O inconsciente coletivo dá mostras de querer criar mais um ente protetor imaginário. O quase falido “pai governo” passaria a ter ajuda do “tio futuro”, que proveria a salvação mundana pela conjugação apenas de tempo, papel e tinta.
Aprove-se com papel e tinta a reforma constitucional do teto dos gastos e o resto virá a reboque. Não é simples assim. A solução de problemas políticos apenas por métodos legais e administrativos é sonho antigo da humanidade, porém inalcançável.
A necessária divisão mais consistente do bolo (PIB) nacional não é como uma troca, onde todos podem ganhar. No curtíssimo prazo é jogo de soma zero, onde alguns têm que perder. Quem deseja o poder deve estar disposto e apto a viabilizar este fato.
A aprovação do teto de gastos sem a aprovação prévia da reforma da Previdência abriu o peito do paciente antes de acertada qual seria a operação a fazer. Passados oito meses, o pior cenário está se materializando.
Os 513 médicos da Câmara e 81 médicos do Senado não chegam a um consenso se fazem uma operação diretamente sobre a válvula aórtica das subtrações espúrias, exageros previdenciários e privilégios, ou se apenas realizam um procedimento de rotina na válvula tricúspide.
Na verdade, os médicos não concordam nem ao menos se deve de fato haver algum tipo de operação. Ecoam das ruas escuras e dos subúrbios amedrontados os urros de revolta do paciente com o peito serrado. Deitado. Indignado.
Dizia-se, à época de aprovação da emenda de limite dos gastos, que os desassistidos de segurança, educação e saúde fariam as pressões políticas necessárias para o efetivo combate aos ganhos corporativos. Talvez. Mas esqueceu-se que, com a representação política atual, este tipo de solução requer antes o caos mobilizador. A prévia desorganização econômica e social é parte da sua receita.
Esqueceu-se também que as pressões de fato efetivas para a obtenção de recursos públicos não advêm dos setores mais grave, injusta e ineficientemente atingidos. Mas sim dos grupos de interesse mais bem organizados.
A situação parece estável, mas embute uma série de enormes custos futuros. Talvez o maior deles corresponda aos jovens desprovidos de horizonte. É triste perceber que alguns não têm alternativa senão tentarem se juntar aos seis milhões de subempregados.
Outros votam desesperadamente com os pés, tentando migrar para outros países. Não aceitam ser escravos nem dos impostos que preveem nem da insegurança e dos benefícios corporativistas que veem. Não admitem sustentar direitos mal adquiridos sobre seu futuro.
Há de positivo a queda dos juros básicos, que em meados de 2016 eram da ordem de 14,25% ao ano, ao passo que agora temos 9,25% ao ano. Isto foi possível porque a inflação esperada passou de 7,3% em junho de 2016 para 3,1% um ano depois. O problema é que a viabilizar tal queda da inflação há em torno de 13,5 milhões de desempregados.
Algumas observações da situação nacional refletem uma absurda apropriação do futuro pelo presente.
Suponhamos, a título de ilustração, que nos 12 meses contados a partir de agora se mantenha o cenário atual de juros, inflação e déficit primário, com uma taxa de crescimento do produto em torno de 1,0%.
No cenário atual, não são hipóteses pessimistas. Ainda assim, o custo de um ano a mais no equacionamento da questão fiscal imporá ao país um custo fiscal adicional entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões, dependendo se se considera a dívida líquida ou a bruta. Em torno da metade, por exemplo, do que se prevê de receita na recentemente anunciada privatização da Eletrobrás.
O tempo, a exemplo das cartomantes, não entrega futuro grátis.
Rubens Penha Cysne
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