula, volte a tentar ganhar o Planalto.
Isso até ontem, já que a notícia, publicada nos principais jornais do país, de que a ecologista teria recebido dinheiro ilegalmente do empresário Leo Pinheiro, da construtora OAS, para a sua campanha eleitoral de 2010 começa a quebrar seu mito de política acima de qualquer suspeita, a única que rejeitava os métodos da velha forma de governar o país.
As duas mulheres-símbolo, Dilma e Marina, sempre alegaram que são limpas, que nunca enriqueceram pessoalmente, como outros políticos: “Não tenho contas na Suíça”, proclama Dilma, enquanto Marina foi o símbolo da política que não admite compromissos e que sempre viveu com austeridade.
É provável que sejam duas mulheres que nunca enriqueceram ilegalmente. Entretanto, na política, isso não basta.
Usar, por exemplo, dinheiro ilegal, proveniente da corrupção, para financiar uma reeleição mancha igualmente sua biografia.
Dilma jura de pés juntos que suas campanhas foram feitas com dinheiro legalmente declarado à Justiça Eleitoral, embora, segundo várias acusações de implicados na trama, seus colaboradores mais próximos tenham pedido e até exigido dinheiro de vários empresários hoje detidos por corrupção.
Dilma se defende dizendo que nunca autorizou ninguém a receber dinheiro ilegalmente. Os tribunais terão a última palavra.
Enquanto isso, o mito de Dilma, a mulher poderosa – de quem Lula dizia a um amigo ministro: “É mais homem que nós dois juntos” –, rompeu-se.
O problema de Marina é mais grave, se é que isso é possível, já que ela se apresentou como o emblema da limpeza política e da alternativa ética.
Segundo as informações, que Marina desmente, ela teria aceitado ajuda financeira da empreiteira OAS, mas sem que figurasse oficialmente, já que ela e seu grupo político se posicionavam naquele momento contra o financiamento empresarial das campanhas.
Se for verdade, será ainda pior, por se tratar de uma dissimulação para manter uma aparência ética que não existia.
É importante e urgente que ambas, Dilma e Marina, que eram um símbolo da novidade e da ética da presença feminina na política, sejam capazes de dissipar todas as nuvens de possíveis desvios éticos em suas condutas não só pessoais, mas também políticas.
Temer, o presidente da República interino, foi acusado de ter se esquecido de incluir mulheres entre seus ministros. É urgente, portanto, que as duas mulheres de maior peso na política deste país demonstrem que a presença feminina acrescenta um plus à envelhecida política masculina.
Rousseff foi a primeira mulher a alcançar a Presidência da República, depois de ter dirigido nos governos Lula dois ministérios de prestígio, o de Minas e Energia e o da Casa Civil.
Durante seu primeiro mandato, as revistas internacionais a colocaram entre as mulheres “mais poderosas do mundo”.
Silva, a ecologista, foi a primeira mulher ministra de Meio Ambiente no Brasil. Lula a escolheu em seu primeiro Governo como símbolo da defesa da Terra. Mais tarde, deixou o Governo alegando que seus projetos eram boicotados e se lançou sozinha à conquista da Presidência. É a política que mais prêmios internacionais acumula por seu empenho em prol do meio ambiente.
Ambas as políticas, Dilma e Marina, se enfrentaram duas vezes na corrida pela Presidência. Nas duas ocasiões, Dilma venceu a disputa.
Em 2014, o duelo entre as duas políticas-símbolo foi feroz. Dilma, aconselhada por seu marqueteiro João Santana, hoje preso por corrupção, acusou a rival de querer acabar com as conquistas sociais, arrancando a comida do prato dos pobres, caso chegasse à Presidência.
Dilma ganhou essa eleição que acabou sendo um sinal de discórdia e que a levou a um julgamento político sob a acusação de crime fiscal.
É provável que Dilma não recupere o mandato do qual foi afastada por até seis meses. E é possível que Marina, que hoje aparece nas pesquisas empatada com o carismático Lula, volte a tentar ganhar o Planalto.
Isso até ontem, já que a notícia, publicada nos principais jornais do país, de que a ecologista teria recebido dinheiro ilegalmente do empresário Leo Pinheiro, da construtora OAS, para a sua campanha eleitoral de 2010 começa a quebrar seu mito de política acima de qualquer suspeita, a única que rejeitava os métodos da velha forma de governar o país.
As duas mulheres-símbolo, Dilma e Marina, sempre alegaram que são limpas, que nunca enriqueceram pessoalmente, como outros políticos: “Não tenho contas na Suíça”, proclama Dilma, enquanto Marina foi o símbolo da política que não admite compromissos e que sempre viveu com austeridade.
É provável que sejam duas mulheres que nunca enriqueceram ilegalmente. Entretanto, na política, isso não basta.
Usar, por exemplo, dinheiro ilegal, proveniente da corrupção, para financiar uma reeleição mancha igualmente sua biografia.
Dilma jura de pés juntos que suas campanhas foram feitas com dinheiro legalmente declarado à Justiça Eleitoral, embora, segundo várias acusações de implicados na trama, seus colaboradores mais próximos tenham pedido e até exigido dinheiro de vários empresários hoje detidos por corrupção.
Dilma se defende dizendo que nunca autorizou ninguém a receber dinheiro ilegalmente. Os tribunais terão a última palavra.
Enquanto isso, o mito de Dilma, a mulher poderosa – de quem Lula dizia a um amigo ministro: “É mais homem que nós dois juntos” –, rompeu-se.
O problema de Marina é mais grave, se é que isso é possível, já que ela se apresentou como o emblema da limpeza política e da alternativa ética.
Segundo as informações, que Marina desmente, ela teria aceitado ajuda financeira da empreiteira OAS, mas sem que figurasse oficialmente, já que ela e seu grupo político se posicionavam naquele momento contra o financiamento empresarial das campanhas.
Se for verdade, será ainda pior, por se tratar de uma dissimulação para manter uma aparência ética que não existia.
É importante e urgente que ambas, Dilma e Marina, que eram um símbolo da novidade e da ética da presença feminina na política, sejam capazes de dissipar todas as nuvens de possíveis desvios éticos em suas condutas não só pessoais, mas também políticas.
Temer, o presidente da República interino, foi acusado de ter se esquecido de incluir mulheres entre seus ministros. É urgente, portanto, que as duas mulheres de maior peso na política deste país demonstrem que a presença feminina acrescenta um plus à envelhecida política masculina.
Seppuku
*
Foi conduzido para o umbral entre a vida e a morte, entre a vergonha e a culpa, entre a admissão da mentira e o falso “fiz tudo dentro da lei”. Mal se inteirou de sua condição, quando foi capturado por um programa de televisão no qual era obrigado a responder a perguntas sobre sua vida. Era curioso vê-lo dizendo verdades na televisão, mas mentindo perante a lei. Neste estado interrogativo, tão a gosto de uma sociedade na qual a mentira vencia o bom senso, permaneceu por 300 anos espirituais até que uma entidade do Ministério do Esquecimento, fez com que atuasse como personagem de uma novela de 130 mil capítulos. Ficou feliz porque o programa o colocava em cotejo consigo mesmo, mas a novela era um modo de escapar desse abominável confronto.
*
E por que não se até o famoso “japonês da federal” é também criminoso, mas está trabalhando na própria polícia que o prendeu? Quando o policial é preso, mas tem suas prerrogativas policiais, cabe a pergunta: por que não anistiar todo mundo e dissolver de uma vez o Brasil?
*
* Não há sistema que não tenha um elo com uma dada época, de modo que a (i)moralidade que levou o nosso herói ao suicídio é apenas mais transparente do que as outras.
* A busca de um código externo não seria a nossa maior carência, precisamente por que não há nenhum norte magnético humano, mas apenas receitas as quais exigem, além de internalização e cumplicidade, a consciência de que devemos preservá-las?
** Se a liberdade abre todos os caminhos, o radicalismo surge como uma âncora. Não seria a crença que torna o sofrimento do mundo mais aceitável? As crenças não seriam os polos nos quais os tênues fios que eventualmente nos suspendem estão ligados?
*
*** Mas como seguir normas e regras sabendo que elas são relativas? Aqui, verdade e virtude; debaixo do Equador, quem sabe?
*
* Como tornar-se humano sem esse diálogo com as coisas que existiam antes de nós, que vivem mais do que nós e que, como a morte, não verga diante do vento, derrete com o calor, congela com o frio ou desaparece diante das nossas lágrimas? A presença da finitude não é a marca da consciência humana? Essa máquina de comparação que nos faz sofrer (e fruir) justamente porque sabe que tudo passa e, mais que isso, é esquecido?
*
** Antigamente, havia a vergonha. O refrão do Boris Casoy, “é uma vergonha!” fazia efeito. O individualismo fez nascer a culpa que, eventualmente, pede perdão. Mas se nós suspendermos a responsabilidade individual e situarmos todos os sujeitos no lado certo da história, suprime-se tanto a vergonha quanto a culpa. Se eu sou um instrumento do progresso do povo, eu posso tirar o meu – como virou banalidade neste nosso triste Brasil –, mantendo viva a crença de que a minha receita está certa. Se eu sei como a lógica da história opera e apenas enxergo o lado satânico do mercado, então não é mais preciso ter vergonha ou culpa. Fico ofendido apenas quando sou acusado. Afinal, eu sou maior do que o sistema.
*
*** No silêncio da tenebrosa noite, descobri que só o nada é fixo.
* Mas não é justamente por isso que, em todos os tempos e lugares, nos debatemos pelo governo da lei? Obediência, honra, vergonha, culpa, crença e filiação são simultaneamente hábitos relativamente aprendidos e decisões tomadas em relativa liberdade. Sem isso, não há história.
** Quanto mais conscientes nos tornamos, mais dramáticas são essas escolhas que se transformam em identidades. As escolhas nos diferenciam. Eu roubo milhões e, tendo o dom da negação, durmo o sono justo dos trapaceiros; você ralhou com o filhinho e não dorme...
*
* As regras são como os fios dos equilibristas: finos, oscilantes e perigosos.
*** E por que não despencamos?
* Porque outros fios nos prendem a outras pessoas que, como nós, ousam caminhar no alto. Pois mesmo sendo da planície, somos atraídos pelos fios que nos ligam às montanhas. Aquelas montanhas cuja magia obriga a ver os dois lados.
– E a subir e... descer!
A Lava Jato é ameaçada, sim!
Apesar de ter apoio maciço da sociedade brasileira, que tem plena consciência de sua indiscutível importância no combate à impunidade generalizada e na recuperação da decência num ambiente em que a imoralidade é exceção, mas se impõe como regra, a Operação Lava Jato de fato corre o risco de vir a ser extinta. Ou, na melhor das hipóteses, paralisada pelo efeito “pistom de gafieira”, no qual “quem está fora não entra e quem está dentro não sai”.
O aviso, feito pelo coordenador do Ministério Público Federal (MPF) na força-tarefa que assombra 12 entre 10 chefões partidários no País, Deltan Dallagnol, em entrevista a Ricardo Brandt e Fausto Macedo, do Estadão, faz todo o sentido. E não deve ser interpretado como uma mera tentativa de vender o próprio peixe ou de garantir a continuidade de um trabalho do qual, com toda justiça do mundo, ele e a equipe têm todos os motivos para sentir grande orgulho. Ou de ganhar mais tempo para investigar. É, sim, a constatação de um risco que realmente existe, e sua preocupação deve ser a de todos nós que respeitamos a honra da Nação e não temos bandidos de estimação. Convém ficarmos atentos para não vermos cair no vazio a tentativa de extirpar o tumor maligno da corrupção que leva os órgãos de nosso Estado Democrático de Direito a uma eventual falência terminal.
Segundo ele, “é possível e até provável” um governo ou o Congresso pôr fim à Lava Jato, “pois quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República”. As gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney e Eduardo Cunha, figurões influentes do PMDB – sigla do vice-presidente no exercício da Presidência, Michel Temer –, não podem mesmo ser confundidas com meros palpites em bate-papos de café. Pois Renan preside o Senado, Jucá foi ministro do Planejamento, Cunha é presidente afastado da Câmara e Sarney presidiu a República e o Senado.
Se as gravações justificam, ou não, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendar ao Supremo Tribunal Federal (STF) prender Renan, Jucá e Cunha e pôr tornozeleiras em Sarney é discutível. Mas seu teor explicita tentativa de obstruir o trabalho da polícia e da Justiça para livrar o alto comando político nacional do pavor da perda da liberdade.
Mais grave é que o PT e aliados tomam providências práticas para, se não paralisarem, ao menos prejudicarem a devassa policial e judicial, reduzindo-lhe a independência ou alterando as leis que tornam possível seu êxito. Na Câmara, projeto do deputado Wadih Damous (PT-RJ) tenta reduzir o alcance da colaboração com a Justiça, a “delação premiada”.
Não deve ser esquecida também a conspiração revelada nas gravações que, mui oportunamente, o juiz Sérgio Moro tornou públicas expondo armações do PT, do ex-presidente Lula e da presidente afastada para anular efeitos nocivos da investigação em suas vidas. A decisão do relator da operação no STF anulando seus efeitos jurídicos não lhe altera o teor. Antes de sua divulgação, o ex-presidente tinha instruído sindicalistas a assediarem o juiz, responsabilizando-o pela tragédia de uma crise econômica que destrói negócios e desemprega milhões de trabalhadores. A chefona afastada do comando do desgoverno, Dilma Rousseff, execrou publicamente, e sem razão, informações colhidas em confissões de “desprezíveis” delatores.
O terrorismo corporativista contra a devassa do maior escândalo de corrupção de todos os tempos no planeta inteiro também está anunciado. Caso Renan seja afastado da presidência do Senado, assumirá o posto o petista acriano Jorge Viana. Nos telefonemas ouvidos País afora, Sua Excelência instruiu o advogado de Lula, Roberto Teixeira, a convencer o cliente a desacatar Moro para, como “preso político”, “virar o País de cabeça pra baixo”.
O delirium tremens da bravata colide com a vida real. A convocação de greve geral pelo presidente do PT, Rui Falcão, para sexta-feira passada, reduzida a pífias manifestações (a da Paulista foi anabolizada para fictícios 100 mil militantes), mostra isso. Mesmo irrealista, contudo, a bazófia do vice-presidente do Senado dá uma ideia de como seria sua atuação no julgamento definitivo da “presidenta” dele e na liderança do sujo pacto contra a Lava Jato.
Aliás, essa sabotagem subversiva ao combate à corrupção é traduzida ainda em ação administrativa efetiva da afastada. Neste espaço o advogado Modesto Carvalhosa denunciou várias vezes a edição de medidas provisórias pela sra. Rousseff para atenuar e até anular a Lei Anticorrupção, que ela própria assinara. Resulta de uma desfaçatez nefanda a leniência de empresas flagradas em corrupção explícita, adotada a pretexto do emprego do trabalhador que a corrupção está desempregando (extrema canalhice!), sem obedecer ao princípio básico de que só uma tem direito a gozá-la, mas estendendo-a a todas. E perpetua-se na posição análoga do ministro da Transparência e Controle (denominação marqueteira imprópria para a Controladoria-Geral da União – CGU), Torquato Jardim, que a defende sem corar.
Essa tentativa de trocar pena por dó e justificar delinquência explícita por compaixão atinge os píncaros do paroxismo com a proposta de estender o pacto cínico a partidos políticos, feita, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, pelos campeões de condenações da Lava Jato Dirceu e Vaccari. A notícia dá mais razão a Dallagnol. E também ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, que tem motivos para acreditar que o PT terá bilhões para gastar até a campanha de 2038, ainda que a polícia e a Justiça interrompam o saque feito pela organização criminosa que depauperou o País nos últimos 13 anos, 4 meses e 12 dias. E, além disso, explica a defesa do fim do financiamento privado... para os outros partidos, é claro.
José Nêumanne
Segundo ele, “é possível e até provável” um governo ou o Congresso pôr fim à Lava Jato, “pois quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República”. As gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com Renan Calheiros, Romero Jucá, José Sarney e Eduardo Cunha, figurões influentes do PMDB – sigla do vice-presidente no exercício da Presidência, Michel Temer –, não podem mesmo ser confundidas com meros palpites em bate-papos de café. Pois Renan preside o Senado, Jucá foi ministro do Planejamento, Cunha é presidente afastado da Câmara e Sarney presidiu a República e o Senado.
Se as gravações justificam, ou não, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendar ao Supremo Tribunal Federal (STF) prender Renan, Jucá e Cunha e pôr tornozeleiras em Sarney é discutível. Mas seu teor explicita tentativa de obstruir o trabalho da polícia e da Justiça para livrar o alto comando político nacional do pavor da perda da liberdade.
Mais grave é que o PT e aliados tomam providências práticas para, se não paralisarem, ao menos prejudicarem a devassa policial e judicial, reduzindo-lhe a independência ou alterando as leis que tornam possível seu êxito. Na Câmara, projeto do deputado Wadih Damous (PT-RJ) tenta reduzir o alcance da colaboração com a Justiça, a “delação premiada”.
Não deve ser esquecida também a conspiração revelada nas gravações que, mui oportunamente, o juiz Sérgio Moro tornou públicas expondo armações do PT, do ex-presidente Lula e da presidente afastada para anular efeitos nocivos da investigação em suas vidas. A decisão do relator da operação no STF anulando seus efeitos jurídicos não lhe altera o teor. Antes de sua divulgação, o ex-presidente tinha instruído sindicalistas a assediarem o juiz, responsabilizando-o pela tragédia de uma crise econômica que destrói negócios e desemprega milhões de trabalhadores. A chefona afastada do comando do desgoverno, Dilma Rousseff, execrou publicamente, e sem razão, informações colhidas em confissões de “desprezíveis” delatores.
O terrorismo corporativista contra a devassa do maior escândalo de corrupção de todos os tempos no planeta inteiro também está anunciado. Caso Renan seja afastado da presidência do Senado, assumirá o posto o petista acriano Jorge Viana. Nos telefonemas ouvidos País afora, Sua Excelência instruiu o advogado de Lula, Roberto Teixeira, a convencer o cliente a desacatar Moro para, como “preso político”, “virar o País de cabeça pra baixo”.
O delirium tremens da bravata colide com a vida real. A convocação de greve geral pelo presidente do PT, Rui Falcão, para sexta-feira passada, reduzida a pífias manifestações (a da Paulista foi anabolizada para fictícios 100 mil militantes), mostra isso. Mesmo irrealista, contudo, a bazófia do vice-presidente do Senado dá uma ideia de como seria sua atuação no julgamento definitivo da “presidenta” dele e na liderança do sujo pacto contra a Lava Jato.
Aliás, essa sabotagem subversiva ao combate à corrupção é traduzida ainda em ação administrativa efetiva da afastada. Neste espaço o advogado Modesto Carvalhosa denunciou várias vezes a edição de medidas provisórias pela sra. Rousseff para atenuar e até anular a Lei Anticorrupção, que ela própria assinara. Resulta de uma desfaçatez nefanda a leniência de empresas flagradas em corrupção explícita, adotada a pretexto do emprego do trabalhador que a corrupção está desempregando (extrema canalhice!), sem obedecer ao princípio básico de que só uma tem direito a gozá-la, mas estendendo-a a todas. E perpetua-se na posição análoga do ministro da Transparência e Controle (denominação marqueteira imprópria para a Controladoria-Geral da União – CGU), Torquato Jardim, que a defende sem corar.
Essa tentativa de trocar pena por dó e justificar delinquência explícita por compaixão atinge os píncaros do paroxismo com a proposta de estender o pacto cínico a partidos políticos, feita, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, pelos campeões de condenações da Lava Jato Dirceu e Vaccari. A notícia dá mais razão a Dallagnol. E também ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, que tem motivos para acreditar que o PT terá bilhões para gastar até a campanha de 2038, ainda que a polícia e a Justiça interrompam o saque feito pela organização criminosa que depauperou o País nos últimos 13 anos, 4 meses e 12 dias. E, além disso, explica a defesa do fim do financiamento privado... para os outros partidos, é claro.
José Nêumanne
É ruim, mas é bom
Na barafunda dos escândalos de corrupção, as eleições municipais a serem realizadas dentro de quatro meses são hoje assunto secundário. Natural, dado que muitos dos principais protagonistas da política brasileira estão ameaçados de prisão (talvez iminente).
Concretizada a hipótese, tais excelências estarão impedidas de dar as cartas no jogo eleitoral conforme o hábito. Este é o fato inédito. Portanto, notícia relevante e prioridade na informação ao leitor, espectador, ouvinte e eleitor. Até como elemento condutor do voto mais qualificado.
Trata-se de um novo cenário, cujo ineditismo não se esgota nisso. Minucioso levantamento feito pelo Estado e publicado na edição deste domingo exibe um dado novo: a fonte de financiamento para campanhas milionárias secou. Seja por obra da crise econômica, pela nova regra de proibição de doações de pessoas jurídicas e/ou por inibição à prática do caixa dois provocada pela Operação Lava Jato.
Nesse ambiente adverso, os partidos estariam restritos ao dinheiro do Fundo Partidário (R$ 819 milhões de dinheiro público), às doações espontâneas dos simpatizantes e ao autofinanciamento dos candidatos mais ricos. O primeiro está submetido a regras de divisão de despesas, pois parte dos recursos precisa se aplicada nos pagamentos cotidianos das respectivas legendas – aluguéis, funcionários, viagens etc.
O segundo item, doações espontâneas, esbarra no obstáculo da falta de confiabilidade em relação aos políticos. Decorrente disso, a sensação de ausência de representatividade. É difícil, para não dizer impossível, alguém dar dinheiro a quem não é digno de sua confiança.
Prova é que, de acordo com o levantamento, menos de 20% das campanhas nos últimos quatro anos foram financiadas por pessoas físicas, já incluídas aí as que (raras) aplicavam recursos próprios nas respectivas empreitadas. De onde o terceiro item – autofinanciamento – explica sua insignificância no universo de que tratamos.
De acordo com que pesquisou o Estado, nas eleições de 2012 quase 80% dos gastos foram financiados por pessoas jurídicas, o que passou a ser proibido desde o ano passado por determinação do Supremo Tribunal Federal, corroborada pelo Congresso. Em 2016, portanto, serão realizadas as primeiras campanhas sob a égide da nova regra, das mais novas ainda circunstâncias de estreita vigilância aos ilícitos e da finalmente muito bem-vinda condenação – teórica e prática – do caixa dois.
Sem sombra de dúvida, inclusive porque um dos motivos é a crise da economia, a situação é ruim para partidos e candidatos. Poderá, contudo, vir a se mostrar muito boa para os eleitores. No lugar de campanhas cinematográficas milionárias que afastam desse “mercado” profissionais construtores de fábulas, terão diante de si pretendentes forçados a tentar ganhar por empenho, convencimento e biografia.
É nesse espaço que pode prevalecer a didática prática da política com P maiúsculo.
A ficha cairá. A realização da Olimpíada, em agosto, vai coincidir com a votação do processo de impeachment, senão no plenário, ao menos na comissão especial do Senado.
A imprensa internacional estará aqui para acompanhar os jogos e terá a oportunidade de constatar de perto que a tese do golpe se constitui numa fábula. Os colegas estrangeiros terão oportunidade de constatar com quantos artigos constitucionais se faz a democracia brasileira.
Concretizada a hipótese, tais excelências estarão impedidas de dar as cartas no jogo eleitoral conforme o hábito. Este é o fato inédito. Portanto, notícia relevante e prioridade na informação ao leitor, espectador, ouvinte e eleitor. Até como elemento condutor do voto mais qualificado.
Trata-se de um novo cenário, cujo ineditismo não se esgota nisso. Minucioso levantamento feito pelo Estado e publicado na edição deste domingo exibe um dado novo: a fonte de financiamento para campanhas milionárias secou. Seja por obra da crise econômica, pela nova regra de proibição de doações de pessoas jurídicas e/ou por inibição à prática do caixa dois provocada pela Operação Lava Jato.
O segundo item, doações espontâneas, esbarra no obstáculo da falta de confiabilidade em relação aos políticos. Decorrente disso, a sensação de ausência de representatividade. É difícil, para não dizer impossível, alguém dar dinheiro a quem não é digno de sua confiança.
Prova é que, de acordo com o levantamento, menos de 20% das campanhas nos últimos quatro anos foram financiadas por pessoas físicas, já incluídas aí as que (raras) aplicavam recursos próprios nas respectivas empreitadas. De onde o terceiro item – autofinanciamento – explica sua insignificância no universo de que tratamos.
De acordo com que pesquisou o Estado, nas eleições de 2012 quase 80% dos gastos foram financiados por pessoas jurídicas, o que passou a ser proibido desde o ano passado por determinação do Supremo Tribunal Federal, corroborada pelo Congresso. Em 2016, portanto, serão realizadas as primeiras campanhas sob a égide da nova regra, das mais novas ainda circunstâncias de estreita vigilância aos ilícitos e da finalmente muito bem-vinda condenação – teórica e prática – do caixa dois.
Sem sombra de dúvida, inclusive porque um dos motivos é a crise da economia, a situação é ruim para partidos e candidatos. Poderá, contudo, vir a se mostrar muito boa para os eleitores. No lugar de campanhas cinematográficas milionárias que afastam desse “mercado” profissionais construtores de fábulas, terão diante de si pretendentes forçados a tentar ganhar por empenho, convencimento e biografia.
É nesse espaço que pode prevalecer a didática prática da política com P maiúsculo.
A ficha cairá. A realização da Olimpíada, em agosto, vai coincidir com a votação do processo de impeachment, senão no plenário, ao menos na comissão especial do Senado.
A imprensa internacional estará aqui para acompanhar os jogos e terá a oportunidade de constatar de perto que a tese do golpe se constitui numa fábula. Os colegas estrangeiros terão oportunidade de constatar com quantos artigos constitucionais se faz a democracia brasileira.
Será que existe saída?
Por que será que tudo no Brasil parece ser mais difícil do que realmente é? Tudo nosso tem particularidades que não encontramos em nenhum outro lugar do mundo. Quer coisa mais complexa e difícil que formar um governo aqui? E por que isso? Nós somos uma sociedade caracterizada principalmente pela mistura de raças, seus costumes e seus atrasos, por cultos e religiões originárias de todas as partes do mundo, sem contar nossa criatividade. Enfim, somos uma mixórdia... Será isso mesmo? E mais os invejosos e desocupados.
Sem reformas, não sobreviveremos como nação, seremos sempre uns párias do mundo civilizado. O Chile, com terremotos e tudo, está anos-luz a nossa frente. Por quê? Talvez, e além de ser um povo com outra formação, não esteja preocupado com tantos partidos políticos e outras negaças características de nosso atraso. Sim, Minas Gerais ficou sem ministros... E daí? Sim, ficou sem negros, ficou sem mulheres... Pior é criar ministérios para colocar um negro, uma mulher, para satisfazer tendências e gêneros de nossa sociedade. É preciso criar uma mentalidade de nação, esquecer a vida nababesca das republiquetas que vivem com renda de praianos de ocasião.
Nesses últimos dias, não ando aguentando mais ver televisão. Ninguém sabe de nada, ninguém roubou nada, aquela conversa “eu não roubei, eu não desviei nada, eu não sei de nada, eu quero viajar...”, que nojo. Parece disco emperrado. Tudo é preconceito, a vida do brasileiro está como um pisar em ovos, tudo é motivo de discriminação, tudo é motivo de discussão e brigas, tá um saco...
A mulher que não sabe de nada dá um rombo nas contas públicas e diz que não fez nada... Seria o caso de repetir a história de um professor – por sinal, que professor... Tenho saudades dele: Guilherme Azevedo Lage, do Instituto Padre Machado e diretor por muitos anos do Colégio Municipal: “Professor, mas eu não fiz nada, por que a nota baixa?” “Porque o senhor mesmo diz: não fez nada, aqui tem que fazer, seu pai paga para o senhor fazer, não fez, não reclame...” Assim é essa guerrilheira insuportável que fez demais, antes como assaltante de bancos e agora como “pedalante” da vida...
Sem reformas, não sobreviveremos como nação, seremos sempre uns párias do mundo civilizado. O Chile, com terremotos e tudo, está anos-luz a nossa frente. Por quê? Talvez, e além de ser um povo com outra formação, não esteja preocupado com tantos partidos políticos e outras negaças características de nosso atraso. Sim, Minas Gerais ficou sem ministros... E daí? Sim, ficou sem negros, ficou sem mulheres... Pior é criar ministérios para colocar um negro, uma mulher, para satisfazer tendências e gêneros de nossa sociedade. É preciso criar uma mentalidade de nação, esquecer a vida nababesca das republiquetas que vivem com renda de praianos de ocasião.
Nesses últimos dias, não ando aguentando mais ver televisão. Ninguém sabe de nada, ninguém roubou nada, aquela conversa “eu não roubei, eu não desviei nada, eu não sei de nada, eu quero viajar...”, que nojo. Parece disco emperrado. Tudo é preconceito, a vida do brasileiro está como um pisar em ovos, tudo é motivo de discriminação, tudo é motivo de discussão e brigas, tá um saco...
A mulher que não sabe de nada dá um rombo nas contas públicas e diz que não fez nada... Seria o caso de repetir a história de um professor – por sinal, que professor... Tenho saudades dele: Guilherme Azevedo Lage, do Instituto Padre Machado e diretor por muitos anos do Colégio Municipal: “Professor, mas eu não fiz nada, por que a nota baixa?” “Porque o senhor mesmo diz: não fez nada, aqui tem que fazer, seu pai paga para o senhor fazer, não fez, não reclame...” Assim é essa guerrilheira insuportável que fez demais, antes como assaltante de bancos e agora como “pedalante” da vida...
Aos amigos e leitores: Hoje estou me despedindo por uns tempos de vocês, depois de quase nove anos de convívio aqui às quartas-feiras. De repente fiquei “meio idoso”, e os “enguiços” apareceram. “Enguicei” e preciso de uma recauchutagem. Agradeço ao sempre amigo Vittorio (Medioli) pela coragem de ter me entregado este espaço para eu escrever o que quisesse para seus milhares de leitores. Foram mais de 400 crônicas nesee período em que nosso país atravessa seu pior momento como pátria e nação, oportunidade em que eu pude demonstrar minha repulsa à esquerda festiva e a essa “inconha” que tem nome de PT. Nosso país não merecia isso... Obrigado aos leitores e ao pessoal do jornal, ao Victor de Almeida, em especial, pela paciência com minha impaciência. Até mais ver... (S.C.)
Só Marcelo Odebrecht fez mais pelo PT do que Eduardo Cunha
Marcelo Odebrecht foi insuperável no financiamento e nas cortesias dispensadas ao partido que governou o Brasil de janeiro de 2003 a maio de 2016. Consolidou longa e sólida parceria irrigando contas, tapando buracos, emprestando aeronaves, arrumando negócios, fazendo corretagem de palestras para Lula e pavimentando com pedrinhas de brilhantes o caminho para seu PT passar. Durante mais de dez anos, uma mão lavou a outra.
Mas as impressões digitais ficaram. O homem cuja prisão, nas palavras do próprio pai, acabaria com a República num fim de semana, cravou o facão no toco e resistiu, como poucos, um ano inteiro na humilhante rotina do xilindró. Só então, começou a cantar o verso e o reverso.
Ele é o número 1 entre os benfeitores do PT. O número dois vai para Eduardo Cunha. Sim, leitor, o proclamado inimigo número 1 é, na verdade, o amigo número 2. O PT jura que não, mas é falso. Acompanhe o raciocínio. Ele foi eleito para comandar a Câmara em fevereiro do ano passado e, logo no mês seguinte, desabaram sobre sua mesa cerca de três dezenas de pedidos de impeachment da presidente Dilma. Que fez então, desatento à maledicência que o acusava das piores intenções em relação a esses requerimentos? Nada. O PT falava mal dele e ele cuidava do PT. A nação ia para a rua, pedia impeachment e o Cunha se mantinha impassível. Era como se não fosse com ele. Tanta demora, ao longo dos meses, foi esfriando a motivação nacional, silenciando as redes sociais e, claro, reduzindo o público das manifestações.
A mídia amiga do governo e os militantes assalariados deitavam e rolavam ante a debandada dos coxinhas. Lembram? Obra exclusiva do Cunha, leitores! E assim terminou o verão de 2015. E assim passaram, também, o outono, o inverno e quase toda a primavera. Quanto mais requerimentos pedindo impeachment chegavam, mais Cunha permanecia imperturbável, dando inutilmente ao PT o ano inteiro para livrar a pele, escusar-se ante Nação, adotar medidas para superar a crise, reconstruir credibilidade e o que mais a astúcia e a malícia pudessem conceber.
Quando se sentiu perdido, abandonado pelo oposição que lhe negou apoio na Comissão de Ética e, por fim, pelo próprio PT, Cunha mergulhou na pilha dos pedidos de impeachment para escolher um. Esse mergulho ainda precisa ser bem contado. Havia dezenas de processos fundamentados, listando os crimes praticados pela presidente e pelo governo sob seu comando. Havia a penca de denúncias da Lava Jato, a negociata da refinaria de Pasadena, as irregularidades na arrecadação de recursos de campanha, a falsidade ideológica na ocultação da realidade nacional durante a disputa eleitoral de 2014. Dentre tantos, qual o requerimento escolhido por Cunha? Pois é. Cunha escolheu o das pedaladas fiscais, crime real, grave, mas politicamente estéril, ruim de explicar, incompreensível ao povão. Por fim, pego com a boca na botija, apresentou a si mesmo para o papel de inimigo, sem o qual o PT não sabe fazer política. Amigo é para essas coisas.
Percival Puggina
Mas as impressões digitais ficaram. O homem cuja prisão, nas palavras do próprio pai, acabaria com a República num fim de semana, cravou o facão no toco e resistiu, como poucos, um ano inteiro na humilhante rotina do xilindró. Só então, começou a cantar o verso e o reverso.
A mídia amiga do governo e os militantes assalariados deitavam e rolavam ante a debandada dos coxinhas. Lembram? Obra exclusiva do Cunha, leitores! E assim terminou o verão de 2015. E assim passaram, também, o outono, o inverno e quase toda a primavera. Quanto mais requerimentos pedindo impeachment chegavam, mais Cunha permanecia imperturbável, dando inutilmente ao PT o ano inteiro para livrar a pele, escusar-se ante Nação, adotar medidas para superar a crise, reconstruir credibilidade e o que mais a astúcia e a malícia pudessem conceber.
Quando se sentiu perdido, abandonado pelo oposição que lhe negou apoio na Comissão de Ética e, por fim, pelo próprio PT, Cunha mergulhou na pilha dos pedidos de impeachment para escolher um. Esse mergulho ainda precisa ser bem contado. Havia dezenas de processos fundamentados, listando os crimes praticados pela presidente e pelo governo sob seu comando. Havia a penca de denúncias da Lava Jato, a negociata da refinaria de Pasadena, as irregularidades na arrecadação de recursos de campanha, a falsidade ideológica na ocultação da realidade nacional durante a disputa eleitoral de 2014. Dentre tantos, qual o requerimento escolhido por Cunha? Pois é. Cunha escolheu o das pedaladas fiscais, crime real, grave, mas politicamente estéril, ruim de explicar, incompreensível ao povão. Por fim, pego com a boca na botija, apresentou a si mesmo para o papel de inimigo, sem o qual o PT não sabe fazer política. Amigo é para essas coisas.
Percival Puggina
Dilma, nunca mais...
O diabo é que a sucessora meteu os pés pelas mãos. Deu pouca atenção ao Lula. A campanha eivada de mentiras a respeito do segundo mandato apenas revelou a falsidade do primeiro. Madame ganhou por curta margem de Aécio Neves e insistiu no festival inaugurado em homenagem ao Pinóquio.
Nem o PT resistiu, preferindo seus cardeais dedicar-se ao assalto à caverna do Ali Babá. Não demorou a perda de popularidade. Em queda livre, a presidente reeleita insistiu na tentativa de tapear seu segundo eleitorado, agindo como se a economia estivesse em ascensão, quando mergulhava para o fundo do poço.
Depois, foi o que se viu: rejeição ampla e irrestrita, culminando na ainda inconclusa novela do impeachment e na posse provisória do infeliz Michel Temer, que mal acaba de completar um mês no poder.
Como resultado, Dilma está fora. Só por milagre retornará à presidência, quando completados os nebulosos 180 dias. Por isso, o Lula tenta ressuscitar o terceiro mandato, mesmo sob o impacto da impopularidade da sucessora havê-lo golpeado na moleira. Mas é candidato, disposto a recuperar a aura que um dia o transformou em aplaudido ex-presidente. Pode ganhar? Pode. Tudo dependerá dos adversários que enfrentar, apesar do Exército Brancaleone parecer disposto a apoiá-lo.
Por tudo isso, haverá que aguardar o término da interinidade de Temer. Dilma, no entanto, nunca mais…
O operador de 'parissiga'
Caipira picando fumo, Almeida Júnior |
Ebenezer acaba de se aposentar. Setenta anos. Pele enrugada como maracujá murcho. Óculos de grau que escorregam nariz abaixo. Tenta recolocá-los no lugar, as mãos não lhe obedecem. Tremem muito. Na boca, faltam vários dentes. Os que restam mostram cáries, e o tártaro preenche os espaços entre os incisivos. Recebe pouco mais do que o salário mínimo. Veio de Salvador para BH há quarenta anos. Trabalhou em empresas particulares como servente de pedreiro, depois virou vigia, mais tarde operador de “parissiga”.
– Parissiga? – estranhei. – O que é isso?
– Eu ficava na estrada controlando a passagem dos carros com a placa de pare e siga. Era operador de parissiga.
Contribuiu para a Previdência durante décadas. Não progrediu na iniciativa privada. Tampouco conseguiu ser admitido numa autarquia federal, em busca de melhor salário e menos desgaste. É analfabeto. Tem mulher e duas filhas que lhe deram netos, um deles uma pestinha aos dois anos: ao puxar a toalha, quebrou toda a louça que estava em cima da mesa. Ebenezer gosta do menino, mas o prefere longe de sua casa. Os pais são muito modernos, ele confessa, não educam o garoto à maneira antiga, severa, e ele não tem dinheiro para comprar pratos novos.
A casa de onze cômodos que construiu com as próprias economias e a ajuda de um genro empreiteiro, “moço importante, atirado, que consegue obras de até quinze mil reais nos bairros chiques”, essa casa foi desapropriada pela prefeitura que o indenizou com o dinheiro suficiente para comprar outra com apenas cinco cômodos, mas “está bom”: Ebenezer se julga satisfeito de ter onde morar. E levanta as mãos para o céu em agradecimento.
Pergunto-lhe o que achou do afastamento da Dilma, ele demora uns segundos labutando com o pensamento:
– Eu ouvi mesmo falar que estão querendo afastar essa Vilma – percebo que ele aprendeu as táticas evasivas dos mineiros. – Já afastaram?
– Sim, na semana passada. O que achou?
– Dizem que era um moço importante que queria afastar a Vilma.
– Um moço? Ele é mais velho que o senhor.
– Pra mim esse povo é tudo igual.
Ebenezer conta que mora no Pau Comeu e lá tem muito tiro. A rapaziada gosta de “essas coisas”.
– O que quer dizer “essas coisas”? – indago.
– Fumo e pedra – ele diz de lado, para dentro da boca, como se receasse as palavras.
Pedra me remete a Ebenezer, originalmente pedra da ajuda, em hebraico. A curiosidade me domina:
– O senhor sabe o que significa Ebenezer?
– Até aqui me ajudou o Senhor.
Analfabeto, desdentado, doente de Parkinson, operador de parissiga, confunde Dilma com Vilma. Ebenezer. Um brasileiro. Ele me cativa. Sua inocência venceu sete décadas e continua intacta.
Luís Giffoni
A gente somos inútil
Já ouvi falar muito a máxima de que “quanto maior o nome, mais insignificante é o cargo”. O que dizer então de um “assessor especial da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República”? Se não houvesse Ctrl+C, Ctrl+V, eu nem conseguiria reproduzir o nome completo de tamanha inutilidade governamental bancada com dinheiro do contribuinte.
Era – o cargo – de um tal de Giles, que pediu pinico porque não aceitou o “rebaixamento de salário” imposto pelo novo governo ao ajudante de ordens de Dilma do chefe. Era o “ajudante de governanta”. Ficaria pendurado no posto com nome imenso tão somente para ser mais um dos quarentenados pela mulher barbada que se apoderou de um palácio que não é dela; é do povo brasileiro. A função do distinto? Achacar. Rapinar verbas públicas. Coordenar a parte que lhe cabe nessa roubalheira. Não é um mimo?
Esse Bozó com turbina pública ainda bate o pézinho para reclamar da extensão dos proventos, embora não o faça da extensão do nome de sua caricata participação num governo corrupto e incompetente de carteirinha e estrelinha nas roupas de baixo. Rivaliza com aquele outro, que coordenava alguma coisa referente com a “análise de riscos e demandas das barragens de dejetos”. A coisa explodiu e o cara nem viu a lama correndo rio abaixo, por entre seus dedos sujos.
Sou pelo fim desses cargos com mais de três nomes. Ministérios com mais de três nomes também deveriam ser abolidos, pelo excesso de falta do que fazer com eles. Não é à toa que chegamos aos 170 bilhões de rombo, meus caros.
Quem precisa de um aspone com nome de cargo pomposo como este, só para legitimar a roubalheira, já mereceria o fuzilamento metafórico com a baioneta retórica da opinião pública.
Vai ser assessor especial da subchefia do inferno. E leve a chefia junto.
Era – o cargo – de um tal de Giles, que pediu pinico porque não aceitou o “rebaixamento de salário” imposto pelo novo governo ao ajudante de ordens de Dilma do chefe. Era o “ajudante de governanta”. Ficaria pendurado no posto com nome imenso tão somente para ser mais um dos quarentenados pela mulher barbada que se apoderou de um palácio que não é dela; é do povo brasileiro. A função do distinto? Achacar. Rapinar verbas públicas. Coordenar a parte que lhe cabe nessa roubalheira. Não é um mimo?
Sou pelo fim desses cargos com mais de três nomes. Ministérios com mais de três nomes também deveriam ser abolidos, pelo excesso de falta do que fazer com eles. Não é à toa que chegamos aos 170 bilhões de rombo, meus caros.
Quem precisa de um aspone com nome de cargo pomposo como este, só para legitimar a roubalheira, já mereceria o fuzilamento metafórico com a baioneta retórica da opinião pública.
Vai ser assessor especial da subchefia do inferno. E leve a chefia junto.
O fracasso político da narrativa do golpe
Aparentemente há um esgotamento do ciclo de poder da esquerda brasileira. O segundo ano do que seria o quarto mandato do Partido dos Trabalhadores trouxe à tona, como defesa contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a alegação de que a oposição estaria, em conjunto com os inimigos do povo e de suas conquistas, articulando um golpe contra o governo popular.
Muito se comenta acerca da falácia dessa alegação: seu viés criminoso enquanto calúnia e atentado às instituições da república, sua formulação como arma de mobilização de militantes e simpatizantes do partido e na sua busca, frustrada, de causar impacto na opinião pública internacional.
Mas é interessante que seja levantado mais um ponto que se configura no campo da estratégia de longo prazo dos formuladores do pensamento da esquerda latino americana, que é a criação de uma narrativa, uma versão própria a respeito da falência de seus projetos de poder.
Não é a primeira vez que a América Latina se vê enredada com grupos de esquerda no poder, ou por eles influenciando. A década de 60 do século passado foi marcada no Brasil por esse fenômeno político.
É certo que não se pode caracterizar João Goulart como um clássico líder de esquerda, mas foi em torno de seu governo que ligas camponesas, sindicatos, movimento estudantil, partidos comunistas, viram a oportunidade de buscar empreender projetos políticos que estavam próximos a suas perspectivas. Suas propostas, ou foram encampadas por Jango, ou eram formas de empurrar o líder populista para a esquerda, à medida que sua gestão presidencial se mostrava catastrófica.
A radicalização de seu governo – a cada instante que perdia força política – se configurava enquanto um programa irrealizável, uma pirotecnia oriunda de um movimento político e de uma esquerda que se arvoravam – cada um a seu modo – legítimos representantes dos interesses populares e dos trabalhadores, mesmo que os tais interesses viessem da própria formulação do movimento e do líder populista, independente do que seriam as aspirações do povo brasileiro e do que fosse viável para o Brasil.
Entretanto – no discurso que se perpetuou na esquerda – a realização concreta do ideário que gravitava em torno de Jango foi cerceada pela interrupção do processo democrático no país. Assim, de uma real quebra do processo democrático, os fazedores da história oficial conseguiram a flexibilidade e a licença poética para deduzir que outro Brasil poderia ter sido construído com o populismo de Jango e na influência das forças de esquerda que, diga-se de passagem, menosprezavam a democracia tanto quanto parte da oposição àquele governo.
Essa noção de interrupção de um processo – que seria viável – acabou se tornando hegemônico no meio acadêmico e no senso comum de parte considerável dos brasileiros, inclusive vendida em livros didáticos como a real história do período.
A realidade de uma ditadura que sobreveio a deposição de Jango não advém do fato do pretenso caráter popular do governo e de suas propostas, que para o presidente, seus partidários e grupos de esquerda da época, seriam o suprassumo do desejo e do interesse popular e da nação, mas da incapacidade das instituições e políticos da época de solucionarem – dentro dos limites do estado de direito e da democracia – o caos econômico, politico e social estabelecido pela incapacidade e irresponsabilidade política do líder populista.
Assim, a narrativa que a esquerda formou sobre a queda de Jango acabou por solidificar uma noção irreal de que haveria viabilidade naquela política.
Saltando vinte anos em nossa história, relembremos o que dizia São Marx: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”; e eis que a coisa começa já na década de 80, em pleno processo de redemocratização do país.
A partir da influência de sindicalistas, de parte da Igreja Católica dominada pela Teoria da Libertação, comunistas que haviam participado da luta armada no período militar, acadêmicos, movimentos sociais e outros portadores absolutos da bondade, acontece a fundação – sob a liderança máxima de Lula – do Partido dos Trabalhadores.
Após um regime militar que havia reduzido a vida política do país, o novo partido surge como esperança de renovação da política nacional e de um rumo mais justo à organização da sociedade; reivindicando para si a representação dos oprimidos e indo – durante os anos – se auto intitulando o baluarte da moral na política. Tal qual o jingle de campanha de seu primeiro candidato a prefeito em São Paulo, o PT era – naquele tempo e para muitos – “diferente de tudo que esta aí”.
Lula de candidato a governador em 1982, deputado federal constituinte eleito em 1986, forte candidato em todas as eleições presidenciais, foi construindo sua imagem de líder carismático e símbolo de um partido que trazia consigo a esperança de uma sociedade mais justa e de um universo político distante do toma lá da cá dos velhos políticos.
Enfim, eleito presidente da república em 2002, vai – até meados de seu segundo mandato – mantendo os cânones básicos da política econômica formadas nos anos FHC.
Ainda em 2005, com a eclosão do Mensalão, sua imagem se arranha para parte de seus tradicionais eleitores.
Por conta do Mensalão, nas eleições de 2006, o perfil de seu eleitorado se altera em boa medida. Muitos dos eleitores que votavam em seu partido buscam outros candidatos, e o vazio de votos é preenchido pelos mais pobres, beneficiários de políticas sociais mínimas, como o Bolsa Família, programa oriundo dos tempos de FHC, renomeado e incrementado na gestão Lula.
Surfando em boas ondas no mercado internacional de commodities, que até metade de seu segundo mandato impulsionava a economia brasileira, Lula termina sua gestão com mais de oitenta por cento de aprovação. Porém, se olharmos detidamente para seus oito anos de presidência, o dito grande líder, não propôs medidas fundamentais que pudessem ter encaminhado o país a outro patamar.
Nada de reforma tributária, nada de reforma política, nada de reforma da previdência e nada de cuidar de muitos dos gargalos da economia brasileira. Lula passa seus dois mandatos articulando a forma pela qual se manteria no poder e como faria seu partido continuar a frente do governo federal.
Nessa batida, lança sua sucessora, a obscura Dilma Rousseff. Quadro político sem nenhuma experiência em cargos eletivos, e que teve sua carreira no governo federal criada de maneira a encobrir sua inequívoca inépcia como gestora pública e nulidade enquanto ser político.
Com ela o país conhece a chamada “nova política econômica”, um keynesianismo mau ajambrado e eivado de gastos inconsequentes; fenômeno que fomentou ainda mais – o conhecido no Brasil – capitalismo de compadres do governo.
O grau de descontrole fiscal avança consideravelmente e é nesse cipoal que aparecem as pedaladas de Dilma, fato que embasou o processo de impeachment.
Dentro dos mandatos petistas, criou-se o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, um programa pretensamente anticíclico e que atendeu com subsídios generosos milhões de pessoas. Houve mérito no programa, porém, ele não conseguiu fugir do dilema da marginalização espacial dos atendidos, sobretudo na faixa 1 do programa, reservado aos mutuários de menor renda.
O Bolsa Família, programa que efetivamente atende aos mais pobres, continuou sem um controle adequado, sem porta de saída e com um forte viés demagógico e eleitoreiro.
O lado underground petista veio à tona de vez. Além do Mensalão, passamos a conhecer sua matriz, o Petrolão; esquema que financiava o projeto de poder do partido, e que vêm a cada passo da operação Lava Jato, cercando suas lideranças.
Todo o emaranhado de questões foi aos poucos se somando, e com a questão do estelionato eleitoral do PT nas eleições 2014, a situação da presidente, uma figura notoriamente desprovida de qualquer habilidade de articulação política, chega ao limite e milhões vão às ruas para dizer que é intolerável a continuação do PT e sua presidente no poder.
Após afastamento de Dilma com a admissibilidade do processo impeachment pelo Senado, passados alguns dias, o PT publica uma resolução que – dentre outras questões – diz ter sido um erro não ter controlado a mídia e nem as forças armadas.
O controle social das mídias já era projeto antigo do partido, mas, pelo menos publicamente, a ideia de controlar o exército, surge pela primeira vez.
Em suma, temos um partido de esquerda eivado da perspectiva de uma revolução gramsciniana, nada mais do que uma concepção de franco viés totalitário, em que a opinião e a vontade de outros grupos políticos deve ser esmagada, posto que o ideário do partido contém a única verdade possível.
Essa vontade de dominar todas as instâncias da sociedade, com um pensamento que emane do partido vem acompanhada da incapacidade do PT e aliados, de formular políticas econômicas viáveis para o crescimento do Brasil e de nossa inserção no mundo globalizado.
Uma educação básica e fundamental desastrosamente fraca, mais de 50.000 assassinatos por ano, sistema de saúde que não atende as necessidades da população, uma infraestrutura defasada onde o saneamento básico é um flagelo; eis aí outra parte do imbróglio que em mais de 13 anos no poder o PT não foi capaz de encaminhar soluções.
Enfim, todo o conjunto da obra, aponta não só para o esgotamento do ciclo de poder petista, mas uma falência da proposta de socialização desse tipo de esquerda, que gravitou em torno de Lula e seu partido.
O discurso do golpe vem daí: justificar a inépcia quase que absoluta em cumprir suas promessas e em satisfazer as esperanças que fomentou. Para isso, deve haver fatores externos em que possam colocar na conta do fracasso. São as tais forças conservadoras, os golpistas da mídia, o judiciário, o ministério público, os tucanos, Temer, Cunha, Sergio Moro, Lava Jato, Rede Globo, os coxinhas, a classe média, os analfabetos políticos, enfim, os outros.
A história da esquerda latina americana e brasileira precisa das palavras de ordem: “É Golpe! É Golpe! É Golpe!”, para quem sabe – no futuro – possam de novo tentar mais um de seus golpes.
Muito se comenta acerca da falácia dessa alegação: seu viés criminoso enquanto calúnia e atentado às instituições da república, sua formulação como arma de mobilização de militantes e simpatizantes do partido e na sua busca, frustrada, de causar impacto na opinião pública internacional.
Não é a primeira vez que a América Latina se vê enredada com grupos de esquerda no poder, ou por eles influenciando. A década de 60 do século passado foi marcada no Brasil por esse fenômeno político.
É certo que não se pode caracterizar João Goulart como um clássico líder de esquerda, mas foi em torno de seu governo que ligas camponesas, sindicatos, movimento estudantil, partidos comunistas, viram a oportunidade de buscar empreender projetos políticos que estavam próximos a suas perspectivas. Suas propostas, ou foram encampadas por Jango, ou eram formas de empurrar o líder populista para a esquerda, à medida que sua gestão presidencial se mostrava catastrófica.
A radicalização de seu governo – a cada instante que perdia força política – se configurava enquanto um programa irrealizável, uma pirotecnia oriunda de um movimento político e de uma esquerda que se arvoravam – cada um a seu modo – legítimos representantes dos interesses populares e dos trabalhadores, mesmo que os tais interesses viessem da própria formulação do movimento e do líder populista, independente do que seriam as aspirações do povo brasileiro e do que fosse viável para o Brasil.
Entretanto – no discurso que se perpetuou na esquerda – a realização concreta do ideário que gravitava em torno de Jango foi cerceada pela interrupção do processo democrático no país. Assim, de uma real quebra do processo democrático, os fazedores da história oficial conseguiram a flexibilidade e a licença poética para deduzir que outro Brasil poderia ter sido construído com o populismo de Jango e na influência das forças de esquerda que, diga-se de passagem, menosprezavam a democracia tanto quanto parte da oposição àquele governo.
Essa noção de interrupção de um processo – que seria viável – acabou se tornando hegemônico no meio acadêmico e no senso comum de parte considerável dos brasileiros, inclusive vendida em livros didáticos como a real história do período.
A realidade de uma ditadura que sobreveio a deposição de Jango não advém do fato do pretenso caráter popular do governo e de suas propostas, que para o presidente, seus partidários e grupos de esquerda da época, seriam o suprassumo do desejo e do interesse popular e da nação, mas da incapacidade das instituições e políticos da época de solucionarem – dentro dos limites do estado de direito e da democracia – o caos econômico, politico e social estabelecido pela incapacidade e irresponsabilidade política do líder populista.
Assim, a narrativa que a esquerda formou sobre a queda de Jango acabou por solidificar uma noção irreal de que haveria viabilidade naquela política.
Saltando vinte anos em nossa história, relembremos o que dizia São Marx: “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”; e eis que a coisa começa já na década de 80, em pleno processo de redemocratização do país.
A partir da influência de sindicalistas, de parte da Igreja Católica dominada pela Teoria da Libertação, comunistas que haviam participado da luta armada no período militar, acadêmicos, movimentos sociais e outros portadores absolutos da bondade, acontece a fundação – sob a liderança máxima de Lula – do Partido dos Trabalhadores.
Após um regime militar que havia reduzido a vida política do país, o novo partido surge como esperança de renovação da política nacional e de um rumo mais justo à organização da sociedade; reivindicando para si a representação dos oprimidos e indo – durante os anos – se auto intitulando o baluarte da moral na política. Tal qual o jingle de campanha de seu primeiro candidato a prefeito em São Paulo, o PT era – naquele tempo e para muitos – “diferente de tudo que esta aí”.
Lula de candidato a governador em 1982, deputado federal constituinte eleito em 1986, forte candidato em todas as eleições presidenciais, foi construindo sua imagem de líder carismático e símbolo de um partido que trazia consigo a esperança de uma sociedade mais justa e de um universo político distante do toma lá da cá dos velhos políticos.
Enfim, eleito presidente da república em 2002, vai – até meados de seu segundo mandato – mantendo os cânones básicos da política econômica formadas nos anos FHC.
Ainda em 2005, com a eclosão do Mensalão, sua imagem se arranha para parte de seus tradicionais eleitores.
Por conta do Mensalão, nas eleições de 2006, o perfil de seu eleitorado se altera em boa medida. Muitos dos eleitores que votavam em seu partido buscam outros candidatos, e o vazio de votos é preenchido pelos mais pobres, beneficiários de políticas sociais mínimas, como o Bolsa Família, programa oriundo dos tempos de FHC, renomeado e incrementado na gestão Lula.
Surfando em boas ondas no mercado internacional de commodities, que até metade de seu segundo mandato impulsionava a economia brasileira, Lula termina sua gestão com mais de oitenta por cento de aprovação. Porém, se olharmos detidamente para seus oito anos de presidência, o dito grande líder, não propôs medidas fundamentais que pudessem ter encaminhado o país a outro patamar.
Nada de reforma tributária, nada de reforma política, nada de reforma da previdência e nada de cuidar de muitos dos gargalos da economia brasileira. Lula passa seus dois mandatos articulando a forma pela qual se manteria no poder e como faria seu partido continuar a frente do governo federal.
Nessa batida, lança sua sucessora, a obscura Dilma Rousseff. Quadro político sem nenhuma experiência em cargos eletivos, e que teve sua carreira no governo federal criada de maneira a encobrir sua inequívoca inépcia como gestora pública e nulidade enquanto ser político.
Com ela o país conhece a chamada “nova política econômica”, um keynesianismo mau ajambrado e eivado de gastos inconsequentes; fenômeno que fomentou ainda mais – o conhecido no Brasil – capitalismo de compadres do governo.
O grau de descontrole fiscal avança consideravelmente e é nesse cipoal que aparecem as pedaladas de Dilma, fato que embasou o processo de impeachment.
Dentro dos mandatos petistas, criou-se o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, um programa pretensamente anticíclico e que atendeu com subsídios generosos milhões de pessoas. Houve mérito no programa, porém, ele não conseguiu fugir do dilema da marginalização espacial dos atendidos, sobretudo na faixa 1 do programa, reservado aos mutuários de menor renda.
O Bolsa Família, programa que efetivamente atende aos mais pobres, continuou sem um controle adequado, sem porta de saída e com um forte viés demagógico e eleitoreiro.
O lado underground petista veio à tona de vez. Além do Mensalão, passamos a conhecer sua matriz, o Petrolão; esquema que financiava o projeto de poder do partido, e que vêm a cada passo da operação Lava Jato, cercando suas lideranças.
Todo o emaranhado de questões foi aos poucos se somando, e com a questão do estelionato eleitoral do PT nas eleições 2014, a situação da presidente, uma figura notoriamente desprovida de qualquer habilidade de articulação política, chega ao limite e milhões vão às ruas para dizer que é intolerável a continuação do PT e sua presidente no poder.
Após afastamento de Dilma com a admissibilidade do processo impeachment pelo Senado, passados alguns dias, o PT publica uma resolução que – dentre outras questões – diz ter sido um erro não ter controlado a mídia e nem as forças armadas.
O controle social das mídias já era projeto antigo do partido, mas, pelo menos publicamente, a ideia de controlar o exército, surge pela primeira vez.
Em suma, temos um partido de esquerda eivado da perspectiva de uma revolução gramsciniana, nada mais do que uma concepção de franco viés totalitário, em que a opinião e a vontade de outros grupos políticos deve ser esmagada, posto que o ideário do partido contém a única verdade possível.
Essa vontade de dominar todas as instâncias da sociedade, com um pensamento que emane do partido vem acompanhada da incapacidade do PT e aliados, de formular políticas econômicas viáveis para o crescimento do Brasil e de nossa inserção no mundo globalizado.
Uma educação básica e fundamental desastrosamente fraca, mais de 50.000 assassinatos por ano, sistema de saúde que não atende as necessidades da população, uma infraestrutura defasada onde o saneamento básico é um flagelo; eis aí outra parte do imbróglio que em mais de 13 anos no poder o PT não foi capaz de encaminhar soluções.
Enfim, todo o conjunto da obra, aponta não só para o esgotamento do ciclo de poder petista, mas uma falência da proposta de socialização desse tipo de esquerda, que gravitou em torno de Lula e seu partido.
O discurso do golpe vem daí: justificar a inépcia quase que absoluta em cumprir suas promessas e em satisfazer as esperanças que fomentou. Para isso, deve haver fatores externos em que possam colocar na conta do fracasso. São as tais forças conservadoras, os golpistas da mídia, o judiciário, o ministério público, os tucanos, Temer, Cunha, Sergio Moro, Lava Jato, Rede Globo, os coxinhas, a classe média, os analfabetos políticos, enfim, os outros.
A história da esquerda latina americana e brasileira precisa das palavras de ordem: “É Golpe! É Golpe! É Golpe!”, para quem sabe – no futuro – possam de novo tentar mais um de seus golpes.
Assinar:
Postagens (Atom)