quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024
A delícia de ser roubado
Porque é que se come tão mal em restaurantes caríssimos? Finalmente posso responder: porque se come bem nos restaurantes baratos.
Depois de mais um suplício num restaurante caríssimo, a sondar a ementa com um detector de metais, a ver se localizo um tesouro que não se consiga estragar, fitei os olhos do empregado a quem me estava a queixar e vi a resposta: é impossível respeitar quem paga tanto para comer mal.
Respeitam-nos mais nos restaurantes baratos, onde a única coisa difícil de encontrar é a margem de lucro.
Depois de mais um suplício num restaurante caríssimo, a sondar a ementa com um detector de metais, a ver se localizo um tesouro que não se consiga estragar, fitei os olhos do empregado a quem me estava a queixar e vi a resposta: é impossível respeitar quem paga tanto para comer mal.
Respeitam-nos mais nos restaurantes baratos, onde a única coisa difícil de encontrar é a margem de lucro.
Estamos ali para comer bem e o facto de pagarmos pouco por esse serviço não é chamado para o caso. Pelo contrário, amigo: já que só tenho isto para gastar no almoço, ao menos que almoce bem, porra!
Porque é que as pessoas que vão a restaurantes caríssimos não vão aos restaurantes baratos onde se come bem? Para já, para evitar a companhia dos pobres. Os pobres estragam as dietas porque vê-los comer, com aquele entusiasmo que é próprio deles, aumenta o apetite.
Outro nome que dão a esse entusiasmo é “fome” e também a fome dá vontade de comer. Vê-se um pobre a comer e fica-se com a ideia de que estamos na presença da última refeição do século XXI. E lá se vai a dieta.
Vai-se a restaurantes caríssimos por todas as razões excepto comer bem. Uma delas é fingir que não se liga nada à comida: não somos nenhuns animais.
Ser-se desprezado pelos empregados faz parte do prazer. Demonstra fidalguia ser-se odiado por quem nos serve o jantar. É normal que a faca de trinchar o assado faça lembrar a guilhotina. Não há nada a fazer senão ter pena dos pobres desgraçados que nasceram para ser servos da gleba.
Se passarmos a vida a comer comida feita por quem nos odeia, tudo o que for feito com mera indiferença sabe-nos como maná. Querer comer bem num restaurante caríssimo é como ir ver um filme de Dreyer à espera de rir. A comida é apenas um pretexto para pagar uma fortuna, na companhia de outros afortunados.
Mais vale ir almoçado.
Outro nome que dão a esse entusiasmo é “fome” e também a fome dá vontade de comer. Vê-se um pobre a comer e fica-se com a ideia de que estamos na presença da última refeição do século XXI. E lá se vai a dieta.
Vai-se a restaurantes caríssimos por todas as razões excepto comer bem. Uma delas é fingir que não se liga nada à comida: não somos nenhuns animais.
Ser-se desprezado pelos empregados faz parte do prazer. Demonstra fidalguia ser-se odiado por quem nos serve o jantar. É normal que a faca de trinchar o assado faça lembrar a guilhotina. Não há nada a fazer senão ter pena dos pobres desgraçados que nasceram para ser servos da gleba.
Se passarmos a vida a comer comida feita por quem nos odeia, tudo o que for feito com mera indiferença sabe-nos como maná. Querer comer bem num restaurante caríssimo é como ir ver um filme de Dreyer à espera de rir. A comida é apenas um pretexto para pagar uma fortuna, na companhia de outros afortunados.
Mais vale ir almoçado.
Instituições funcionam como uma fossa entupida
"As instituições estão funcionando" é uma frase de quem passa pano para a crise democrática e econômica brasileira. De tão batida, no seu emprego irrealista ou picareta, se tornou cediça, podre, e motivo de sarcasmo gaiato.
Além de defeitos de base, por beneficiar quem tem mais poder ou sustentar hierarquias nefastas, o funcionamento das instituições se tornou ainda pior desde 2013, lama da qual não saímos.
Basta dar uma olhada no noticiário para notar várias instituições funcionando como uma fossa séptica entupida.
A Polícia Federal deu uma batida na casa e em escritórios do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e de agentes da PF, suspeitos de montarem um centro de espionagem na Abin, a serviço dos Bolsonaro.
Por causa disso e algo mais, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, maior partido da Câmara, chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de "frouxo".
Costa Neto, velho corrupto, ora bolsonarista, reclama que Pacheco não defende parlamentares de avanços do Supremo, queixa que é um ponto programático do parlamento negocista desde a Lava Jato, um dos motivos do levante contra Dilma Rousseff e mote de projetos de manietar o Judiciário.
A queixinha pega bem no Congresso também porque, de fato, o Supremo faz década e meia mete os pés pelas mãos, em patadas da esquerda à direita; politizou-se por iniciativa própria e com a ajuda de presidentes da República —há bancadas políticas no STF.
É um mafuá institucional.
Reportagens desta Folha têm mostrado como a cúpula militar e a do sistema de Justiça (Judiciário e Ministério Público) abocanham fatia desproporcional e despropositada dos fundos públicos por meio de salários, aposentadorias e pensões exorbitantes e gordos de penduricalhos.
Pacheco, aliás, quer inflar ainda mais os dinheiros do pessoal do sistema de Justiça.
Aqui, uma instituição informal está funcionando. Até onde a vista alcança, desde quando começou a se formar uma burocracia estatal profissional, nos anos 1930 e 1940, as classes médias altas ou altas dão um jeito de legitimar a extração de renda do Estado com a conversa de que precisam de compensação legítima pelos serviços prestados à ordem ou ao progresso nacional.
Precisam, sim, mas a conta foi muito além da que pode pagar este país pobre. Essa instituição informal perverte a instituição do serviço público, que precisa de reforma.
Por falar em rendas estatais, considerem-se as políticas industriais, ditas desenvolvimentistas. A maior parte da esquerda brasileira é engraçada. Faz 70 anos e lá vai fumaça, se dedica a promover a "burguesia nacional" ou apelidos sucedâneos mais modernos.
Muita fortuna foi engordada dos anos 1950 aos 1990 com proteção tarifária, juros de pai para filho, subsídios diretos ou taxas de câmbio amigas, tudo em nome do "desenvolvimento nacional". É um tanto menos agora, mas ainda é. Nunca privatizaram os sócios da Fiesp.
Essa esquerda mal fala de creche e escola para criança pobre, de SUS ou de contribuições da universidade para fomentar a pesquisa para o "desenvolvimento nacional", universidade bancada com dinheiro público e autônoma além da conta.
Logo depois de aparecer a nova política industrial, que até dá para discutir, o governo diz que quer ajudar a indústria naval e criar um fundo de socorro para companhias aéreas falidas.
Com base em quê? Em qual estudo? Qual instituição relativamente autônoma vai controlar o custo, a eficácia e os beneficiários da nova política de desenvolvimento, para não falar da inauguração desse novo hospital de empresas? Não existe uma instituição específica para colocar um cabresto nos favores para empresas e cobrar resultados.
O mau funcionamento do país é institucionalizado.
Além de defeitos de base, por beneficiar quem tem mais poder ou sustentar hierarquias nefastas, o funcionamento das instituições se tornou ainda pior desde 2013, lama da qual não saímos.
Basta dar uma olhada no noticiário para notar várias instituições funcionando como uma fossa séptica entupida.
A Polícia Federal deu uma batida na casa e em escritórios do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e de agentes da PF, suspeitos de montarem um centro de espionagem na Abin, a serviço dos Bolsonaro.
Por causa disso e algo mais, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, maior partido da Câmara, chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de "frouxo".
Costa Neto, velho corrupto, ora bolsonarista, reclama que Pacheco não defende parlamentares de avanços do Supremo, queixa que é um ponto programático do parlamento negocista desde a Lava Jato, um dos motivos do levante contra Dilma Rousseff e mote de projetos de manietar o Judiciário.
A queixinha pega bem no Congresso também porque, de fato, o Supremo faz década e meia mete os pés pelas mãos, em patadas da esquerda à direita; politizou-se por iniciativa própria e com a ajuda de presidentes da República —há bancadas políticas no STF.
É um mafuá institucional.
Reportagens desta Folha têm mostrado como a cúpula militar e a do sistema de Justiça (Judiciário e Ministério Público) abocanham fatia desproporcional e despropositada dos fundos públicos por meio de salários, aposentadorias e pensões exorbitantes e gordos de penduricalhos.
Pacheco, aliás, quer inflar ainda mais os dinheiros do pessoal do sistema de Justiça.
Aqui, uma instituição informal está funcionando. Até onde a vista alcança, desde quando começou a se formar uma burocracia estatal profissional, nos anos 1930 e 1940, as classes médias altas ou altas dão um jeito de legitimar a extração de renda do Estado com a conversa de que precisam de compensação legítima pelos serviços prestados à ordem ou ao progresso nacional.
Precisam, sim, mas a conta foi muito além da que pode pagar este país pobre. Essa instituição informal perverte a instituição do serviço público, que precisa de reforma.
Por falar em rendas estatais, considerem-se as políticas industriais, ditas desenvolvimentistas. A maior parte da esquerda brasileira é engraçada. Faz 70 anos e lá vai fumaça, se dedica a promover a "burguesia nacional" ou apelidos sucedâneos mais modernos.
Muita fortuna foi engordada dos anos 1950 aos 1990 com proteção tarifária, juros de pai para filho, subsídios diretos ou taxas de câmbio amigas, tudo em nome do "desenvolvimento nacional". É um tanto menos agora, mas ainda é. Nunca privatizaram os sócios da Fiesp.
Essa esquerda mal fala de creche e escola para criança pobre, de SUS ou de contribuições da universidade para fomentar a pesquisa para o "desenvolvimento nacional", universidade bancada com dinheiro público e autônoma além da conta.
Logo depois de aparecer a nova política industrial, que até dá para discutir, o governo diz que quer ajudar a indústria naval e criar um fundo de socorro para companhias aéreas falidas.
Com base em quê? Em qual estudo? Qual instituição relativamente autônoma vai controlar o custo, a eficácia e os beneficiários da nova política de desenvolvimento, para não falar da inauguração desse novo hospital de empresas? Não existe uma instituição específica para colocar um cabresto nos favores para empresas e cobrar resultados.
O mau funcionamento do país é institucionalizado.
Há Homens e homens
Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Porém, há os que lutam toda a vida.
Esses são os imprescindíveis.
Bertolt Brecht
A voz da pós-informação
Agora que boato, rumor e fake news, cartas viciadas do jogo político, ganharam status oficial de ameaça às eleições, vale reexaminar o estatuto do falso. Ponto de partida é a suspeita de jornalistas americanos de que a investigação aprofundada sobre fake news possa contribuir para fortalecê-las, na medida em que a busca da refutação não vá além da própria internet, seu berço. Resumo da suspeita: como pode a mentira desmentir-se?
No século 17, o moralista francês La Bruyère descomplicava a questão: "O contrário das notícias que correm costuma ser a verdade" ("le contraire des bruits qui courent, c´est souvent la vérité"). Tempo depois, a lógica pediu a palavra. O inglês Conan Doyle pôs na boca de seu Sherlock Holmes que "quando se elimina o impossível, o que fica, por mais improvável, é a verdade."
Com La Bruyère, notícia era ruído, longe da verossimilhança que a imprensa moderna elevaria a regra profissional. Factoide e boato foram logicamente descartáveis, mas sem abominação moral. A famosa e falsa narrativa radiofônica de invasão alienígena, eticamente condenável, não impediu Orson Welles de despontar para a glória.
A questão atual, complexa como digerir um elefante, não se resolve por fact-checking, um mata-formigas. Falsificam-se as próprias checagens. Problema mesmo é a naturalização do fluxo artificial, em que mentiras e deep-fake são linguagem de outra realidade, superposta ao real-histórico. Na rede, a substância do que se diz não pertence à consciência psicológica, mas à potência lógica da máquina, que a ultrapassa. Verdade é de menos, basta a aderência tátil do sujeito.
O que vigora na empiria científica, assim como no senso comum ilustrado, é a verdade positivista dos fatos. De certo modo, entretanto, a rede refaz o mundinho de La Bruyère, onde bastaria colocar-se a contrário dos rumores para encontrar um evento moralmente plausível.
Hoje, é insuportável a desigual realidade externa, da qual se tenta fugir. Os fatos exaurem a consciência comum, fazendo da mentira droga de escape. Verdade é fumaça offline, cara ao espírito liberal, mas reclame hipócrita na politicagem eleitoral.
Desinformação não é mais palavra-chave: o tempo é de pós-informação, o mais puro e obsceno controle social. Não há limites para a inteligência artificial generativa. Já é banal desconstruir a coerência factual pela fragmentação dos acontecimentos, redefinindo notícia como uma fogueira emocional que cada adicto está livre para alimentar na mídia social com seu pedaço de lenha moral.
Saber que informação online é o caos do sentido ao menos relativiza o falatório, em favor de contramedidas cívicas. Na real, Moraes cobra a regulamentação das redes, Lula derruba as grades da praça.
No século 17, o moralista francês La Bruyère descomplicava a questão: "O contrário das notícias que correm costuma ser a verdade" ("le contraire des bruits qui courent, c´est souvent la vérité"). Tempo depois, a lógica pediu a palavra. O inglês Conan Doyle pôs na boca de seu Sherlock Holmes que "quando se elimina o impossível, o que fica, por mais improvável, é a verdade."
Com La Bruyère, notícia era ruído, longe da verossimilhança que a imprensa moderna elevaria a regra profissional. Factoide e boato foram logicamente descartáveis, mas sem abominação moral. A famosa e falsa narrativa radiofônica de invasão alienígena, eticamente condenável, não impediu Orson Welles de despontar para a glória.
A questão atual, complexa como digerir um elefante, não se resolve por fact-checking, um mata-formigas. Falsificam-se as próprias checagens. Problema mesmo é a naturalização do fluxo artificial, em que mentiras e deep-fake são linguagem de outra realidade, superposta ao real-histórico. Na rede, a substância do que se diz não pertence à consciência psicológica, mas à potência lógica da máquina, que a ultrapassa. Verdade é de menos, basta a aderência tátil do sujeito.
O que vigora na empiria científica, assim como no senso comum ilustrado, é a verdade positivista dos fatos. De certo modo, entretanto, a rede refaz o mundinho de La Bruyère, onde bastaria colocar-se a contrário dos rumores para encontrar um evento moralmente plausível.
Hoje, é insuportável a desigual realidade externa, da qual se tenta fugir. Os fatos exaurem a consciência comum, fazendo da mentira droga de escape. Verdade é fumaça offline, cara ao espírito liberal, mas reclame hipócrita na politicagem eleitoral.
Desinformação não é mais palavra-chave: o tempo é de pós-informação, o mais puro e obsceno controle social. Não há limites para a inteligência artificial generativa. Já é banal desconstruir a coerência factual pela fragmentação dos acontecimentos, redefinindo notícia como uma fogueira emocional que cada adicto está livre para alimentar na mídia social com seu pedaço de lenha moral.
Saber que informação online é o caos do sentido ao menos relativiza o falatório, em favor de contramedidas cívicas. Na real, Moraes cobra a regulamentação das redes, Lula derruba as grades da praça.
O preço do desenvolvimento predatório na Amazônia
Na mira de grandes investimentos em obras de infraestrutura e de projetos de mineração, de energia e do agronegócio, a Amazônia é vítima de um conjunto amplo de crimes ambientais. Na maioria das vezes, são empreendimentos privados que, com o apoio dos governos estaduais e federal, aceleram o processo de desmatamento predatório e a destruição dos territórios e da vida dos povos amazônicos.
Esperada com entusiasmo pelo agronegócio, a Ferrogrão é um exemplo clássico dos projetos de infraestrutura que geram danos ambientais e violações de direitos. A ferrovia, que promete impulsionar o escoamento de grãos com um corredor de 933 quilômetros entre Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, impactará 48 áreas protegidas, entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode levar o Brasil a renunciar à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual é signatário.
O padre e ativista José Boeing, membro do Núcleo de Direitos Humanos e Incidência da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), chama atenção para o modelo de desenvolvimento adotado na região, que desconsidera a natureza e a cultura dos povos da Amazônia. “Essa ferrovia vai formar um corredor de exportação que só trará benefícios para o agronegócio. E o agronegócio não é sustentável”, afirma.
Estão previstos para a região inúmeros projetos minero-metalúrgicos, petroquímicos, hidrelétricos, hidrovias e ferrovias que não priorizam o respeito ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais. Essa é disputa entre dois modelos de desenvolvimento: o predatório e o socioambiental, segundo o bispo de Roraima e presidente da Repam, Dom Evaristo Pascoal Splengler. O primeiro, das grandes corporações e do poder financeiro, busca o lucro por meio da exploração exaustiva dos recursos da região. O segundo, considera a convivência harmoniosa com a floresta e os povos originários.
Para padre Dário Bossi, missionário e assessor da Rede Igreja e Mineração, a Amazônia sempre foi considerada como uma terra a ser conquistada e ocupada. “Amazônia foi pensada de fora para dentro, com grandes projetos considerados desenvolvimento, caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão de obra barata”.
O missionário alerta que as obras de infraestrutura na Amazônia são criadas para atender demandas e produzir riqueza para fora da região, enquanto resta para os povos amazônicos os prejuízos sociais, ambientais e econômicos. “Infelizmente é uma Amazônia pensada de fora para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constante ameaça por conta da expansão desses grandes projetos econômicos”, conclui.
O último relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada, divulgado em 2019, apontou que 68% das terras indígenas e áreas naturais protegidas estão sob pressão de estradas, mineração, barragens, perfuração de petróleo, incêndios e desmatamento.
O levantamento citado mostrou que, dos 6.345 territórios indígenas localizados nos nove países amazônicos pesquisados (Brasil, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), 2.042 (32%) estão ameaçados ou pressionados por dois tipos de projetos de infraestrutura, enquanto 2.548 (41%) estão ameaçados ou pressionados por pelo menos um. Apenas 8% não estão em situação de ameaça ou pressão.
O procurador regional da República e assessor da Repam, Felício Pontes, afirma que o primeiro problema desses grandes projetos é que eles não levam em consideração os grupos e comunidades impactadas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a realização da consulta prévia, livre e informada aos povos atingidos. “Se a consulta fosse realizada, problemas já seriam equacionados antes do início das obras, porque já sabíamos pelas pessoas que moram lá algumas consequências desses projetos que não são normalmente mencionados no Estudo de Impacto Ambiental”, destaca.
“Os projetos afetam como um todo a região, em alguns lugares, por exemplo, no caso de Belo Monte, já estamos vivenciando o ecocídio da volta grande do Xingu. A hidrelétrica mata o próprio ecossistema com a possibilidade de extinção de espécies de peixes e isso traz uma consequência terrível para essas comunidades”, conta o procurador.
Ele cita outros projetos que afetam a região, como é o caso das rodovias, que impactam no desmatamento na Amazônia e no próprio clima do planeta. “Nós já sabemos e é cientificamente comprovado que as estradas são os maiores vetores de desmatamento na Amazônia e isso atinge também aqueles que dependem da floresta para sobreviver”, afirma.
O rastro de destruição começa antes mesmo das obras, pois essas iniciativas costumam valorizar as terras e chamar atenção da especulação imobiliária. “Quando esses projetos são realizados existe uma especulação imobiliária, uma migração que em alguns lugares em até dois anos, a população local dobra. Então você imagina numa cidade em que não existe infraestrutura suficiente para dar conta da população existente no local, em termos de saúde e educação, e essa cidade vê a sua população dobrando rapidamente”, explica Felício.
À medida que se intensificam as pressões na Amazônia, fica claro o preço que se paga pelo “desenvolvimento”, pois a lógica desses grandes projetos leva a impactos ambientais irreversíveis, apresentando grandes mudanças socioambientais, o que inclui o aumento da pobreza, o deslocamento forçado de famílias, a violência e o surto de doenças.
A solução está na promoção das práticas sustentáveis, na fiscalização e aplicação das leis ambientais e no apoio de alternativas econômicas que valorizem a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas. A adoção de medidas eficazes, a conscientização global e o compromisso com a sustentabilidade são fundamentais para assegurar que a Amazônia continue desempenhando seu papel vital na manutenção do equilíbrio ambiental.
Esperada com entusiasmo pelo agronegócio, a Ferrogrão é um exemplo clássico dos projetos de infraestrutura que geram danos ambientais e violações de direitos. A ferrovia, que promete impulsionar o escoamento de grãos com um corredor de 933 quilômetros entre Sinop, no Mato Grosso, e Miritituba, no Pará, impactará 48 áreas protegidas, entre terras indígenas e unidades de conservação, e pode levar o Brasil a renunciar à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual é signatário.
O padre e ativista José Boeing, membro do Núcleo de Direitos Humanos e Incidência da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), chama atenção para o modelo de desenvolvimento adotado na região, que desconsidera a natureza e a cultura dos povos da Amazônia. “Essa ferrovia vai formar um corredor de exportação que só trará benefícios para o agronegócio. E o agronegócio não é sustentável”, afirma.
Estão previstos para a região inúmeros projetos minero-metalúrgicos, petroquímicos, hidrelétricos, hidrovias e ferrovias que não priorizam o respeito ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais. Essa é disputa entre dois modelos de desenvolvimento: o predatório e o socioambiental, segundo o bispo de Roraima e presidente da Repam, Dom Evaristo Pascoal Splengler. O primeiro, das grandes corporações e do poder financeiro, busca o lucro por meio da exploração exaustiva dos recursos da região. O segundo, considera a convivência harmoniosa com a floresta e os povos originários.
Para padre Dário Bossi, missionário e assessor da Rede Igreja e Mineração, a Amazônia sempre foi considerada como uma terra a ser conquistada e ocupada. “Amazônia foi pensada de fora para dentro, com grandes projetos considerados desenvolvimento, caracterizados pelo viés do extrativismo predatório: retirar matérias prima como látex, madeira, ouro, outros minérios, petróleo, gás, água, os quais necessitam de grandes infraestruturas para o escoamento dos produtos e de mão de obra barata”.
O missionário alerta que as obras de infraestrutura na Amazônia são criadas para atender demandas e produzir riqueza para fora da região, enquanto resta para os povos amazônicos os prejuízos sociais, ambientais e econômicos. “Infelizmente é uma Amazônia pensada de fora para dentro, onde os territórios sagrados, os bens comuns da natureza, a fauna e a flora e a manutenção da vida dos povos da floresta estão em constante ameaça por conta da expansão desses grandes projetos econômicos”, conclui.
O último relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada, divulgado em 2019, apontou que 68% das terras indígenas e áreas naturais protegidas estão sob pressão de estradas, mineração, barragens, perfuração de petróleo, incêndios e desmatamento.
O levantamento citado mostrou que, dos 6.345 territórios indígenas localizados nos nove países amazônicos pesquisados (Brasil, Venezuela, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Guiana Francesa), 2.042 (32%) estão ameaçados ou pressionados por dois tipos de projetos de infraestrutura, enquanto 2.548 (41%) estão ameaçados ou pressionados por pelo menos um. Apenas 8% não estão em situação de ameaça ou pressão.
O procurador regional da República e assessor da Repam, Felício Pontes, afirma que o primeiro problema desses grandes projetos é que eles não levam em consideração os grupos e comunidades impactadas, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que determina a realização da consulta prévia, livre e informada aos povos atingidos. “Se a consulta fosse realizada, problemas já seriam equacionados antes do início das obras, porque já sabíamos pelas pessoas que moram lá algumas consequências desses projetos que não são normalmente mencionados no Estudo de Impacto Ambiental”, destaca.
“Os projetos afetam como um todo a região, em alguns lugares, por exemplo, no caso de Belo Monte, já estamos vivenciando o ecocídio da volta grande do Xingu. A hidrelétrica mata o próprio ecossistema com a possibilidade de extinção de espécies de peixes e isso traz uma consequência terrível para essas comunidades”, conta o procurador.
Ele cita outros projetos que afetam a região, como é o caso das rodovias, que impactam no desmatamento na Amazônia e no próprio clima do planeta. “Nós já sabemos e é cientificamente comprovado que as estradas são os maiores vetores de desmatamento na Amazônia e isso atinge também aqueles que dependem da floresta para sobreviver”, afirma.
O rastro de destruição começa antes mesmo das obras, pois essas iniciativas costumam valorizar as terras e chamar atenção da especulação imobiliária. “Quando esses projetos são realizados existe uma especulação imobiliária, uma migração que em alguns lugares em até dois anos, a população local dobra. Então você imagina numa cidade em que não existe infraestrutura suficiente para dar conta da população existente no local, em termos de saúde e educação, e essa cidade vê a sua população dobrando rapidamente”, explica Felício.
À medida que se intensificam as pressões na Amazônia, fica claro o preço que se paga pelo “desenvolvimento”, pois a lógica desses grandes projetos leva a impactos ambientais irreversíveis, apresentando grandes mudanças socioambientais, o que inclui o aumento da pobreza, o deslocamento forçado de famílias, a violência e o surto de doenças.
A solução está na promoção das práticas sustentáveis, na fiscalização e aplicação das leis ambientais e no apoio de alternativas econômicas que valorizem a proteção da biodiversidade e dos ecossistemas. A adoção de medidas eficazes, a conscientização global e o compromisso com a sustentabilidade são fundamentais para assegurar que a Amazônia continue desempenhando seu papel vital na manutenção do equilíbrio ambiental.
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