segunda-feira, 16 de outubro de 2023
'O morro não tem vez, e o que fez já é demais'
Com a nova Nakba que se desenha agora em Gaza, tudo indica que Israel busca não só avançar na eliminação dos palestinos de seu território, como mostrar ao mundo que a sua tecnologia de confinamento ainda é capaz de impedir o morro de descer quando não for Carnaval
Faixa de Gaza vira campo de concentração para palestinos pobres
Assim como as grandes potências do mundo ocidental fecharam os olhos ao sofrimento dos judeus enquanto eles eram dizimados pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, agora procedem do mesmo modo em relação ao sofrimento imposto por Israel aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza.
Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades. Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.
O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas a Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.
Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:
“Não, porque creio que é importante reconhecer que, no meio de uma guerra, os líderes tomam todo tipo de decisões.”
Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5 mil feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.
Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado em como chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que, quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.
O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?
“Há [16] anos, Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas, impondo a sanção coletiva de um bloqueio, sem precedentes, aos cerca de 2 milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.
Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que, desde então, tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.
O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.
Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.
A mesma política aplica-se a eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.
Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível.”
Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades. Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.
O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas a Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.
Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:
“Não, porque creio que é importante reconhecer que, no meio de uma guerra, os líderes tomam todo tipo de decisões.”
Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5 mil feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.
Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado em como chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que, quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.
O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?
“Há [16] anos, Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas, impondo a sanção coletiva de um bloqueio, sem precedentes, aos cerca de 2 milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.
Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que, desde então, tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.
O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.
Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.
A mesma política aplica-se a eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.
Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível.”
'Bem-vindos ao Brasil. E tenham uma estadia segura'
"Obrigado por terem escolhido a Lufthansa. Tenham todos os uma estadia SEGURA no Rio de Janeiro e no Brasil". Essa frase foi dita pelo comandante de um voo lotado de turistas que me trouxe de Munique para o Rio há duas semanas. Estou acostumada, como viajante frequente, a ouvir "tenhamos um voo seguro". Mas essa foi a primeira vez que escutei um piloto desejar uma ESTADIA segura. E olha que já viajei para alguns lugares que não são modelo de segurança.
Ouvir o piloto falar assim do meu país e da minha cidade natal me fez rir de nervoso e comentar com amigos, em um surto de escapismo, que os alemães eram "diretos demais”. Só que o piloto estava coberto de razão. E não demorou mais que uma semana para que isso fosse jogado na minha cara com força. Na quinta-feira, 5 de outubro, acordamos com a notícia da execução de três médicos que participavam de um congresso de ortopedia na cidade.
Os ortopedistas Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato, Perseu Ribeiro Almeida e Daniel Proença tomavam uma cerveja em um quiosque em frente a um hotel de luxo na Barra da Tijuca, quando foram alvejados. Diego, Marcos e Perseu foram mortos. Daniel escapou com ferimentos. De acordo com a polícia, três homens desceram de um carro e efetuaram pelo menos 33 disparos contra os médicos.
Essa barbárie aconteceu em pleno "asfalto" privilegiado, em um dos metros quadrados mais caros da cidade. Se um conhecido alemão me perguntasse se era perigoso tomar uma cerveja em um quiosque na praia da Barra da Tijuca, em frente ao hotel onde se hospedaria, eu responderia: "Claro que não".
No dia do horror, passamos por todo tipo de sentimento: o pavor de imaginar que a chacina poderia ser um crime político contra Sâmia Bomfim, que recebe centenas de ameaças de morte (estendidas à sua família), por conta de sua atuação e também por ela ser uma mulher feminista; o choque; o choro. E a incredulidade, quando a polícia civil do Rio de Janeiro afirmou que a razão do crime poderia ser o fato de um dos atingidos ser parecido fisicamente com um miliciano que estaria jurado de morte.
O assassinato teria sido um "engano", de acordo com o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, José Renato Torres.
No dia seguinte, a Polícia Civil do Rio informou que os assassinos dos médicos teriam sido mortos, e seus corpos, encontrados em dois carros na zona oeste. Ou seja: uma guerra.
A Polícia Federal também acompanha as investigações, que ainda estão em andamento.
Se você fosse gringa e lesse essas notícias você viajaria de férias para o Rio de Janeiro? Eu não.
É claro, a guerra não começou semana passada. Ela existe desde que me lembro por gente. Mas piora todo dia. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, 1.112 pessoas foram atingidas por arma de fogo na região do Grande Rio apenas no primeiro semestre de 2023.
No dia 5 de outubro, a barbárie avançou até uma área nobre da Barra da Tijuca, mas inocentes são mortos diariamente no Rio de Janeiro nas favelas e zonas periféricas. E a vida segue, como se nada tivesse acontecido. Essa é uma cidade onde não só médicos brancos são mortos "por engano pela milícia”, mas também onde crianças são mortas "por engano” pela polícia, como já escrevi aqui.
O piloto tinha toda razão. E a execução dos médicos provou mais uma vez que ao viajarmos para o Rio de Janeiro, e para o Brasil em geral, não basta que a gente diga: "divirta-se”. É preciso também: "tome cuidado”, ou "tenha sorte”. Você pode estar fazendo algo teoricamente muito seguro, como tomar um chope com os amigos depois de um dia de conferências e ser executado. É de dar enjôo. E não para aí.
Não deu para eu me recuperar emocionalmente. No dia seguinte ao assassinato dos médicos, meu amigo Vilmar Ledesma, um jornalista com mais de 30 anos de profissão que mora nos Jardins, uma das áreas mais nobres de São Paulo, narrou nas redes sociais outro episódio de barbárie:
"Houve um roubo na rua, acho que de celular. Ouvi uma gritaria imensa antes de sair de casa. E quando estava na rua, havia uma euforia por onde passava. O cara saiu correndo, foi perseguido e acabou linchado. O corpo estava estendido no chão (vi um pedaço do corpo da esquina), no quarteirão da Bela Cintra entre Jaú e Itu, Jardins/SP, Havia uma euforia de carnaval no ar, e ouvi vários comentários elogiando o linchamento. Voltei pra casa arrasado e com vontade de fugir para algum lugar longe dessa insensatez. Socorro!”
Sim, uma pessoa foi assassinada por populares na Rua Bela Cintra, um dos endereços mais caros da rica capital paulistana. Esse tipo de fato deve ser rotineiro, já que o linchamento dos Jardins nem foi noticiado pela mídia.
"Desejo a todos uma estadia segura”. O piloto alemão, repito, estava coberto de razão ao nos desejar isso. Ele podia ter acrescentado que "sacos de papel, no caso de enjoo, estariam disponíveis na cadeira à frente.”
Ouvir o piloto falar assim do meu país e da minha cidade natal me fez rir de nervoso e comentar com amigos, em um surto de escapismo, que os alemães eram "diretos demais”. Só que o piloto estava coberto de razão. E não demorou mais que uma semana para que isso fosse jogado na minha cara com força. Na quinta-feira, 5 de outubro, acordamos com a notícia da execução de três médicos que participavam de um congresso de ortopedia na cidade.
Os ortopedistas Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato, Perseu Ribeiro Almeida e Daniel Proença tomavam uma cerveja em um quiosque em frente a um hotel de luxo na Barra da Tijuca, quando foram alvejados. Diego, Marcos e Perseu foram mortos. Daniel escapou com ferimentos. De acordo com a polícia, três homens desceram de um carro e efetuaram pelo menos 33 disparos contra os médicos.
Essa barbárie aconteceu em pleno "asfalto" privilegiado, em um dos metros quadrados mais caros da cidade. Se um conhecido alemão me perguntasse se era perigoso tomar uma cerveja em um quiosque na praia da Barra da Tijuca, em frente ao hotel onde se hospedaria, eu responderia: "Claro que não".
No dia do horror, passamos por todo tipo de sentimento: o pavor de imaginar que a chacina poderia ser um crime político contra Sâmia Bomfim, que recebe centenas de ameaças de morte (estendidas à sua família), por conta de sua atuação e também por ela ser uma mulher feminista; o choque; o choro. E a incredulidade, quando a polícia civil do Rio de Janeiro afirmou que a razão do crime poderia ser o fato de um dos atingidos ser parecido fisicamente com um miliciano que estaria jurado de morte.
O assassinato teria sido um "engano", de acordo com o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, José Renato Torres.
No dia seguinte, a Polícia Civil do Rio informou que os assassinos dos médicos teriam sido mortos, e seus corpos, encontrados em dois carros na zona oeste. Ou seja: uma guerra.
A Polícia Federal também acompanha as investigações, que ainda estão em andamento.
Se você fosse gringa e lesse essas notícias você viajaria de férias para o Rio de Janeiro? Eu não.
É claro, a guerra não começou semana passada. Ela existe desde que me lembro por gente. Mas piora todo dia. De acordo com o Instituto Fogo Cruzado, 1.112 pessoas foram atingidas por arma de fogo na região do Grande Rio apenas no primeiro semestre de 2023.
No dia 5 de outubro, a barbárie avançou até uma área nobre da Barra da Tijuca, mas inocentes são mortos diariamente no Rio de Janeiro nas favelas e zonas periféricas. E a vida segue, como se nada tivesse acontecido. Essa é uma cidade onde não só médicos brancos são mortos "por engano pela milícia”, mas também onde crianças são mortas "por engano” pela polícia, como já escrevi aqui.
O piloto tinha toda razão. E a execução dos médicos provou mais uma vez que ao viajarmos para o Rio de Janeiro, e para o Brasil em geral, não basta que a gente diga: "divirta-se”. É preciso também: "tome cuidado”, ou "tenha sorte”. Você pode estar fazendo algo teoricamente muito seguro, como tomar um chope com os amigos depois de um dia de conferências e ser executado. É de dar enjôo. E não para aí.
Não deu para eu me recuperar emocionalmente. No dia seguinte ao assassinato dos médicos, meu amigo Vilmar Ledesma, um jornalista com mais de 30 anos de profissão que mora nos Jardins, uma das áreas mais nobres de São Paulo, narrou nas redes sociais outro episódio de barbárie:
"Houve um roubo na rua, acho que de celular. Ouvi uma gritaria imensa antes de sair de casa. E quando estava na rua, havia uma euforia por onde passava. O cara saiu correndo, foi perseguido e acabou linchado. O corpo estava estendido no chão (vi um pedaço do corpo da esquina), no quarteirão da Bela Cintra entre Jaú e Itu, Jardins/SP, Havia uma euforia de carnaval no ar, e ouvi vários comentários elogiando o linchamento. Voltei pra casa arrasado e com vontade de fugir para algum lugar longe dessa insensatez. Socorro!”
Sim, uma pessoa foi assassinada por populares na Rua Bela Cintra, um dos endereços mais caros da rica capital paulistana. Esse tipo de fato deve ser rotineiro, já que o linchamento dos Jardins nem foi noticiado pela mídia.
"Desejo a todos uma estadia segura”. O piloto alemão, repito, estava coberto de razão ao nos desejar isso. Ele podia ter acrescentado que "sacos de papel, no caso de enjoo, estariam disponíveis na cadeira à frente.”
O Produto Interno Bruto de nossa felicidade
Quem vê os rostos radiantes dos brasileiros que chegam ao Brasil, saídos do “inferno” da guerra Hamas x Israel, e trazidos pela Força Aérea Brasileira (FAB), podem inferir que os sorrisos de alegria estampam a cara da felicidade. Ledo engano. O país está com medo. Com muito medo, pois vive um ciclo de violência, com mortes que se multiplicam, aqui e ali, no Rio de Janeiro, em São Paulo e na Bahia, entre outros enclaves mortíferos.
A alegria passageira dos nossos conterrâneos ao pisar o nosso solo mostra que a felicidade é uma régua, que vai do 0 a 100, sendo balizada pelas circunstâncias. A proximidade da morte que uma guerra propicia acaba produzindo uma carga de pavor incomum, aliás determinante para a pessoa entrar em estado de euforia quando se vê distante de bombas e ataques terroristas.
Para arrematar a hipótese, este analista vale-se dos quatro impulsos básicos estudados por Pavlov para explicar as ações humanas: dois instintos relacionados à sobrevivência do indivíduo e dois instintos ligados à perpetuação da espécie – o combativo e o nutritivo; e os impulsos sexual e paternal.
Explicando: o ser humano enfrenta fenômenos da natureza (crises climáticas, inundações, por exemplo) e luta contra seus semelhantes (conflitos, guerras, ataques), para garantir sua sobrevivência. Os nossos conterrâneos foram combativos em sua ânsia para escapar dos bombardeios. Além disso, os seres precisam preservar sua vida, suprindo-se de alimentos e água, sem as quais fenecem.
Sobre o instinto nutritivo, este escriba até montou uma equação para explicar a hipótese: BO+BA+CO+CA = Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça decidindo aprovar o governante que lhe proporcionou bem-estar. Quanto mais “pança cheia”, mais agradecida será a população. Bolsas-Família fazem parte dos silos estocados para suprir o estômago. Nesse caso, a felicidade tem boa chance de aparecer. Ao contrário, barrigas roncando de fome geram revolta. Veto e não voto.
Quanto aos dois instintos ligados à perpetuação da espécie, o sexual e o paternal, constituem eles a função reprodutiva, a par de valores associados à humanidade da pessoa: amor, solidariedade, paz, harmonia, respeito, autoridade, humildade, caridade, enfim, as virtudes que sustentam o edifício da dignidade humana.
Como se pode aduzir, o conceito de felicidade carrega um escopo de necessidades, condições, ações, satisfações, princípios e valores, todos operando nos campos material e espiritual dos habitantes do planeta. Manter os níveis de energia, com alimento e oxigênio, recuperar os níveis de fluidos corporais, buscar a homeostase do corpo, preservar o mecanismo de perpetuação de nossa espécie e proteger a prole, são atividades rotineiras que ancoram uma vida feliz.
Portanto, calcular a Felicidade Interna Bruta, a FIB, como é chamada, exige um complexo sistema de controles e pesquisas para avaliar a qualidade de vida de um povo, sua satisfação com o trabalho, a saúde física e mental, a educação, a cultura, os níveis de degradação do meio ambiente. Essa FIB é uma invenção do então rei do Butão na década de 1970. O Butão é um país onde o budismo faz parte da identidade nacional.
Localizado no Sul da Ásia, vizinho da China, Índia e Nepal, o Butão possui cerca de 800 mil habitantes, composto por 10 estados e com a capital Thimphu. Com uma economia baseada na mineração, conheceu a TV em 2000 e a Internet, apenas em 2010. Suas matas ocupam 70% de sua extensão. É o único país do mundo que produz menos dióxido de carbono do que suas áreas verdes podem absorver. O governo mantém rígido controle de tabaco e álcool. Não se pode beber ou fumar em lugares públicos.
Sob essa configuração, dimensionar o Produto Interno Bruto da Felicidade brasileira mais parece um exercício para as gerações futuras. Somos um país de dimensão continental. Seu traçado reúne uma complexa camada de fatores díspares, diferentes cadeias de problemas e até de costumes. Relatórios de pesquisas que aparecem periodicamente com a intenção de medir o grau de satisfação de nossa população não passam de espelhos fragmentados (e tortos) da realidade. São pouco críveis, eis que um povo satisfeito com determinada ação pública de governos não quer dizer, necessariamente, que este seja um povo feliz.
A não ser que queiramos entender felicidade como a ironia de Zé Ramalho sobre o Admirável Gado Novo: “Vocês que fazem parte dessa massa/ Que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que caminhar/E dar muito mais do que receber. É ter que demonstrar sua coragem, à margem do que possa parecer/E ver que toda essa engrenagem/Já sente a ferrugem lhe comer…. E correm através da madrugada/A única velhice que chegou/Demoram-se na beira da estrada/E passam a contar o que sobrou!”. É o Brasil.
A alegria passageira dos nossos conterrâneos ao pisar o nosso solo mostra que a felicidade é uma régua, que vai do 0 a 100, sendo balizada pelas circunstâncias. A proximidade da morte que uma guerra propicia acaba produzindo uma carga de pavor incomum, aliás determinante para a pessoa entrar em estado de euforia quando se vê distante de bombas e ataques terroristas.
Para arrematar a hipótese, este analista vale-se dos quatro impulsos básicos estudados por Pavlov para explicar as ações humanas: dois instintos relacionados à sobrevivência do indivíduo e dois instintos ligados à perpetuação da espécie – o combativo e o nutritivo; e os impulsos sexual e paternal.
Explicando: o ser humano enfrenta fenômenos da natureza (crises climáticas, inundações, por exemplo) e luta contra seus semelhantes (conflitos, guerras, ataques), para garantir sua sobrevivência. Os nossos conterrâneos foram combativos em sua ânsia para escapar dos bombardeios. Além disso, os seres precisam preservar sua vida, suprindo-se de alimentos e água, sem as quais fenecem.
Sobre o instinto nutritivo, este escriba até montou uma equação para explicar a hipótese: BO+BA+CO+CA = Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça decidindo aprovar o governante que lhe proporcionou bem-estar. Quanto mais “pança cheia”, mais agradecida será a população. Bolsas-Família fazem parte dos silos estocados para suprir o estômago. Nesse caso, a felicidade tem boa chance de aparecer. Ao contrário, barrigas roncando de fome geram revolta. Veto e não voto.
Quanto aos dois instintos ligados à perpetuação da espécie, o sexual e o paternal, constituem eles a função reprodutiva, a par de valores associados à humanidade da pessoa: amor, solidariedade, paz, harmonia, respeito, autoridade, humildade, caridade, enfim, as virtudes que sustentam o edifício da dignidade humana.
Como se pode aduzir, o conceito de felicidade carrega um escopo de necessidades, condições, ações, satisfações, princípios e valores, todos operando nos campos material e espiritual dos habitantes do planeta. Manter os níveis de energia, com alimento e oxigênio, recuperar os níveis de fluidos corporais, buscar a homeostase do corpo, preservar o mecanismo de perpetuação de nossa espécie e proteger a prole, são atividades rotineiras que ancoram uma vida feliz.
Portanto, calcular a Felicidade Interna Bruta, a FIB, como é chamada, exige um complexo sistema de controles e pesquisas para avaliar a qualidade de vida de um povo, sua satisfação com o trabalho, a saúde física e mental, a educação, a cultura, os níveis de degradação do meio ambiente. Essa FIB é uma invenção do então rei do Butão na década de 1970. O Butão é um país onde o budismo faz parte da identidade nacional.
Localizado no Sul da Ásia, vizinho da China, Índia e Nepal, o Butão possui cerca de 800 mil habitantes, composto por 10 estados e com a capital Thimphu. Com uma economia baseada na mineração, conheceu a TV em 2000 e a Internet, apenas em 2010. Suas matas ocupam 70% de sua extensão. É o único país do mundo que produz menos dióxido de carbono do que suas áreas verdes podem absorver. O governo mantém rígido controle de tabaco e álcool. Não se pode beber ou fumar em lugares públicos.
Sob essa configuração, dimensionar o Produto Interno Bruto da Felicidade brasileira mais parece um exercício para as gerações futuras. Somos um país de dimensão continental. Seu traçado reúne uma complexa camada de fatores díspares, diferentes cadeias de problemas e até de costumes. Relatórios de pesquisas que aparecem periodicamente com a intenção de medir o grau de satisfação de nossa população não passam de espelhos fragmentados (e tortos) da realidade. São pouco críveis, eis que um povo satisfeito com determinada ação pública de governos não quer dizer, necessariamente, que este seja um povo feliz.
A não ser que queiramos entender felicidade como a ironia de Zé Ramalho sobre o Admirável Gado Novo: “Vocês que fazem parte dessa massa/ Que passa nos projetos do futuro/ É duro tanto ter que caminhar/E dar muito mais do que receber. É ter que demonstrar sua coragem, à margem do que possa parecer/E ver que toda essa engrenagem/Já sente a ferrugem lhe comer…. E correm através da madrugada/A única velhice que chegou/Demoram-se na beira da estrada/E passam a contar o que sobrou!”. É o Brasil.
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