terça-feira, 6 de julho de 2021
A hipótese militar
Uma hipótese para que Bolsonaro, diante da denúncia dos irmãos Miranda, nada tenha feito: que a tradicional corrupção no Ministério da Saúde, operada por esses barros e seus afilhados, tenha sido encorpada pela adesão competitiva de militares ao esquema. Não seria só o Centrão a amarrá-lo.
O governo é militar. Sim: abrigou mobília testada como Roberto Dias, que Bolsonaro chegaria a indicar a cargo de direção na Anvisa; só recuando ante a notícia de que assinara contrato suspeito para compra de 10 milhões de kits-teste. Recuou da indicação, sem se acanhar, porém, para mantê-lo como diretor do Departamento de Logística do ministério em que, ora, ora, firmara o convênio acusado.
Assim se manifestou o CEO da Davati, Herman Cárdenas, sobre o que ofertava: “No começo deste ano, fomos procurados pelo nosso representante no Brasil para ajudar a localizar vacinas contra Covid-19. Descobrimos um possível lote de vacinas sendo oferecido por um vendedor privado no exterior”. Diga-se que a ponte entre a descobridora Davati e o governo, antes de Dominguetti entrar na jogada, coubera a outro militar, o coronel Criscuoli, amigo de Bolsonaro e próximo a Eduardo Pazuello e Elcio Franco.
Cárdenas também falou sobre Dominguetti, o desconhecido que, no entanto, operava por sua empresa e que incluíra em e-mail ao ministério: “Nos disseram para incluí-lo, mas ele não estava nos representando. A Davati não tinha conhecimento de quem ele era, então presumimos que era representante deles”.
Deles quem?
Nada disso — essa várzea — impediria que Dominguetti fosse recebido, no dia seguinte, no Ministério da Saúde; nem que, adiante, chegasse ao gabinete do secretário executivo, coronel Elcio Franco.
Para isto serve o rolo Dominguetti/Davati: para mostrar como era fácil alcançar o centro decisório do ministério bastando ter/ser um intermediário, independentemente de haver vacinas a comerciar. Este, o atravessador, o elemento que dispararia o interesse do governo Bolsonaro — não por imunizantes necessariamente, mas por contratos. Era o negócio — a fatura, uma carta de intenções — que fazia a máquina girar. E tudo bem que fosse irreal a oferta, se real fosse a intermediação. Eram necessárias a Precisa, a Belcher, a Davati, até um Dominguetti. O agente que faltara à Pfizer.
Voltamos, pois, ao caso Covaxin. O caso-mãe.
Eis a cronologia, segundo a última versão do Planalto. Em 20 de março, os Mirandas falaram a Bolsonaro sobre traficâncias no Ministério da Saúde relativamente à aquisição dessa vacina. Terceirizando a prevaricação, o presidente mandou Pazuello investigar. Era dia 22. (Não há documento que formalize a ordem.) O general matou no peito. O chefe determinara mesmo que apurasse; que, claro, o ministro da Saúde investigasse seu Ministério da Saúde. Pazuello, por sua vez, terceirizando a terceirização, repassara a demanda a seu braço direito, conforme explicaria, em 29 de junho, à PGR:
— Impende destacar que o secretário executivo Elcio Franco foi responsável pela negociação, contratação e aquisição de todas as vacinas pelo Ministério da Saúde. Por consectário lógico, o agente público com maior expertise para apreciar eventual não conformidade contratual quanto às vacinas era o secretário executivo.
Note-se que o “consectário lógico” de Pazuello é a própria razão para que não fosse Elcio a investigar “eventual não conformidade contratual”. Ou não será uma anomalia — a defesa do vício — estabelecer que o “responsável pela negociação, contratação e aquisição de todas as vacinas” seja o designado a apurar o produto (degenerado, segundo a denúncia) de sua expertise?
Pazuello recebera a ordem — repita-se — em 22 de março. (O mesmo 22 de março em que Regina Célia Silva Oliveira, fiscal do contrato em xeque, autorizaria a abertura do processo de importação da Covaxin, mesmo ante pedido por pagamento antecipado — não previsto — a ser feito a offshore não constante no tratado.) Pazuello seria exonerado no dia seguinte, 23, quando se formalizou demissão anunciada ainda no dia 15. Foi a 24 de março, aliás, já fora da pasta, que associaria a sua queda à falta de “pixulé”; à “crise com liderança política que nós temos hoje, que mandou uma relação pra gente atender e nós não atendemos, e aí você está jurado de morte”. (O mesmo dia 24 em que a Anvisa reclamava, ao ministério, de ser diretamente assediada por e-mails da intermediária Precisa pressionando pelo aval à importação da Covaxin.) A 26 de março, seria Elcio Franco o exonerado, mas não sem que informasse — após três dias de averiguação — estar tudo bem com o contrato; o mesmo suspenso ao fim de junho.
Estará tudo bem até ficar tudo ruim. A crise é também militar. O risco de quando se manda Elcio Franco investigar elcios-francos. Já não dá para culpar apenas “a liderança política que temos hoje” nem cantar somente “se gritar pega Centrão...”.
O governo é militar. Sim: abrigou mobília testada como Roberto Dias, que Bolsonaro chegaria a indicar a cargo de direção na Anvisa; só recuando ante a notícia de que assinara contrato suspeito para compra de 10 milhões de kits-teste. Recuou da indicação, sem se acanhar, porém, para mantê-lo como diretor do Departamento de Logística do ministério em que, ora, ora, firmara o convênio acusado.
Manteve Dias, cheio de padrinhos e alcolumbres. Mas, sendo o governo militar, acrescentar-se-iam à dinâmica tipos como coronel Blanco, aquele que, ex-assessor de Dias até janeiro, abriu uma empresa de representação comercial de medicamentos três dias antes de se sentar à mesa, em 25 de fevereiro, com o ex-chefe e o policial Dominguetti, intermediário do intermediário, para presenciar conversa em que um diretor do Ministério da Saúde teria pedido propina ao atravessador que oferecia inacreditáveis 400 milhões de doses do imunizante AstraZeneca por meio de uma companhia, a Davati, de que procuração não tinha.
Assim se manifestou o CEO da Davati, Herman Cárdenas, sobre o que ofertava: “No começo deste ano, fomos procurados pelo nosso representante no Brasil para ajudar a localizar vacinas contra Covid-19. Descobrimos um possível lote de vacinas sendo oferecido por um vendedor privado no exterior”. Diga-se que a ponte entre a descobridora Davati e o governo, antes de Dominguetti entrar na jogada, coubera a outro militar, o coronel Criscuoli, amigo de Bolsonaro e próximo a Eduardo Pazuello e Elcio Franco.
Cárdenas também falou sobre Dominguetti, o desconhecido que, no entanto, operava por sua empresa e que incluíra em e-mail ao ministério: “Nos disseram para incluí-lo, mas ele não estava nos representando. A Davati não tinha conhecimento de quem ele era, então presumimos que era representante deles”.
Deles quem?
Nada disso — essa várzea — impediria que Dominguetti fosse recebido, no dia seguinte, no Ministério da Saúde; nem que, adiante, chegasse ao gabinete do secretário executivo, coronel Elcio Franco.
Para isto serve o rolo Dominguetti/Davati: para mostrar como era fácil alcançar o centro decisório do ministério bastando ter/ser um intermediário, independentemente de haver vacinas a comerciar. Este, o atravessador, o elemento que dispararia o interesse do governo Bolsonaro — não por imunizantes necessariamente, mas por contratos. Era o negócio — a fatura, uma carta de intenções — que fazia a máquina girar. E tudo bem que fosse irreal a oferta, se real fosse a intermediação. Eram necessárias a Precisa, a Belcher, a Davati, até um Dominguetti. O agente que faltara à Pfizer.
Voltamos, pois, ao caso Covaxin. O caso-mãe.
Eis a cronologia, segundo a última versão do Planalto. Em 20 de março, os Mirandas falaram a Bolsonaro sobre traficâncias no Ministério da Saúde relativamente à aquisição dessa vacina. Terceirizando a prevaricação, o presidente mandou Pazuello investigar. Era dia 22. (Não há documento que formalize a ordem.) O general matou no peito. O chefe determinara mesmo que apurasse; que, claro, o ministro da Saúde investigasse seu Ministério da Saúde. Pazuello, por sua vez, terceirizando a terceirização, repassara a demanda a seu braço direito, conforme explicaria, em 29 de junho, à PGR:
— Impende destacar que o secretário executivo Elcio Franco foi responsável pela negociação, contratação e aquisição de todas as vacinas pelo Ministério da Saúde. Por consectário lógico, o agente público com maior expertise para apreciar eventual não conformidade contratual quanto às vacinas era o secretário executivo.
Note-se que o “consectário lógico” de Pazuello é a própria razão para que não fosse Elcio a investigar “eventual não conformidade contratual”. Ou não será uma anomalia — a defesa do vício — estabelecer que o “responsável pela negociação, contratação e aquisição de todas as vacinas” seja o designado a apurar o produto (degenerado, segundo a denúncia) de sua expertise?
Pazuello recebera a ordem — repita-se — em 22 de março. (O mesmo 22 de março em que Regina Célia Silva Oliveira, fiscal do contrato em xeque, autorizaria a abertura do processo de importação da Covaxin, mesmo ante pedido por pagamento antecipado — não previsto — a ser feito a offshore não constante no tratado.) Pazuello seria exonerado no dia seguinte, 23, quando se formalizou demissão anunciada ainda no dia 15. Foi a 24 de março, aliás, já fora da pasta, que associaria a sua queda à falta de “pixulé”; à “crise com liderança política que nós temos hoje, que mandou uma relação pra gente atender e nós não atendemos, e aí você está jurado de morte”. (O mesmo dia 24 em que a Anvisa reclamava, ao ministério, de ser diretamente assediada por e-mails da intermediária Precisa pressionando pelo aval à importação da Covaxin.) A 26 de março, seria Elcio Franco o exonerado, mas não sem que informasse — após três dias de averiguação — estar tudo bem com o contrato; o mesmo suspenso ao fim de junho.
Estará tudo bem até ficar tudo ruim. A crise é também militar. O risco de quando se manda Elcio Franco investigar elcios-francos. Já não dá para culpar apenas “a liderança política que temos hoje” nem cantar somente “se gritar pega Centrão...”.
A cobrar de Bolsonaro um dia
Se se provar que Jair Bolsonaro, por omissão ou cálculo, foi responsável por cerca de 400 mil das quase 530 mil mortes até agora pela Covid no Brasil, ele entrará para um rol de que talvez se orgulhe: o dos genocidas oficialmente reconhecidos pelos tribunais internacionais. Fará companhia nos livros de história a, entre outros, o ugandense Idi Amin Dada, o iraquiano Saddam Hussein e o sudanês Omar al-Bashir. Já é possível, aliás, que estes, somados, tenham matado menos que Bolsonaro.
Mas a contabilidade de um genocídio comporta outros números a apurar. Há que saber, por exemplo, quantos infartos, tumores e tromboses levaram pessoas a óbito porque elas não tinham condições de sair para exames que talvez os prevenissem ou foi impossível atendê-las nos hospitais superlotados. Quantos tratamentos não foram interrompidos com resultados fatais? Quantos infelizes não agonizaram em casa, sozinhos, e só foram encontrados pelos vizinhos dias depois?
Como avaliar as doenças provocadas pelo estresse oriundo da pandemia? Ao ver Bolsonaro na TV cuspindo na nação, como conter sentimentos de medo, raiva ou tristeza, causadores de depressão, úlceras, inapetência, insônia? Quantos não aumentaram seu consumo doméstico de álcool por terem agora mais tempo e pretexto para beber e menos compromissos que os obrigassem a moderar? Quantos casamentos não terão acabado por súbita apatia sexual?
Sem playground, parquinho ou pracinha para brincar, quantas crianças não estão confinadas em casas ou apartamentos e perdendo oportunidades de socialização em períodos decisivos de sua vida? Por causa das aulas online, quantas não estão sendo submetidas ao suplício de uma câmera que talvez não se sintam à vontade para encarar?
Bolsonaro pode não estar em pessoa por trás do drama ou tragédia de cada brasileiro. Mas, de fato, está. Sua maldição paira sobre tudo isso — e sobre nós.
Mas a contabilidade de um genocídio comporta outros números a apurar. Há que saber, por exemplo, quantos infartos, tumores e tromboses levaram pessoas a óbito porque elas não tinham condições de sair para exames que talvez os prevenissem ou foi impossível atendê-las nos hospitais superlotados. Quantos tratamentos não foram interrompidos com resultados fatais? Quantos infelizes não agonizaram em casa, sozinhos, e só foram encontrados pelos vizinhos dias depois?
Como avaliar as doenças provocadas pelo estresse oriundo da pandemia? Ao ver Bolsonaro na TV cuspindo na nação, como conter sentimentos de medo, raiva ou tristeza, causadores de depressão, úlceras, inapetência, insônia? Quantos não aumentaram seu consumo doméstico de álcool por terem agora mais tempo e pretexto para beber e menos compromissos que os obrigassem a moderar? Quantos casamentos não terão acabado por súbita apatia sexual?
Sem playground, parquinho ou pracinha para brincar, quantas crianças não estão confinadas em casas ou apartamentos e perdendo oportunidades de socialização em períodos decisivos de sua vida? Por causa das aulas online, quantas não estão sendo submetidas ao suplício de uma câmera que talvez não se sintam à vontade para encarar?
Bolsonaro pode não estar em pessoa por trás do drama ou tragédia de cada brasileiro. Mas, de fato, está. Sua maldição paira sobre tudo isso — e sobre nós.
Falta Lalau pra rir do falso moralismo
Valei-me, Stanislaw Ponte Preta! Há 55 anos, num julho como este, você lançava o primeiro Festival de Besteira que Assola o País, o Febeapá, uma espécie de balanço do golpe dos militares – e eis-me aqui a lamentar sua ausência para contar as histórias bizarras protagonizadas agora pelos súditos daqueles. Todo dia tem uma.
A mais recente é a da ministra (que Deus nos perdoe) da Família. Sempre tão proba, carola a ponto de negar aborto a uma adolescente estuprada, no fim de semana ela se viu denunciada em suposto pecado por ex-colega de igreja, um outro cidadão de bem que, por sua vez, é notório na fé de distribuir fake news.
Foi aí, divino mestre da fina flor dos Ponte Preta, todos moradores da então pacata Boca do Mato, foi aí que me lembrei de sua frase, e de como ela ainda é na medida para identificar o falso moralismo do Brasil de hoje: “O homem sensato, quando soube que todos seus vizinhos eram pessoas exemplares, mudou-se imediatamente para outro bairro”.
Esses “homens exemplares” retomaram o poder e ao estilo daqueles de 1964 – com Deus no coração e um revólver engatilhado embaixo do travesseiro. “E o homem honesto?”, você se perguntava. “É aquele que se vende caro?” Pois é, Lalau, o Centrão manda responder que sim. Os teus três volumes do “Febeapá” colecionaram as asneiras militares entre 1964 e 1967. Parecia aquela seção da revista Readers’ Digest, Piadas de Caserna, mas era tudo verdade. Os generais proibiram o balé Bolshoi para combater o comunismo, permitiram um jogo da seleção contra a Alemanha Oriental “desde que não tivesse cunho político”. Confundiram “A capital”, do Eça, com “O capital”, do Marx, e mandaram recolher o portuga das livrarias.
Eu gosto também da notícia em que um delegado mineiro, “para evitar ofensa às forças armadas”, proibiu no carnaval fantasias em que as mulheres ficassem de pernas de fora. Você, o mui digno criador das Certinhas do Lalau, concluiu sábio: “como se perna de mulher alguma vez tivesse ofendido as armas de alguém”.
Lalau, os cronistas que te sucederam em 2021 estão naturalmente enfurecidos com esses moralistas do sétimo dia que sonham o pesadelo de uma nova ditadura. Na ânsia louca de botar o maluco presidenciário no olho da rua, fecharam os punhos, cerraram fileiras e partiram para o discurso. Os cronistas perderam a leveza. Você cutucava a pança gorda dos que zelavam pelos bons costumes com a facada do humor.
Diante de instituições do tipo “Liga da Decência” e “Associação de Pais de Família”, todas metidas a reformar os hábitos alheios, você era só o mais risonho escárnio. “Quem tem a consciência tranquila não entra para clube nenhum. A consciência é como a vesícula, a gente só se preocupa quando dói.”
No Brasil 2021 os novos homens de bem praticam um cristianismo de mercado, onde quem dá aos pobres acha que eles merecem R$ 150 de auxílio emergencial. Zombam da fé, os insensatos. Já mataram 500 mil pessoas e avisaram que a vida é assim mesmo, vão morrer outras tantas porque, como você debochava, “quem não morre não vê Deus”.
A avacalhação é geral, mente-se como nos tempos do Febeapá original, “com tanta ênfase que até o contrário do que se diz está longe da verdade” – e eu sinto falta de teu humor para documentar o chorrilho de tantas sandices. Locupletam-se todos, ninguém restaura a moralidade. Muito lalau, meu caro, e pouco Lalau, os males do Brasil são.
A mais recente é a da ministra (que Deus nos perdoe) da Família. Sempre tão proba, carola a ponto de negar aborto a uma adolescente estuprada, no fim de semana ela se viu denunciada em suposto pecado por ex-colega de igreja, um outro cidadão de bem que, por sua vez, é notório na fé de distribuir fake news.
Foi aí, divino mestre da fina flor dos Ponte Preta, todos moradores da então pacata Boca do Mato, foi aí que me lembrei de sua frase, e de como ela ainda é na medida para identificar o falso moralismo do Brasil de hoje: “O homem sensato, quando soube que todos seus vizinhos eram pessoas exemplares, mudou-se imediatamente para outro bairro”.
Esses “homens exemplares” retomaram o poder e ao estilo daqueles de 1964 – com Deus no coração e um revólver engatilhado embaixo do travesseiro. “E o homem honesto?”, você se perguntava. “É aquele que se vende caro?” Pois é, Lalau, o Centrão manda responder que sim. Os teus três volumes do “Febeapá” colecionaram as asneiras militares entre 1964 e 1967. Parecia aquela seção da revista Readers’ Digest, Piadas de Caserna, mas era tudo verdade. Os generais proibiram o balé Bolshoi para combater o comunismo, permitiram um jogo da seleção contra a Alemanha Oriental “desde que não tivesse cunho político”. Confundiram “A capital”, do Eça, com “O capital”, do Marx, e mandaram recolher o portuga das livrarias.
Eu gosto também da notícia em que um delegado mineiro, “para evitar ofensa às forças armadas”, proibiu no carnaval fantasias em que as mulheres ficassem de pernas de fora. Você, o mui digno criador das Certinhas do Lalau, concluiu sábio: “como se perna de mulher alguma vez tivesse ofendido as armas de alguém”.
Lalau, os cronistas que te sucederam em 2021 estão naturalmente enfurecidos com esses moralistas do sétimo dia que sonham o pesadelo de uma nova ditadura. Na ânsia louca de botar o maluco presidenciário no olho da rua, fecharam os punhos, cerraram fileiras e partiram para o discurso. Os cronistas perderam a leveza. Você cutucava a pança gorda dos que zelavam pelos bons costumes com a facada do humor.
Diante de instituições do tipo “Liga da Decência” e “Associação de Pais de Família”, todas metidas a reformar os hábitos alheios, você era só o mais risonho escárnio. “Quem tem a consciência tranquila não entra para clube nenhum. A consciência é como a vesícula, a gente só se preocupa quando dói.”
No Brasil 2021 os novos homens de bem praticam um cristianismo de mercado, onde quem dá aos pobres acha que eles merecem R$ 150 de auxílio emergencial. Zombam da fé, os insensatos. Já mataram 500 mil pessoas e avisaram que a vida é assim mesmo, vão morrer outras tantas porque, como você debochava, “quem não morre não vê Deus”.
A avacalhação é geral, mente-se como nos tempos do Febeapá original, “com tanta ênfase que até o contrário do que se diz está longe da verdade” – e eu sinto falta de teu humor para documentar o chorrilho de tantas sandices. Locupletam-se todos, ninguém restaura a moralidade. Muito lalau, meu caro, e pouco Lalau, os males do Brasil são.
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