segunda-feira, 6 de julho de 2015

Comunistas sem fronteiras

Foi Olavo de Carvalho quem primeiro denunciou a existência e os objetivos do Foro de São Paulo. Ele chamava a atenção para o que estava em curso e a imensa maioria dos comentaristas o acusava de ser porta-voz de uma teoria da conspiração. O FSP era visto como tema para ser balbuciado a portas fechadas e enfrentado em divã de psiquiatra. Jamais como objeto de interesse do jornalismo bem-informado. Enquanto isso, o Foro, criado em 1990, existia e se expandia. Deliberava e suas metas iam sendo atingidas.


Mesmo quando se reunia no Brasil, ele permanecia como tema sigiloso, até que o próprio Lula, então presidente, em discurso proferido no encontro de 2005, recolheu a cortina: "Foi assim que nós pudemos atuar junto a outros países com os nossos companheiros do movimento social, dos partidos daqueles países, do movimento sindical, sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política. Foi assim que surgiu a nossa convicção de que era preciso fazer com que a integração da América Latina deixasse de ser um discurso feito por todos aqueles que, em algum momento, se candidataram a alguma coisa, para se tornar uma política concreta e real de ação dos governantes. Foi assim que nós assistimos a evolução política no nosso continente".

Hoje, os partidos do FSP governam 12 países da região e são a principal oposição em outros quatro. A partir dele se entende que o Brasil ande de cambulhada numa geopolítica exclusivamente petista, como as decorrentes da concepção de "Pátria Grande" (defendida por Lula quando se reúne com os seus). Também a partir do Foro, se explicam: a) o oneroso apoio brasileiro aos países do grupo; b) o nosso envolvimento com encrencas e dificuldades do Paraguai, Honduras, Venezuela, Cuba, Bolívia, El Salvador; c) os conciliábulos da Unasul e a criação da Escola Sul-Americana de Defesa; d) as incursões das FARC em território brasileiro; e) o desdém de Dilma aos presos políticos de Cuba e Venezuela; e f) a contrastante conduta do nosso governo durante as duas visitas de senadores brasileiros em recentes viagens a Caracas.

Quem conhece a história do FSP, nascido no rescaldo do fim da URSS, sabe que a entidade é uma espécie de "Comunistas sem fronteiras", ao qual a nação está sendo entregue, empacotada como presente à tal Pátria Grande. É intolerável que as afinidades e estratégias políticas de um único partido, conectado com os interesses de organizações comunistas internacionais, determinem nossa política externa e não passem pelo crivo das instituições da República.

É preciso não calar

A tara do adesismo na política brasileira

Sendo a política predominantemente concebida no Brasil como “o que ocorre em torno do Estado”, não há vacina poderosa o suficiente para imunizar os políticos da forte atração centrípeta do Estado e que se manifesta sob a forma de um adesismo que tende à unanimidade.

Só não tem base política no Legislativo aquele governante que não a quiser. Qualquer novo governo no Brasil se não fechar as portas do poder será invadido.

Não há barreira programático/ideológica, partidária ou ética que seja capaz de conter o vício tentador da adesão ao poder, aos cargos, mordomias e, não raras vezes, o acesso às facilidades para a corrupção.

A expressão mais acabada dessa característica da cultura política brasileira se manifesta nas ondas de unanimidade nacional que varrem os cenários políticos, uma vez definido o vencedor.

Foi assim com os governos da ARENA durante o regime militar que, graças a esse fenômeno, acabou sendo caracterizada pelo deputado Francelino Pereira, como o maior partido do ocidente.

O fenômeno repetiu-se novamente com a campanha das Diretas já, transferindo-se logo após para o processo de formação da Aliança Democrática formada para dar sustentação ao governo Tancredo/Sarney.

O Plano Cruzado foi outro episódio emblemático do adesismo. O PMDB, amparado em Sarney e no seu plano, elegeu todos os governadores estaduais, com apenas uma exceção!

O mesmo processo repetiu-se com o impeachment de Collor, e os “caras pintadas” que, em grandes números, saiam dos shoppings para as ruas.

Também na formação do governo Itamar mais uma vez se formou uma onda de unanimidade.

Fernando Henrique com o plano real obteve vitória em 1º. Turno e, navegando mais uma onda de quase unanimidade, não teve problemas para conquistar maioria no Congresso, sempre que se empenhou.

Por fim o governo Lula levou sua quase unanimidade decorrente do adesismo a um verdadeiro paroxismo que até agora se mantém com a Presidente Dilma.

Foi no ciclo Lula que o paradigma do estado hegemônico, o adesismo e o populismo se amalgamaram para dar uma nova feição ao sistema político brasileiro.

Esta “tara adesista” de boa parte da classe política e empresarial, tão característica de nossa cultura e prática política, compromete severamente a independência dos poderes, a eficiência do governo e, em consequência a qualidade de nossa democracia.

História antiga

Na época das vagas magras
redemocratizado o país
governava a Paraíba
alugava de meu bolso
em Itaipu uma casa
do Estado só um soldado
que lá ficava sentinela
um dia meio gripado
que passara todo em casa
fui dar uma volta na praia
e vi um pescador
com sua rede e jangada
mar adentro e saindo
perguntei se podia ir junto
não me reconheceu partimos
se arrependimento matasse
nunca sofri tanto
jogado naquela velhíssima
jangada
no meio de um mar
brabíssimo
voltamos agradeci
meses depois num despacho
anunciaram um pescador
já adivinhando de quem
e do que se tratava
dei (do meu bolso) três contos
é para uma nova jangada
que nunca vi outra
tão velha
voltou o portador
com a seguinte notícia
o homem não quer jangada
quer um emprego público


 Francisco Soares Alvim Neto 

O papa e a crise civilizatória e humanitária


Quando soube da nova encíclica do papa Francisco, lembrei-me de um judeu, meu professor Ignacy Sachs. Há 45 anos, ele abriu meus olhos para o limite “ao” crescimento, devido às restrições físicas, e para o limite “do” crescimento, pela impossibilidade de o consumo supérfluo fazer uma humanidade mais feliz.

Mas, por décadas, aqueles que indicavam os limites “ao” e “do” crescimento propondo um novo modelo de desenvolvimento para as nações foram rejeitados pela “teologia do crescimento”. A ideia do progresso como sinônimo de produção e consumo crescentes domina o pensamento social como uma doutrina religiosa. A escassez de recursos e as mudanças climáticas passaram a mostrar os limites físicos da natureza; a desigualdade social crescendo ao ponto de quase romper o sentimento de semelhança entre os seres humanos; o vazio existencial e as crises econômicas mostraram os limites éticos do crescimento.

Quando a palavra “decrescimento” passou a ser utilizada como uma alternativa, escrevi sobre o assunto; um leitor publicou crônica em outro jornal dizendo que eu havia sido submetido a uma lobotomia. Na verdade, a insanidade na voracidade do processo da produção e consumo há quase 50 anos apresenta indicadores de esgotamento. Apesar da crise ecológica, a “teologia do crescimento” continuou dominando o pensamento social e a prática política; e as críticas ao crescimento como vetor do progresso humano continuam sendo denunciadas como gestos de insanos.

O mundo atual não tem estadistas porque os políticos estão divididos entre aqueles prisioneiros da lógica do impossível crescimento econômico ilimitado e para todos e aqueles considerados “lobotomizados”, porque apresentam alternativas de outro futuro, negando as bases filosóficas e econômicas da civilização industrial. A nova encíclica do papa Francisco traz um raio de luz para o debate sobre o futuro desejado e possível para a humanidade. Sua fala vai provocar uma luz na escuridão do debate político no mundo de hoje. Ainda mais: ele oferece uma “teologia da harmonia” para substituir a “teologia do crescimento”.

Com sua encíclica, o papa Francisco se sintoniza com a crise civilizatória e humanitária – desequilíbrio ecológico, divisão social, migração em massa, desemprego, violência, intolerância – e propõe a necessidade de construirmos uma nova civilização, na qual o crescimento seja um instrumento, mas não o propósito em si; e o decrescimento na produção, em alguns lugares e para certas camadas da sociedade, passe a fazer parte das estratégias de evolução humana.

Com sua autoridade moral, ele contribui para que o debate não mais seja entre o socialismo, que não deu respostas, e o capitalismo, que deu respostas erradas, mas entre a civilização regida pela “teologia do crescimento” e a civilização orientada pela “teologia da harmonia” entre os seres humanos e destes com a natureza que os sustém.

Pensamentos confusos e palavras sem nexo

Pensando bem, não deveria ser surpresa. Elevar ou permitir à elevação da ignorância a categoria de pensamento era obviamente um erro. Erro que, dada à ilusão de bonança, preferimos tolerar. Por muitos anos.


Como todas as coisas aparentemente inexplicáveis, foi terremoto em câmera lenta. Embora a olhos vistos, as mudanças para pior, por lentas e incrementais, foram sendo aceitas, aclamadas e até incentivada.

Foi assim que começamos engolindo a ideia de que ignorância não era condição temporária a ser superada, mas sim, qualidade a ser cultivada. Permitimos que a preocupação com melhoria do padrão intelectual fosse confundida (propositalmente ou não) com elitismo, bacharelismo, coisa a ser evitada.

Ficou impune, e frequentemente aplaudida, a ojeriza à leitura. Ler virou coisa a ser evitada a qualquer custo. Quem lê virou adversário ideológico, ou objeto de chacota. Estudar e aprender, uma desnecessidade. Caminhamos na direção errada. Sem resistir. Sem debater. Sem desconfiar. Passivos, como quem não se importa.

Primeiro abdicamos da qualidade das ideias, do seu debate, da sua importância. Letras não mais iluminavam. Eram apenas figuras decorativas, passatempos indesejáveis. Coisa de gente desocupada.


Tendo eliminado a conexão entre conhecimento e reconhecimento, piorar era somente questão de tempo. Pouco tempo. Foi assim que substituímos gente com ideias ruins por gente sem ideia alguma.

O idioma torturado foi substituído por língua que lembra o português. Momentos de lucidez se tornaram raros, quase ameaçados de extinção. Governantes foram dispensados de fazer sentido.

Liderança exercitada por cérebros baldios somente poderia dar em desatino desnecessário. E deu no que deu. Ideias sem nexo resultaram em ações sem sentido. Fonte de material para comediantes. E de constrangimento para os cidadãos.

Se voltar no tempo fosse permitido, talvez tudo pudesse ser evitado. Mas o tempo é vingativo. Não volta. A todos pune com a violação de ouvidos, corações e mentes em cascatas intermináveis de pensamentos confusos, empacotado em palavras sem nexo, formando sentenças indecifráveis, cometidas por gente desprovida de ideias.

Cruelmente, o tempo condena os cidadãos a saudar a mandioca. Por muito tempo, aparentemente.

Pior é melhor?

Vivemos no Brasil um momento de completa falência das instituições, de desprestígio da lei, em que uma fábrica de denúncias decide da vida e da história de cada um pela simples suposição, pela suspeita, pela delação premiada oferecida por criminosos declarados. Paramos o país, as pessoas estão sendo desempregadas, a inflação recrudesce, o povo tem fome, está doente, sem segurança. Não há oportunidades, não há perspectivas e não há esperança e sobram holofotes. As responsabilidades se avolumam e não esperam. Teimosamente mantemos nossas energias aplicadas no denuncismo, no quanto pior, melhor.
Luiz Tito, "Quanto pior, melhor. Mas para quem?"

Flip, termômetro da crise

Há uma coisa muito triste, que é a transformação da cúpula do Partido dos Trabalhadores; e não estou dizendo que não há pessoas honestas, claro que há; mas há uma transformação numa cúpula de gente corrupta que trabalha num esquema mafioso e de gangue
Boris Fausto

Em um ano de crise política e econômica, a Festa Literária de Paraty não ficou alheia aos entraves e contradições brasileiras. Declarações fortes sobre escravidão, corrupção, colonialismo e outros aspectos do passado e do presente brasileiros apareceram nas encontros de autores dos dois dias mais nobres da festa, sexta-feira e sábado. Tudo sempre mediado pela literatura, com seus alcances e limitações diante da vida cotidiana.

O respeitado historiador brasileiro Boris Fausto (84), que nunca havia participado de uma Flip, abriu a programação de sábado para falar do livro de memórias – O brilho do bronze (Cosac Naify) – que escreveu sobre sua esposa, a educadora Cynira Stocco Fausto, morta por um câncer em 2010. Comoveu os presentes com memórias relatadas de maneira sensível, mas foi capaz de provocá-los ainda mais quando fez comentários políticos bastante críticos, entrevistado pelo jornalista Paulo Roberto Pires.

"A partir da entrada do PT no governo houve momentos de razoável equilíbrio financeiro combinados com a possibilidade de realizar um equilíbrio social. Mas a partir do segundo governo Lula houve uma política econômica inadequada, ideológica, que levou a esse quadro. Levou à cúpula do partido uma cúpula de corruptos, um sistema mafioso gigante", afirmou, sob aplausos calorosos. Sobre o PSDB, também não economizou declarações fortes: "A oposição não tem conseguido ser oposição. Não tem coragem de dizer que é contra a corrupção que se instalou, que é um partido de classe média. Falta coerência. Uma alternativa seria muito importante nesta situação, mas infelizmente não temos”.

Em seguida, a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e a jornalista portuguesa Alexandra Lucas Coelho subiram ao palco da tenda principal com a missão de partir de "Turistas aprendizes" – livro do homenageado do evento, Mário de Andrade – para falar de suas experiências de viagem, relatadas respectivamente nos títulos "Viagens: da Amazônia às Malvinas" e "Vai, Brasil", ambos recém-publicados no Brasil. O discurso de ambas despertou interesse ainda maior quando passou à corrupção, no caso de Sarlo, e ao colonialismo, no de Coelho.

"Há um caminho de esperança no Brasil, porque a Justiça está atuando contra a corrupção. Em meu país, o vice-presidente está enfrentando um processo e mesmo assim não deixou o cargo. A corrupção é condenável em todas as suas formas, mas no Brasil vejo mais esperança para resolver esse problema”, opinou a argentina. Já a portuguesa, que atuou como correspondente do Público, jornal de Portugal, no Oriente Médio e no Rio de Janeiro, confessou: “Precisei dar a volta no mundo e lidar com o colonialismo dos outros para chegar ao Brasil e conhecer 500 anos de história viva que têm relação com o país de onde eu vim”.

Deus interfere na Terra?


Um de meus conhecidos vive sob o constante medo de doenças, terremotos e furacões, além de outras desgraças. Seu guru espiritual, mediante parcelas mensais em dinheiro vivo, garante que, por causa dos pecados cometidos pelos brasileiros, os céus logo se vingarão, lançando-nos terríveis catástrofes. Como prova, o guru cita os tremores e maremotos que sempre acontecem no Japão, enviados pela ira divina porque os nipônicos ainda não se converteram ao Evangelho. Parece incrível que, em pleno século 21, existam pessoas perversas a ponto de usar este tipo de argumento para intimidar outras. Mais incrível ainda, em pleno século 21, há gente que acata essa tosca e falsa argumentação.

Dois mil e quinhentos anos atrás, um grupo de pensadores de várias regiões da Grécia, chamados pré-socráticos, constatou que os deuses não interferiam na natureza, isto é, a natureza possuía regras, padrões e leis próprias que funcionavam à revelia de qualquer deus. Deuses de um lado, natureza de outro. A filosofia ocidental brotou desse movimento. A ciência também.

Desde então, o conhecimento se desvinculou do céu e se ligou à terra, ou seja, aos seres humanos, ao raciocínio, à observação, à indução, à intuição. Resultado: passamos a viver mais e melhor. Os raios pararam de ser despejados por Zeus do alto do Olimpo e se tornaram uma questão climática. Em vez de punição celestial, a peste negra virou uma doença causada por micro-organismos, passível de ser evitada. A Terra deixou de ser o centro do Universo.

Os pré-socráticos, apesar da ingenuidade de muitas de suas teses, buscaram explicações racionais para os fenômenos. A partir dessa ingenuidade, a sabedoria evoluiu durante dois milênios e meio até descobrirmos que terremotos e tsunamis são provocados pelo movimento de placas tectônicas, desde muito antes do primeiro ser humano andar sobre a Terra. Não existe, tampouco existiu ou existirá, intervenção divina.

Os pré-socráticos valem como curiosidade. A vasta maioria de suas obras se perdeu, mas são suficientes, no entanto, para demonstrar que, vinte e cinco séculos atrás, eles tinham a mente mais aberta, honesta e inteligente que certos gurus de hoje e queriam dar a todos os seres humanos não um dia de medo e temor, mas um dia de bom senso e boa informação.