segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Brasil evangélico


A insensatez e a classe média

Uma das canções mais famosas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Insensatez é um clássico da bossa nova. Lançada em 1961, seus arranjos de piano, de autoria de Tom, revelam clara influência do Prelúdio nº 4 em Mi Menor de Chopin, ao passo que a letra é uma espécie de autocrítica amorosa de Vinicius, poeta de muitos casamentos e separações: “Ah, insensatez que você fez/ Coração mais sem cuidado/ Fez chorar de dor o seu amor/ Um amor tão delicado”.

Não foi à toa que Insensatez fez uma espetacular carreira musical no Brasil e no exterior, gravada por João Gilberto, Astrud Gilberto e outros grandes artistas brasileiros, como Nara Leão, Elis Regina, Sylvia Telles, Maria Creuza, Roberto Carlos e Fernanda Takai; a versão inglesa, de Norman Gimbel, por Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Peggy Lee, Nancy Wilson, Morgana King, Stan Getz, Claudine Longet e Dianna Krall. Na voz de Iggy Poop, mais recentemente, fez parte da trilha do filme Sete Vidas, com Will Smith no papel principal.

O filme é uma história sobre sentimento de culpa e depressão de um homem que se envolve num acidente automobilístico no qual morreram sete pessoas e cuja redenção, ele acredita, depende de salvar sete vidas. A letra de Insensatez mostra como fraqueza revela as ações desalmadas e apela à razão e à sinceridade como atitudes que levam ao perdão: “Vai, meu coração, ouve a razão/Usa só sinceridade/ Quem semeia vento, diz a razão/ Colhe sempre tempestade”. Termina com uma autoadvertência: “Vai, meu coração, pede perdão/ Perdão apaixonado/ Vai, porque quem não perde perdão/ Não é nunca perdoado”.


A bossa nova foi uma revolução musical que assinalou dois fenômenos interligados: a emergência cultural da classe média e “verticalização” das cidades. Surgiu na euforia dos Anos Dourados do governo Juscelino Kubitschek, protagonizado por um grupo de jovens músicos e compositores da classe média carioca que queriam promover a cultura brasileira internacionalmente. Seu marco fundador é a gravação de Chega de saudade num compacto simples, por João Gilberto, cuja batida de violão se inspirou no tamborim para revolucionar o que, na voz de Elizeth Cardoso, segundo Tom Zé, em Estudando a bossa, “era apenas mais um samba-canção.”

O LP Chega de saudade consagrou a bossa nova um ano depois, projetando Tom Jobim e Vinícius de Moraes nacional e internacionalmente. A seguir, o estrondoso sucesso de Garota de Ipanema, na voz de Astrud Gilberto, com Stan Getz no sax, João no violão e Tom no piano, fez dessa música uma das 50 grandes obras musicais da humanidade, segundo a Biblioteca do Congresso norte-americano. O canto falado de João Gilberto, influenciado pelo samba e pelo jazz, rompeu o paradigma da grande voz operística, sendo considerado a simbiose perfeita do violão e da voz, e passou a ser imitado por sucessivas gerações de instrumentistas e cantores.

Com a bossa nova, um banquinho e um violão bastavam para encher de amor e poesia os pequenos bares boêmios e os ambientes apertados dos apartamentos. Com o golpe militar de 1964, a bossa nova passou a abordar temas sociais e políticos e suas letras românticas passaram a ter dupla interpretação, uma forma de contestação política da classe média. Em razão da repressão instaurada pelo regime militar, acabou dando origem à chamada MPB, a moderna música popular brasileira. Entretanto, a estética da bossa nova até hoje serve de referência para inúmeros artistas.

Em 2012, um estudo feito pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, então sob comando do ex-ministro Moreira Franco, calculou a classe média brasileira em 104 milhões de pessoas. Segundo o levantamento, no curto período de 10 anos, 35 milhões de brasileiros haviam passado à condição de classe média, graças à criação de 18 milhões de empregos formais no período. A renda média desse segmento havia crescido 3,5% ao ano, enquanto a das demais famílias cresceu, no mesmo período, 2,4% ao ano. A nova classe média movimentava cerca de R$ 1 trilhão/ano na economia.

Esse ganho se perdeu com a recessão do governo Dilma Rousseff, que se pautou pela insensatez na economia, levando a classe média de volta aos antigos patamares demográficos. Na política, os que se mantiveram na classe média, diante do risco de perder essa condição, e os que voltaram à pobreza, mas não se conformam com a perda desse status social, promoveram o giro à direita que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder. Entretanto, com a insensatez na política e a persistência do desemprego, há muitos sinais de descolamento desses segmentos do atual governo. Afinal, como na música que até hoje encanta os corações de classe média, nem sempre é mais seguro ser temido do que amado; a maldade pode ser um sinal de fraqueza, como diriam Tom e Vinicius: “Ah, porque você foi fraco assim? / Assim tão desalmado/ Ah, meu coração, quem nunca amou / Não merece ser amado”.

O stand-up do Alvorada

Eleito com a alcunha de mito, Jair Bolsonaro faz do ato de governar um espetáculo. Desde que assumiu o cargo, viajou oito vezes ao exterior. Reuniu-se com líderes europeus da envergadura de Angela Merkel e Emmanuel Macron, além de dois encontros com Donald Trump.


A trajetória poderia ser um grande salto para quem há pouco menos de um ano era um deputado do baixo clero. Mesmo assim, nenhum desses feitos foi capaz de despertar no chefe do Executivo o mesmo entusiasmo que tem ao desempenhar seu papel favorito, de "showman".

Buscando difundir sua narrativa, nas últimas semanas, Bolsonaro passou a se dividir entre as lives nas redes sociais e a porta do Palácio da Alvorada, de onde tem falado pelas manhãs. Como um apresentador de programa de auditório, aguarda a plateia antes de aparecer. Na ausência de apoiadores do lado de fora, o comboio passa direto. As interações com a imprensa no local garantem ao presidente chamadas nos principais veículos. Como o ofício de showman não é compatível com o de dirigente de um país, suas declarações ofuscam o governo.

Para proteger sua narrativa, o mandatário pede que os auxiliares filmem tudo. Antes de falar com jornalistas, para no cercadinho dos fãs, convidados a vigiar o trabalho dos profissionais. Nas entrevistas, que duram 20 minutos, Bolsonaro fala sobre economia, política e violência e quase sempre termina na metáfora de casamentos. Quando uma pergunta o incomoda, encerra a entrevista com grosseria ou devolve ao repórter uma questão provocadora. Raramente se alonga quando confrontado com temas econômicos. Na polêmica, se solta.

O aumento dos stand-ups presidenciais coincide com a ida de generais do Exército para as coxias. Augusto Heleno (GSI) sumiu das lives. O porta-voz, Otávio Rêgo Barros, teve briefings diários esvaziados. Talvez estejam reunidos no teatro de operações do Planalto, de onde esperam Bolsonaro retomar a cadeira de comando.

Lição de casa

Os profetas convencionais erraram na previsão de que a guerra comercial entre EUA e China se dissolveria numa paz administrada por sucessivos acordos parciais. A China dobrou a aposta, permitindo a flutuação do renminbi, uma paliçada destinada a proteger sua economia num confronto de longa duração. Frustrado, Donald Trump rumina a ideia explosiva de intervir nos mercados de moedas, deflagrando uma guerra cambial. Nesse cenário, Jair Bolsonaro precisaria fazer a lição de casa, revisitando a política externa conduzida por Getúlio Vargas na década de 1930.

Naquele intervalo dramático, entre o crash de 1929 e a Segunda Guerra Mundial, EUA e Alemanha protagonizaram uma disputa global por esferas de influência econômica. Vargas definiu como sua prioridade o programa de arrancada industrial e a política externa apropriada: uma estratégia de equidistância ativa e pragmática. O Brasil navegaria a tormenta incrementando o intercâmbio com as duas grandes potências.

Assinamos Acordos de Compensação com a Alemanha, em 1934 e 1936, que facilitavam o comércio direto, sem uso de divisas internacionais. As importações de bens alemães saltaram de 9% do total, em 1932, para 25%, em 1938. Paralelamente, em 1935, o Brasil firmou um Tratado de Comércio com os EUA, o que suavizou a redução no fluxo de intercâmbios bilaterais. Os produtos americanos, que representavam 30% das nossas importações em 1932, ainda contribuíam com 24% do total em 1938.


O jogo pendular propiciou contratos de modernização militar com a Krupp e outras empresas alemãs, numa ponta, e concessões americanas no pagamento da dívida brasileira, além de ajuda técnica para a criação da Sumoc, berço de nosso Banco Central, na outra. A equidistância perdurou até o início da guerra, quando Vargas inclinou-se aos poucos para o campo dos Aliados. O lance final foi a barganha da declaração de guerra ao Eixo em troca do financiamento americano para a implantação da Companhia Siderúrgica Nacional.

A Grande Depressão devastou o sistema de comércio internacional e destruiu o padrão ouro, delineando a paisagem tumultuosa na qual desenrolou-se a disputa geopolítica entre EUA e Alemanha. Hoje, nove décadas depois, a rivalidade entre EUA, a potência estabelecida, e China, a potência ascendente, ameaça romper o intrincado tecido da economia globalizada.

Sob o neonacionalismo trumpiano, os EUA estão muito perto de ceder à tentação da guerra cambial. No horizonte de curto prazo, a estratégia de manipulação do dólar provocaria violentas ondas especulativas nos mercados financeiros, sem reduzir o déficit geral na conta-corrente dos EUA. Num prazo mais longo, a aventura abalaria o reinado do dólar, fragmentando a economia mundial em esferas regionais concorrentes. A tormenta que se avizinha atingirá um Brasil singularmente despreparado para enfrentá-la.

Vargas equilibrou-se entre as pressões conflitantes de seus principais assessores, utilizando-as como ferramentas táticas. Oswaldo Aranha, um convicto pan-americanista que defendia o alinhamento com os EUA, serviu como ministro da Fazenda, embaixador em Washington e, na conclusão do jogo pendular, ministro do Exterior. Já os generais Góes Monteiro e Gaspar Dutra, que se sucederam no Ministério da Guerra, operavam pela aproximação com a Alemanha. Mão firme no timão, Vargas identificou o interesse nacional, colocando-o acima da polêmica que crepitava no núcleo do governo.

Nada indica que Bolsonaro se debruçará sobre a lição de casa. Vargas tinha, ao seu lado, lideranças com luz própria que descortinavam alternativas políticas contrastantes. Bolsonaro, pelo contrário, cerca-se de figuras deploráveis, bufões imersos numa lagoa de misticismo ideológico, que rezam todos os dias no altar do “Deus de Trump”. De Ernesto Araújo a Eduardo Bolsonaro, passando por Olavo de Carvalho, os conselheiros do presidente em política externa cantam, em uníssono, o hino da direita nacionalista americana.

Há um preço a pagar quando se fazem escolhas eleitorais apocalípticas. Trump prepara-se para inflacioná-lo.
Demetrio Magnoli

E segue em passo acelerado a marcha da insensatez

Candidata imbatível ao título de o maior estadista mundial do início do século XXI, a primeira-ministra alemã Ângela Merkel certamente tem mais o que fazer do que se preocupar com o que dizem a seu respeito por estas bandas cada vez mais estúpidas.

Outro dia, o capitão do mato Jair Bolsonaro sugeriu que não teve o menor prazer em conversar com ela durante o encontro no Japão dos chefes de Estado das 20 maiores economias. Nem com ela nem com o presidente francês Emmanuel Macron.

Antes de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão havia debochado do problema de saúde de Merkel que a fez tremer em sucessivas cerimônias públicas. Segundo Mourão, o problema decorre de “uma encarada” que ela levou de Donald Trump.

Mourão, hoje, é uma sombra do general destemido do passado, e do vice que em matéria de sensatez contrastava com o desvario e a ignorância do titular da República. Foi enquadrado pelo capitão indisciplinado. Deixou-se intimidar por um filho dele.


O capitão e o general foram surpreendidos com a decisão da pacata Merkel de congelar R$ 155 milhões para o financiamento de projetos de proteção da floresta amazônica. O motivo? O aumento do desmatamento desde que os dois tomaram posse dos cargos.

Foi a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, a responsável pelo anúncio da decisão. E ela o fez em entrevista ao jornal “Tagesspiegel”. Qual foi a reação do governo brasileiro? Acusou Schulze de ser uma ministra de esquerda.

Para lá de ser um presidente acidental e sem a menor noção do que deveria fazer além de só desmontar o que o desagrada, Bolsonaro cercou-se de gente que pensa como ele ou que não está disposta a contrariá-lo com medo de perder o emprego.

É o caso, por exemplo, do ministro Sérgio Moro, da Justiça, submetido por Bolsonaro a uma dieta severa de humilhações. Moro acabou de entrar no rol dos auxiliares considerados desleais por Bolsonaro ao se opor a recente decisão de Dias Toffoli.

O presidente do Supremo Tribunal Federal suspendeu os processos abertos com base em informações fiscais sem prévia autorização da justiça. Com isso, beneficiou o senador Flávio Bolsonaro que estava sendo investigado pelo Ministério Público.

Moro procurou ministros do tribunal para argumentar que a decisão de Toffoli prejudicará o combate à corrupção. Bolsonaro soube e, aos berros, mandou chamá-lo para uma reunião no Palácio do Planalto. Moro levou um carão que jamais esquecerá.

Sobrou até para o ministro Paulo Guedes, da Economia, o ex-Posto Ipiranga. Bolsonaro desconfia que ele apoiou a atitude de Moro. É por isso que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) irá para a órbita do Banco Central.

Quando quer, o capitão sabe ser mau como um torturador. No seu entorno só há espaço para quem lhe diga amém. A Amazônia perderá com o dinheiro congelado por Merkel? Danem-se a primeira-ministra, os que pensam como ela e a Amazônia.

Tão estreita é a visão de Bolsonaro que ele não se dá conta de que seu desapreço por temas como o da preservação do meio ambiente poderá levar os países europeus a não selarem o acordo econômico com o Mercosul. Ficaria para depois que ele fosse embora.

Pensamento do Dia


Loucura ambiental vive a fase de rasgar dinheiro

"Podem fazer bom uso dessa grana, o Brasil não precisa disso", declarou Jair Bolsonaro ao ser indagado sobre a decisão do governo da Alemanha de suspender o repasse de R$ 150 milhões que seriam destinados a projetos de proteção da floresta amazônica. Em mais uma evidência de que a loucura ambiental tem razões que a sensatez desconhece, o capitão soltou fogos. Para ele, a Alemanha "não vai mais comprar a Amazônia, vai deixar de comprar à prestação a Amazônia."


A decisão da Alemanha é decorrência da aparente despreocupação do governo com a elevação do desmatamento na Amazônia. Dados do Inpe apontam indícios de que, na comparação com junho e julho de 2018, o tombamento da floresta aumentou respectivamente 88% e 278% nos mesmos meses em 2019. O governo desqualifica os dados científicos. E não esboça reação contra o flagelo ambiental.

O gesto alemão é café pequeno perto do que está por vir, pois a administração Bolsonaro ergue barricadas contra o Fundo Amazônia, maior projeto de cooperação internacional já concebido para preservar a floresta amazônica. Em uma década, o fundo recebeu doações de R$ 3,4 bilhões. A Alemanha também contribuiu, mas o grosso (93%) veio da Noruega. Dinheiro a fundo perdido, sem a necessidade de ressarcimento.

O Fundo Amazônia subiu no telhado depois que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) passou a questionar a gestão dos recursos, feita sob a supervisão do BNDES. Salles diz coisas definitivas sem definir muito bem as coisas. E os financiadores ameaçam bater em retirada. Para satisfação de Bolsonaro, que logo convocará os refletores para repetir: "O Brasil não precisa desse dinheiro".

O governo do capitão não chega a negar a escalada do desmatamento. Apenas alega que uma orquestração das imagens de satélite e dos cientistas do Inpe, mancomunados com a mídia comunista, trata a encrenca com alarmismo. Não se enxerga, porém, nenhuma "orquestra" em cena. O que há é gente colocando a boca no trombone para realçar a maluquice de um governo cujo Ministério do Meio Ambiente descuida do ambiente inteiro.

Além de refugar o auxílio financeiro internacional, o governo do capitão anuncia a intenção de contratar um novo sistema de aferição do desmatamento. Sem uma demonstração cabal de que o monitoramento do Inpe produz dados "mentirosos", como alega Bolsonaro, gastar dinheiro público para atestar mais do mesmo não é senão uma variação do costume atribuído aos loucos de rasgar dinheiro.

O problema é que os doidos ambientais picotam verbas que a Receita Federal arranca na marra dos brasileiros antes de chamá-los indevidamente de "contribuintes". Num ambiente assim, só não reconhecem que o governo está mesmo meio doido as pessoas que estão inteiramente malucas.

Por que decidi escrever estas memórias?

Petrópolis, 20 de Abril de 1909
Minha aspiração – sem pretender chocar os que lerem estas minhas memórias desabusadas, algumas décadas mais à frente – é a de que o Brasil possa dispor, no futuro, de homens políticos mais bem preparados para o cargo, tribunos competentes e educados, estadistas comprometidos com a dignidade das causas nacionais, sem essas nódoas de corrupção que nos maculam internacionalmente, sem o peso da ignorância abissal que infelizmente ainda marca muitos dos aventureiros e oportunistas que procuram cargos públicos, alguns inclusive por razões inconfessáveis.
Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), patrono da diplomacia brasileira

Alguns pensadores de nossos dias

Donald Trump: A figura que convenceu os eleitores a votar nele para juntos “Make America Great Again”. Conheci os EUA em 1954 e lá passei um bom tempo. Ao comparar aquele país com este de Trump sinto que ele conseguiu exatamente o contrário. O que ele está fazendo com famílias de imigrantes é de uma crueldade que não combina, em absoluto, com a imagem do país que significou, durante tantos anos, o acolhimento generoso que, sem slogans hipócritas, mas com ações positivas, fez dos EUA uma grande nação.

Diante dos terríveis e repetidos massacres em seu país: “As armas não cometem crimes. São os homens que os cometem”. Que tal?

Ele é uma pessoa tão formidável que consegue reconhecer no filho do presidente brasileiro um rapaz bem preparado e inteligente que será um excelente embaixador do Brasil nos EUA. Conviveram largamente? Passaram um tempo juntos? Eduardo fez longas visitas aos Trump? Não, não foi isso. Toda essa simpatia surgiu por osmose. Não é sensacional?

Ernesto Araújo: Nem Freud explica os meandros do pensamento desse senhor. A respeito das mudanças climáticas, imagino que todos tenham lido essa informação fantástica que ele nos deu e que aqui copio por medo de que algum leitor tenha perdido a oportunidade de ler, com calma, suas palavras geniais: "Não acredito em aquecimento global. Vejam que fui a Roma em maio estava tendo uma onda de frio enorme. Isso mostra como as teorias estão erradas. Isso a mídia não noticia".

E que tal esta frase sobre os direitos da Mulher: "Você tem um bolo e dentro desse bolo tem uma gilete. Eu quero abrir esse bolo e tirar a gilete. O que é o bolo? A saúde da mulher, os direitos da mulher. Agora, tem uma gilete lá dentro, que é o aborto, que tem de ser discutida em outra discussão, de acordo com a legislação nacional, que pune o aborto".

Jair Bolsonaro: esse merece uma antologia. É um espanto. Mas é só ter um pouco de paciência que logo teremos nas livrarias uma coletânea das mais estapafúrdias frases que jamais saíram do Planalto. Abaixo dois pequenos exemplos: “O que é que tem nomear meu filho para embaixador em Washington? De alguém o embaixador tem que ser filho, não é? Por que não meu?”. Ou “Daqueles governadores de paraíba, o pior é o do Maranhão. Tem que ter nada com esse cara”. São palavras de um presidente da República, de um capitão do Exército, de um ex-parlamentar. Acreditem, se quiserem.

Mas nenhum foi capaz da síntese perfeita de Luiz Inácio Lula da Silva.</strong> Ao ser perguntado se era comunista: “Não sou comunista nem nunca fui. Sou torneiro mecânico”.

Inteligência não é para qualquer um.

A República tutelada. Mas quem é o tutor?

Era noite de 23 de outubro de 2018, faltando alguns dias para o segundo turno, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rodava na voltagem máxima. Saíra havia pouco do tribunal o então ministro Sérgio Etchegoyen, após uma reunião tensa com os outros ministros. Na mesa, a punição ou não de um coronel que insultara Rosa Weber. Luís Roberto Barroso, especialmente, estranhou-se com Etchegoyen. Chegou então o aviso de que Dias Toffoli estava a caminho. Só Rosa Weber e Edson Fachin o esperaram, Barroso foi para seu gabinete. Ao chegar, Toffoli relatou uma situação preocupante. Sem usar a palavra golpe, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) lembrou que o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, tinha 300 mil homens armados que apoiavam Jair Bolsonaro, um candidato que duvidava da lisura do processo eleitoral e incitava seus seguidores, os militares aí incluídos, a questionar as urnas eletrônicas. O TSE deveria ser, mais do que nunca, claro em seus posicionamentos.

A cena, narrada pelos repórteres Felipe Recondo e Luiz Weber, é uma das mais fortes do livro-reportagem "Os onze", lançado na quarta-feira (31) pela Companhia das Letras. Ele revela os bastidores do STF, desde o mensalão, em 2005, ao governo do capitão, neste ano. O episódio é mais um a receber a luz do sol num momento em que, mais do que nunca, está posta a discussão: a que ponto chega a influência dos militares na vida nacional?

Qual é o tamanho que as Forças Armadas têm no governo Bolsonaro? A República, embora não subjugada como entre 1964 e 1985, ainda é tutelada pelas fardas? Mas que tutela é essa, em que, no mais militarizado governo desde 1985, os generais têm sido recorrentemente esnobados ou humilhados por Bolsonaro?


A referência a uma tutela vem de outro livro, que voltou recentemente às prateleiras, "Forças Armadas e política no Brasil", lançado em 2005 pelo historiador José Murilo de Carvalho e até então esgotado. Agora reeditada pela Todavia, a obra ganhou um novo capítulo, “Uma República tutelada”, em que Carvalho analisa o papel dos militares sob a égide da Constituição de 1988.

O historiador registrou algumas melhorias nas relações entre civis e militares depois da redemocratização até poucos anos atrás. A principal delas foi um distanciamento, principalmente da Marinha e da Aeronáutica, da política. O anteparo do Ministério da Defesa passou a ser progressivamente respeitado. Mas restaram alguns pontos negativos dos dois lados. Do militar, a insistência em não reconhecer abusos praticados durante a ditadura e a resistência em abrir os arquivos da repressão — ao contrário do Chile e da Argentina, por exemplo. Do lado civil, a pouca importância dada à defesa nacional e a hostilidade de alguns políticos contra os fardados. Carvalho aponta um elemento definidor dessa relação: a Constituição de 1988.

Ele avalia que o texto constitucional deu um papel político e social às Forças Armadas ao expressar, no artigo 142, que elas se destinam à defesa da pátria e à garantia dos Poderes constitucionais e da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer um desses Três Poderes. “É como se a República desconfiasse de sua capacidade de exercer o autogoverno civil e entregasse às Forças Armadas o papel político de tutela”, escreveu o historiador. “Não por acaso, chefes militares repetem sistematicamente que é seu dever constitucional intervir quando julgarem que as instituições correm risco.”

Carvalho ressalta que a inédita presença de militares no governo não significa que ali estejam as Forças — seja porque a quantidade de oriundos do Exército é bastante superior, seja porque os ministros, secretários e assessores não estão ali em nome de suas corporações, mas como civis. Mas vai explicar isso para a população...

Afinal, foi a Eduardo Villas Bôas que Bolsonaro agradeceu pela vitória, na passagem de comando do Exército, em janeiro. E foi também Villas Bôas que, em 2018, comandando o Exército, tuitou instando o STF a votar pela prisão de Lula.

O sucesso ou o fracasso de Jair Bolsonaro cairá na conta dos fardados. E é natural que seja assim.

O vice Hamilton Mourão concorda que os erros e acertos serão creditados às Forças, mas não compartilha da visão de que a República seja tutelada pelos militares. “Discordo frontalmente. As Forças Armadas, depois do período militar (1964-1985), entraram numa linha de profissionalismo muito forte. Nos separamos da política. Foi eleita uma chapa vinda do meio militar, eu muito mais militar, Bolsonaro muito mais político, mas as Forças Armadas continuam no papel delas. A República não é tutelada pelos militares”, argumentou Mourão à coluna.

Mourão, que já defendeu a possibilidade de um autogolpe pelo presidente numa situação de “anarquia” e de intervenção militar caso a Justiça não controlasse a corrupção, entende que é excessivamente subjetivo o trecho da Constituição que fala no acionamento das Forças Armadas para garantia dos Poderes constitucionais. “Isso merece uma discussão. É muito vago na Constituição”, avaliou.

Entre uma visão e outra, os fatos dos últimos sete meses mostram uma humilhação sem precedentes para os generais. Olavo de Carvalho debochou da doença de Eduardo Villas Bôas e foi condecorado. Carlos Bolsonaro atacou Mourão, conseguiu a demissão de Alberto dos Santos Cruz e, ao menos publicamente, não recebeu nenhuma repreensão. Até o general tido como eminência parda do governo, Augusto Heleno, está apagado no dia a dia do Planalto.

Num governo em que o descolamento da realidade aumenta a cada dia, pouco importa se são os ministros com DNA militar que trazem notícias boas para o presidente. O olavismo parece estar ganhando a parada.

Na segunda-feira 29, o general Otávio Rêgo Barros, peça-chave na comunicação do presidente, passou por um momento difícil. Ao ser perguntado no briefing diário sobre qual seria o crime cometido pelo jornalista Glenn Greenwald, Rêgo Barros não teve como sair de uma espiral orwelliana de apenas repetir que havia ocorrido um crime, sem especificar qual. O repórter perguntou sete vezes, e, em todas elas, o porta-voz se viu obrigado a repetir que essa era a visão de Bolsonaro, mesmo que a resposta não conversasse com a razão — outrora tão cara aos militares.

Certamente não era a esse tipo de cena que Eduardo Villas Bôas, tão preocupado com o futuro do país nas eleições de 2018, esperava assistir em 2019.