terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Têmis vai acabar nua

Não está fácil ser Deusa da Justiça. Têmis que o diga. Juristas trabalham dia e noite na busca de técnicas de remoção da venda dos olhos da justiça. Considera-se até mesmo via cirúrgica. Ou, se necessário, amputação.

Em inesperado (ou talvez previsível) e espetacular sequência de eventos, juristas buscam a freneticamente cura da cegueira que, dizem, deveria prevalecer na aplicação da lei. Remover pública e institucionalmente a venda de Têmis virou prioridade. Ainda que a custa da humilhação da filha de Urano e de Gaia.

Imagem relacionada

Em esforço sem precedentes, juristas tropicais consideram prioritário a aplicação desigual da lei tornando inadmissível que a justiça não leve em consideração a identidade do condenado. Nos trópicos, a justiça tem horror a regra. Mas é apaixonada pela exceção. Para ela, fatos, são muitas vezes secundários. E sempre relativos.

Já sabíamos que o país havia tempo navegava sem bússola. Deriva é coisa que parece nunca incomodar. Direção e sentido são coisas para lugares onde jabuticabeiras não crescem. Não causa surpresa que em nação viciada em fraude, a balança da justiça sempre funcione adulterada.

Muito menos é causa para espanto que a espada da justiça, raramente utilizada, seja enferrujada, sem corte, ou que careca do peso necessário ao fim (ou pelo menos redução) da impunidade. Até aí, tudo normal na terra da anormalidade.

A novidade agora é simplesmente assumir publicamente que que a lei vale de acordo com a cara do freguês. Já que aparentemente aumentar a estatura do nosso sistema legal é carta fora do baralho, a decisão considerada sensata parece envolver o rebaixamento do teto. Sem medo de ser feliz.

Não que igualdade na aplicação da lei ser considerada uma tradição, ou mesmo corriqueira no um dia foi o país do futebol. Acreditar no equilíbrio da justiça tropical talvez seja absurdo. E certamente insensato. Seria simples propensão inaceitável ao autoengano. Inconsequente mesmo.

Mas haviam as aparências. Ou no mínimo a preocupação ou a tentativa de salva-la, mesmo que com narrativas e justificativas esfarrapadas, espalhadas por tediosas palavras nas toneladas de documentos ininteligíveis depositados na pilha de processos parados no sistema judiciário tropical.

Mas em tempos de maldade insolente, aparência perdeu a serventia. Diante da exaustão de argumentos que, mesmo carecendo de sentido, sejam minimamente lógicos, faltam opções para justificar o injustificável. Resta abraçar o horror.

Evoluímos da hipocrisia para a simples institucionalização escancarada da injustiça. Não é mesmo tempo ou lugar para justiça cega. Têmis que se cuide. Vai acabar nua.

Imagem do Dia

janetmillslove:  Oregon ✿⊱╮ moment love                                                                                                                                                     Mais

Temer trata como rotina o que parece criminoso

Numa entrevista à Rádio Bandeirantes, Michel Temer defendeu as nomeações políticas. Declarou: “Quando o presidente chega, são cerca de 200 cargos para preencher. Você quer que eu sente e eu escolha as 200 pessoas com critérios de moralidade absoluta? Muitas vezes chegam sugestões. Se são nomes inconvenientes, que não atendem a critérios éticos, muito bem, o governo dirá que não aceita, mas o fato de indicar não é um fato criminoso, é um fato sensível a uma democracia.” Ai, ai, ai…


É desalentador que, com a corrupção a pino, um presidente ainda pergunte diante de um microfone: “Você quer que eu escolha pessoas com critérios de moralidade absoluta?” Dá vontade de responder: Não, pode continuar nomeando salafrários! Dias atrás Temer se recusou a atender ao pedido da Procuradoria para afastar diretores suspeitos da Caixa Econômica. Teve de voltar atrás. Um dos diretores afastados, Roberto Derziê, tinha vinculações com o próprio Temer.

A Lava Jato dissolveu a Presidência de Dilma, enfiou duas denúncias criminais na biografia de Temer e aproximou Lula do xadrez. Mas a ficha de Temer ainda não caiu. Na escolha dos seus auxiliares mais próximos, Temer optou pelas más companhias. Hoje, os amigos do presidente se dividem em dois grupos: quem não tem mandato nem cargo no ministério está na cadeia. Os outros continuam protegidos dentro da bolha do foro privilegiado. Ética e moralidade tornaram-se abstrações. Para Temer, o que todos consideram criminoso não passa de rotina.

Tragédia divina

Aconteceu lá em Bihar, na Índia: a administração de um templo decidiu nele instalar uma lata de lixo em formato de canguru - para descobrir, horrorizada, que esta acabou virando objeto de adoração pelos fiéis, que a tomaram por uma divindade! A lata de lixo passou a ser lavada com água "santa" e a receber moedas dos devotos!

Na África do Sul abriu-se uma igreja de nome "Gabola" - "bebida", no idioma Tswana. Os cultos são celebrados por um bispo, devidamente paramentado, pelos bares da cidade - durante os quais é incentivado o consumo de todo tipo de bebida. Detalhe final: os batismos são realizados não com água, mas com cerveja.

No Paquistão um certo elemento de nome Ghazi Khan, casado, decidiu dedicar-se à bestialidade, "estuprando" um jumento. Surpreendidos, foram levados a julgamento - ele e o infeliz animal. O veredito considerou ser o "adultério" contrário aos fundamentos religiosos, razão pela qual condenou-se à morte… o jumento!

Enquanto isso, na Malaysia, as lanchonetes terão que rebatizar os populares "cachorros-quentes". O motivo é um decreto emitido por dada autoridade religiosa governamental, que entende serem os caninos "impuros".

No avançado Japão surgiu um robô cuja função é celebrar cultos em cerimônias fúnebres, inclusive lendo textos religiosos. Ainda naquele país lançou-se o serviço de funerais "drive-through". Funciona assim: o motorista para o carro ao lado de uma cabine, e, sem sequer desligar o motor, acende um incenso oferecido por um funcionário, faz uma oração, assina o livro de presenças e… vai embora!

Ainda sobre cerimônias fúnebres, em Madagascar as autoridades sanitárias fizeram um apelo desesperado: que as pessoas parem de dançar com defuntos em enterros, prática religiosa que tem disseminado epidemias - muitas delas resultando em centenas de mortes.

Nos EUA e na Holanda reconheceu-se oficialmente a Igreja do Monstro do Espaguete Voador como uma religião. Sua doutrina é simples: há o paraíso e o inferno, ambos com vulcões de cerveja e mulheres praticando "strip-tease". A diferença: no inferno a cerveja é "choca" e as dançarinas transmitem doenças.

Diante deste quadro, superior ao espaço e ao tempo, fico a pensar em Horace Walpole, ao exclamar que "a vida é uma comédia para os que pensam e uma tragédia para os que sentem".

Pedro Valls Feu Rosa

O que aprendi no Facebook, que abandonei

paulo ferreira
Alguém me disse que às vezes, na vida, é necessário perder uma coisa para apreciá-la. Foi o que aconteceu com a minha experiência no Facebook, que decidi interromper, porque, contradizendo o que havia proposto aos meus muitos amigos, que fosse um espaço de reflexão e discussão sobre o que vivemos, com total respeito às diferenças que sempre nos enriquecem, alguns, em vez de contribuir para o diálogo, declararam guerra com descomedimentos e insultos. Não percebi quão fortes podem ser os laços de amizade que se criam na rede, à distância, até anunciar que estava saindo. De repente, fui inundado por um rio de declarações positivas sobre o que, segundo eles, eu lhes havia proporcionado. Mensagens que pareciam de pessoas que eu conheci e amei sempre e que me repetiam como um mantra: “Juan, não vá embora”.

Essas mensagens me confirmam que os descomedidos são minoria nas redes sociais, apesar do barulho que fazem. A grande maioria é de mergulhadores em busca da verdade e da felicidade. Do encontro amistoso, dos pequenos detalhes de beleza que alegram e enriquecem a vida. Minha colega do EL PAÍS, Flávia Marreiro resumiu assim minha saída do Facebook: “Sim, uma pena. Perde delicadeza e amor aos detalhes que me davam um beliscão para acordar muitas vezes”. E outra colega do jornal, María Martin, me pede para ao menos continuar enviando-lhe fotos das minhas orquídeas por WhatsApp.


Não poderei responder a todas as mensagens de solidariedade, mas como a grande maioria é de meus leitores no jornal, isso me permitiu oferecer-lhes essa reflexão com um grande abraço para todos e cada um. Quero, no entanto, destacar a mensagem de um dos jornalistas que mais admiro e respeito neste país, Ricardo Kotscho, que nunca encontrei, mas sei que é um desses colegas que não se vendem ou se deixam comprar. Ele me escreve resumindo o que neste momento me preocupa: “Pedir reflexão e debate, em lugar de ofensas e agressões, é o sonho de todos nós que vivemos de escrever. Mas isto está cada vez mais difícil. Vou continuar lendo teus artigos que tão bem retratam o Brasil. Não vá embora. Fique com meu abraço”. As palavras de Kotscho me lembraram o que outro grande mestre do jornalismo brasileiro, Clóvis Rossi, me escreveu quando me deram o Prêmio Comunique-se de correspondente estrangeiro. Ele me disse com humor que o prêmio era injusto porque não sou um jornalista estrangeiro, mas “mais brasileiro do que ninguém”. Esses abraços de colegas que admiro e amo e que considero como mestres do nosso difícil ofício de contar às pessoas o que o poder se esforça para esconder, compensam quando me escrevem para que eu vá “para a minha Espanha de merda porque não entendo o Brasil”.

Não sei se entendo isso como gostaria, pois de vir para cá, há 20 anos, sociólogos espanhóis e italianos me diziam que o Brasil é um laboratório de coexistência entre as diferenças que deveria ser mais bem estudado. Talvez a intolerância que a luta política semeou tenha ofuscado essa realidade. Se eu talvez não conheça todas as riquezas que este país encerra, sei que eu o amo. Gal Fernandes, que também não conheço, me diz que guardou meu artigo “Tudo é enorme no Brasil, menos o biquíni” porque “adorou”. Gostaria de terminar esta coluna com as últimas linhas daquela peça que ofereço a todos os meus amigos do Facebook, que continuarei a seguir, embora sem participar: “Pequeno, no Brasil, eu só encontrei os biquínis e a falta de generosidade dos poucos que acumulam a maior parte da riqueza do país. O Brasil, com todas as suas corrupções e contradições, é essa enormidade que se deixa amar e que acabou me conquistando”.