segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Por que o 'novo' envelhece prematuramente. E a hipótese de um Benjamin Button eleitoral

O “novo para 2018” enfrenta, na primavera, um primeiro outono. Seu nome mais vistoso, João Doria, perde substância eleitoral. No front dos políticos, o establishment reagrupa-se contra o protagonismo do Judiciário. E a Lava-Jato segue, só que cada vez mais restrita ao plano operacional: as pessoas continuam sendo presas e processadas, mas o efeito político dilui-se.

Uma explicação é a progressiva mudança na correlação de forças. Quanto mais inimigos você decide ter, mais aumenta a dificuldade de derrotá-los todos de uma vez só. Por exemplo, desde o movimento da PGR contra o atual presidente da República, a “faxina” perdeu o apoio de quem a via apenas como útil instrumento para remover o governo Dilma Rousseff.

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Papel decisivo nessa tendência tem tido a resistência de Michel Temer. Se conseguir travar na Câmara dos Deputados a segunda denúncia do ex-PGR, o mundo da política terá imposto aos adversários uma segunda e talvez decisiva derrota estratégica. Ainda haveria muitas vítimas fatais até o fim da guerra, mas já se saberia quem no fim vai ganhar e quem vai perder.

Nenhuma correlação de forças nos universos restritos da política e do jornalismo seria porém suficiente, não estivesse acompanhada de dois fatores econômicos decisivos: a baixa e declinante inflação, com o automático alívio nas contas dos mais pobres, e a política econômica agressivamente liberal, uma antiga reivindicação dos mais ricos.

Daí que o governo Temer viva uma situação aparentemente paradoxal: é o mais mal avaliado desde a redemocratização, e não vê nenhuma mobilização social relevante para mandá-lo para casa. Ajuda nisso também a proximidade da eleição. Pois ela passa a concentrar os planos de quem espera assumir o Palácio do Planalto em 1º de janeiro de 2019.

Mas se a eleição logo ali fosse o fator decisivo, talvez tivéssemos um cenário como no ocaso de José Sarney: um desgaste agudo dos nomes “velhos” e uma busca persistente pelo “novo”. Que acabou sendo Collor, como poderia ter sido Lula ou Brizola. Nunca Ulysses, Aureliano, Covas ou Maluf. A renitente hiperinflação era mesmo um obstáculo difícil de transpor.

2018 não está, por enquanto, com jeito de 1989. A melhora, mesmo lenta, do cenário econômico tira alguma musculatura do tentador discurso de “mudar tudo o que aí está”. O “novo” perde momentum. E há até espaço para que o próprio Temer, quem sabe?, venha a ter mais peso na sucessão do que autorizam extrapolações lineares para o futuro.

Se conseguir travar a segunda denúncia, Temer aumenta muito a chance de chegar sentado na cadeira no dia da eleição. Especialmente se conseguir relançar em algum grau sua agenda e evitar a degeneração vegetativa. A chance é pequena mas não é zero. E governo sempre é governo, nunca é demais lembrar. Ainda mais no Brasil.

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O envelhecimento do “novo” autêntico abre espaço para um “velho” que consiga rejuvenescer no processo. Um Benjamin Button eleitoral. A aversão aos políticos e o medo da instabilidade econômica dão espaço para projetos de “mudança segura”. Pode ser Alckmin. Mas também pode ser Lula, se conseguir concorrer. O que hoje parece improvável.

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A proibição das contribuições empresariais fará da eleição de 2018 um parque de diversões para os milionários, as igrejas e o crime organizado. Foi o caminho que se escolheu ao ceder à lógica de uma “política sem dinheiro”. Coisa aliás tão factível quanto, por exemplo, fazer jornalismo sem dinheiro. O inferno está mesmo lotado de boas intenções. Fica a dica.
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Começou o bombardeio sobre Jair Bolsonaro. É razoável esquadrinhar os candidatos à presidência, em especial os mais fortes. Mas não é disso que se trata. Bolsonaro foi poupado enquanto era politicamente útil. Agora querem descartá-lo. Faz sentido. Ele deixa o eleitorado centrista exposto ao assédio da esquerda. Um risco desnecessário.

Quem leva o ouro...


Quem ganhou com a reforma são os políticos que já têm poder, cargo, que são conhecidos e controlam a máquinas partidária. É bom fortalecer as siglas, mas como é que se vão formar novas lideranças? A reforma, até agora, favorece a cartelização das legendas

Mara Telles, professora de Ciência Política da UFMG

O homem nu e a política pelada

A querela do homem nu e das artes pornográficas dá o que pensar sobre o sucesso de mídia de ideias conservadoras. Provoca também perguntas sobre o motivo do fracasso de debates públicos mais cruciais. Por exemplo, sobre quem paga a conta da falência do Estado, conflito que está para explodir.

O frenesi dos embates recentes pode ser transitório, mas o assunto está na pauta pelo menos desde o Junho de 2013. A guerra cultural é no mínimo sintoma. Do quê? De conversões maciças ao conservadorismo? Dos desertos que se formaram na política?

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Há ojeriza a partidos, escasseiam organizações político-sociais para vocalizar interesses, a direita sem voto reforma a economia e a esquerda no poder acabou em catástrofe. O corpo político parece uma geleia, sem ossos.

Mas a guerra cultural não é só a política por outros meios.

Pouco antes do fechamento da exposição Queermuseu, o Datafolha publicava nova rodada da pesquisa que tenta medir a adesão a ideias de direita e esquerda. A esquerda cresceu desde 2014, voltando a empatar com a direita, parte da qual lidera a guerra ao homem nu. Embora irônico, o resultado não diz muito.

Outra vez, nota-se na pesquisa que as pessoas podem se definir com ideias daqui ou dali, de resto mais tolerantes do que as tigradas de redes sociais.

Três de cada quatro brasileiros acham que a sociedade deve aceitar a homossexualidade. A maioria é contra pena de morte, armas e aborto. Para 80%, crer em Deus melhora as pessoas e drogas devem ser proibidas. Mais da metade acha que sindicatos são meros politiqueiros. Imigrantes pobres são bem-vindos para 70%.

Dos que votariam em Lula e Alckmin para presidente, 31% caem na categoria de esquerda comportamental, assim como 19% dos eleitores de Bolsonaro e 39% dos adeptos de Marina Silva. Quando se juntam as respostas a questões econômicas, a esquerda perfaz 44% do eleitorado de Lula, 37% de Alckmin, 50% de Marina e 29% de Bolsonaro (no total do país, 41%).

Parece difícil dizer que andem por aí massas de indivíduos conservadores ou com identidades unívocas de qualquer tipo.

Isto posto, há, sim, apelos a massas com certas (mas nem todas) ideias conservadoras. Organizações de direita, uma novidade, procuram mobilizar esse público em seu ataque decisivo à ruína do PT e a grupos identificados à esquerda ("intelectuais", "artistas", sindicatos). O conservadorismo se tornou um mercado político grande também porque a esquerda oficial cometeu um atentado suicida contra o país.

A desarticulação dos partidos com a sociedade e a penúria de organizações sociais intermediárias leva pré-candidatos a presidente a buscar bases em grupos fora da política, organizados e sensíveis a certas ideias conservadoras, como os neopentecostais, 21% do eleitorado.

Falta algum tipo de organização para repropor confrontos em outros termos. Há interesse em esvaziar o debate da crise econômica: quem paga o talho maciço do Estado ou mais impostos?

Por 20 anos, mal e mal, PT e PSDB deram alguma ossatura ao confronto. Antes de se tornarem pelegos do PT, movimentos sociais davam costelas à política. Organizações empresariais fraquejam. A guerra cultural ocupa o corpo da política desossada.