sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Apenas mais um impeachment?

Passado o primeiro ano do impeachment de Dilma Rousseff, a controvérsia e a guerra de narrativas a seu respeito parece aberta apenas para iniciados, militantes e ou fundamentalistas de lado a lado: ''Golpe'', ''Pedaladas''? Juízos de valor, disputas de espaço; paixões políticas fazem parte. Mas, queira-se ou não, o público mais amplo parece mesmo se lixar para essa discussão. No final das contas, é a história quem definirá a versão vitoriosa. O fato é que o tempo passa, inexoravelmente. E a vida segue em frente.

Essas rememorações se darão assim, de tempos em tempos: 1 ano; depois, 5 anos, 10 anos. Vão repousar no futuro dos cinquentenários e centenários dos cadernos especiais, que nem mais existirão. Mas, com efeito, são fatos marcantes, simbólicos; às vezes, nem tão marcantes assim. As perguntas dos jornalistas são quase sempre as mesmas: como o país se encontra um ano depois?; qual o legado da ex-presidente?

Difícil fugir da mesmice. Mas, tentar é do ofício. Primeiro, então, o óbvio: um impeachment não é algo que se comemore; quando muito, pode-se rememora-lo, como um infeliz tiro no pé. No geral, é sinal de que as coisas não vão bem.

O contorcionismo de transformá-lo em expressão da maturidade institucional é má fé ou miopia: como elogiar o uso do revólver retirado do coldre do guarda: se foi necessário recorrer a ele, é porque a educação, os valores e a prevenção foram mortos, antes de tudo. Incapacidade de antecipação, erros de escolhas ou de procedimentos. Simples assim. Outros tiros podem ser necessários. E quem dorme com uma tensão dessas?


Mas, enfim… Do ''adeus querida'' ao ''tome Temer'', os sinais são reveladores de que a democracia brasileira tem sérios problemas. Dois impeachments em menos de 25 anos já seriam o bastante para assustar. Mas, não parecem bastar: o atual presidente apenas não perdeu o mandato por conta do vazio de opções, do deserto de lideranças que há no país. Sua continuidade é fruto do desalento que produz desmobilização social; mas, seu descrédito é expressão de um processo tortuoso, complicado, labiríntico.

Ainda durante Dilma, se percebeu que o PT, ao ceder à real politique que sempre criticou, aderiu ao patrimonialismo e ao fisiologismo tradicionais. Não atendeu expectativas de mudança; com deslumbre de alguns de seus dirigentes, se rendeu. O grande antagonista a tudo o que estava posto em 2002, vestiu a roupa do farisaísmo. E, para isso, não há remissão — mesmo que houvesse, aqui e ali, o lenitivo de políticas públicas de inclusão social.

Contudo, se todos os males pudessem ser resumidos ao PT, estaríamos feitos. O pós-Dilma tampouco foi animador: o botão-de-rosa oferecido pelo PMDB era opaco, frágil e desfolhou. Vestais viraram estátuas de sal; não havia mudança, ponte; sequer havia pinguela. Só o precipício de antes. O reloading que Temer deu no sistema (leia aqui) preservou interesses e mazelas. Novamente, o jogo de dominó se esgotou, num ''fecha natural''.

Os heróis do impeachment morreram de overdose: Eduardo Cunha, Aécio Neves, Michel Temer, mas não só. Quem não se recorda da deputada que, votando pela cassação, fazia apologia à honestidade do marido, preso logo nos dias que se seguiram? Gigantes em pernas de pau, revelaram-se anões na dureza do asfalto. Gente que cuspiu para o alto, como fogos de artifício em louvor ao impeachment, ao final, escarrou no próprio rosto.

É ''o sistema'', amigo. Ele pode não ter um CPF definido, mas tem nomes, apelidos na contabilidade dos corruptores, identidades políticas. Personagens que se enlaçam e conexões orgânicas que se expandem entre Executivo e Legislativo, que penetram pelas coxias dos tribunais; que se fecham na conivência explícita ou na capitulação disfarçada de quem, depois, sorriu amarelo, sem se arrepender.

O que mudou sem Dilma? Tudo e nada. A presidente era mesmo incorrigível (leia aqui): autossuficiente à ruína, tomada pela ideologia e tão esperta quanto um adolescente numa gafieira. Veio Henrique Meirelles e sua equipe — a propósito, inúmeras vezes recomendado por Lula — estabeleceu alguma racionalidade. Pelo menos, disse o que precisava ser dito, pactuando, por fim, certo armistício com um mercado condescendente. Na economia, o governo é um tanto mais crível. Embora, mesmo sobre isso já haja controvérsia.

Mas, sistêmicos, na política os vícios foram mantidos: a mesma fome voraz por cargos e emendas, o oportunismo e a covardia em relação às reformas. Pelas circunstâncias, o imemorial toma-lá-dá-cá até se expandiu. A grande política não pôde ser recomposta. Distante da sociedade, o sistema peleja a autopreservação. É sua lei. E, fênix que nunca vira cinzas, procura agora o candidato que o reanime.

O ocaso de Dilma explicitou o colapso de um tipo presidencialismo de coalizão exclusivamente dependente o fisiologismo. A nudez revelada deveria suscitar mudanças de posturas, revisão de métodos e reformas políticas profundas. Nada disso aconteceu e, tão cedo, nada deve mudar. Depois de Collor, seu impeachment corre o risco de passar para a história como ''mais um''; o ''segundo'', da série ''impeachments brasileiros''. Por não ter superado as causas, o país ainda pode viver tudo outra vez. Por que não?

E assim o tempo passará; virão novas rememorações: 5, 10, 50, 100 anos deste impeachment… Folhas do calendário que caem e o tempo passa; homens e mulheres que fazem a história sem saber a história que fazem. Como o passado, Dilma será uma ''velha roupa colorida que não nos serve mais''. Apenas mais uma, entre tantos personagens que se vão no sumidouro do espelho retrovisor.

Carlos Melo

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