sábado, 3 de fevereiro de 2024
Por que dão a Bolsonaro uma importância que ele já não tem?
Quando cairá a ficha dos que ainda enxergam em Bolsonaro uma importância que ele só faz perder desde sua derrota para Lula nas eleições de 2022, e os passos em falso que deu depois disso?
Antes também quando em pelo menos duas ocasiões planejou dar um golpe e não conseguiu, tentou comprar a reeleição gastando além do que tinha e não conseguiu, e por fim fugiu do país.
De longe, assistiu a uma tentativa amadora dos seus devotos de apear Lula do poder mal ele assumiu a presidência, e de perto, amargou a decisão da justiça que o tornou inelegível por oito anos.
Se não bastasse, está no centro do recém-descoberto escândalo de espionagem praticada pela Agência Brasileira de Inteligência (ou de Intimidação) à época em que (des)governava o país.
Ou a Abin, órgão de assessoramento do presidente da República, sob comando do seu cão de guarda, o delegado Alexandre Ramagem, seria capaz de espionar milhares de pessoas sem que Bolsonaro soubesse?
Bolsonaro confessou o crime antes de o crime começar a ser executado. Era preciso dispor de um sistema para evitar que ele, sua família e seus amigos se “fodessem”, foi o que disse e está gravado.
O sistema foi posto em ação, e sabe-se agora que bisbilhotou a vida de adversários do governo, de supostos adversários, e até de aliados que causaram ou poderiam causar incômodos a Bolsonaro.
O “Metrópoles” já revelou alguns nomes. O jornal da BAND, ontem à noite, revelou outros – entre eles, três ex-ministros de Bolsonaro, a saber:
* Abraham Weintraub, da Educação;
* Anderson Torres, da Justiça;
* e Flávia Arruda, da Secretaria de Governo.
O antecessor de Flávia também foi espionado, assim como o general e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz, amigo há décadas de Bolsonaro.
Santos Cruz foi um dos primeiros-ministros de Bolsonaro a ser demitido por ele. O primeiro foi Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência.
A Bebianno, Carlos Bolsonaro, chefe do gabinete do ódio no Palácio do Planalto, contou que pretendia criar uma Abin paralela. Por exigência de Carlos, Bebianno e Santos Cruz acabaram desempregados.
Deputados federais que passaram a divergir do governo não escaparam à vigilância da Abin: Kim Kataguiri, Alexandre Frota e Joice Cristina Hasselmann; essa, sequer se reelegeu.
Entre os senadores, há nomes de todos os partidos: Otto Alencar, Rogério Carvalho, Omar Aziz, Humberto Costa, Alessandro Vieira, Renan Calheiros, Simone Tebet e Soraya Thronicke.
Ramagem piscou primeiro. Depois de negar que a Abin tenha espionado quem quer que seja, admitiu em entrevista ao “Metrópoles” que ocorreram por lá “atividades ilícitas”.
Para desviar a atenção de si e de Bolsonaro, Ramagem levantou suspeitas sobre a atuação de Paulo Maurício Fortunato, diretor de Operações da Abin ao longo de sua gestão:
“Foi na casa [de Fortunato] que foram encontrados 170 mil dólares, quase R$ 1 milhão. Fui eu que fiz toda a apuração que gerou a exoneração dele. Por que eu agora estou sendo investigado? É perseguição.”
A Polícia Federal já tem fortes indícios de que Bolsonaro seria um dos destinatários das informações do esquema de espionagem da Abin. Os relatórios da agência eram impressos e entregues a ele.
Dê-se, Bolsonaro, por satisfeito se emplacar o vice de Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo e candidato à reeleição. Mas até isso está difícil. A proximidade com Bolsonaro aumentaria a rejeição de Nunes.
Antes também quando em pelo menos duas ocasiões planejou dar um golpe e não conseguiu, tentou comprar a reeleição gastando além do que tinha e não conseguiu, e por fim fugiu do país.
De longe, assistiu a uma tentativa amadora dos seus devotos de apear Lula do poder mal ele assumiu a presidência, e de perto, amargou a decisão da justiça que o tornou inelegível por oito anos.
Se não bastasse, está no centro do recém-descoberto escândalo de espionagem praticada pela Agência Brasileira de Inteligência (ou de Intimidação) à época em que (des)governava o país.
Ou a Abin, órgão de assessoramento do presidente da República, sob comando do seu cão de guarda, o delegado Alexandre Ramagem, seria capaz de espionar milhares de pessoas sem que Bolsonaro soubesse?
Bolsonaro confessou o crime antes de o crime começar a ser executado. Era preciso dispor de um sistema para evitar que ele, sua família e seus amigos se “fodessem”, foi o que disse e está gravado.
O sistema foi posto em ação, e sabe-se agora que bisbilhotou a vida de adversários do governo, de supostos adversários, e até de aliados que causaram ou poderiam causar incômodos a Bolsonaro.
O “Metrópoles” já revelou alguns nomes. O jornal da BAND, ontem à noite, revelou outros – entre eles, três ex-ministros de Bolsonaro, a saber:
* Abraham Weintraub, da Educação;
* Anderson Torres, da Justiça;
* e Flávia Arruda, da Secretaria de Governo.
O antecessor de Flávia também foi espionado, assim como o general e ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Carlos Alberto dos Santos Cruz, amigo há décadas de Bolsonaro.
Santos Cruz foi um dos primeiros-ministros de Bolsonaro a ser demitido por ele. O primeiro foi Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência.
A Bebianno, Carlos Bolsonaro, chefe do gabinete do ódio no Palácio do Planalto, contou que pretendia criar uma Abin paralela. Por exigência de Carlos, Bebianno e Santos Cruz acabaram desempregados.
Deputados federais que passaram a divergir do governo não escaparam à vigilância da Abin: Kim Kataguiri, Alexandre Frota e Joice Cristina Hasselmann; essa, sequer se reelegeu.
Entre os senadores, há nomes de todos os partidos: Otto Alencar, Rogério Carvalho, Omar Aziz, Humberto Costa, Alessandro Vieira, Renan Calheiros, Simone Tebet e Soraya Thronicke.
Ramagem piscou primeiro. Depois de negar que a Abin tenha espionado quem quer que seja, admitiu em entrevista ao “Metrópoles” que ocorreram por lá “atividades ilícitas”.
Para desviar a atenção de si e de Bolsonaro, Ramagem levantou suspeitas sobre a atuação de Paulo Maurício Fortunato, diretor de Operações da Abin ao longo de sua gestão:
“Foi na casa [de Fortunato] que foram encontrados 170 mil dólares, quase R$ 1 milhão. Fui eu que fiz toda a apuração que gerou a exoneração dele. Por que eu agora estou sendo investigado? É perseguição.”
A Polícia Federal já tem fortes indícios de que Bolsonaro seria um dos destinatários das informações do esquema de espionagem da Abin. Os relatórios da agência eram impressos e entregues a ele.
Dê-se, Bolsonaro, por satisfeito se emplacar o vice de Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo e candidato à reeleição. Mas até isso está difícil. A proximidade com Bolsonaro aumentaria a rejeição de Nunes.
Esse eu conheço!
Salta aos olhos a trivialidade da expressão acima. No entanto, quanto mais a usamos, menos penetramos em seu significado. Veja como ela pouco diz traduzida para o inglês, justamente porque, como diria Gilberto Freyre, ela — como o carnaval — é um “brasileirismo”.
É um “conhecer cultural” inscrito no nosso inconsciente. Na escondida hierarquia das nossas relações sociais, e no modo como as vivenciamos.
Todos conhecem X, mas nem todos podem dizer com orgulho, revelação ou desprezo: “Esse eu conheço!” — o que equivale a revelar um elo pessoal. Um laço instaurador de um conhecimento íntimo, cotidiano e familiar. Tudo o que socialmente faz diferença, porque afasta o demônio do informal e do impessoal que não sabe quem somos.
Realmente, nossa aversão à impessoalidade chega às raias da repulsa. De tal modo que a regra universal é tida como desgraça ou castigo, jamais como regulador informal de um hábito ou costume.
Como o tal sinal vermelho que fechou justamente “contra” mim! Ouvi esse absurdo numa pesquisa sobre o trânsito, uma esfera social que — como a economia ou o Direito — opera por meio de normas gerais que valem para todos, inclusive para quem tem carro importado ou “se acha” melhor, mais rico, mais importante e, por nobreza autoatribuída, é dispensado de seguir os hábitos “deprimentes” como entrar numa fila (veja-se o livro “Fila e democracia”, Editora Rocco, escrito com Alberto Junqueira).
O vandalismo pode ser visto como um clone perverso dos privilégios abusivos das elites que — para começo de conversa — imaginam não cometer crimes e, se criticadas, sentem-se vítimas de mentiras, tramoias, má-fé e, como bem definiu nosso primeiro mandatário, “mancomunações”.
Aliás, um lado meu quase diz “macumbas”, reveladoras dessa naturalidade de seguir certos costumes, mas achar absurdo cumprir leis que são formalidades reguladoras de costumes, como as normas do trânsito ou as regras de comensalidade ou de controle financeiro. Como não arrotar, roubar o Erário ou, exceto no carnaval, mijar na rua.
Leis e costumes devem ser coerentes, mas temos leis que inutilmente proíbem o avunculato — numa demonstração notória do “esse eu conheço” — e, assim sendo, trago-o de volta, apesar de sua desonestidade ou incompetência.
Eis um conhecer que desmonta qualquer sistema fundado na norma do prêmio ao mais competente e de justiça ao criminoso. Pois a competência — essa inimiga da incapacidade de sanar a pátria desenhada para ser roubada — exclui os que Nélson Rodrigues chamava de “bestas quadradas”, e eu tenho testemunhado como “burros doutores”...
Mas o pior é que todos são “conhecidos” daquele “eu” que é o dono dos donos do poder. Do mandão geral que não erra e de quem todos puxam o saco, naquele cordão que jamais termina, como diz a marchinha de 1945, criada por Roberto Martins e Eratóstenes Frazão. Marchinha definitiva como teoria da esfera política brasileira. Um “marchar” revelador de como o “cordão” ou partido dos puxa-sacos (apadrinhados, compadres, companheiros etc.) dão vivas a seus maiorais e, no outro verso, crava a vergonhosa verdade que estão nos impingindo: a interminável repetição como apagamento da História: Quem está na frente é passado pra trás, e o cordão [seria melhor dizer partidos] dos puxa-sacos [dos esses eu conheço!] cada vez aumenta mais.
Como eu disse — puxa vida — há 45 anos, em “Carnavais, malandros e heróis”, Editora Rocco, o carnaval ritualiza nossas verdades verdadeiras. Pois em sua forma, ritmo e discurso, em sua aliança entre o legal e o impessoal, no consentimento festivo da competição que todos entendem, ele aponta como não conseguimos escapar das repetições que uma estúpida polarização formaliza. E, de quebra e lambuja, desmascara quem são as eminências e excelências que — à direita e à esquerda, em cima e embaixo — reinam entre nós.
É um “conhecer cultural” inscrito no nosso inconsciente. Na escondida hierarquia das nossas relações sociais, e no modo como as vivenciamos.
Todos conhecem X, mas nem todos podem dizer com orgulho, revelação ou desprezo: “Esse eu conheço!” — o que equivale a revelar um elo pessoal. Um laço instaurador de um conhecimento íntimo, cotidiano e familiar. Tudo o que socialmente faz diferença, porque afasta o demônio do informal e do impessoal que não sabe quem somos.
Realmente, nossa aversão à impessoalidade chega às raias da repulsa. De tal modo que a regra universal é tida como desgraça ou castigo, jamais como regulador informal de um hábito ou costume.
Como o tal sinal vermelho que fechou justamente “contra” mim! Ouvi esse absurdo numa pesquisa sobre o trânsito, uma esfera social que — como a economia ou o Direito — opera por meio de normas gerais que valem para todos, inclusive para quem tem carro importado ou “se acha” melhor, mais rico, mais importante e, por nobreza autoatribuída, é dispensado de seguir os hábitos “deprimentes” como entrar numa fila (veja-se o livro “Fila e democracia”, Editora Rocco, escrito com Alberto Junqueira).
O vandalismo pode ser visto como um clone perverso dos privilégios abusivos das elites que — para começo de conversa — imaginam não cometer crimes e, se criticadas, sentem-se vítimas de mentiras, tramoias, má-fé e, como bem definiu nosso primeiro mandatário, “mancomunações”.
Aliás, um lado meu quase diz “macumbas”, reveladoras dessa naturalidade de seguir certos costumes, mas achar absurdo cumprir leis que são formalidades reguladoras de costumes, como as normas do trânsito ou as regras de comensalidade ou de controle financeiro. Como não arrotar, roubar o Erário ou, exceto no carnaval, mijar na rua.
Leis e costumes devem ser coerentes, mas temos leis que inutilmente proíbem o avunculato — numa demonstração notória do “esse eu conheço” — e, assim sendo, trago-o de volta, apesar de sua desonestidade ou incompetência.
Eis um conhecer que desmonta qualquer sistema fundado na norma do prêmio ao mais competente e de justiça ao criminoso. Pois a competência — essa inimiga da incapacidade de sanar a pátria desenhada para ser roubada — exclui os que Nélson Rodrigues chamava de “bestas quadradas”, e eu tenho testemunhado como “burros doutores”...
Mas o pior é que todos são “conhecidos” daquele “eu” que é o dono dos donos do poder. Do mandão geral que não erra e de quem todos puxam o saco, naquele cordão que jamais termina, como diz a marchinha de 1945, criada por Roberto Martins e Eratóstenes Frazão. Marchinha definitiva como teoria da esfera política brasileira. Um “marchar” revelador de como o “cordão” ou partido dos puxa-sacos (apadrinhados, compadres, companheiros etc.) dão vivas a seus maiorais e, no outro verso, crava a vergonhosa verdade que estão nos impingindo: a interminável repetição como apagamento da História: Quem está na frente é passado pra trás, e o cordão [seria melhor dizer partidos] dos puxa-sacos [dos esses eu conheço!] cada vez aumenta mais.
Como eu disse — puxa vida — há 45 anos, em “Carnavais, malandros e heróis”, Editora Rocco, o carnaval ritualiza nossas verdades verdadeiras. Pois em sua forma, ritmo e discurso, em sua aliança entre o legal e o impessoal, no consentimento festivo da competição que todos entendem, ele aponta como não conseguimos escapar das repetições que uma estúpida polarização formaliza. E, de quebra e lambuja, desmascara quem são as eminências e excelências que — à direita e à esquerda, em cima e embaixo — reinam entre nós.
Nosso dever
Nós passamos as nossas vidas a lutar para conseguir que pessoas ligeiramente mais estúpidas que nós aceitem as verdades que os grandes homens conheceram desde sempre. Já há milhares de anos que eles sabiam que fechar uma pessoa doente num ambiente solitário torna-a ainda pior. Já há milhares de anos que eles sabiam que um homem pobre que é assustado, pelo seu patrão, e pela polícia, é um escravo. Eles sabiam. Nós sabemos. Mas será que a grande massa iluminada dos britânicos o sabem? Não. É o nosso dever, Ella, o teu e o meu, de lhes dizer. Porque os grandes homens são demasiado grandes para serem incomodados. Estão já a descobrir como colonizar Vênus e como irrigar a Lua. Isso é que é o mais importante para o nosso tempo. Tu e eu somos os empurradores da pedra. Todas as nossas vidas, tu e eu, temos que empregar as nossas energias, e todo o nosso talento, a empurrar uma enorme pedra por uma montanha acima. A pedra é a verdade que os grandes homens sabem por instinto, e a montanha é a estupidez da humanidade.
Doris Lessing, "The golden notebook"
Doris Lessing, "The golden notebook"
Prefiro não saber
Agora toda a gente quer saber tudo e, se não lhes dizem o que querem saber, desconfiam a redobrar.
As confissões, por muito chorosas, já não convencem ninguém. Os pedidos de desculpa muito menos — então quando cheiram a dedos de advogado… Querem mais. Mais lágrimas.
Já ninguém acredita que houve um tempo em que isto de querer sempre saber tudo era visto como uma obsessão mesquinha, uma curiosidade insana, um caminho certo para a infelicidade.
Lembro-me do meu pai a ler, e a levantar os olhos do livro para registar a realidade da minha interrupção. Num olho meio-amarelo, meio-castanho, estava a consciência do dever de um pai para com um filho. No outro, meio-castanho, meio verde-azeitona, estava a revolta: “Deixa cá ver o que este quer…”
Mal eu me tinha lançado a fazer a minha confissão, aproveitando a frescura do ensaio que um minuto antes tinha feito à frente do espelho da casa de banho, ele dizia estas três palavras, enquanto a cabeça baixava outra vez para o livro: “Prefiro não saber.”
Se eu protestasse, ele apaziguava-me: “Deixa estar, Miguel, eu também já fui novo. Tenho a certeza que aquilo que tens para me dizer é muito importante, mas acredita que assim é melhor para todos, está bem?” E depois lá vinham as três palavras, já com um pingo de nitroglicerina: “Prefiro não saber.”
Hoje dou-lhe razão. Guardemos a nossa curiosidade para as coisas que, uma vez sabidas, nos trazem riso e excitação. Guardemos a nossa curiosidade para as coisas e para as pessoas que se deixam descobrir, sem resistência ou esperteza, ou estratégia, ou manipulação.
Numa vida, só temos tempo para saber tão poucas coisas, porque é que havemos de arranjar espaço para os pormenores que nunca mais acabam, das confissões que outros nos fazem?
Dizem-nos que é por termos direito a saber, mas é mais pelo direito que eles acham que têm, de desabafar. Eles ficam aliviados. Nós ficamos pressionados a reagir. Quem é que ficou a perder? Quem é que ficou a ganhar?
As confissões, por muito chorosas, já não convencem ninguém. Os pedidos de desculpa muito menos — então quando cheiram a dedos de advogado… Querem mais. Mais lágrimas.
Já ninguém acredita que houve um tempo em que isto de querer sempre saber tudo era visto como uma obsessão mesquinha, uma curiosidade insana, um caminho certo para a infelicidade.
Lembro-me do meu pai a ler, e a levantar os olhos do livro para registar a realidade da minha interrupção. Num olho meio-amarelo, meio-castanho, estava a consciência do dever de um pai para com um filho. No outro, meio-castanho, meio verde-azeitona, estava a revolta: “Deixa cá ver o que este quer…”
Mal eu me tinha lançado a fazer a minha confissão, aproveitando a frescura do ensaio que um minuto antes tinha feito à frente do espelho da casa de banho, ele dizia estas três palavras, enquanto a cabeça baixava outra vez para o livro: “Prefiro não saber.”
Se eu protestasse, ele apaziguava-me: “Deixa estar, Miguel, eu também já fui novo. Tenho a certeza que aquilo que tens para me dizer é muito importante, mas acredita que assim é melhor para todos, está bem?” E depois lá vinham as três palavras, já com um pingo de nitroglicerina: “Prefiro não saber.”
Hoje dou-lhe razão. Guardemos a nossa curiosidade para as coisas que, uma vez sabidas, nos trazem riso e excitação. Guardemos a nossa curiosidade para as coisas e para as pessoas que se deixam descobrir, sem resistência ou esperteza, ou estratégia, ou manipulação.
Numa vida, só temos tempo para saber tão poucas coisas, porque é que havemos de arranjar espaço para os pormenores que nunca mais acabam, das confissões que outros nos fazem?
Dizem-nos que é por termos direito a saber, mas é mais pelo direito que eles acham que têm, de desabafar. Eles ficam aliviados. Nós ficamos pressionados a reagir. Quem é que ficou a perder? Quem é que ficou a ganhar?
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