sábado, 7 de dezembro de 2019

Novo Papai Noel do Brasil


Bolsonaro navega em mar de almirante

Se preferirem, voa em céu de brigadeiro.

Ao contrário do que ele faz parecer, governar não está sendo uma tormenta para Jair Bolsonaro. Se as medidas econômicas fracassarem, ele porá a culpa em Paulo Guedes e o substituirá por outro ministro. Já tem nomes em exame.

Se a política de segurança pública não der os resultados esperados, ora, a culpa será de Moro. Poderia haver melhor nome do que o dele para o Ministério da Justiça? Bolsonaro acha que Moro vai bem, mas que ainda não aprendeu direito a fazer política.

Quer tê-lo por perto porque é melhor que “ele mije para dentro do acampamento do que para fora”. Moro poderia ser um desafio para Bolsonaro se disputasse com ele a próxima eleição. Como vice, talvez fosse o ideal, data vênia o general Hamilton Mourão.



O Congresso tem torpedeado parcialmente as muitas propostas que o governo lhe remete. Bem, Bolsonaro tem honrado seus compromissos com os que o elegeram, mas o Congresso é outro poder e goza de independência. Fazer o quê?

Lotear o governo com os partidos para que eles aprovem no Congresso tudo o que Bolsonaro mandar? Aí seria demais. Os bolsonaristas mais devotos não admitiriam. Dá para distribuir cargos com menor visibilidade, e isso está acontecendo.

É a Nova Política – “voila”. Também faz parte dela o uso de dinheiro público para a execução de obras nos Estados. Se o deputado ou senador vota como o governo quer, é recompensado. Nada a ver com dinheiro de emendas parlamentares.

O pagamento de emendas parlamentares é obrigatório. O governo não pode fugir disso. Mas pode garantir mais dinheiro por fora, previsto no orçamento dos ministérios. Cabe ao parlamentar obediente dizer ao governo onde aplicar o por fora.

A aprovação da reforma da Previdência custou por fora uma nota ao governo. Algo como R$ 4 bilhões, segundo parlamentares bem informados. E assim será quando o governo quiser aprovar as próximas reformas sugeridas por Guedes. Nada sai de graça.

Bolsonaro sabe e finge não saber. Os críticos acusam o governo de não dispor de uma boa articulação política com o Congresso. Os atuais articuladores seriam fracos. Bolsonaro não liga para isso. O Congresso é um poder independente, não é? E segue o baile.

Os chamados formadores de opinião azucrinam o governo por causa da sua política relativa aos costumes. Podem azucrinar. Delas, Bolsonaro não abrirá mão. É o que lhe assegura os votos dos evangélicos e demais denominações religiosas.

Os militares estão pacificados. Governo algum os tratou tão bem. Não só por arranjar-lhes empregos, mas por ter-lhes assegurado uma aposentadoria privilegiada e um aumento generoso de salários na hora em que se cobraram sacrifícios ao resto do povo.

Se militar empregado no governo não funciona bem, troca-se por outro. A caserna pode até fazer cara feia, mas já se acostumou. Bolsonaro evitou a volta ao poder do PT – e esse é um preço que os militares jamais terão como pagar. Só agradecem.

A imagem do governo lá fora está muito ruim principalmente por seu descaso com a política ambiental. Os que reclamam disso lá fora não votam aqui. Os daqui que reclamam não votam em Bolsonaro. Os daqui que se beneficiam com o descaso votam nele.

Bolsonaro só teme investigações que possam lhe render um pedido de impeachment (tic, tac). Por isso, enquadrou os filhos para que não ataquem a Justiça e estende o tapete vermelho para o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal.

No mais, bola pra frente, festas privadas no Palácio da Alvorada, comer pastel em feiras populares, estar sempre presente em estádios de futebol, chamar a Record para falar quando achar oportuno e recuar de decisões quando elas significarem encrenca.

Mandou cancelar as assinaturas que o governo tinha do jornal Folha de S. Paulo? Isso implicaria no risco de ser processado por improbidade administrativa? Recuou. Brigou com a Globo? Um dos seus ministros prediletos já pediu uma trégua à Globo.

Quanto a Lula… Mesmo que continue solto, a Justiça não revogará suas condenações, o que o impedirá de ser candidato. Sem ele, a oposição de esquerda ficará órfã. Há, sim, que impedir oposição à direita. Então tome pau em João Dória e em Luciano Huck.

Em resumo: observado do ponto de vista do presidente e dos que o cercam, o mar está calmo. E o céu, azul.

Eduardo iguala união gay com amor por cachorro

Em visita a Israel, o deputado Eduardo Bolsonaro concedeu entrevista a uma emissora de TV. Nela, desenvolveu um raciocínio inusitado para dizer o que pensa sobre a comunidade LGBT. Comparou o amor entre pessoas do mesmo sexo ao amor que nutre por seu cachorro.

O entrevistador recordou frases de Jair Bolsonaro. Lembrou que em 2011 o agora presidente do Brasil dissera que preferia ter filho morto num acidente de carro a ter um filho gay. Dois anos depois, acrescentou o repórter, Bolsonaro afirmou ter orgulho de ser homofóbico. Sobreveio a pergunta: "O senhor tem a mesma opinião sobre a comunidade LGBT?"

Sobre o comentário de 2011, Eduardo declarou: "O próprio presidente Jair Bolsonaro já disse que não é bem assim. Tenho certeza, conhecendo meu pai, que, se eu fosse gay, ele jamais faria algo assim comigo, com certeza." O entrevistador insistiu: ""Qual é a sua opinião sobre a comunidade LGBT?"

"Não me importo", disse Eduardo Bolsonaro, antes de injetar na conversa sua teoria canina. "Se você diz que só é preciso amor para ser uma família, você vai dizer que eu e meu cachorro —eu amo meu cachorro— somos uma família. Entende? Você abre a porta para muitas coisas".

Eduardo Bolsonaro reproduziu um trecho da entrevista nas redes sociais (veja). No pedaço que se refere aos gays, incluiu apenas o "não me importo". Na mesma entrevista, o Zero Três ressuscitou uma polêmica que parecia morta.

Indagado sobre a promessa do seu pai de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, ele respondeu: "Temos que ser muito responsáveis com esse procedimento. Eu costumo dizer que, se nós temos uma só bala, não podemos perder o alvo. Ano que vem, talvez vejamos toda a embaixada mudar para Jerusalém".

O repórter surpreendeu-se: "Então, a embaixada será transferida ano que vem?" Diante da reiteração da pergunta, o Zero Três deu uma resposta que pode representar qualquer coisa, inclusive nada: "Não posso dizer isso, mas eu realmente espero que isso aconteça".

O barulhinho que se ouve ao fundo é a fervura do cérebro da ministra Tereza Cristina (Agricultura). Ela imaginava que estivesse encerrado o lero-lero que irrita os países árabes e muçulmanos, grandes importadores de carne bovina e de frango produzidos no Brasil.

Contra a intolerância da polarização

Um projeto de Nação precisa de uma sociedade disposta a superar a corrupção, impunidade, e a predominância do conflito sobre o debate respeitoso de ideias.

(...) Os extremos são viciosos. Será preciso cicatrizar a ferida aberta que compromete a coesão interna, fruto do embate ideológico com sua injustificável intolerância ao contraditório
Eduardo Rocha Paiva, general apelidado por Bolsonaro de "melancia", em discurso de lançamento do Instituto General Villas Bôas, entidade criada para ajudar pessoas com doenças raras, crônicas e com deficiência, a que Bolsonaro não compareceu

Mataram o sono de Bolsonaro Macbeth

O presidente Jair Bolsonaro dorme mal. E isso o leva a refletir diante do espelho: “Será que termino o mandato?”. Em outras circunstâncias, mais pessimistas, a imagem refletida lhe diz: “Você não termina o mandato”. E a prefiguração que lhe tira o sono não está relacionada ao eventual sucesso ou insucesso da política econômica de Paulo AI-5 Guedes.

Tenha-se sobre esta a ideia que for, pobre não volta a nadar em iogurte tão cedo. Temos os nossos reacionários disfarçados de liberais a nos lembrar: “Não existe iogurte grátis!”.

Como que do nada, o chefe fez o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, passar o constrangimento de levar ao Congresso um projeto de lei —mais um!— que institui a excludente de ilicitude. Nesse caso, para as operações de Garantia da Lei e da Ordem. Azevedo e Silva afrontava, a contragosto, a memória do Exército, da República e até do bom senso.

Em entrevista à TV Record, o presidente refletiu: “Se assinar o decreto [de GLO], a tropa de segurança vai pra lá. Entra (sic) as Forças Armadas, Polícia Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e PRF. Nessas condições, eu quero que esse pessoal vá pra fazer valer a sua força para recuperar a normalidade. Essa força tem que chegar para se impor. E não pode chegar pra se impor, e o policial responder por um processo e ser condenado a 30 anos de cadeia”.

Mas se impor contra quem? Aquela imagem insone no espelho é má conselheira. Em certa medida, ela conta com uma desordem que fosse patrocinada pelas esquerdas para, então, dar vazão à pulsão disruptiva do presidente e da turma que com ele chegou ao poder.

Até porque ele enfrenta, na extrema direita, a concorrência de Wilson Witzel e João Doria. Afinal, enfileiram-se corpos negros estaduais para satisfazer a fúria de algozes. Mas Bolsonaro, até agora, não pôde oferecer a sua cota de cadáveres negros federais.

Em 1887, marechal Deodoro mandou uma carta à princesa Isabel. Reproduzo um trecho: “Os oficiais, membros do Clube Militar, pedem a Vossa Alteza Imperial vênia para dirigir ao Governo Imperial um pedido, que é antes uma súplica. (...) Esperam que o Governo Imperial não consinta que nos destacamentos do Exército que seguem para o interior, com o fim, sem dúvida, de manter a ordem, tranquilizar a população e garantir a inviolabilidade das famílias, os soldados sejam encarregados da captura dos pobres negros que fogem à escravidão, ou porque vivam já cansados de sofrer os horrores, ou porque um raio de luz de liberdade lhes tenha aquecido o coração e iluminado a alma”.

Azevedo e Silva deveria ter lembrado a seu chefe, em 2019, o que escrevera Deodoro à princesa regente em 1887. As Forças Armadas não podem ser o capitão do mato do mandatário de turno.

De resto, onde estão as tentações disruptivas das esquerdas a justificar a licença para matar, que Sergio Moro também reivindica para a repressão ao crime comum —ou, se quiserem ler segundo a história brasileira, “para os pobres comuns e os pretos comuns”?

A investigação sobre as atividades extracurriculares de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz serão retomadas —na verdade, nunca chegaram a estar ameaçadas. Uma economia mais virtuosa ou menos até pode ter algum peso na eventual revelação de escabrosidades de verões passados e presentes. Mas pode não ser ela a definir o futuro. Insônia.

Como Macbeth, o presidente recita, a seu modo, no palácio: “Pensei ouvir uma voz a gritar: ‘Não durma mais!/ Macbeth matou o sono!’, o sono inocente,/ Sono que deslinda a tessitura das preocupações,/ Morte de cada dia vivido, banho das chagas da labuta,/ Bálsamo da alma dolente, prato principal da natureza,/ Alimento maior na festa da vida” (tradução de Rafael Raffaelli).

Bolsonaro precisaria dormir para não impor desonras novas às Forças Armadas. Mas como?

Na peça, Macbeth não dorme. E...

Na COP-25, país está na contramão

O Brasil chega na COP-25 numa situação muito ruim, abandonando o protagonismo que sempre teve e praticamente fora do Acordo de Paris, pelo menos longe dos compromissos que o país mesmo havia assumido. É o que pensam o pesquisador Paulo Barreto, do Imazon, e o cientista Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe. A vasta experiência do país em monitoramento e combate ao desmatamento poderia nos levar a ser exemplo nessas reuniões, mas o atual governo optou pelo isolamento e o retrocesso e isso fica claro na mais importante reunião climática anual.


O Brasil sediaria a Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas. Recusou a escolha e passou o ano inteiro produzindo um volume extravagante de más notícias na área ambiental. Mesmo agora, durante a reunião, elas não param. O presidente Bolsonaro anunciou a intenção de liberar a exportação de madeira in natura e prepara para terça-feira o lançamento de uma MP da regularização fundiária que tinha, em uma primeira versão, a ideia de que bastava a autodeclaração para se regularizar a terra. Um convite escancarado à grilagem. Mesmo sem isso, a MP será mais flexível do que a legislação atual.

— A regra que já existe é muito leniente com quem invade a terra pública. Dá um prazo para a pessoa regularizar e ainda dá um desconto. Imagina se piratas se instalassem em áreas do pré-sal e o governo dissesse: já que você ocupou, vou vendê-la para você com desconto. Isso não aconteceria porque a Marinha expulsaria os piratas. Na Amazônia estamos fazendo o contrário, estamos dando desconto para quem ocupou ilegalmente —disse Paulo Barreto.

E agora será feita outra MP com ainda mais vantagens. Será um novo estímulo ao desmatamento. Entrevistei Paulo Barreto e Ricardo Galvão na Globonews. Galvão lamentou que o Brasil esteja na situação em que está:

— O Brasil sempre teve protagonismo na área ambiental, desde a Rio-92. O trabalho do professor José Goldemberg é reconhecido no mundo inteiro. O monitoramento do desmatamento da Amazônia é considerado a melhor série temporal de controle de desmatamento em florestas tropicais. Tudo isso está sendo jogado na lata de lixo. Inclusive essa ideia de exportação de madeira in natura ea de legalizar plantação de cana-de-açúcar no Pantanal e na Amazônia. Vários cientistas já mostraram que isso está errado.

No gráfico com o histórico do desmatamento, os dois mostraram que políticas públicas podem estimular ou conter a destruição da floresta. Os picos de desmate tanto do governo Fernando Henrique, quanto no governo Lula, foram revertidos com repressão ao crime. FH elevou o tamanho da reserva legal e aprovou a lei de crimes ambientais. Lula, através da ministra Marina Silva, comandou uma série de ações de ataque ao crime, e encomendou o serviço de alerta de desmatamento, o Deter, que foi um auxiliar importante. O desmatamento caiu 83% de 2004 a 2012. No atual governo, o alerta foi desacreditado e o diretor do Inpe, exonerado. No final, confirmou-se o aumento grande de desmatamento. E infelizmente isso deve continuar.

—O que nós vimos, pelos dados do Inpe, é que o desmatamento continua muito forte —diz Galvão.

—Você trabalha cobrindo economia. Nela, tudo depende das expectativas. É a mesma coisa na Amazônia. A expectativa é de que podem cometer crime que não serão punidos —diz Barreto.

Em um dos gráficos levados ao programa, Paulo Barreto mostrou que de 2005 até 2013 houve uma queda forte de desmatamento, mas ao mesmo tempo um aumento do valor da produção agrícola. Ou seja, o PIB agropecuário da Amazônia cresceu mesmo com o desmatamento em queda. Isso derruba a tese do atual governo de que a preservação impede o desenvolvimento econômico. Os números provam o oposto. Mas este governo está em conflito com os dados e os fatos.

Pensamento do Dia


Parlamentares alemães cobram de Bolsonaro proteção a líder indígena ameaçada

Um grupo de deputados federais da Alemanha pediu nesta sexta-feira que o governo brasileiro garanta a proteção da líder indígena Alessandra Korap, do povo munduruku, que vem recebendo ameaças de morte e teve sua casa invadida no fim de novembro, em Santarém, no Pará.

Em uma carta endereçada ao presidente Jair Bolsonaro e entregue à embaixada do Brasil em Berlim, o grupo formado por três deputados do partido Die Linke (A Esquerda) ainda pediu para que as autoridades brasileiras instruam os responsáveis pela investigação da invasão da casa de Korap a iniciar uma apuração aprofundada para "assegurar que os líderes materiais e intelectuais sejam responsabilizados conforme a lei".

Assinaram o documento os deputados Eva-Maria Schreiber, Heike Hänsel e Alexander Ulrich. O último também é membro do grupo parlamentar Brasil-Alemanha no Budestag (Câmara baixa do Parlamento alemão).

Na mesma carta, os deputados ainda manifestaram "preocupação com a situação dos defensores dos direitos humanos no Brasil" e pediram que o governo "faça da proteção destes líderes legítimos uma prioridade" e que "faça tudo o que estiver ao seu alcance para facilitar o trabalho das organizações da sociedade civil".


A invasão da casa de Korap, de 35 anos e que atua como uma das lideranças do povo munduruku, ocorreu dez dias depois de ela viajar a Brasília com outros indígenas para denunciar garimpos ilegais, a ação de madeireiras e cobrar a demarcação de terras indígenas. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, um vídeo de Korap discursando na Universidade Nacional de Brasília (UnB) circulou em grupos de Whatsapp que reúnem garimpeiros. Em abril, ela também compareceu a uma audiência na Câmara Federal para cobrar mais ações em defesa dos indígenas.

De acordo a líder indígena, os invasores arrombaram a porta quando a casa estava vazia e levaram uma mochila com diversos documentos e outros materiais impressos, um celular e o cartão de memória de uma máquina fotográfica. A máquina, no entanto, não foi levada, o que levantou a suspeita de que os invasores estavam atrás de informações sobre a indígena.

Korap se mudou para Santarém no início do ano, para cursar direito em uma universidade local e, segundo ela, "buscar conhecimento pelo direito das terras indígenas".

"Isso que aconteceu na minha casa foi um aviso. Levaram documentos. Atas, recibos, da minha viagem a Brasília. Levar cartão de memória, mas não levar a câmera. Por que eles querem meus pen drives? Meus papeis? Minha agenda. Alguma coisa está errada aí", disse Korap à DW Brasil. Ela também descreveu uma série de ameaças após sua viagem a Brasília, em novembro.

“Eu tô praticamente escondida, com medo de falar. Mas vou continuar lutando para defender aquele rio, para defender as pessoas. “Nós estamos morrendo aos poucos. Nossa floresta, nosso rio estão morrendo aos poucos. A vida da terra está morrendo aos poucos”, disse.

Ela também comentou a iniciativa dos parlamentares alemães. “Parlamentares europeus denunciem! Vejam o que o presidente está fazendo com nosso Brasil. Estão matando as populações tradicionais. A gente está morrendo. Hoje estou falando, mas amanhã eu não sei se vou estar viva.”

Procurada pela DW Brasil para comentar a carta enviada pelos parlamentares alemães, a embaixada do Brasil em Berlim afirmou que encaminhou o documento ao seu "alto destinatário [presidente Bolsonaro] e às autoridades competentes no Brasil".

"As denúncias contidas na comunicação suscitam preocupação. A Embaixada recorda que o Brasil dispõe de ampla e reconhecida legislação sobre Direitos Humanos e que denúncias dessa natureza são averiguadas à luz desse marco legal", informou a embaixada.

O povo munduruku é formado por pouco mais de 11 mil indígenas distribuídos em diferentes terras no Pará, Amazonas e Mato Grosso. Pouco mais da metade deles vive na Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará. A área vem sendo duramente afetada pela mineração ilegal. Em setembro, o grupo Greenpeace divulgou um vídeo é possível ver enormes crateras na reserva e rios tomados por rejeitos de mineração clandestina que se estendem por dezenas de quilômetros.

De acordo com o Greenpeace, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram que em dois anos a destruição da floresta na Terra Indígena Munduruku aumentou quase seis vezes. Segundo o grupo, de janeiro a julho de 2017, cerca de 2,64 km² de floresta foram desmatados. No mesmo período em 2018, o número subiu para 4,84 km². E, neste ano, janeiro a julho, o número alcançou 15,46 km².

A espiral bizarra que dá a Bolsonaro o controle da agenda pública

Dante Mantovani, o presidente da Fundação Nacional das Artes que liga o rock ao aborto e ao satanismo e acredita que os Beatles surgiram para implantar o comunismo. Sérgio Nascimento de Camargo, o nome para a Fundação Palmares, entidade responsável por promover a cultura de matriz africana, que ataca o movimento negro e não acredita que o racismo estrutural seja um problema. Rafael Nogueira, o escolhido para comandar a Biblioteca Nacional que é seguidor de Olavo de Carvalho e associa o compositor Caetano Veloso ao analfabetismo. Roberto Alvim, o novo secretário da Cultura que, apesar de ser diretor de teatro, afirma que a classe teatral é “podre” e afirma chama atriz Fernanda Montenegro de sórdida.

Jair Bolsonaro, o presidente da República que acusa o ator norte-americano Leonardo DiCaprio de financiar ONGs que, segundo suas palavras, promovem as queimadas na Amazônia.


O bombardeio de nomeações controversas e declarações infundadas ― e na maioria das vezes bizarras ― dão a tônica do noticiário brasileiro há mais de 12 meses, num looping em que imprensa e classe política ainda tateiam como reagir. Nesta quarta-feira, o juiz Emanuel José Matias Guerra, da Justiça Federal do Ceará, acatou um pedido de ação popular e suspendeu a nomeação de Camargo, sob o argumento de que suas declarações ofendem a população negra, justamente a que seu órgão deve proteger. Autoproclamado “negro de direita”, chegou a dizer nas redes sociais que o racismo no Brasil é “nutella” e que a escravidão foi benéfica para os descendentes dos negros escravizados. Uma declaração que, após permear os meios de comunicação no fim da última semana, voltou à televisão e páginas de jornais após a decisão da Justiça. É um bombardeio que disputa os holofotes dos acontecimentos que impactam a vida da população. A notícia da morte de nove jovens da favela de Paraisópolis, em São Paulo, vítimas da truculência policial durante operação num baile funk, dividiu as atenções no fim de semana com expressões como “terrabolismo” e “racismo nutella”, lançadas por Mantovani e Camargo, respectivamente, e que viralizaram nas redes sociais. Ao menos dessa vez não foram páreo, aparentemente, para a comoção gerada após a morte dos garotos.

O mais grave é que ainda falta elementos para saber o quadro completo de o quanto, além de domínio da agenda pública, a ofensiva de declarações e radicalização já se reflete no dia a dia das instituições e nas políticas públicas. No caso da Cultura, há relatos de mudança de protocolo que resvalam em censura direta, sem falar no estímulo a autocensura de empresários e empresas ligadas ao setor. Na Funai e no Ibama, a desmoralização dos quadros também é patente.

O controle da agenda pública tem método e estratégia, acusou nesta quarta-feira a deputada federal Joice Hasselmann (PSL) na CPMI das Fake News no Congresso. Joice, eleita pelo PSL e ela própria difusora de boatos e fake news durante a campanha, agora rompeu com os filhos do presidente. Embora se diga paradoxalmente fiel ao Planalto, afirma querer contar o que sabe sobre a estratégia para redes de ataques, inclusive sugerindo que há uso de dinheiro público. “De onde vem esse dinheiro? Não estamos falando de trocado, estamos falando de milhões", lançou. “Eu quero crer que o presidente não sabe disso.” Segundo afirmou, os perfis do presidente Bolsonaro e do deputado federal Eduardo Bolsonaro no Twitter contam com quase dois milhões de perfis falsos ― robôs ― que começam a propagar de forma massiva informações falsas e linchamentos a figuras públicas. A ordem para que isso aconteça parte de um grupo de assessores ― o chamado “gabinete do ódio” ― que trabalham dentro do Palácio do Planalto. Entre os que autoriza a propagação de falsidades está outro filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro, a quem ela ainda acusou de ter planejado criar uma “Abin paralela.”
Impor velhas palavras no debate público

Se em 2018 a “mamadeira de piroca” invadiu o noticiário, algo ainda surpreso com a ousadia e o alcance das mentiras, 2019 se mostrou o ano em que a extrema direita, no poder, testou e forçou os limites do aceitável no debate público. Nos doze meses que se encerram no dia 31, recuperou-se o Ato Institucional de número 5 (AI-5) não como um termo histórico, mas como num hipotético e ameaçador exercício de futuro. O decreto que, em dezembro 1968, radicalizou a ditadura militar brasileira (1964-1985) e institucionalizou o terror promovido pelo Estado, já foi mencionado publicamente duas vezes por autoridades importantes. O primeiro foi Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo e o filho zero três do presidente. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, disse em uma entrevista no final de outubro, ao ser questionado sobre o risco de que os protestos no Chile se repetissem no Brasil.

O último a mencionar essa possibilidade foi o ministro da Economia Paulo Guedes. Em coletiva de imprensa em Washington na semana passada, repetiu a ameaça de um novo AI-5 em caso de protestos nas ruas contra as medidas econômicas do Governo. “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente? Levando o povo para a rua para quebrar tudo. Isso é estúpido, é burro, não está à altura da nossa tradição democrática”. Em seguida, afirmou que Bolsonaro não está com medo de que a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja um obstáculo às reformas. “Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora".

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou, em evento dos jornais O Globo e Valor Econômico, que houve reação desproporcional à fala de Guedes. Assim, discussões até pouco tempo impensáveis acabam se normalizando na arena pública, sendo usadas sem problema até pela pessoa mais popular do país, enquanto Rodrigo Maia, presidente da Câmara, tenta atuar como um frágil muro de contenção, brandindo condenações.

A campanha aberta pelo AI-5 e os saudosismos antidemocráticos, além de distrair e ultrajar parte da elite intelectual, também se torna caldo de cultura da normalização de medidas concretas propostas pelo Governo. Dados indicam que a violência policial cresce em todo o país. Especialmente no Rio de Janeiro, onde até outubro os policiais já haviam matado mais que em qualquer ano desde 1998, quando a contagem oficial começou. Paralelamente a isso o Governo tenta emplacar no Congresso o aumento do excludente de ilicitude ― algo que especialistas vem apontando como licença para matar ― para militares e agentes agindo sob decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Por sua vez, Moro tenta convencer os deputados a voltarem a incluir em seu pacote anticrime trechos retirados na Comissão de Segurança Pública da Câmara. Entre eles, a parte que também aumenta a brecha para que policiais que matam ou cometem excessos fiquem impunes.

A situação brasileira não chega a ser nenhuma novidade e, por isso mesmo, soa tão desanimadora. Os Estados Unidos começam a embarcar em uma nova campanha eleitoral na qual Donald Trump concorrerá à reeleição e, lá, a imprensa, mesmo a crítica ao presidente, não conseguiu se livrar da armadilha de discutir por dias a fio o desejo do norte-americano de comprar a Groelândia...
Felipe Betim

A Ilha do dr. Carvalho

Caro Leitor: você leu “A Ilha do dr. Moreau”, do grande escritor inglês H. G. Wells? O livro é muito interessante e absorve o leitor desde o primeiro parágrafo. Conta a historia do sobrevivente de um naufrágio que é resgatado por um navio que tem como missão levar para uma ilhota no Pacífico animais selvagens. O náufrago, cujo nome é Pendrick, é obrigado a desembarcar junto com as bestas.

Charles Pendrick é resgatado pelo navio em missão das mais incomuns. Ainda debilitado, Pendrick é obrigado a desembarcar na ilha junto com o carregamento. Lá, ele conhece a figura do dr. Moreau, um cientista que, exilado por suas pesquisas controversas na Inglaterra, realiza experimentos macabros com seus animais.

O ponto central do livro é o resultado dos experimentos do dr. Moreau, cujos resultados não são bem explicados. Moreau não é bem um vilão, ele é um sujeito perturbado e inconsequente que preside a interação entre as bestas e os humanos, que representa críticas à política, religião, poder, cultura, enfim, sociedade em geral. E mais não conto para não estragar o prazer de quem for ler o livro pela primeira vez.

Por que trago o livro de Wells aqui, hoje? Simplesmente porque todas as vezes em que leio o nome do cientista exilado na Virginia, USA, Olavo de Carvalho, me vem à mente o dr. Moreau.


Pendricks somos todos nós, à deriva neste mundão de Deus, e que abrigados nesta ilha chamada Brasil, estamos assistindo experimentos dignos de um texto de ficção científica, com o dr.Carvalho instalando seres humanos e animais no controle da ilha, no afã de criar uma sociedade nova que, bolsonarizada, fará do Brasil um espaço que o mundo temerá.

Ou não será para temer encontrar em postos de comando na ilha do dr. Carvalho tipos como “um negro racista cuidando dos negros, uma mulher machista cuidando das mulheres, um grosseirão na educação, um destruidor da natureza no meio-ambiente, um advogado da primeira-família na Justiça, um astronauta cuidando da Terra plana… Tamos bem de ditadura, hein?”

Em tempo: a ilha do dr. Carvalho custará a incomodar o resto do mundo posto que será ignorada por todas as nações, já que ali as tripulações que trazem mantimentos não podem baixar à terra para conversar com os poucos humanos com os quais têm contato, nem trazer jornais ou revistas. Notícias, pois, são proibidas.

A não ser, é claro, as que põem em letra de forma os grandes elogios ao dr. Carvalho. Até as bestas se curvam diante dessas notícias.