terça-feira, 2 de agosto de 2022

Do varejo para o atacado

Do varejo para o atacado: depois de rasgar o Estatuto Militar e o Regimento Interno do Exército e deixar as Forças Armadas no maior dilema ao atrair o general da ativa Eduardo Pazuello para um palanque eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro agora quer levar não um militar, mas o Exército Brasileiro para um ato de campanha no 7 de Setembro, a menos de um mês da eleição. Em vez de o presidente ir ao desfile do Dia da Pátria, o desfile é que vai servir a ele.

Em tensas conversas no fim de semana, militares da ativa e da reserva concordaram em que ordem do presidente se cumpre, porque ele é comandante em chefe das Forças Armadas, mas que é importante explicar a ele quanto é inviável levar tropas para desfilar junto a civis em plena Copacabana. Argumento técnico, questão de logística...

O desfile militar é, desde sempre, na Avenida Presidente Vargas, em frente ao Palácio Duque de Caxias, e, quando tentaram mudar para o Aterro, deu errado. Largura da via, acesso, escoamento, segurança... Ok. Mas, depois que o Alto-comando ignorou todas as regras para perdoar Pazuello, tudo é possível. No fim, decretam-se cem anos de sigilo...

Se as fotos dos tanques fumacentos e fedorentos desfilando na frente do Planalto, no dia da votação do voto impresso pelo Congresso, simbolizaram uma ameaça à democracia, o que dizer das imagens das tropas em

Copacabana num ato eleitoral? E pode piorar, se Bolsonaro ameaçar de novo não cumprir ordem judicial, como em 2021.

Quando se abrem as porteiras e as boiadas pisoteiam leis ambientais, lei eleitoral, responsabilidade fiscal, Estatuto Militar..., demora muito, e, às vezes, é impossível voltar atrás. Os livros de história mostrarão o quanto os militares de turno abriram as porteiras para o capitão insubordinado e o quanto recuperar ordem, disciplina, hierarquia e apartidarismo nos quartéis é difícil como reflorestar a Amazônia.

Já no quarto mês após a posse, Bolsonaro discursou num ato golpista, em cima de uma caminhonete, com o QG do Exército ao fundo. E pode terminar seu governo numa motociata eleitoral na frente da Academia Militar das Agulhas Negras

(Aman), após a cerimônia de formatura de novos cadetes, em agosto, e obrigando o Exército a animar bolsonaristas em Copacabana, em setembro.

As cicatrizes ficarão por muitos anos, mas há resistências e o profissionalismo do general Edson Pujol é a melhor referência para o atual comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, que, até hoje, não emprestou o nome, o cargo e a farda para interesses políticos que possam manchar sua biografia e a instituição que comanda.

No Brasil, corruptos procriam mais que javalis

Entre as promessas de Bolsonaro estava a de aniquilar o javali. "É liberar a caça ao javali e ponto final. Não temos como conviver com javalis. Alguns falam em castração, mas não tem como castrar. A velocidade de procriação é enorme, três crias por ano, uma fêmea chega a gerar 50 filhotes", disse ele no Facebook, em 2018. Os javalis, a despeito da sentença de morte, seguem procriando adoidado.

Outra das promessas era dar um fim à bandalheira financiada pelo governo. Mas os corruptos nunca tiveram tanta facilidade para agir, sobretudo depois que Bolsonaro, para evitar o impeachment, abriu os cofres ao centrão, tornando o presidente da Câmara, Arthur Lira, dono do Orçamento –que passou a ser distribuído secretamente. Mais robusto que o mensalão e o petrolão, o dinheiro do secretão financiaria o extermínio de manadas de javalis e javaporcos no mundo inteiro.


A caça ao animal – cujo abate é permitido desde 2013 para evitar a transmissão de doenças e o prejuízo dos agricultores– virou reles pretexto para armar a população civil. Quanto mais javalis (o número deles triplicou nos últimos anos, dizem até que tem gente espalhando o bicho de propósito) melhor para o negócio do armamento e para a criação de grupos de caçadores.

Que às vezes são tudo, menos caçadores. Quem faz a festa são milicianos, traficantes e assaltantes. Não há dia em que um criminoso não seja preso passando-se por colecionador ou atirador esportivo. Ou um bate-boca que não acabe em tiroteio.

Hoje há 2,8 milhões de armas de fogo registradas em acervos particulares e quase 700 mil pessoas cadastradas como CACs, contingente maior que o das polícias militares e o das Forças Armadas. A facilitação na compra de armas sob Bolsonaro – 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas, dois projetos de lei – reflete um país que se prepara para a guerra, não para as eleições.

Se os bolsonaristas não vão, os militares irão até eles em Copacabana

Se os bolsonaristas cariocas, por mais patrióticos que sejam, dificilmente perderiam um feriado de sol e praia para prestigiar seu líder no desfile militar de 7 de setembro na Avenida Presidente Vargas, centro do Rio, Bolsonaro e as Forças Armadas então irão ao encontro deles na praia de Copacabana, a princesinha do mar.


O prefeito Eduardo Paes, do Rio, ainda não foi oficialmente comunicado da mudança do local do desfile, mas em breve será. O Comando do Leste, que tinha tudo planejado para pôr 5 mil militares na Avenida Presidente Vargas, já foi comunicado e se apressa em tomar providências. Missão dada, missão cumprida.

Nascido e criado no Vale da Ribeira, São Paulo, Bolsonaro, em 2018, se elegeu presidente com 66% dos votos válidos do Rio, cidade para onde migrou e fez carreira na política depois de expulso do Exército nos anos 1980 por má conduta. Inconformado com o salário, ele ameaçou detonar bombas em quartéis.

Pesquisa Ipec (ex-Ibope), divulgada no último dia 21, apontou que Lula tem no Rio de Janeiro 41% de intenções der voto contra 34% de Bolsonaro, 6% de Ciro Gomes (PDT) e 2% de Simone Tebet (MDB). O Rio é o segundo maior colégio eleitoral do país, o primeiro é São Paulo, o terceiro Minas Gerais e o quarto a Bahia.


A mais nova pesquisa Datafolha, aplicada na semana passada, mostrou um cenário de estabilidade nas intenções de voto em São Paulo, o que para Bolsonaro foi ruim. Lula segue na frente com 18 pontos percentuais de vantagem. Em Minas, na semana passada, pesquisa do Instituto F5 deu Lula com 13,3 pontos na frente.

Na Bahia, Lula massacra, segundo pesquisa do Instituto Quaest do início de julho. Lula aparece com 62% das intenções de voto contra 19% de Bolsonaro. No Nordeste como um todo, Bolsonaro cresceu, passando de 19% das intenções de voto em junho para 24% em julho. Mas Lula continua soberano com 59% no Datafolha.

Sempre haverá os militares para socorrerem o ex-capitão indisciplinado para o qual agora batem continência. Se é preciso desfilar em Copacabana para ajudá-lo, desfilarão com garbo. Outra vez votarão nele em peso e torcerão para que ele se reeleja. Esquerda de volta ao poder, nunca mais. Quanto a dar golpe…

O golpe já esteve mais bem cotado. No momento, está em baixa. O presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, avisou que não contem com ele para essa louca aventura.