O pastor Milton está mais preocupado com as 900 ovelhas de sua igreja presbiteriana em Santos, como mostrou reportagem recente do jornal Folha de S.Paulo, do que com o rebanho de milhões de crianças e jovens que podem ter seu futuro comprometido se não houver forte apoio da União aos estados e municípios, na volta às aulas.
Negligência oficializada pelo presidente Jair Bolsonaro ao vetar a previsão de apoio técnico e financeiro aprovada pelo Congresso na Medida Provisória sobre a flexibilização do ano letivo. A MP tinha sido aprimorada pelos parlamentares, o que permitia um aporte estimado em R$ 5 bilhões tanto para o ensino remoto como para o retorno das aulas presenciais.
A prioridade absoluta do MEC deveria ter sido evitar o veto porque a suspensão desse suporte prejudica 39 milhões crianças e jovens que estudam nas creches e no ensino básico das redes estaduais e municipais. Por outro lado, o Ministério da Educação acenou com a possibilidade de abrir mão de R$ 55 milhões para o Ministério da Defesa, dobrando o orçamento das escolas cívicos-militares.
Do ponto de vista educacional, estas escolas já são ilhas de excelência dentro do setor público e não dar prioridade aos setores mais carentes só encontra explicação no desejo incontido do ministro de agradar ao presidente.
No lugar de prescindir de recursos, o MEC deveria lutar por mais verbas para a educação. E concentrar a batalha no orçamento de 2021. É na peça orçamentária que se concretizam as prioridades de um governo.
As projeções já divulgadas não são nada animadoras. Elas apontam perda de 13% da verba do setor, quando comparadas ao orçamento de 2020.
Há muito se sabe da falta de compromisso do governo com o ensino no Brasil. Agora escolhe contemplar a Defesa com orçamento maior do que o da Educação. Em tempos normais, a inversão de prioridades já seria uma absurdo. Em um quadro de pandemia, onde quase 72% temem que a volta às aulas agrave a crise sanitária, chega a ser crime. Será necessário dar segurança às famílias e aos jovens de que poderão retornar às escolas sem correr risco. Isso requer recursos, empenho e articulação.
Educação e saúde deveriam ser as prioridades para o Brasil ingressar no novo normal. Mas o corporativismo do presidente o leva a ter foco no orçamento militar.Essa tendência já se manifestou nos investimentos de 2019, cujo ranking foi liderado pela Defesa, e, em plena pandemia, a Saúde está em quarto lugar em relação aos investimentos do primeiro semestre, segundo a ONG Contas Abertas.
Ao ministro Milton Ribeiro caberia a missão de lutar no interior do governo para reverter essa distorção. Mas em vez de ser protagonista do processo, recolhe-se a um silêncio tumular.
Com todo mal que causou a Educação, Weintraub pelo menos reclamou quanto a possibilidade de cortes da verba do seu Ministério. Já o pastor Milton não dá um pio. Até agora também não explicitou suas ideias e metas.
Repete-se na batalha do orçamento o que aconteceu com o Fundeb. O MEC foi o grande ausente, abdicou de seu papel de protagonista. Na linha de frente pelos interesses da Educação estão educadores, parlamentares e organismos da sociedade civil, como o Todos pela Educação e o Contas Abertas.
O ministro pode arguir em seu favor que contraiu a Covid 19, embora isto não o tenha impedido de acompanhar o presidente em visitas a quartéis ou de subir no púlpito virtual de sua igreja.
Mesmo quando tem um ativo a apresentar, como o programa de levar internet para 400 mil alunos carentes do ensino superior, Ribeiro se furta a se comunicar com a sociedade e de mobilizar o setor em torno do grande objetivo de propiciar as condições materiais para a volta às aulas. Sua presença na entrevista coletiva à imprensa no anúncio da medida se deu como no discurso de posse: de forma ligeira e superficial, durante cinco minutos.
Como pastor, tudo bem que zele pelos fiéis de sua igreja, mas como ministro deveria cuidar de nossas crianças, até porque delas é o Reino dos Céus, ou melhor, o futuro do Brasil.
Hubert Alquéres
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