quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Brasil em transição

 


O Brasil respira melhor desde que Bolsonaro foi derrotado

Recluso no Palácio da Alvorada desde a eleição de Lula em 30 de outubro e após quase uma semana de silêncio, Bolsonaro voltou a trabalhar? Não, postou uma foto em suas redes sociais.

Uma foto de julho, quando sua candidatura à reeleição foi lançada durante a convenção do PL no Rio de Janeiro. Ele acreditou até o último momento que venceria Lula – decepcionou-se.

Calou-se desde então e só apareceu duas vezes no Palácio do Planalto. A primeira no dia seguinte à derrota, e por poucas horas. A segunda na última quinta-feira, por meia hora, se tanto.

Fez falta? A impressão é que não. O país respira melhor. Bolsonaro nunca foi de pegar no pesado. Não será agora que vai pegar. O Brasil só tem a ganhar se ele se mantiver inativo até o fim.

Golpe bolsonarista foi desmoralizado por um meme

Nas 45 horas de silêncio à nação depois da derrota nas eleições, Bolsonaro conversou reservadamente com militares, pedindo informações sobre o processo de auditoria nas urnas eletrônicas conduzido pelo Ministério da Defesa. Buscava solidariedade para contestar o resultado, mas não conseguiu.

Optou então pelo discurso covarde. Não reconheceu a vitória de Lula. Ao contrário, incentivou o por ele já esperado surto golpista que havia tomado as ruas. Decidiu passar os últimos dias na Presidência como o chefe da arruaça, valendo-se de extremistas de direita, membros de grupos armamentistas, tolos, lunáticos — e sobretudo de quem os financia. Uma minoria de inconformados "patriotas" e fascistas que, não se iludam, veio para ficar e perturbar o cenário político do país.


Primeiro foram os bloqueios de estradas nas barbas da PRF, atrasando viagens e o envio aos hospitais de remédios, oxigênio e órgãos para transplante (lembram, na pandemia, quando os bolsonaristas exigiam o direito de ir e vir?). Depois os atos antidemocráticos em frente aos quartéis, com cartazes de "intervenção federal", seja lá o que eles entendam por isso. Em seguida, o assédio e a ameaça aos trabalhadores, com a hashtag #DemitaUmPetista. Por último, a convocação de uma "greve geral contra o comunismo", façanha capaz de ressuscitar Marx e Engels.

Ao apostar na baderna, Bolsonaro quer mostrar alguma força de reação para negociar seu futuro, quando terá de enfrentar o STF, o TSE e a Justiça de primeira instância. Mas o tiro, mais uma vez, está lhe saindo pela culatra. É tudo tão ridículo e doentio, tão desconectado da realidade, que até os eleitores antipetistas estão se virando contra o capitão.

Nos registros da história, este ficará conhecido como o golpe que foi desmoralizado por um meme: a imagem real do homem de boné e camiseta verde e amarela agarrado à cabine de um caminhão em movimento.

O papel do indivíduo na História

O lobo da montanha come o cordeiro na planície acusando-o de sujar sua água unicamente pelo princípio da força, e não da subordinação lógica. Como não pode, pelo instinto, fundar o direito de desvirtuar o processo causal e fazer o rio correr do vale para cima, a água do cordeiro é uma desculpa e vai sempre ser a causa da ira do lobo. Só a fábula enfrenta a fantasia do caráter irreversível da coisa malfeita.

A eleição é um cavaleiro veloz. A grita admoestatória do mercado contra o problema fiscal deveria ser da mesma grandeza da percepção do problema social. Onde está o verdadeiro estorvo? O que afeta o senso de segurança do Brasil é ser governado por quem não se interessa em saber quanto de malefício a democracia suporta. E, neste mesmo período longo iniciado nos anos 1980, a eleição de agora decidiu, por um fio de bigode, quem tem condições de encerrá-lo. O Brasil precisa dar um próximo passo.

Quando a necessidade se faz consciência, é preciso estar preparado para se manter no poder apoiado por amplas camadas da sociedade. É isso que isola a paixão política do fatalismo ruidoso do sectário e permite despontar a ação enérgica dos que se arriscam a mudar a prática.

Sim, há momentos em que os fatos sociais e psicológicos se incorporam aos fatos políticos. E exigem um talento especial do líder para ser, sinceramente, o que for necessário e útil ao momento do País, e não dele próprio. A eleição mostrou que nem sempre a força pessoal que o líder projeta é favorável a ele. Especialmente se os desafios gerais do momento dispensam as particularidades de sua personalidade.


Este é um momento destes em que é possível ver o papel do indivíduo na História criar possibilidade de ressurgimento da esperança num povo. Não é palavra de ordem nem programa preconcebido. É interpretar e discernir seu sentido com imaginação.

Nascido da harmonia das contradições, deve ter um cromatismo melhor que realce o branco, uma síntese de todas as cores. É no encontro de contraintuições, calma, que a política é um fator de dinamização de humanismo e criatividade. É hora de ouvir e escutar o mundo que nos rodeia e não deixar erodir o significado do que estamos vivendo.

Relembro um fato da minha vida política e parlamentar que, de certa forma, incorpora o princípio universal que diz que é incompreendida a ideia que vem antes da hora.

Desde os anos 1980, defendo a união da social-democracia com o movimento dos trabalhadores. Nunca achei que houvesse vanguarda de classe nas lutas políticas, mas o pluralismo das ideias múltiplas que nascem dentro do movimento social geral e progressista. Busquei a afinidade com todos os partidos onde houvesse defensores com a causa de inscrever os direitos humanos e o progresso econômico para todos no rol das coisas essenciais da vida harmoniosa e fraterna. Ganhei o apelido, um pouco carinhoso, um tanto debochado, de pelicano, meio petista, meio tucano. Tive problemas na convivência partidária interna nas campanhas por introduzir traços da cor azul em meus panfletos. Dialogava bem com os liberais modernos no Parlamento.

Quando Lula e Alckmin, dois colegas constituintes de 1988 – formuladores dos princípios do Estado Democrático de Direito que são a regra magna da Constituição brasileira – decidiram fazer campanha juntos, minha memória acordou o esquecimento daquela velha ideia de composição suprapartidária, atento à unidade nacional e à busca de construir um caminho que ofereça ao País tranquilidade e prosperidade. Fossem tempos melhores, de menos ansiedade e incerteza, aproveitadores da confusão teriam menos espaço para produzir engano nos sentidos e sentimento do povo.

O resultado da eleição para o Parlamento é prova de que a História está se fazendo, o frisson das gerações em movimento, cada vez mais claros os sinais inimagináveis destes tempos. Os seis constituintes que restaram no Congresso – Paulo Paim e Renan Calheiros, no Senado; Benedita da Silva, Aécio Neves, Lídice da Mata e Sergio Brito, na Câmara – terão a companhia dos dois constituintes que vão governar agora o País.

Ninguém mais capaz de servir às grandes necessidades do momento, de estar atento às particularidades e às influências gerais de todo este tempo do que quem vai jurar fidelidade à Constituição que ajudou a escrever. Memória das modificações mais ou menos lentas das condições sociais e econômicas, e da necessidade permanente de reforma maior ou menor das instituições, a Constituinte não agiu espontaneamente. Exigiu a intervenção de líderes adequados ou designados como capazes de escrever o estatuto do funcionamento da Nação. É evidente que ser um constituinte não é um símbolo da resolução dos problemas brasileiros, mas um sinal de que homens e mulheres assumiram a responsabilidade de formular a melhor forma de resolvê-los.

Lula e Alckmin, duas das mais importantes personalidades do Brasil, souberam converter em força política a tendência para a mudança que existe na sociedade. Não a criaram, mas, como souberam interpretá-la melhor, são agora os maiores representantes dela.