sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Apenas mais um impeachment?

Passado o primeiro ano do impeachment de Dilma Rousseff, a controvérsia e a guerra de narrativas a seu respeito parece aberta apenas para iniciados, militantes e ou fundamentalistas de lado a lado: ''Golpe'', ''Pedaladas''? Juízos de valor, disputas de espaço; paixões políticas fazem parte. Mas, queira-se ou não, o público mais amplo parece mesmo se lixar para essa discussão. No final das contas, é a história quem definirá a versão vitoriosa. O fato é que o tempo passa, inexoravelmente. E a vida segue em frente.

Essas rememorações se darão assim, de tempos em tempos: 1 ano; depois, 5 anos, 10 anos. Vão repousar no futuro dos cinquentenários e centenários dos cadernos especiais, que nem mais existirão. Mas, com efeito, são fatos marcantes, simbólicos; às vezes, nem tão marcantes assim. As perguntas dos jornalistas são quase sempre as mesmas: como o país se encontra um ano depois?; qual o legado da ex-presidente?

Difícil fugir da mesmice. Mas, tentar é do ofício. Primeiro, então, o óbvio: um impeachment não é algo que se comemore; quando muito, pode-se rememora-lo, como um infeliz tiro no pé. No geral, é sinal de que as coisas não vão bem.

O contorcionismo de transformá-lo em expressão da maturidade institucional é má fé ou miopia: como elogiar o uso do revólver retirado do coldre do guarda: se foi necessário recorrer a ele, é porque a educação, os valores e a prevenção foram mortos, antes de tudo. Incapacidade de antecipação, erros de escolhas ou de procedimentos. Simples assim. Outros tiros podem ser necessários. E quem dorme com uma tensão dessas?


Mas, enfim… Do ''adeus querida'' ao ''tome Temer'', os sinais são reveladores de que a democracia brasileira tem sérios problemas. Dois impeachments em menos de 25 anos já seriam o bastante para assustar. Mas, não parecem bastar: o atual presidente apenas não perdeu o mandato por conta do vazio de opções, do deserto de lideranças que há no país. Sua continuidade é fruto do desalento que produz desmobilização social; mas, seu descrédito é expressão de um processo tortuoso, complicado, labiríntico.

Ainda durante Dilma, se percebeu que o PT, ao ceder à real politique que sempre criticou, aderiu ao patrimonialismo e ao fisiologismo tradicionais. Não atendeu expectativas de mudança; com deslumbre de alguns de seus dirigentes, se rendeu. O grande antagonista a tudo o que estava posto em 2002, vestiu a roupa do farisaísmo. E, para isso, não há remissão — mesmo que houvesse, aqui e ali, o lenitivo de políticas públicas de inclusão social.

Contudo, se todos os males pudessem ser resumidos ao PT, estaríamos feitos. O pós-Dilma tampouco foi animador: o botão-de-rosa oferecido pelo PMDB era opaco, frágil e desfolhou. Vestais viraram estátuas de sal; não havia mudança, ponte; sequer havia pinguela. Só o precipício de antes. O reloading que Temer deu no sistema (leia aqui) preservou interesses e mazelas. Novamente, o jogo de dominó se esgotou, num ''fecha natural''.

Os heróis do impeachment morreram de overdose: Eduardo Cunha, Aécio Neves, Michel Temer, mas não só. Quem não se recorda da deputada que, votando pela cassação, fazia apologia à honestidade do marido, preso logo nos dias que se seguiram? Gigantes em pernas de pau, revelaram-se anões na dureza do asfalto. Gente que cuspiu para o alto, como fogos de artifício em louvor ao impeachment, ao final, escarrou no próprio rosto.

É ''o sistema'', amigo. Ele pode não ter um CPF definido, mas tem nomes, apelidos na contabilidade dos corruptores, identidades políticas. Personagens que se enlaçam e conexões orgânicas que se expandem entre Executivo e Legislativo, que penetram pelas coxias dos tribunais; que se fecham na conivência explícita ou na capitulação disfarçada de quem, depois, sorriu amarelo, sem se arrepender.

O que mudou sem Dilma? Tudo e nada. A presidente era mesmo incorrigível (leia aqui): autossuficiente à ruína, tomada pela ideologia e tão esperta quanto um adolescente numa gafieira. Veio Henrique Meirelles e sua equipe — a propósito, inúmeras vezes recomendado por Lula — estabeleceu alguma racionalidade. Pelo menos, disse o que precisava ser dito, pactuando, por fim, certo armistício com um mercado condescendente. Na economia, o governo é um tanto mais crível. Embora, mesmo sobre isso já haja controvérsia.

Mas, sistêmicos, na política os vícios foram mantidos: a mesma fome voraz por cargos e emendas, o oportunismo e a covardia em relação às reformas. Pelas circunstâncias, o imemorial toma-lá-dá-cá até se expandiu. A grande política não pôde ser recomposta. Distante da sociedade, o sistema peleja a autopreservação. É sua lei. E, fênix que nunca vira cinzas, procura agora o candidato que o reanime.

O ocaso de Dilma explicitou o colapso de um tipo presidencialismo de coalizão exclusivamente dependente o fisiologismo. A nudez revelada deveria suscitar mudanças de posturas, revisão de métodos e reformas políticas profundas. Nada disso aconteceu e, tão cedo, nada deve mudar. Depois de Collor, seu impeachment corre o risco de passar para a história como ''mais um''; o ''segundo'', da série ''impeachments brasileiros''. Por não ter superado as causas, o país ainda pode viver tudo outra vez. Por que não?

E assim o tempo passará; virão novas rememorações: 5, 10, 50, 100 anos deste impeachment… Folhas do calendário que caem e o tempo passa; homens e mulheres que fazem a história sem saber a história que fazem. Como o passado, Dilma será uma ''velha roupa colorida que não nos serve mais''. Apenas mais uma, entre tantos personagens que se vão no sumidouro do espelho retrovisor.

Carlos Melo

O 'pai governo' e o 'tio futuro'

O custo para o país da não correção efetiva do problema fiscal tende a crescer como bola de neve. Na ausência de novidades positivas, a tendência é de rápida deterioração do bem-estar social. O acirramento de ânimos compete com a coleção de desânimos. A perplexidade, com a incredulidade.

O inconsciente coletivo dá mostras de querer criar mais um ente protetor imaginário. O quase falido “pai governo” passaria a ter ajuda do “tio futuro”, que proveria a salvação mundana pela conjugação apenas de tempo, papel e tinta.

Aprove-se com papel e tinta a reforma constitucional do teto dos gastos e o resto virá a reboque. Não é simples assim. A solução de problemas políticos apenas por métodos legais e administrativos é sonho antigo da humanidade, porém inalcançável.

A necessária divisão mais consistente do bolo (PIB) nacional não é como uma troca, onde todos podem ganhar. No curtíssimo prazo é jogo de soma zero, onde alguns têm que perder. Quem deseja o poder deve estar disposto e apto a viabilizar este fato.

A aprovação do teto de gastos sem a aprovação prévia da reforma da Previdência abriu o peito do paciente antes de acertada qual seria a operação a fazer. Passados oito meses, o pior cenário está se materializando.


Os 513 médicos da Câmara e 81 médicos do Senado não chegam a um consenso se fazem uma operação diretamente sobre a válvula aórtica das subtrações espúrias, exageros previdenciários e privilégios, ou se apenas realizam um procedimento de rotina na válvula tricúspide.

Na verdade, os médicos não concordam nem ao menos se deve de fato haver algum tipo de operação. Ecoam das ruas escuras e dos subúrbios amedrontados os urros de revolta do paciente com o peito serrado. Deitado. Indignado.

Dizia-se, à época de aprovação da emenda de limite dos gastos, que os desassistidos de segurança, educação e saúde fariam as pressões políticas necessárias para o efetivo combate aos ganhos corporativos. Talvez. Mas esqueceu-se que, com a representação política atual, este tipo de solução requer antes o caos mobilizador. A prévia desorganização econômica e social é parte da sua receita.

Esqueceu-se também que as pressões de fato efetivas para a obtenção de recursos públicos não advêm dos setores mais grave, injusta e ineficientemente atingidos. Mas sim dos grupos de interesse mais bem organizados.

A situação parece estável, mas embute uma série de enormes custos futuros. Talvez o maior deles corresponda aos jovens desprovidos de horizonte. É triste perceber que alguns não têm alternativa senão tentarem se juntar aos seis milhões de subempregados.

Outros votam desesperadamente com os pés, tentando migrar para outros países. Não aceitam ser escravos nem dos impostos que preveem nem da insegurança e dos benefícios corporativistas que veem. Não admitem sustentar direitos mal adquiridos sobre seu futuro.

Há de positivo a queda dos juros básicos, que em meados de 2016 eram da ordem de 14,25% ao ano, ao passo que agora temos 9,25% ao ano. Isto foi possível porque a inflação esperada passou de 7,3% em junho de 2016 para 3,1% um ano depois. O problema é que a viabilizar tal queda da inflação há em torno de 13,5 milhões de desempregados.

Algumas observações da situação nacional refletem uma absurda apropriação do futuro pelo presente.

Suponhamos, a título de ilustração, que nos 12 meses contados a partir de agora se mantenha o cenário atual de juros, inflação e déficit primário, com uma taxa de crescimento do produto em torno de 1,0%.

No cenário atual, não são hipóteses pessimistas. Ainda assim, o custo de um ano a mais no equacionamento da questão fiscal imporá ao país um custo fiscal adicional entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões, dependendo se se considera a dívida líquida ou a bruta. Em torno da metade, por exemplo, do que se prevê de receita na recentemente anunciada privatização da Eletrobrás.

O tempo, a exemplo das cartomantes, não entrega futuro grátis.
Rubens Penha Cysne

Paisagem brasileira

Serra do Rio do Rastro, Brasil - a estrada mais ‘assombrosa’ do mundo. (Foto - sawuelbruno-Panoramio)
Serra do Rio do Rastro (SC) 

Reforma política: muito barulho por quase nada

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Limite-se. E que seja limitado

Com frequência e em troca de nada, o governo do presidente Michel Temer se oferece para ser imolado em praça pública. Tal vocação para o sacrifício talvez decorra do sentimento de culpa por ter nascido dos escombros de uma administração que ajudou a construir e a arruinar quando lhe foi conveniente.

O decreto que extinguiu a Reserva Nacional do Cobre e Associados, uma reserva amazônica de 47 mil quilômetros quadrados maior que o Estado do Espírito Santo, repousava em uma das gavetas do governo a salvo de polêmicas. Até que repentinamente emergiu e desatou a fúria nacional.

Se ao invés de um decreto, a extinção da reserva tivesse sido proposta por meio de um projeto de lei a ser visto, revisto e votado pelo Congresso, o governo apanharia da mesma maneira, sim. Mas pelo menos poderia argumentar que o Congresso como a casa do povo é que daria a última palavra.

Nada é mais autoritário do que um decreto presidencial. Nada se parece mais com um ato de força ou verdadeiramente é. Nada evoca tempos nem tão distantes assim que o país prefere esquecer. Melhor que não esqueça. De tão errada, à extinção da reserva se opusera o próprio Ministério do Meio Ambiente.


Em menos de uma semana, o governo foi obrigado a recuar de sua intenção original substituindo o decreto por outro. E de novo recuou ao suspender por fim os efeitos do primeiro e do segundo decreto. A suspensão visa “promover um amplo debate com a sociedade sobre o tema” por 120 dias.

Ora, por que o governo não julgou antes necessário ouvir ninguém a respeito de tema tão candente? Por acaso imaginou que a sociedade acabaria por engoli-lo sem estrebuchar? E quem disse que um governo parido nas circunstâncias em que este foi pode dar-se ao luxo de ir muito além dos seus modestos chinelos?

Um governo tão impopular quanto o outro que o pariu deveria comportar-se com recato, vergonha e descrição, limitando-se a fazer o feijão com arroz e a esperar que bata a hora de o povo eleger o próximo. Por legítimo, deve ser aturado. Por indesejado, deve limitar-se e ser limitado.

Falta de educação

A imagem da professora Marcia Friggi com o rosto ensanguentado, após ter sido agredida por um aluno de 15 anos dentro da escola em Indaial, cidade catarinense de 55 mil habitantes, é emblemática da falência não do nosso sistema de ensino, mas da sociedade como um todo. O Brasil está doente, severamente doente, e assistimos apáticos a nossa própria agonia. A inacreditável proposta para resolução do problema, feita pelo pré-candidato à Presidência da República, deputado Jair Bolsonaro, de militarização do ensino e nomeação de um general no Ministério da Educação, é só mais um sintoma do nosso adiantado estado patológico.

O Brasil lidera o ranking mundial de violência escolar. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), utilizando dados de 2013, 12,5% dos professores disseram ter sido vítima de agressões verbais ou intimidações de alunos pelo menos uma vez por semana – um índice quatro vezes maior que a média dos 34 países pesquisados. Outro estudo, divulgado pelo portal QEdu – ligado à Fundação Lemann – indica que 55% dos diretores de escolas públicas já presenciaram agressões físicas ou verbais de alunos contra funcionários e professores. E entre os próprios estudantes a violência é ainda maior: 76% dos diretores relataram ter havido agressão verbal ou física entre alunos dentro do ambiente escolar.

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A questão é que as escolas públicas brasileiras não são lugares apropriados para a aprendizagem. Os alunos, em todas as etapas do ensino, assistem aulas em prédios mal conservados ou depredados ministradas por professores desestimulados – que, em número insuficiente, recebem salários baixos e contam com poucos recursos didáticos. Somente 4,5% do total das escolas possuem os itens de infraestrutura previstos no Plano Nacional de Educação. Faltam laboratórios de pesquisa, faltam quadras esportivas, faltam bibliotecas, faltam computadores, falta merenda adequada, falta esgotamento sanitário e, acima de tudo, falta interesse dos pais em participar da vida escolar dos filhos. E todos, alunos, funcionários e professores, vivem acossados pela violência urbana, modalidade em que ocupamos o nono lugar no ranking mundial.

O resultado desse descaso pode ser aferido no ranking de qualidade de educação da OCDE, que avalia o conhecimento de alunos na faixa de 15 anos em matemática, leitura e ciências: o Brasil ocupa o vergonhoso 60º lugar, numa lista de 76 países. Se somarmos o número de analfabetos funcionais (27% da população) às pessoas com alfabetização rudimentar (42%), teremos que apenas 31% dos brasileiros, ou seja, um em cada três, possuem domínio da leitura, da escrita e das operações matemáticas. Não por acaso, cerca de 19% do total dos alunos em idade escolar (nos ensinos fundamental e médio) estão matriculados em escolas privadas, em tese, de melhor qualidade.


O Brasil está doente, severamente doente, e assistimos apáticos a nossa própria agonia


A derrocada de nosso sistema público de ensino foi iniciada justamente no período da ditadura militar. Os gastos da União com educação, previstos no governo João Goulart em 12% do Produto Interno Bruto (PIB), diminuíram de maneira acentuada sob o governo militar: 7,6% em 1970, 4,31% em 1975 e 5% em 1978 – percentual que hoje se encontra em 5,7%. Esse baixo investimento influenciou diretamente na qualidade do ensino, conforme a professora Renata Machado de Assis, no artigo “A Educação brasileira durante o período militar: a escolarização dos 7 aos 14 anos“. “Os gastos do Estado com a educação foram insuficientes e declinaram, o que interferiu: na estrutura física das escolas, que apresentaram condições precárias de uso; no número de professores leigos, que aumentou entre 1973 e 1983; e nos salários e condições de trabalhos dos professores, que sofreram um crescente processo de deterioração”.

O estado de degradação do sistema público de ensino é apenas mais um componente do desprezo que votamos ao patrimônio comum. Os índices de violência dentro do ambiente escolar, verificado nas escolas públicas, não se repetem nas escolas privadas – aliás, quanto mais elitistas, menos afeitas a distúrbios de qualquer natureza. Reduzir o problema a uma questão disciplinar, como arroga o deputado Jair Bolsonaro, é ignorar o abismo que separa ricos e pobres no Brasil, ou melhor, é aprofundá-lo. A violência na escola é apenas uma extensão da violência fora dela – e a violência fora dela é a expressão de um país socialmente injusto, no qual acesso à educação de qualidade é um privilégio, não um direito. No fundo, as nossas lideranças políticas, sejam de que cores forem, não querem transformar o sistema de ensino, porque não querem mudanças na sociedade. É mais fácil manter a população refém da ignorância para se perpetuar no poder.

Imagem do Dia

Suas ilhas são um parque nacional do mar e do arquipélago, e a cidade de Turku foi eleita Capital Europeia da Cultura em 2011. Não por acaso é a cidade mais antiga da Finlândia –foi capital até 1812– e convida os visitantes a conhecê-la, em forma de arquipélago por meio das balsas que atravessam canais e estreitos. Para os europeus do sul, os invernos são duros, mas o verão é a época ideal para fazer turismo pelo arquipélago, que tem temperaturas frescas durante os meses de maior calor.
Arquipélago de Turku (Finlândia) 

Quanto ganha um político na Alemanha?

Desde 2016 os aumentos salariais para os parlamentares federais alemães não precisam ser mais negociados e aprovados em nível politico, ocorrendo automaticamente, com base na tendência geral do mercado de trabalho do país.

A coalizão de governo formada pela União Democrata Cristã (CDU) e Partido Social-Democrata (SPD) estabeleceu esse princípio, possivelmente também na esperança de dar fim ao sempre recorrente debate sobre o nível salarial dos políticos.

O segundo ajuste segundo a nova regra ocorreu em julho último: desde então os deputados do Bundestag recebem 214 euros a mais por mês, totalizando 9.542 euros de salário bruto.

Plenário do Bundestag, o Parlamento alemão
Além do rendimento bruto, os políticos têm direito a um adicional para despesas de 4.318 euros mensais, livres de tributação. A quantia se destina a cobrir todos os gastos que eles tenham no contexto de seus mandatos – por exemplo, os aluguéis de uma segunda residência em Berlim ou de um escritório eleitoral –, sem que precisem apresentar comprovantes.

Mas isso não é tudo: mediante apresentação das notas fiscais correspondentes, os parlamentares alemães dispõem de até 12 mil euros anuais extras para modernizar e equipar seus escritórios e demais dependências ligadas a sua função.

Câmeras digitais, smartphones e máquinas de café estão entre os equipamentos financiados por esse complemento. A Associação dos Contribuintes da Alemanha (BdSt) critica tal liberalidade: por um lado a soma seria elevada demais, por outro os aparelhos também podem ser desviados para uso privado.

Um atrativo especial é a assim chamada "remuneração por antiguidade" para os deputados. Após apenas um ano no Bundestag, quem conta 67 anos de idade ou mais recebe um extra de 238 euros por mês. Ao fim de um período de legislatura (normalmente quatro anos), o valor mensal sobe para 954 euros.

A quantia mais alta, após 27 anos de atividade parlamentar, perfaz atualmente 6.441 euros mensais – um adicional com que muitos assalariados só podem sonhar. Note-se, entretanto, que o período médio de atividade no parlamento alemão é de oito a 12 anos.

Além disso, os políticos também podem ter rendimentos de outras fontes, e um quarto deles fatura mais de mil euros por mês como advogado, agricultor ou consultor de empresas, por exemplo. Resumindo: a renda anual básica de um deputado federal alemão gira em torno dos 115 mil euros. A chanceler federal Angela Merkel recebe cerca 238 mil euros anuais.

O site Tagesschau.de, da emissora de TV ARD compara: o diretor geral de um banco no estado da Renânia do Norte-Vestfália recebe 343 mil euros por ano. Já os presidentes das 30 principais companhias do país, cotadas no DAX, fazem uma média de 5,5 milhões de euros anuais, incluindo gratificações – o suficiente para financiar 23 chefes de governo da Alemanha.

Moralismo de resutados

Não são os coxinhas ou mortadelas, comunistas ou neoliberais, progressistas ou conservadores, não é o Gilmar ou a Lava-Jato. O inimigo público número um é a corrupção institucionalizada: viramos uma cleptocracia. O TCU comprovou que cerca de 10% dos benefícios da Previdência são fraudados, um prejuízo de R$ 56 bilhões, que faz grande diferença no déficit avassalador que gera a maior parte da dívida da União.

Não é só na Previdência, a sensação é que em qualquer ministério, autarquia ou agência em que for feita uma auditoria rigorosa e uma investigação policial profunda surgirão desvios assombrosos. Parece que o mensalão, o petrolão, a Lava-Jato, o Dnit, a Eletrobras, o BNDES, o Carf, os fundos de pensão das estatais, as incontáveis operações da Polícia Federal são apenas as pontas do iceberg da corrupção institucionalizada que congela o desenvolvimento e a justiça social. Se tornou um modo de vida, uma cultura nefasta que inviabiliza o progresso da sociedade.

Charge O Tempo 31/08/2017

Não, a atual obsessão com o combate à corrupção não é mero moralismo udenista, como dizem os réus e investigados para tentar minimizar suas culpas, é o clamor da sociedade por uma ação judiciário-policial-econômica para proteger o dinheiro do contribuinte e dar mais recursos ao Estado, é o dinheiro mesmo que interessa. Não é uma caça às bruxas, é um pragmatismo suprapartidário, por premente necessidade. É o dinheiro que falta para financiar o desenvolvimento econômico e a justiça social.

Por que no Brasil são tão disputados os postos de fiscal de qualquer coisa ? Por que os políticos trocam votos para fazer nomeações? Por que tantos funcionários concursados aderiram a partidos políticos para facilitar promoções? Por que tantas categorias que servem ao Estado aumentam os seus salários, se dão vantagens, e nós pagamos a conta?

Diante da evidência e dimensão dos rombos no patrimônio público, a questão moral é quase secundária, embora seja a causa de todos os prejuízos: a justiça é lenta, e o fundamental agora é recuperar o dinheiro e impedir que mais seja roubado. É o moralismo de resultados.

Nelson Motta

Discípulo da mandioca

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O Brasil precisa de um novo partido burguês com programa reformista mínimo, pactuando com as lideranças políticas regionais. (...) É centro de estratégia política montar um partido lulista, burguês e reformista
Washington Quaquá, presidente regional do PT e ex-prefeito de Maricá (RJ), apelidada por Eduardo Paes como a Cidade de Merda 

Gilmar e Guiomar Mendes, embaralhados na poesia eterna de Cartola e Ary Barroso

Para não dizer que não falei de flores, título de uma das últimas colunas de Carlos Castelo Branco no Jornal do Brasil, é meu assunto de hoje. Em entrevista à Folha de São Paulo desta quinta-feira, a advogada Guiomar Mendes, mulher do ministro Gilmar Mendes, rebateu a representação do Procurador Geral Rodrigo Janot contra o seu marido, na qual sustenta a intimidade entre ele e Jacob Barata Filho, por ser este pessoa de suas relações, conforme ficou atestado pela iniciativa do empresário de enviar flores ao casal.

A matéria na Folha de São Paulo está assinada por Letícia Casado. No Estado de São Paulo, a reportagem sobre o caso é de Fausto Macedo, também nesta quinta-feira. E O Globo publicou matéria sobre o tema, em que Gilmar Mendes e Guiomar Mendes afirmaram não se lembrar de terem recebido a gentileza. Gesto pouco simpático. Afinal de contas quando se recebe flores costuma-se agradecer. Pode não ser por escrito, mas através de um telefonema.
Me surpreende é não terem se recordado. O que pode ser interpretado como um sinal de desapreço ou desconsideração aos remetentes. Digo remetentes porque as flores estavam assinadas por Jacob Barata Filho e sua mulher. Mas esta é outra questão.

Quando eu digo que o casal Gilmar e Guimar Mendes se incluem nas poesias de Cartola e Ary Barroso é porque o primeiro é autor da bela canção “As Rosas Não Falam”, eternizada no contexto da música popular brasileira. De fato as rosas não falam, caso contrário elas poderiam revelar o equívoco de a remessa não ter sido gravada na memória do casal ilustre. Mas citei Ary Barroso e a razão está no fato de Guiomar Mendes ter afirmado que Rodrigo Janot caiu num momento ridículo ao fazer espuma sobre o nada, viajando para o desimportante.

Espuma é uma palavra contida no samba canção de Ary Barroso “Risque”. Num dos versos marcantes da canção, ficou escrito no tempo a frase “toda quimera se escuma, como a brancura da espuma que se desmancha na areia”.
A página poética do episódio ainda comporta uma outra citação, da peça teatral de Pedro Bloch “Os inimigos Não Mandam Flores”, grande sucesso na década de 50. De fato os inimigos não mandam flores e a amigos que os atrapalham. Não estou dizendo que as flores de Jacob Barata Filho e sua esposa se destinassem a colocar uma sombra num relacionamento cordial. O relacionamento, na verdade, só poderia ser cordial, já que Gilmar Mendes foi padrinho do casamento da filha de Barata com um sobrinho de sua mulher Guiomar Mendes.

As flores objeto da reportagem de Letícia Casado não foram remetidas agora, como se pudesse supor que se tornassem manifestação de agradecimento pela transformação da prisão do empresário de ônibus transferida para seu domicílio. Não, nada disso. As rosas chegaram dois anos depois do casamento destacado nos dias de hoje pela memória da imprensa.

O que representam as rosas? Apenas um sinal de amizade transmitido por um conjunto de cores. O sinal de amizade, pelo esquecimento registrado, não foi bem compreendido. As flores não falam, mas exalam (como disse Cartola) um sentimento de afeto e de aproximação.

Se tal aproximação será ou não motivo do impedimento levantado por Rodrigo Janot, este será um problema a ser respondido pelo Plenário do próprio Supremo Tribunal Federal.

Gente fora do mapa

Índia, Bangladesh e Nepal enfrentam as piores inundações no sul da Ásia em anos com mais de 1,2 mil mortos e milhões desabrigados

Os romanos até que tentaram

Até parece que não há mais nada acontecendo no País. É Lava a Jato pra cá, é Lava a Jato pra lá, mas isso vem durando tanto e dizem que por um mínimo de mais dois anos ainda vai durar.

É tanta a sujeira a lavar que a nós, cidadãos plenos nas obrigações tributárias e, não obstante, desfalcados pelo Estado no tudo a ver com a cidadania, não nos cabe ficar escamoteando tanta indignação.

Nas investigações dessa Lava Jato não há indicio que não realce a conexão entre a promiscuidade entre o poder político e o poder econômico, os dois fazendo o diabo, como um dia receitou a Dilma, para ludibriando a soberania popular continuarem dominando o Estado.

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Os romanos até que tentaram moralizar a coisa quando obrigaram os candidatos aos cargos públicos a se vestirem numa túnica branca e durante um período antes da eleição a desfilarem assim pela cidade.

Candidato vem de cândido, aquele que conseguisse atravessar todo o período da campanha andando pelas ruas, enfiado numa túnica branca, sem que ninguém lhe incomodasse atirando-lhe um tomate ou ovo podre.

Sabe-se que por trás das boas intenções dos políticos rolava algum dinheiro como o verbo mais convincente de muitos eleitores.

Há registros de que a eleição para o primeiro cargo da carreira politica de César, o de sacerdote do Templo, custou uma pequena fortuna à família dele, que bancou tudo.

A soberania popular, mais que antigamente, tem sido conspurcada para favorecer os donos do poder politico e os financiadores de suas campanhas eleitorais.

O jogo é pesado. Rola muito dinheiro numa eleição para Vereador. Imagine para um Deputado, Senador ou Presidente da República.

Temos assistido decisões da Justiça Eleitoral cassando mandatos sob a acusação de abusos do poder politico ou do poder econômico.

O voto segue sendo comprado sob as mais diversas modalidades que a cada eleição mais se sofisticam. Mas não nunca se viu a cassação do título de eleitor de quem vendeu o seu voto em troca de qualquer vantagem.

O combate à corrupção eleitoral tem que alcançar também a outra ponta do túnel por onde escorre a podridão do esgoto - o eleitor que dá o voto em troca de vantagem pessoal.

Edson Vidiga

Falta mais do que dinheiro

As leis, a mentalidade política e a cultura nacional querem do Estado muito mais do que ele pode fornecer

A história das contas do governo federal tem o seguinte enredo:

— por norma constitucional, a despesa de um ano tem que ser igual à despesa do ano anterior mais a inflação;

— na vida real, e por determinação também constitucional, as despesas com previdência, pessoal e benefícios crescem bem acima da inflação todos os anos;

— logo, para que a despesa total permaneça estável, é preciso cortar os gastos com custeio e investimento;

— logo, falta dinheiro para o governo tocar os serviços públicos de educação, saúde, segurança etc.

Claro que a primeira resposta para essa situação está na reforma previdenciária, de longe o maior gasto e o maior déficit, que cresce todos os anos.

Mas ainda que se faça essa reforma, o que é muito difícil, não vai sobrar dinheiro para o resto do Orçamento. Primeiro, porque o gasto previdenciário já atingiu um nível muito elevado — mais de 50% do total das despesas. Nenhuma reforma reduzirá esse gasto. Poderá apenas, sendo bem-sucedida, diminuir a velocidade de expansão do déficit.

Logo, continuará muito apertado o orçamento de todas as demais áreas do governo. O que nos leva à necessidade de outras duas reformas, uma para conter a folha de salários do funcionalismo, outra para reduzir o generoso pagamento de benefícios diretos.


Mas, de novo, esses gastos já atingiram níveis elevados. Também não podem ser reduzidos, mas apenas contida sua expansão.

E mesmo que se consiga isso — reparem, já são três reformas muito difíceis — não vai sobrar dinheiro para o setor público naquela que é sua função principal, a de prestar serviço aos cidadãos.

A razão é óbvia — ou deveria ser. E é a seguinte: as leis, a mentalidade política e a cultura nacional querem do Estado muito mais do que ele pode fornecer.

Como se financia o Estado? Com impostos e com a tomada de empréstimo. Já fizemos isso. A carga tributária é muito elevada, não cabe no bolso dos contribuintes. E a dívida pública cresce todos os anos, aproximando-se perigosamente do nível em que será insustentável. O governo tem ainda uma última arma — destruidora — que é emitir dinheiro. Resolve por um instante e gera uma baita inflação.

Tudo isso para tentar mostrar que é preciso reduzir o tamanho do Estado.

Está uma choradeira em tudo que é repartição pública. Compreensível. Está sempre faltando alguma coisa, de gasolina para a polícia a rancho para os soldados. Reação automática do pessoal: pedir mais dinheiro para Brasília.

Tem uma turma que vai ao limite do ridículo: é contra as reformas, contra mais impostos e a favor do aumento de gastos e investimentos. A dívida pública? Não tem problema, é só deixar de pagar aos especuladores, alegam.

Mas mesmo tirante essa turma, fica muita gente bem intencionada que não percebeu a raiz do problema: o Estado terá que fazer mais com menos, prestar menos serviços para menos pessoas e, finalmente, buscar recursos no setor privado.

Vamos falar francamente: não faz sentido dar universidade de graça para quem pode pagar. Idem para o atendimento médico.

Diz a Constituição que todo brasileiro tem direito a ser atendido de graça e com o melhor tratamento disponível. Não tem dinheiro para isso. Logo, é preciso fazer uma fila e definir quem pode e quem não pode receber este ou aquele tratamento.

Dizem: isso é uma violação do princípio do atendimento universal. Mas esse princípio é violado todos os dias e da maneira mais selvagem: fila no pronto-socorro, gente morrendo no corredor do hospital ou aguardando meses para o tratamento de um câncer.

A lei não organiza a fila. Fica por conta do coitado do plantonista da emergência.

Não faz sentido que as universidades e os centros de pesquisa não vendam serviços para empresas e outras instituições privadas. As universidades aqui não conseguem nem receber doações. Já em países onde estão algumas das melhores escolas do mundo, as universidades vivem basicamente de doações e venda de serviços. Incluindo a cobrança de anuidades, combinando com o fornecimento de bolsas.

Desculpem se estamos piorando o cenário, mas é isso mesmo. Não bastarão as reformas da Previdência e do funcionalismo. Precisamos de um mudança cultural: entender que o Estado brasileiro atual não cabe no país. Tem que ser menor e melhor.

Carlos Alberto Sardenberg 

Governo atinge o estágio dos erros amazônicos

Diz-se que Júlio César tinha sempre do seu lado um serviçal cuja atribuição era a de se aproximar das orelhas do imperador para cochichar de tempos em tempos: “Lembra-te de que és mortal, César”. Imagine quantas turbulências seriam evitadas se, em vez do Eliseu Padilha, Michel Temer tivesse do seu lado alguém para lembrá-lo de vez em quando de que ele também está sujeito à condição humana.

O brasileiro não aguenta mais. Quando parece que está tudo mal —a meta do déficit fiscal estourada, a delação do Lúcio Funaro quase homologada, a segunda denúncia contra o presidente no forno, o centrão feliz, a usina de habeas corpus do Supremo funcionando a vapor pleno— surge o decreto de Temer acabando com uma reserva ambiental do tamanho do Espírito Santo em plena floresta amazônica.

Faltou decididamente a Temer um cochichador para soprar na sua orelha, na hora da assinatura do decreto: “Não mexas com a Amazônia, presidente. Lembra-te de que és mortal.” Ou ainda: “Se beberes, não te aproximes de canetas e de mineradoras.” Como quem estava do seu lado era o Padilha, Temer tascou sua rubrica no tal decreto.


Barulhenta, a má repercussão embarcou junto com Temer no jato presidencial que o levou à China. Membro da comitiva, o ministro Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) trocou um dedo de prosa com o chefe. E mandou divulgar em Brasília, na noite de quinta-feira, uma nota. O texto abre assim:

“O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, após consultar o presidente da República, determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários na área da Reserva Nacional do Cobre e Associados – Renca. A partir de agora o Ministério dará início a um amplo debate com a sociedade sobre as alternativas para a proteção da região. Inclusive propondo medidas de curto prazo que coíbam atividades ilegais em curso.”

Qualquer pessoa está sujeita ao erro, mas só Temer parece decidido a provar que tem vocação para o equívoco. Um presidente pode conviver com o erro por descuido. Mas ir atrás do erro, cortejar o erro, mimar o erro, entregar-se ao lobby de mineradoras… Nesse ritmo, o brasileiro acabará assumindo o papel de cochichador do Temer, gritando alertas desde as ruas.

Em sua nota oficial, o ministro Fernando Coelho escreve que o governo suspendeu a suspensão da reserva por “respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca. No prazo de 120 dias, o ministério apresentará ao governo e à sociedade as conclusões desse amplo debate e eventuais medidas de promoção do seu desenvolvimento sustentável, com a garantia de preservação.”

O texto do ministério cria algo inusitado: o respeito retardado. E avisa que, em 120 dias —período também conhecido como 4 meses— o erro voltará à carga. Com Eliseu Padilha no lugar do cochichador, Temer vai consolidando a impressão de que, no seu governo, entre um erro e outro há sempre espaço para erros ainda maiores, talvez amazônicos. No momento, a frase mais popular em Brasília é: “Sabe o último do Michel Temer?”