quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Governo pega a estrada velha

O Brasil já conhece os passos dessa estrada, sabe que não vai dar em nada. Sabe de cor os desvios, desvãos, delírios que podem levar à ideia de que algum ente governamental possa intervir em formação de preços de supermercados. Não dá para acreditar que o ministro Paulo Guedes não tenha tido força para explicar o básico ao governo Bolsonaro. A notícia de que o Ministério da Justiça notificou os supermercados pela alta dos alimentos seria cômica se não fosse séria. A inflação está baixa, não há uma elevação generalizada do índice. E, mesmo que houvesse, o Brasil sabe há 30 anos que não é por aí.

Na economia nada há de mais obsoleto do que isso que nos assombrou na segunda metade dos anos 1980, a tentativa de controle de preços e a acusação a supermercados. Depois de várias tentativas que sempre deram errado, o Plano Real escolheu um outro caminho, novo e elegante, que enfim derrotou a hiperinflação no Brasil. Houve derrapagens no meio do caminho, como o congelamento da gasolina no governo Dilma e a intervenção na energia. Deu errado. Na sucessão de retrocessos que nos atinge no governo Bolsonaro, só faltava mesmo essa, o Ministério da Justiça dar prazo para supermercado explicar o preço do arroz porque o presidente da República reclamou. Eu até lembraria que o ministro da Economia é liberal, mas isso nem importa a esta altura. Não se trata de incoerência em relação a uma escola econômica. É uma questão de bom senso e saber — palidamente que seja — a história do Brasil.


Então vamos lá voltar à quadra um, porque o terraplanismo atacou agora a economia. Três fatores elevaram os preços dos alimentos: entressafra, auxílio emergencial e exportações puxadas pelo dólar alto e pela demanda chinesa. A execução do benefício teve muitos defeitos, mas quando chegou aos mais pobres fez uma enorme diferença. Imagine uma mulher chefe de família que recebia R$ 190 de Bolsa Família e que de repente recebeu do governo R$ 600 ou até R$ 1.200. O efeito multiplicador foi forte, como expliquei ontem aqui, fenômeno que ouvi bem explicado dentro do próprio governo. Isso é bom, porque atenuou a recessão, mas por outro lado pressionou a demanda de alguns produtos. Alimentos e material de construção.

Esse fenômeno é temporário porque nos últimos quatro meses do ano o valor do benefício vai cair. Mesmo assim, a inflação de alimentos em domicílio, que subiu 11,39% em 12 meses, deve continuar pressionada. E alimentos têm mesmo oscilações fortes. A cebola, que subiu 81% nos primeiros sete meses do ano, no oitavo mês caiu 17,81%. Contudo, o índice geral do IPCA continua baixo, chegou a 0,70% o ano. Menos de 1%.

Nesse índice de agosto, a educação foi a âncora, explica o professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. Houve a concessão de descontos pelas escolas, e o item caiu 3,47%. Se tivesse sido zero, calcula Cunha, a inflação do mês seria de 0,45%, em vez de 0,24%. Os preços continuarão oscilando naturalmente. Não há uma conspiração entre donos de supermercados e arrozeiros. Reduzir a tarifa é uma boa ideia, até porque as barreiras são tão altas que deveriam ter sido reduzidas há mais tempo.

No segundo semestre a sazonalidade da carne é de alta, e além disso está acontecendo com esse e outros produtos uma demanda externa maior, com preço competitivo por causa do dólar alto. Isso torna mais caro o importado. Houve uma queda de 42% na importação de trigo, os preços da farinha até subiram 12%, mas macarrão está com alta zero de preço. Deve ser isso que fez o presidente da associação de supermercados, ao sair da reunião com o presidente Bolsonaro, parafrasear Maria Antonieta. Em vez de “dê-lhes brioches” sugeriu que as pessoas trocassem o arroz por macarrão.

Meses atrás houve quem dissesse que o presidente do Banco Central teria que escrever uma carta para explicar por que não atingiu a meta de inflação. Não por ficar acima, mas porque o risco era de ficar abaixo do piso da meta. Agora o que está acontecendo é uma alta localizada de preços, fácil de entender, e difícil de reverter artificialmente. Qualquer intervenção distorce, como os ruídos dos últimos dias: declarações, reuniões, ameaças e notificações. Quando Jair Bolsonaro dizia nada entender de economia, estava falando sério. Quando disse que entregaria tudo a Paulo Guedes, não estava falando sério.

Acomodados

É difícil e pode causar indisposição, mas, se for possível ignorar aspectos morais quando se registra o perdão de dívidas concedido pelos deputados a igrejas, percebe-se que o ocorrido nada tem de anormal. Ao contrário: é o jeitão característico da nossa sociedade, acostumada a acomodar interesses setoriais pendurando a conta nos cofres públicos, quer dizer, em quem paga impostos.

As igrejas compõem um desses “interesses setoriais” e constituíram-se nas últimas quatro décadas num lucrativo negócio graças a uma profunda transformação cultural (associada à perda de valores tradicionais e ao recuo da Igreja Católica, mas este não é o objeto deste texto). Desenvolveram-se também como importantes fatores da política, não apenas pela capilaridade (base de seu poder econômico), mas, principalmente, por terem se tornado muito relevantes na “guerra cultural”, que é uma luta política.

É bastante óbvio que o poder político e econômico explica a maior ou menor capacidade de “interesses setoriais” de obter a acomodação que pretendem. Excelente exemplo está no debate sobre a reforma tributária, um verdadeiro tratado antropológico sobre a realidade brasileira, na qual o privado tem predominância sobre o público. Existe uma espécie de consenso social segundo o qual esse estado de coisas, do ponto de vista moral inclusive, surge como perfeitamente adequado.



A essência desse debate, em meio ao enorme sufoco fiscal, é estabelecer quais interesses setoriais terão de renunciar ao que consideram seus direitos adquiridos. A desoneração de folhas de pagamento, por exemplo, abrange pelo menos 17 setores ou segmentos da economia, que já consideram essa renúncia como uma espécie de “direito”. O mesmo ocorre com incentivos, proteções, subsídios a juros, manutenção de programas especiais de fomento. A força política de cada setor interessado criou um equilíbrio na estagnação, pois o resultado geral (entendido como capacidade de expansão da economia do País) acaba sendo medíocre, mas cada um se defende bem no seu pedaço.

Pode-se seguir adiante nesse raciocínio e ampliá-lo para a questão da reforma do Estado via reorganização do funcionalismo público, cujo peso nas contas públicas é célebre. Os “interesses setoriais” nesse caso estão na elite dos servidores do Estado, naquilo que os sociólogos da velha escola chamariam de “estamentos burocráticos” com inigualável peso nas instituições e formidável capacidade de defender o que consideram “seu”. Não há lideranças capazes no momento de compor todos os interesses ou de fazê-los convergir para qualquer coisa que se possa chamar de “bem comum”.

Não deixa de ser curioso notar que a defesa do perdão das dívidas das igrejas com a União alega que a Receita Federal teria se colocado acima da Constituição e desprezado a imunidade que essas entidades desfrutam quanto ao pagamento de impostos (mas não de contribuições como a previdenciária). Implícita está a noção de que os agentes do Estado brasileiro se comportam de forma autônoma, isto é, eles fazem as leis. Tenham ou não razão em seu pleito (é evidente quem, neste caso, não tem), os representantes das igrejas apenas engrossam um coro muito amplo.

Há mais um paralelo irônico com a mais recente fase da Operação Lava Jato, voltada contra escritórios de advocacia que, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério Público, recebiam dinheiro do Sistema S (sustentado por dinheiro público) para “azeitar” decisões em várias instâncias de órgãos de controle e do Judiciário relativas a interesses setoriais. Quando se fala em corrupção sistêmica no Brasil, na verdade está se falando de uma forma de acomodação.

À qual, é triste ter de dizer isso, estamos acostumados.

Sofrimento do povo vira piada

Uma porção de gente comprando porque o dinheiro que o governo injetou na economia foi muito acima daquilo que as pessoas estavam acostumadas. Tanto que está tendo grande compra de alimentos e material de construção. Então, as pessoas estão se alimentando melhor e estão melhorando as suas casas

Hamilton Mourão, general vice-presidente 

O sequestro do Brasil

O Brasil continua refém de uma disputa retórica entre o ruim e o pior, que nada tem a ver com a construção de um país democrático e moderno. O presidente Jair Bolsonaro e seu antípoda, o petista Lula da Silva, aproveitaram o Dia da Independência para terçar as conhecidas armas do autoritarismo e do atraso, reiterando a miséria ideológica produzida pelo lulopetismo e pelo bolsonarismo.

“No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade”, discursou Bolsonaro em rede de rádio e TV. Ora, o respeito à Constituição e à democracia é obrigação precípua de todas as autoridades do País, aliás de todo e qualquer brasileiro, e não deveria ser necessário o presidente da República vir a público para confirmar sua disposição de cumpri-la. No caso de Bolsonaro, contudo, é mais que necessário, pois seu histórico de ataques às instituições republicanas, de apoio a movimentos golpistas e de agressão sistemática ao decoro indica profundo desrespeito à Constituição e à democracia.

Assim, o anunciado compromisso de Bolsonaro com a democracia e a Constituição foi bem recebido em parte do meio político – seria mais uma prova de sua disposição de abandonar a truculência que lhe é característica. Mas, como tudo no bolsonarismo, um movimento de natureza intrinsecamente autoritária, as palavras “democracia” e “liberdade” ganham significado bastante diverso daquele consagrado no léxico democrático.



No discurso, Bolsonaro disse que “o sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade”. Citou, como exemplos desse heroísmo, a Guerra do Paraguai, a ação da FEB na 2.ª Guerra e, pasme o leitor, o golpe militar de 1964. Ou seja, o presidente equiparou a mobilização militar do País contra inimigos externos à instalação de um regime de força no Brasil para combater inimigos internos – a “sombra do comunismo”, em suas palavras. Isso é o bolsonarismo em seu estado puro: a “liberdade” e a “democracia” que o presidente diz defender são restritas aos brasileiros que andam na linha – os demais, como Bolsonaro mesmo já disse em outros tempos, deveriam ser “fuzilados”.

Enquanto isso, o chefão petista Lula da Silva gravou um pronunciamento em que tratou de relembrar aos brasileiros por que razão o PT foi varrido do poder. A título de denunciar o descaso de Bolsonaro a respeito da pandemia, o ex-presidente recitou todo o abecedário do subdesenvolvimentismo militante. Criticou, por exemplo, a determinação de “pagar juros ao sistema financeiro” com o lucro cambial do Banco Central, dizendo que esses recursos “poderiam estar sendo usados para salvar vidas” na pandemia. Essa afirmação, em si falsa, apenas reitera a rançosa hostilidade esquerdista aos investidores que financiam o governo. Na mesma toada, criticou o teto de gastos, “que deixa o Estado brasileiro de joelhos diante do capital financeiro nacional e internacional”.

Como se fosse líder de chapa estudantil, Lula também atacou o acordo para o uso norte-americano da Base de Alcântara, visto pelo petista como “submissão do Brasil aos interesses militares de Washington”.

Além disso, Lula atacou o “furor privatista” de Bolsonaro, algo que nem os próprios funcionários do governo estão vendo – alguns inclusive pediram demissão recentemente, frustrados com a lentidão do prometido processo de venda de estatais.

Por fim, acusou uma aliança das “forças conservadoras do Brasil” com “interesses de outras potências” para sabotar “os avanços que fizemos”. Até sua prisão Lula atribuiu a uma “criminosa colaboração secreta de organismos de inteligência norte-americanos”.

Enquanto estiver cativo do duelo anacrônico entre lulopetismo e bolsonarismo, repleto de inimigos ocultos, conspirações e imposturas, o Brasil terá enorme dificuldade de identificar seus reais problemas e de arregimentar forças para enfrentá-los. O futuro do País depende da superação, o quanto antes, desse ruinoso embate.

Pensamento do Dia

 


Supermercados alemães pedem que Berlim pressione Bolsonaro


Duas das maiores cadeias de supermercados da Alemanha, Edeka e Lidl, manifestaram preocupação com o desmatamento no Brasil e pediram que o governo alemão pressione o governo do presidente Jair Bolsonaro a conter a devastação ambiental.

"Tendo em vista o aumento da demanda global por soja e os desenvolvimentos na região amazônica, compartilhamos suas preocupações", diz uma carta da Lidl enviada à eurodeputada alemã Anna Cavazzini, uma crítica ferrenha da política ambiental de Bolsonaro.

"A rede Edeka está observando os acontecimentos no Brasil com grande preocupação", diz a outra rede, também em carta enviada à eurodeputada.

No documento, a Edeka também afirma que pediu que produtores de soja brasileiros se comprometam a atuar para que áreas do Cerrado não sejam destruídas e convertidas em zonas de cultivo.

A Edeka afirmou ainda que, enquanto membro da Federação Alemã do Comércio de Alimentos (BVLH), pediu que o governo da chanceler federal alemã, Angela Merkel, pressionasse o governo Bolsonaro a agir para conter o desmatamento e dar prioridade à proteção florestal.

A rede Lidl também é membro da federação que apresentou o pedido ao governo alemão. "Na nossa visão, o desmatamento não é o único aspecto problemático, mas também o fato de que monoculturas em larga escala e uso intenso de pesticidas empobrece o solo e favorece a erosão", disse o conglomerado.

Ambas as redes ainda afirmaram que estão comprometidas com a adoção de "cadeias de abastecimento sem desmatamento". A Lidl, por sua vez, afirmou que o grupo prefere soja da União Europeia (UE) e incentiva a mudança para um cultivo de soja mais sustentável no Brasil.

De acordo com o jornal alemão Taz, que publicou uma reportagem sobre o posicionamento das duas redes, a declaração dos dois conglomerados pode aumentar a pressão para que o governo alemão reavalie seu rumo em relação ao Brasil.

No mês passado, Merkel acenou retirar seu apoio à retificação do acordo de livre comércio da UE com o Mercosul, referindo-se ao desmatamento da Amazônia. Entretanto, ela ainda não desistiu de modo definitivo do tratado.

Em maio, as principais redes de supermercados do Reino Unido ameaçaram boicotar produtos brasileiros se o Congresso Nacional aprovasse a polêmica lei de regularização fundiária, conhecida a "MP da grilagem", posteriormente convertida em projeto de lei.

A carta aberta tem cerca de 40 signatários, incluindo algumas das redes de supermercados mais importantes do Reino Unido, como Tesco, Sainsbury's, Morrisons e Marks & Spencer, além da rede Burger King, do fundo público de pensões sueco AP7 e de outras empresas de gestão de investimentos.

Deutsche Welle |

Coitadinhos...


Acho um absurdo os salários da alta administração brasileira. Acho que são muito baixos (R$ 39 mil )
Paulo Guedes, ministro da Economia

Verde, amarelo, branco, azul anil

Tivemos um inédito Dia da Independência sem desfiles militares, por causa da pandemia. O presidente Jair Bolsonaro desfilou em carro aberto, cercado de crianças, no velho Rolls-Royce presidencial, comprado pelo presidente Getúlio Vargas em 1952, em si uma atração à parte. A Esquadrilha da Fumaça, como sempre, riscou o céu de Brasília. Estamos a dois anos do Bicentenário da Independência. Quem tiver mais certezas do que dúvidas sobre o futuro estará errado. São tempos de mudanças vertiginosas em meio a grandes adversidades.

Olhando para metade do caminho percorrido, a década de 1920, houve um turbilhão de coisas que deixaram de pernas para o ar a chamada República Velha. O mundo saía da maior carnificina até então ocorrida na História, a I Guerra Mundial. Pode-se dizer que tudo o que ocorreu depois, no século passado, de alguma forma, foi marcado pelo conflito. Há 110 anos, havia uma grande inquietação cultural e artística, além da radicalização ideológica na qual se confrontaram o comunismo e o fascismo, como alternativas à social-democracia e ao liberalismo, respectivamente. A II Guerra Mundial foi quase uma consequência inevitável, cujo grande ensaio no teatro europeu foi a Guerra Civil espanhola.

No Brasil, havia uma profunda crise de identidade; as instituições republicanas, que constituíam um sistema federativo e a nossa democracia representativa, eram contestadas. Dizia-se que eram estruturas artificiais, não se coadunavam com a realidade social e cultural do país. A Semana de Arte Moderna questionaria os padrões culturais tradicionais, impostos por uma elite formada por ex-senhores de escravos e seus descendentes, propunha a busca de uma identidade nacional moderna, “digerindo” as novas correntes filosóficas e artísticas europeias para produzir uma cultura nacional autêntica. O tenentismo eclodiria com o heroísmo dos 18 do Forte Copacabana, questionando o coronelismo, as fraudes eleitorais, o sistema político. Na mesma época, surgia o Partido Comunista, formado por intelectuais e operários de origem anarquista, cristãos-novos do marxismo. Eram prenúncios de uma crise que iria desaguar na Revolução de 1930 e no Estado Novo.


Olhando para o futuro, o que nos aguarda nos próximos dois anos? É difícil a resposta, já mergulhamos num turbilhão das incertezas. Qualquer análise precisa partir da constatação de que estamos vivendo uma crise múltipla, cuja origem difere de todas as anteriores, em razão da pandemia da covid-19: contabilizamos até ontem 126 mil óbitos e 4,137 milhões de casos desde o início da pandemia, com uma taxa de 60,5 mortos por 100 mil habitantes. Estado mais rico e mais populoso, com o melhor sistema de saúde, São Paulo registra 855.722 casos e 31.353 mortes, o que explica a profundidade da recessão econômica, com a queda na produção industrial de 17,7% no segundo trimestre, em relação a igual período de 2019. O único setor com resultado positivo foi o agronegócio, que cresceu 1,2% no trimestre passado, por causa da recuperação chinesa e do aumento do consumo de alimentos, cujos preços dispararam.

Ninguém sabe quanto tempo a pandemia permanecerá, pois há sinais de uma segunda onda na Itália e na Espanha, mas há esperança de que quatro das vacinas em desenvolvimento no mundo estejam liberadas para aplicação em massa até o final do ano: a americana, a inglesa, a russa e uma das chinesas. O Brasil corre atrás delas, mas é improvável que possamos imunizar a população em menos de um ano. Enquanto a vacina não vem, é melhor ter juízo e manter o isolamento social; porém, não é o que acontece no Brasil. O mau exemplo vem de cima. O presidente da República naturaliza a pandemia e mantém uma ocupação militar no Ministério da Saúde que entrará para os anais da nossa história sanitária, repetindo o triste papel que tiveram na epidemia de meningite, durante o regime militar.

Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista, para desespero da equipe econômica, que agora lida com uma anistia fiscal no valor de R$ 1 bilhão para as igrejas evangélicas, que o presidente da República quer sancionar. Ou seja, todos os contribuintes terão de pagar o calote dos pastores na Receita Federal. Na política, Bolsonaro só pensa na eleição; nos bastidores, trabalha para liquidar com a Operação Lava-Jato, moeda de troca para livrar os filhos das investigações sobre o caso Fabrício Queiroz. Com o ministro Luiz Fux na presidência do Supremo (tomará posse na quinta-feira), será muito difícil.

Pasmem! A anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvia, que ontem fez um pronunciamento nas redes sociais com pompa de estadista e cara de candidato, para emular com o de Bolsonaro em cadeia de radio e tevê, passou a ser vista com bons olhos pelos estrategistas do Palácio do Planalto. Já consideram os petistas fregueses de carteirinha e sonham com uma polarização com o petista Lula para reeleger Bolsonaro, sem risco de ter de enfrentar uma candidatura de centro no segundo turno. Até o Bicentenário da Independência, teremos dois anos emocionantes. Oremos!
Luiz Carlos Azedo

Ao Deus dará

Dois meses depois da posse do ministro Milton Ribeiro, pouca coisa mudou. É verdade que a retirada de Abraham Weintraub da sala tornou o ar mais respirável. Nem por isso a Educação deixou de padecer da ausência de uma liderança capaz de criar um amplo consenso nacional em torno da prioridade que a ela deve ser dada. Em especial, nesses tempos de pandemia. 

O pastor Milton está mais preocupado com as 900 ovelhas de sua igreja presbiteriana em Santos, como mostrou reportagem recente do jornal Folha de S.Paulo, do que com o rebanho de milhões de crianças e jovens que podem ter seu futuro comprometido se não houver forte apoio da União aos estados e municípios, na volta às aulas.



Negligência oficializada pelo presidente Jair Bolsonaro ao vetar a previsão de apoio técnico e financeiro aprovada pelo Congresso na Medida Provisória sobre a flexibilização do ano letivo. A MP tinha sido aprimorada pelos parlamentares, o que permitia um aporte estimado em R$ 5 bilhões tanto para o ensino remoto como para o retorno das aulas presenciais.

A prioridade absoluta do MEC deveria ter sido evitar o veto porque a suspensão desse suporte prejudica 39 milhões crianças e jovens que estudam nas creches e no ensino básico das redes estaduais e municipais. Por outro lado, o Ministério da Educação acenou com a possibilidade de abrir mão de R$ 55 milhões para o Ministério da Defesa, dobrando o orçamento das escolas cívicos-militares.

Do ponto de vista educacional, estas escolas já são ilhas de excelência dentro do setor público e não dar prioridade aos setores mais carentes só encontra explicação no desejo incontido do ministro de agradar ao presidente.

No lugar de prescindir de recursos, o MEC deveria lutar por mais verbas para a educação. E concentrar a batalha no orçamento de 2021. É na peça orçamentária que se concretizam as prioridades de um governo. 

As projeções já divulgadas não são nada animadoras. Elas apontam perda de 13% da verba do setor, quando comparadas ao orçamento de 2020. 

Há muito se sabe da falta de compromisso do governo com o ensino no Brasil. Agora escolhe contemplar a Defesa com orçamento maior do que o da Educação. Em tempos normais, a inversão de prioridades já seria uma absurdo. Em um quadro de pandemia, onde quase 72% temem que a volta às aulas agrave a crise sanitária, chega a ser crime. Será necessário dar segurança às famílias e aos jovens de que poderão retornar às escolas sem correr risco. Isso requer recursos, empenho e articulação.

Educação e saúde deveriam ser as prioridades para o Brasil ingressar no novo normal. Mas o corporativismo do presidente o leva a ter foco no orçamento militar.Essa tendência já se manifestou nos investimentos de 2019, cujo ranking foi liderado pela Defesa, e, em plena pandemia, a Saúde está em quarto lugar em relação aos investimentos do primeiro semestre, segundo a ONG Contas Abertas.

Ao ministro Milton Ribeiro caberia a missão de lutar no interior do governo para reverter essa distorção. Mas em vez de ser protagonista do processo, recolhe-se a um silêncio tumular. 

Com todo mal que causou a Educação, Weintraub pelo menos reclamou quanto a possibilidade de cortes da verba do seu Ministério. Já o pastor Milton não dá um pio. Até agora também não explicitou suas ideias e metas.

Repete-se na batalha do orçamento o que aconteceu com o Fundeb. O MEC foi o grande ausente, abdicou de seu papel de protagonista. Na linha de frente pelos interesses da Educação estão educadores, parlamentares e organismos da sociedade civil, como o Todos pela Educação e o Contas Abertas.

O ministro pode arguir em seu favor que contraiu a Covid 19, embora isto não o tenha impedido de acompanhar o presidente em visitas a quartéis ou de subir no púlpito virtual de sua igreja.

Mesmo quando tem um ativo a apresentar, como o programa de levar internet para 400 mil alunos carentes do ensino superior, Ribeiro se furta a se comunicar com a sociedade e de mobilizar o setor em torno do grande objetivo de propiciar as condições materiais para a volta às aulas. Sua presença na entrevista coletiva à imprensa no anúncio da medida se deu como no discurso de posse: de forma ligeira e superficial, durante cinco minutos.

Como pastor, tudo bem que zele pelos fiéis de sua igreja, mas como ministro deveria cuidar de nossas crianças, até porque delas é o Reino dos Céus, ou melhor, o futuro do Brasil.
Hubert Alquéres