terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Boas festas

O ano se vai, chegam as festas. Uma para celebrar a Humanidade; outra para festejar a Esperança. Assim seria...
À espera que aconteça como reza a civilidade, daremos um descanso em boas companhias. É um tempo curtinho. Voltamos em 2020

Desequilibrado!?

O Jair está nitidamente desequilibrado. Precisa urgentemente de tratamento psiquiátrico. Estou também preocupado, uma vez que o país está sob seu comando. Isso tudo é muito triste. Não era para ser assim
Gustavo Bebianno, ex-ministro de Bolsonaro

Bolsonaro, ascensão e queda

O presidente Jair Bolsonaro desmaiou e por isso caiu e bateu com a cabeça no chão do banheiro da área residencial do Palácio da Alvorada? Ou apenas caiu por que escorregou ou tropeçou em alguma coisa? Essa era a pergunta que muitos se faziam, ontem à noite, em Brasília, e que estava sem resposta até esta madrugada.

Se ele caiu por ter desmaiado, o caso pode inspirar maiores cuidados. Levado às pressas para o Hospital das Forças Armadas, uma tomografia computadorizada não detectou alterações no seu crânio, segundo nota oficial do governo. Ficaria em observação por 6 ou 12 horas, devendo ser liberado logo em seguida.

Com 64 anos de idade, Bolsonaro sempre gozou de boa saúde. Quando serviu ao Exército ganhou o apelido de “cavalão”, tal era sua disposição física que lhe rendeu boas notas em competições esportivas. Foi elogiado muitas vezes por seu desempenho. Arriscou a vida para salvar um colega paraquedista que se afogava.

Não tivesse levado a facada que quase o matou em Juiz de Fora, estaria em forma. A facada pode tê-lo ajudado a se eleger presidente, mas fragilizou seu corpo e principalmente sua mente. Foi operado mais de uma vez em menos de um ano. Usa uma tela para proteger seu abdómen. Sente dores com frequência.


Ter visto a morte de perto mexeu muito com sua cabeça. Vive assombrado. Receia ser alvo de um novo atentado. Enxerga perigo por toda parte. Presidente algum desde a redemocratização do país escolheu ser refém de um aparato de segurança tão gigantesco como o que o protege. Apesar disso, ele cobra sempre mais.

Quando Bolsonaro fala que só será candidato à reeleição se sua saúde permitir, não está blefando. Muito menos se vitima para atrair mais votos. De fato, ele não parece nem um pouco disposto a pôr sua vida novamente em risco para exercer por mais quatro anos uma tarefa que tanto o desagrada.

Sua intenção inicial ao lançar-se candidato a presidente era ajudar os filhos em suas carreiras políticas. Não imaginava que venceria. Na hora que sua vitória foi anunciada, teve uma crise de choro. Mais tarde, confessou que se sentia esmagado pelo que acabara de acontecer. Sabia que carecia de preparo para o novo ofício.

Os filhos Flávio e Eduardo tiveram votações expressivas nos rastros do pai. Mas um ano depois, Flávio está cada vez mais enroscado com a Justiça, e Eduardo frustrado por não ser embaixador do Brasil em Washington. A família jamais se sentiu tão acuada. Natural que o patriarca sofra com tudo isso.

Bolsonaro dá presente de Natal a criminosos de farda

A um mês da posse, Jair Bolsonaro fez um anúncio solene aos brasileiros. “Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”, assegurou. O Supremo Tribunal Federal julgava a validade do perdão concedido por Michel Temer. Pelo Twitter, o presidente eleito avisou que a Corte não precisaria mais se preocupar com o assunto. A partir de 2019, o tradicional indulto natalino viraria coisa do passado.


“Qualquer criminoso tem que cumprir sua pena de maneira integral. Essa é a nossa política”, reforçou, no dia seguinte. Após uma formatura militar, Bolsonaro repetiu que não assinaria novos atos de perdão. “Minha caneta continuará com a mesma quantidade de tinta até o final do mandato em 2022. Sem indulto”, sentenciou.

Se a vida no Brasil vale pouco, a palavra do presidente vale menos ainda. Bolsonaro não esperou nem um ano para descumprir o que prometeu. Ontem ele editou o indulto mais generoso dos últimos tempos. Anistiou policiais condenados por homicídio culposo, que agiram fora das hipóteses de legítima defesa.

O decreto beneficia até os agentes de segurança que mataram em dias de folga. É um presente de Natal para milícias e esquadrões da morte, que sempre contaram com a simpatia do clã presidencial.

A família Bolsonaro costuma reservar um lugar na ceia para criminosos de farda. O ex-sargento Fabrício Queiroz, que assinava cheques para a primeira-dama, era campeão de “autos de resistência” na Cidade de Deus. O ex-capitão Adriano da Nóbrega, condecorado na cadeia pelo primeiro-filho, é apontado como chefe de um grupo de extermínio.

O indulto será concedido ao fim de um ano em que a polícia bateu recordes de letalidade. Só no Estado do Rio, foram registradas 1.546 mortes de janeiro a outubro. É o maior número desde o início da série histórica, em 1998. Agora a matança tende a aumentar com incentivo presidencial.

Antes de autografar o decreto, Bolsonaro ameaçou anistiar PMs envolvidos em massacres de repercussão internacional, como o do Carandiru. Pelo texto divulgado ontem, os casos ficarão de fora. É um truque conhecido. O homem começa anunciando o intolerável, para provocar protesto e indignação. Depois ensaia um pequeno recuo, para que o absurdo pareça não ser tão grave assim.

Pensamento do Dia


No show de ‘seu Jair’, o grande fecho de um ano

Família Bolsonaro é o grande assunto deste fim de ano. É muito mais importante que os novos empregos formais, a briga pelo fundo eleitoral, o magro reajuste do salário mínimo, os sinais de reanimação econômica, a bolsa batendo recordes, a ameaça de recriação da CPMF, as projeções otimistas para 2020 e os desafios do comércio internacional. Nem os dados positivos de 2019, como a aprovação da reforma da Previdência, valem a mesma atenção. Muito mais importantes, neste momento, são a nova fase da investigação sobre Flávio Bolsonaro, suspeito de rachadinha e lavagem de dinheiro, e seus efeitos sobre o chefe do clã, o presidente Jair Bolsonaro.


“Não tenho nada a ver com isso”, disse o presidente na quinta-feira de manhã, ao ser questionado sobre a investigação conduzida no Rio de Janeiro pelo Ministério Público Estadual. Se de fato acreditava nisso, mudou de ideia rapidamente. Na manhã seguinte, ao sair do Palácio da Alvorada, enfrentou a imprensa com muito mais disposição, defendendo seu filho, distribuindo grosserias e criticando o juiz Flávio Itabaiana, do Tribunal de Justiça do Rio, por causa das operações de busca e apreensão realizadas na quarta-feira e da quebra de sigilo de pessoas e empresas investigadas no caso. As grosserias foram dentro do padrão bolsonariano. Interessante, mesmo, foi a inexplicada referência à filha do juiz.

Funcionária do governo fluminense, essa jovem, “pelo que parece”, é fantasma, disse o presidente aos jornalistas. O governo do Estado do Rio logo rebateu, informando a função e as qualificações da moça, uma advogada, e a data de sua nomeação, feita 15 dias antes da distribuição eletrônica do processo de Flávio Bolsonaro ao Juízo de Direito da 27.ª Vara Criminal. Mas como e por que o presidente Bolsonaro sabia da existência dessa moça e de seu emprego? Alguém lhe contou? Alguém havia investigado a família do juiz, por decisão própria ou por ordem de autoridade federal?

Tão interessante quanto essas perguntas é o estilo presidencial. Guardião juramentado da Constituição, o chefe do Poder Executivo reagiu à investigação sobre seu filho atacando o juiz, pondo em dúvida sua seriedade e lançando suspeita sobre a condição profissional de sua filha como servidora pública. Detalhe: ao mencionar a suspeita, usou a expressão “pelo que parece”, numa clara exibição de irresponsabilidade.

Enfim, o ataque ao juiz e à filha em nada se assemelhou à reação própria de um homem público ou mesmo de qualquer cidadão razoável e equilibrado. Pareceria mais normal se partisse de um miliciano ou, de modo geral, de alguém pouco afeito a agir segundo a lei e segundo padrões civilizados.

É difícil dizer, no entanto, se esses padrões são importantes para quem se acostumou a posar para fotos fazendo gesto de quem maneja uma arma – ou duas, em muitos casos. Seus filhos e muitos apoiadores do presidente Bolsonaro têm o mesmo hábito, como se houvesse algum mérito na encenação do uso de armas numa sociedade do século 21.

Mas isso terá pouca importância, dirão os muito otimistas, se a política econômica avançar na direção correta e os negócios prosperarem. Comentários desse tipo têm sido frequentes, mesmo entre pessoas bem alfabetizadas e até com diplomas de boas universidades. Segundo dizem, há no Brasil dois governos. Um se dedica a assuntos como a posse e o porte de armas, a moralização da arte, o combate ao comunismo, mesmo imaginário, e a cristianização das funções de um Estado leigo. Outro se empenha na implantação de uma economia liberal, na diminuição do Estado e na criação de condições para a firme expansão dos negócios.

Mas haverá mesmo dois governos? Haverá um contraste efetivo entre a crueza do bolsonarismo mais simples e a sofisticação de uma política econômica redentora? É preciso ter muita fé, ou valorizar acima de tudo qualquer chance de lucro, para levar a sério esse contraste. Talvez algumas perguntas possam enriquecer o debate, se houver de fato debate.

Por que o ministro da Economia endossou – corrigindo-se, depois do escândalo – a ideia de um novo AI-5 no caso de grandes manifestações contra o governo? Será ele, de fato, tão liberal quanto se proclama? Ou estará, afinal, muito próximo das preferências políticas de seu chefe e de seus filhos?

Em segundo lugar, haverá alguma diferença entre seu suposto liberalismo econômico e um efetivo darwinismo social? Se o rótulo de liberal for de fato aplicável à política econômica brasileira, como classificar as ideias de economistas como Richard Musgrave, por muito tempo uma referência em finanças públicas, e de Amartya Sen, premiado com o Nobel de Economia? Milton Friedman, defensor de um imposto de renda negativo para os mais pobres, terá sido um comunistão enrustido?

Por que o ministro vincula tanto a reforma tributária à eliminação de encargos trabalhistas e jamais discute, por exemplo, os defeitos do ICMS, um dos maiores entraves à competitividade? Por que batalhou pela extensão da reforma previdenciária aos Estados, mas nunca abriu um debate sério sobre o imposto estadual? Por que insiste em recriar a CPMF, um tributo aberrante, cumulativo e claramente regressivo?

Privatizar por ideologia será mais inteligente que estatizar por ideologia? Há bons argumentos a favor da privatização de muitas empresas federais, mas o governo raramente os menciona. Promete privatizar, simplesmente, às vezes citando a receita esperada, mas nunca, ou quase nunca, apresentando razões estratégicas. Trata do assunto como se fosse cumprir uma lei divina. Para parte do público isso deve bastar. Mas bastará também para quem leu mais de um livro?

Como falar, enfim, de dois governos, sendo um de Bolsonaro e o outro de um técnico disposto a taxar o seguro-desemprego e a defender, como em entrevista recente, a política ambiental em vigor no País?

Construindo uma grande nação

Três historinhas para ilustrar nossa última reflexão do ano, a primeira muito conhecida.

– Condenado à morte por corromper a juventude, o filósofo Sócrates recusou a oferta para fugir de Atenas, pois seu compromisso com a polis não lhe permitia transgredir as regras. Os gregos cultivavam o respeito à lei.

– Lúcio Júnio Bruto, fundador da República Romana, libertou seu povo da tirania de Tarquínio, derrubando a monarquia. Depois executou os próprios filhos por conspirarem contra o regime. Pregava o poeta Horácio: “Doce e digno é morrer pela Pátria”.

– Outro romano, rico e matreiro, conta Maquiavel no Livro III sobre Tito Lívio, deu comida aos pobres em uma epidemia de fome e por isso foi executado. O argumento: pretendia tornar-se um tirano. Os romanos prezavam mais a liberdade do que o bem-estar social.

Emerge a pergunta: qual personagem se sairia melhor no cenário contemporâneo? O terceiro, com uma diferença: o matreiro político não seria executado por ali­mentar a plebe, mas glorificado, mesmo escondendo, por trás da distribuição de alimentos, seu projeto de poder. Hipótese mais provável em nossa tradição patrimonialista.

Uma leitura de dois mundos. O primeiro regrado por princípios e valores, com­promisso com o bem comum, obediência às leis, defesa da moral e da ética. Combina com a utopia da ilha de Thomas Morus: “uma terra de paz e tranquilidade onde os habitantes não têm propriedade individual e absoluta”.
Esse Estado perfeito contrapõe a cidade divina e a terrestre, esta afinada ao universo de Maquiavel: “os fins justificam os meios”. Para o florentino, o povo é dotado de razão e capaz de decidir o seu des­tino. Sonha com a liberdade e, para conquistá-la, usa quaisquer meios necessários. Sua lógica: ideologias e valores morais cedem lugar aos instru­mentos em nome da hegemonia. Aqui a ética da ação prevalece sobre a ética da consciência.

O desenho ajuda a entender nosso tempo. Protagonistas políticos e até juízes lutam para impor suas demandas, multiplicando mazelas e velhos padrões da política.

Afinal, de que o Brasil necessita para fortalecer seu conceito de Nação em 2020? Primeiro: democratizar sua democracia, expandir a participação do povo, com inclu­são social, boas condições do trabalho, proteção ao meio ambiente, direitos humanos, qualificando serviços públicos como educação, saúde e segurança.

Impõe-se convocar a sociedade para um projeto nacional, sem conveniências eleitorei­ras. O Brasil clama por planos essenciais nas áreas social, cultural, geográfica e econômica. Paredes inteiriças em vez de tijolos. E uma relação harmônica entre os Poderes, dentro da norma constitucional.

Deve-se valorizar a meritocracia e atenuar as indicações partidárias, selecionando perfis adequados para a administração. Aristóteles dá uma pista: “Quando diversos tocadores de flauta possuem mérito igual, não é aos mais nobres que as melhores flautas devem ser dadas, pois eles não as farão soar melhor; ao mais hábil é que deve ser dado o melhor instru­mento”. Isso é mérito.

Convém lembrar: uma grande democracia repousa sobre uma base de direitos e deveres, de ordem e harmonia, de ética e moral.

Frutos podres

Cristo falava por parábolas. Bolsonaro fala por slogans. Uma parábola é um relato alegórico, destinado a fazer pensar e extrair de sua narrativa uma moral. É um instrumento que se dirige, ao mesmo tempo, à fé e à razão. Já um slogan é uma afirmação categórica, acachapante, disparada para ser aceita pelo receptor sem passar necessariamente por seu cérebro. É uma arma dos publicitários, dos políticos e dos autoritários.

Uma das grandes parábolas de Cristo está em Mateus 7:15-20: "Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com vestes de ovelha, mas que por dentro são lobos vorazes. Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se porventura uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Toda árvore boa dá bons frutos, mas a árvore má dá maus frutos. Uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar bons frutos. Toda árvore que não dá bons frutos deve ser cortada e queimada".

Por falar em frutos, digo, bolsonaros, digo, slogans, o slogan favorito de Bolsonaro é o martelado "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos". O "Brasil acima de tudo" cheira ao slogan nazista "Deutschland über alles" —"A Alemanha acima de tudo"—, mas isso não lhe provoca desconforto. Com slogans não se discute.

O Brasil de que fala Bolsonaro deve ser o nosso, que ele reduziu a seu condomínio. Mas a que Deus Bolsonaro se refere? Ao Deus dos católicos, o velhinho bonachão, de barbas e camisolão, síndico do Céu? Ou ao Deus protestante, incorpóreo, rigoroso, fiscal de nossos malfeitos aqui na Terra? A pergunta procede, porque Bolsonaro se diz católico, embora nunca seja visto com padres ou em seus rituais. Ao contrário, seu território são os templos evangélicos e seus aliados, os "bispos" de televisão. Bolsonaro servirá a dois senhores?

Pelos frutos que estão começando a despencar da árvore, Deus e o Brasil não demoram a pedir dispensa do tal slogan.
Ruy Castro

Bombons de Bolsonaro

As revelações espantosas do Ministério Público do Rio de Janeiro explicitam todos os vícios da carreira de Jair Bolsonaro, apontados pela imprensa desde a campanha, mas ignorados pelo eleitorado, e também os de seu primeiro ano de mandato, igualmente assinalados pelo jornalismo profissional, já aceitos por uma parcela do mesmo eleitorado, mas ignorados (até aqui) pelo núcleo duro da militância bolsonarista e por setores da elite liberal. Vamos a eles, em pequenos bombons:

1. Bolsonaro nunca foi baluarte anticorrupção.

Trata-se de uma construção recente essa do Bolsonaro lavajatista. Em sua carreira, o deputado do baixo clero sempre esteve mais voltado às pautas corporativas, a fazer da política um negócio em família e a chocar com opiniões ofensivas que em combater a corrupção. Nunca integrou nenhuma CPI. Nunca foi do Conselho de Ética. Sempre criticou o Ministério Público. E, agora se sabe, praticou aquilo que sempre condenou na “velha política”.

2. Misturar política e família não tem nada de nova política.

Os Bolsonaro se instalaram no poder sem nenhuma cerimônia. Na campanha, os filhos deram as cartas. Na posse, Carluxo se aboletou de carona no Rolls-Royce, numa das cenas mais emblemáticas desta era. Bolsonaro disse que daria o “filé” aos filhos, que um podia ser ministro e outro, embaixador em Washington. Juntos, os quatro amealharam patrimônio milionário tendo sido só políticos na vida. E, agora se apura, muito desse patrimônio pode ter vindo da prática de “rachadinha” e da existência de funcionários fantasmas. A imprensa mostrou na campanha. O eleitor fechou os olhos deliberadamente.


3. Decoro e liturgia do cargo importam.

O presidente, com o filho pilhado num escândalo que mistura laranja com chocolate, se descontrolou na frente do Alvorada. Em sua tradicional “paradinha”, em que fala de improviso a jornalistas com a claque de apoiadores, ofendeu repórteres e passou um recibo ao vivo, pelas redes sociais, de que o caso assombra o clã. Ao presidente da República cabe prestar contas, e não dar piti. Comunicação improvisada dá nisso, como sempre alertaram aqueles que têm bom senso. Apelar à comunicação direta como forma de populismo pode parecer boa ideia aos filhos idólatras e aos puxa-sacos aboletados em cargos públicos, mas expõe o governante. Bolsonaro sem filtro é isso aí.

4. Paranoia e mania de perseguição são passaporte para o autoritarismo.

Um presidente que não se vexa em acusar um ex-ministro, sem nenhuma evidência possível, de integrar um complô para matá-lo, não tem mais nenhum compromisso com os fatos e com as obrigações que o cargo lhe impõe. Está, portanto, a um passo de se mostrar disposto a tudo no combate a inimigos imaginários cada vez mais abundantes e espalhados. Cabe às instituições, como venho repetindo aqui e não me cansarei de lembrar quantas vezes precisar, dar um freio aos ímpetos persecutórios e claramente autoritários do presidente.

5. Relação com milícias coloca em xeque o discurso liberal de que a economia justifica tudo.

Na quarta-feira escrevi que, a despeito de ser um recordista de impopularidade, Bolsonaro seria favorito em 2022 se a economia seguisse crescendo, ainda que devagar. Eduardo, o 03, tirou onda, querendo desviar o foco do irmão chocolatier. Pois a impopularidade está confirmada, mas o favoritismo será fortemente abalado se o mito de pés de barro ficar nu, como já está ficando. Além de laranjal e rachadinha, o caso Flávio & Queiroz tem tudo para deixar ainda mais patente uma explosiva relação do clã com as milícias do Rio. Algo que será difícil até para a elite liberal, disposta a fechar os olhos para tudo em nome da agenda econômica, engolir.

Coral Brasil


Envergonhismo

Se já é difícil escolher um, apenas um, assunto entre os de maior relevância ou preferência pessoal em 2019, imagine ampliar o período até o início da década, a segunda do novo século, a segunda do milênio. Decênio que, aliás, não teve início em 2010, mas dois anos antes.

Se o século passado não começou, concretamente, em 1900 ou em 1901 e sim em 1914, a década que ora finda começou com a crise financeira de 2008 e seu séquito de catástrofes econômicas, sociais e políticas. A desmistificação do capitalismo predatório, dominado pelas finanças, foi, sem dúvida, um dos destaques dos Anos 10, assim como o recrudescimento do fascismo, do fundamentalismo religioso (com Maomé e Jesus), do populismo nacionalista e pestilências correlatas ou decorrentes, como as eleições de Trump e Bolsonaro e a malaise global (de Hong Kong a Santiago do Chile).


A questão ambiental fechou a década como a mais urgente e candente de quantas, a seu modo, contribuíram para desmistificar a crença de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus todo poderoso, criador – não destruidor – do Céu e da Terra. Não há teodiceia que me explique e justifique a devastação da Amazônia, a lenta destruição do planeta, nem a escolha de Ricardo Salles para ministro do Meio Ambiente.

É muito infortúnio acumulado para nos punir até de pecados de que me sinto totalmente isento, assim como os leitores que não votaram no dendrófobo Bolsonaro nem facilitaram sua eleição.

Claro que, como sempre, inclusive em 1350, tido como o ano mais terrível de todos os tempos, coisas legais aconteceram. A expansão da Netflix, das lutas igualitárias e das mídias sociais, por exemplo. Mas antes que vocês tenham de recorrer ao Google para saber o que de tão terrível ocorreu em 1350, informo: naquele ano a peste negra fez suas primeiras vítimas na Europa.

Por falar em internet, quatro anos atrás, numa palestra em Turim, Umberto Eco (uma das perdas intelectuais mais sentidas do decênio) pôs em xeque a euforia em torno das mídias sociais. Ainda não se falava muito em fake news e outras pragas disseminadas pela internet quando ele soltou esta joia de sabedoria crítica: “As redes sociais deram o direito à palavra a uma legião de imbecis, que antes apenas falavam num bar, sem causar dano à coletividade”. Se obrigado a escolher a frase da década, talvez me inclinasse por essa aí.

Alçado pela TV a um patamar em que já se sentia superior, o imbecil analógico (originalmente conhecido como o idiota da aldeia) foi promovido a “portador da verdade”, a demiurgo digital de baboseiras, patranhas e absurdos que só costumam germinar em cérebros de configuração quase protozoária – mas com Jesus, constrangidíssimo, em seu coração.

Os imbecis multiplicam-se como ratos e ervas daninhas, e não há porque subestimar sua insopitável capacidade destrutiva. Formam a base irredutível e incondicional, o núcleo duro do trumpismo e do bolsonarismo – e é quase exclusivamente para eles e seus preconceitos fundamentalistas que Trump e Bolsonaro governam, forjando factoides e disparando asneiras e agressões gratuitas no Twitter, para desviar a atenção de fatos e suspeitas comprometedores.

Eles representam a barbárie, a ignorância satisfeita, a estupidez rancorosa, o ressentimento perverso, que, no caso brasileiro, atingiram seu mais alto grau de contaminação nos ministros que se ocupam de estrangular a educação e a cultura, degradar o meio ambiente e avacalhar a diplomacia, para realçar apenas os mais em evidência na mídia.

Lunáticos anti-iluministas e grotescos evangelistas do terraplanismo, investem como cruzados contra a ciência e o racionalismo. A cada bizarrice que cometem ou extravasam, se, por escrito, com solecismos e patéticos erros de ortografia, baixa em mim e em muita gente um sentimento de profundo desânimo, de descrença no País. Mais do que isso: de vergonha de ser brasileiro.

Em trevas passadas, Otto Lara Resende, deprimido e impotente diante das coisas que aqui aconteciam, ameaçou “trancar sua matrícula de brasileiro”. Sorte dele não poder estar aqui agora, a testemunhar e padecer os efeitos dos piores anos de nossa República.

Otto só faltou amaldiçoar o Conde Afonso Celso, jornalista e acadêmico afamado por um livro de exacerbado e ingênuo patriotismo, escrito em 1900, cujo título – Por que me Ufano do Meu País – sintetizava o fervor com que acreditava na superioridade do Brasil e no seu “deslumbrante porvir”. Exagerou as dádivas que a natureza nos deu e as potencialidades de seu povo, assegurando, nas hipérboles finais, que Deus jamais nos abandonaria. “Se aquinhoou o Brasil de modo especialmente magnânimo, é porque lhe reservava alevantados destinos”, concluiu.

Na mesma época, o poeta Olavo Bilac perpetrou A Pátria, papinha lírica para criança, que nos obrigavam a decorar e declamar, para que não esquecêssemos de amar com fé e orgulho a terra em que nascemos, pois não veríamos nenhum país (“que céu! que mar! que florestas!”) como este. Ou melhor, como aquele.

Do livrinho de Afonso Celso nasceu a palavra ufanismo, há muito pejorativa e hoje, particularmente, descabida. Não conheço um brasileiro em pleno gozo de suas faculdades mentais que se ufane, no momento, da terra em que nasceu.

Está mais do que na hora de alguém escrever algo como “Por que me Envergonho do Meu País”. E enriquecer nosso vocabulário com a palavra “envergonhismo”.

Falta noção de decoro

Se dependesse dos discursos de campanha, a política do Brasil seria um oásis da ética. O que transforma a vida pública brasileira num deserto da virtude é a insistência com que a realidade estraga as boas intenções. Da boca pra fora, o candidato Bolsonaro era bela viola. Fazia pose de político antissistema. Do governo pra dentro, o presidente Bolsonaro é pão bolorento. Personifica a perversão sistemática
Josias de Souza 

Laço com miliciano reflete grupo que chegou ao poder com Bolsonaro

Flávio Bolsonaro fez sua primeira homenagem a Adriano da Nóbrega em 2003. Dois anos depois, mandou entregar uma medalha ao policial, que estava preso por assassinato. Na mesma época, Jair fez um discurso na Câmara em sua defesa.


As conexões entre o clã e o PM, hoje acusado de chefiar uma milícia, são conhecidas há mais de uma década. A mulher de Adriano foi contratada para trabalhar no gabinete de Flávio em 2007. Anos mais tarde, a mãe também conseguiu uma vaga.

Se alguém ainda conseguia acreditar que era tudo coincidência, as informações levantadas pelo Ministério Público estão aí para mostrar que esses vínculos fazem parte da operação política da família. Quando Bolsonaro se elegeu presidente, foi esse o grupo que chegou ao poder.

O suspeito de comandar uma milícia sanguinária no Rio era praticamente um dos sócios da rachadinha que funcionava no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Os promotores descobriram que uma parte do dinheiro devolvido ao assessor Fabrício Queiroz, operador do esquema, passou por uma conta bancária controlada por Adriano.

A mulher do ex-policial reconheceu a amigas que era funcionária fantasma e repassou parte do salário a Queiroz. Numa troca de mensagens, Adriano também indicou que recebia parte desse dinheiro público.

Danielle da Nóbrega ficou no gabinete de Flávio por 11 anos. O clã não pode dizer que não sabia quem era o casal. Quando Bolsonaro preparava sua última campanha, Queiroz procurou a mulher para dizer que ela poderia perder o cargo. Contou que a família não queria correr riscos, dada sua relação com o ex-policial.

O verniz anticorrupção de Sergio Moro ou o encanto liberal de Paulo Guedes não ocultam esses laços. Outrora implacável, o ministro da Justiça permanece apático, enquanto os fãs da equipe econômica preferem fingir que só os números importam.

Mas é impossível fechar os olhos para o pacote completo. Só há um governo. Nele, existem Jair, Flávio, Moro, Guedes, Queiroz, Adriano...

sábado, 21 de dezembro de 2019

Future-se...

O Brasil só terá a possibilidade de um futuro com desenvolvimento econômico sustentável, socialmente justo e com domínio soberano de tecnologias estratégicas se basear toda a formulação de políticas públicas estratégicas no avanço científico e tecnológico
Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), eleito pela revista Nature o maior destaque mundial na ciência em 2019

Presente de Natal

Vem chegando o Natal, e já se aprontam os presentes, e já as lojas se enchem de fios de prata e algodão fingindo neve nas vitrinas, camuflando a mercadoria cara. Já se fazem as contas e se suspira contra o dinheiro sem valor. 

Enquanto isso, no morro e no subúrbio pobre, o Natal não traz quase novidade. Quem não tem cobertor na cama nem panela com castanha no fogo – quem às vezes não tem cama nem fogo, como acontece a muita gente, não encontra no Natal diferença por maior. Talvez só a Missa do Galo, que é de graça – e nem isso, pois dá vexame ir à missa de vestido velho e pé no tamanco. Tempo de Carnaval sempre é mais fácil, basta enfiar um calção ou uma saia de velha, passa tisna no rosto, pega uma lata e um pauzinho, vai brincar do mesmo jeito. Mas em tempo do Nascimento, bloco de sujo é pecado. Não vê que a limpeza Deus amou?

Por isso minha amiga Béatrix Reynal largou de mão a poesia por um pouco e anda tomando providências. Juntando fazenda para roupinhas novas das crianças ao Natal, fazendo questão de que todo o mundo vá de vestido novo à Missa da Meia-Noite, para o galo não beliscar.

Sou mulher de natureza encolhida e tímida e deixo de fazer alguma coisa pelos outros, como seria de meu gosto, menos por secura de coração do que por falta de coragem para agir. Por isso mesmo admiro os que o fazem, os que não temem de bater à porta alheia quando é para o bem de quem precisa. Béatrix, por exemplo: começa arranjando um livro em branco para escrever o nome dos doadores. Fosse eu, logo ficaria indecisa e pessimista, acreditava lá que houvesse doadores em número suficiente para encher aquele livro. Ela porém tem fé na natureza humana, é uma maravilha; logicamente tem fé no livro. E da posse do livro para a descoberta dos doadores, parece que medeia apenas um passe de mágica. E é mágica, é. Telefonar, pedir, rogar, andar a pé, de bonde e de automóvel, até de barca. Saber descobrir quem tem coração mole, que ainda acredita e cumpre o preceito de vestir os nus, quem já não é freguês de outras caridades. Descobrir outras senhoras que se associem à empresa – senhoras que não gostam de cartaz, que trabalham em verdade por amor dos humildes e não para aparecerem nos jornais cinematográficos entregando um saquinho de não se sabe o que, de um em um, bem caprichado e em <em>close-up</em>, à fila infinita de mulheres e crianças que esperaram ao sol e à chuva, o dia inteiro.

Que a minha amiga Béatrix Reynal faz as suas caridades de modo diferente. Para ela o importante é o socorro em si, não é o gesto. Na hora de pedir a fazenda, de arranjar as colaborações, de sair de porta em porta, de se matar de trabalho, medindo, cortando pano, arrumando, embrulhando, empacotando, ela é a primeira. Só na hora de entregar é que ela não aparece. O pano já está aí, os pobres já estão aí, não é mesmo?

Sei que não é com a caridade individual que se alivia a pobreza do mundo. Sei que não é com esmolas que se cura a miséria. Mas que a caridade ajuda, ajuda. Desculpem-me os senhores teóricos, posso estar errada, podem ficar danados comigo. Eu morro, mas digo: ajuda, sim. Vamos calcular que Béatrix Reynal com essa sua campanha do vestido de Natal consiga dar roupa a dez mil crianças. Sei que com isso não as redime da miséria; não as livra do barracão sórdido, não lhes dá escola, nem higiene, nem médico, nem lhes aumenta a ração. Mas enquanto o vestidinho durar, o corpo delas não estará nu. Não sentirão frio, poderão sair sem vexame, terão na sua vida de crianças e pobres aquela preciosa alegria do vestido novo. Façamos as nossas revoluções, decretemos leis, cheguemos ao socialismo, remediemos a desigualdade, como é o nosso sonho e a nossa obrigação.

Mas enquanto isso não chega, pelo menos viva o vestido novo. Mais tarde os meninos que a poetisa vestiu agora não terão nada ou terão tudo, serão vítimas da fome ou senhores do mundo, conforme for o que está para vir. Mas com futuro ou sem futuro, a alegria do vestido novo, isso pelo menos eles armazenaram, isso ninguém lhes tira mais.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Democracia sob tensão

A democracia está em baixa. Aqui e lá fora. Pesquisa realizada em 42 países com 36 mil entrevistas e coordenada pelo pesquisador francês Dominique Reyniê revela que podemos estar no limiar de uma nova era do autoritarismo, a exemplo do que aconteceu na década de 1930, quando países de ordenamento democrático entraram em crise, enquanto a Alemanha de Hitler e a União Soviética de Stalin deram grande salto econômico.

Segundo o estudo “Democracia sob tensão”, apresentado no Brasil na semana passada, as pessoas preferem mais ordem mesmo que com menos liberdade e estão preocupadas com problemas para os quais a democracia não vem respondendo satisfatoriamente: desemprego, segurança, desigualdade, perda do poder aquisitivo.

Esse quadro se agravou a partir da crise mundial de 2008 e como consequência de uma globalização excludente. Enquanto os países de democracia liberal mal se recuperaram da crise e enfrentam insatisfações decorrentes da ampliação da desigualdade, a China e a Índia – países de regimes autoritários – experimentaram forte crescimento econômico e incorporaram imensos contingentes ao mercado.

Esse é o pano de fundo para a eleição de Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil, o triunfo do Brexit reafirmado de forma esmagadora na recente vitória de Boris Johnson na Inglaterra, e para governos como o de Viktor Orbán, na Hungria, Erdogan na Turquia.


No caso brasileiro, a disfuncionalidade da democracia assume proporções catastróficas. Em seu artigo “Desafios da economia brasileira”, o economista Marcos Lisboa mostra que no período de 1981 a 2018 o PIB per capita cresceu apenas 38%. Compará-lo com a China de crescimento de 860% ou da Coreia do Sul, de 526%, seria covardia. O tamanho do nosso desempenho pífio salta aos olhos quando cotejado com o Chile, cuja expansão foi de 173,%, no mesmo período. A Colômbia que viveu uma guerra civil teve um crescimento e 103%.

As raízes da semi-estagnação brasileira estão no esgotamento do modelo de substituição de importações, no final dos anos 70. Segundo Armínio Fraga, nesse modelo o Estado teve grande peso numa economia fechada e de pouca ênfase na produtividade, educação e igualdade. O governo Geisel foi o último suspiro de um modelo que, paradoxalmente, unia na sua defesa a esquerda nacionalista e os militares. Ao final, gerou a hiperinflação e a explosão da dívida externa.

A Constituinte de 1988 e governos sucessivos alargaram a inclusão social, particularmente com a queda da inflação, a universalização do ensino fundamental, o Sistema Único de Saúde e o Bolsa Família. Como se deu em um quadro de baixo crescimento, de um Estado campeão em transferência de renda para os mais ricos e lanterninha na transferência para os mais pobres, o resultado previsível foi a deterioração dos serviços públicos.

O desastre da nova matriz econômica do segundo mandato de Lula e do governo Dilma agravaram a crise fiscal do Estado e a ineficiência da economia; por meio de subsídios, da política de “campeões nacionais” e de investimentos calamitosos como Abreu e Lima, Comperj, Pasadena, Sete Brasil. Também levou à explosão dos gastos públicos.

O Estado brasileiro não investe, gasta. E muito mal, sempre acima do que arrecada. Não serve aos brasileiros, serve às corporações que o capturaram. Segundo Armínio Fraga, esse Estado se apropria de 35% do Produto Interno Bruto, enquanto que só a União consume 28% do PIB para pagar o funcionalismo e aposentadorias. Não, há, portanto, retorno para a sociedade sob a forma de serviços públicos de qualidade. Isto explica por que na pesquisa “Democracia sob Tensão” apenas 23% dos brasileiros avaliaram que a democracia funciona bem.

Distensionar a democracia implica em promover o crescimento sustentado com inclusão social, levando adiante o programa de reformas. Não se trata, como se pregou na década de 70, de primeiro fazer o bolo crescer para depois dividir. Crescimento e inclusão devem andar juntos, sob pena do descrédito da democracia levar água para demagógicos e populistas que não nos conduzirão a lugar nenhum.

Veja os magos

Natal é ver os magos, não reis, que trazem a cultura, a sabedoria, a fascinação do oriente geográfico e do oriente interno de cada um; é ver a riqueza e variedade da terra, a multiplicação compulsória dos pães e dos peixes, a re-unificação da família humana numa assembleia universal, o prazer das futuras viagens, o cérebro eletrônico, a subida aos espaços interestelares; é ver a invisibilidade de Deus, que escapa à televisão
 Murilo Mendes, "Transístor"

'Cadáver ignorado' revela sociedade paralela de milhares de invisíveis na Amazônia

Sob as copas das árvores amazônicas, alvo de debates e preocupação mundial nos últimos meses, uma multidão de brasileiros invisíveis vive à margem da sociedade e tem todos esses direitos negados sem sinais de comoção ou indignação nacional.

Os membros desta sociedade paralela — quase 3 milhões, ou equivalente à população inteira de países como Armênia, Jamaica ou Albânia — são invisíveis ao Estado e não aparecem em qualquer estatística oficial porque lhes falta o básico: uma certidão de nascimento.

Tomar vacinas. Matricular-se em uma escola pública ou privada. Usar o SUS. Ir a um hospital particular. Votar. Ter um emprego. Casar. Alugar uma casa. Registrar filhos. Divorciar-se. Fazer exames clínicos. Viajar de ônibus ou avião. Ganhar Bolsa Família. Receber pensão. Ter conta no banco. Dirigir. Parcelar compras no shopping. Ter cartão de crédito ou débito. Registrar um celular. Receber seguro-desemprego. Fazer concurso público. Ter um advogado. Hospedar-se em um hotel. Financiar um imóvel. Pagar impostos. Aposentar-se. Ver um filme adulto no cinema. Pegar um livro em uma biblioteca. Ir ao exterior. Ganhar um diploma. Ter um enterro digno.
Ter um nome.
A região Norte, onde ficam os principais Estados amazônicos, tem a maior concentração do país de pessoas sem documentos, segundo o IBGE. Lá, 9 de cada 100 pessoas não têm documentos e não são consideradas cidadãs. Apesar de os números absolutos serem maiores pela maior concentração de pessoas, o percentual de brasileiros não identificados no sudeste é muito menor — ou 1 a cada 100 pessoas.

Não à toa, também estão no Norte do país os mais baixos índices de desenvolvimento humano do Brasil. "O que temos aqui no Norte é a correlação umbilical entre pobreza e subregistro", diz à BBC News Brasil a Defensora Pública Geral do Pará, Jeniffer de Barros Rodrigues.

"Quase 6 milhões de pessoas ganham até 3 salários mínimos no Pará. E mais da metade delas está abaixo da linha da pobreza", diz ela.A trajetória de privações e derrotas de Adriano Lima Ferreira, um rapaz alto e forte, de cabelo escuro e traços que misturam características indígenas e afro-brasileiras, ilustra o desafio encarado pelos brasileiros invisíveis na Amazônia.

O primeiro documento de Adriano foi sua certidão de óbito.

Já a primeira menção oficial à sua existência aconteceu enquanto ele ocupava uma câmara gelada do Instituto Médico Legal de Belém. Para o Estado brasileiro, naquele momento, o nome de Adriano, nascido no interior do Pará e morto aos 26 anos na periferia da capital, era "Cadáver Ignorado Protocolo 2019.01.050549".

Nascido em uma enfermaria de Abaetetuba, onde 65% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, segundo o Ministério Público, Adriano não foi registrado pelos pais, que se separaram na época de seu nascimento.

Ele escapou da alta taxa de mortalidade infantil na região — 20 a cada 1.000 nascidos, ou o dobro do aceitável segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) — e chegou à idade escolar.

Foi quando ganhou um apelido bastante comum nas cidades ribeirinhas da Amazônia, e absolutamente desconhecido entre a classe média do Sudeste do país: Adriano, então um garoto magro e agitado, passou a ser conhecido como "encostado".

Ele não era o único. "Encostado aqui é como chamamos o aluno que não está regularmente matriculado na escola. Para ser regularmente matriculada, a pessoa precisa ter certidão de nascimento, se não a escola não admite", conta a advogada Beatriz dos Reis, uma defensora pública que atua em algumas das regiões mais remotas do país.

"Por uma questão de empatia, solidariedade, ou de missão mesmo, os diretores de escola aceitam que essas crianças frequentem a escola, para não ficarem soltas na rua e para terem lanche. Isso é muito, muito comum", diz.

"Ele estudou encostado e depois só conseguia bicos. Foi para Belém e perdemos o contato. Um dia, no jornal da Record, falaram de um casal que tinha sido assassinado. Falaram que era um jovem de aproximadamente 20 a 25 anos. Mostraram o corpo cheio de sangue e apareceu a tatuagem que ele tinha no braço. E também o pé dele, que era 'muito dele', diferente de qualquer pé. A gente falava sempre do pé dele. Não tinha como não reconhecer."

Segundo um site local, "um casal, ainda não identificado, foi assassinado na madrugada desta sexta-feira (12/07/2019) (....) em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém. Segundo informações da Polícia Militar, populares relataram que o casal estaria tentando roubar fiação telefônica da rua, quando foi surpreendido por um homem desconhecido, que chegou no local atirando. As vítimas ainda tentaram correr, mas foram alcançadas pelo assassino. Os peritos do Insituto Médico Legal (IML) foram acionados, e idenficaram que o homem e a mulher foram executados com uma arma de grosso calibre."

A descoberta do assassinato do irmão pela televisão foi só o início da peregrinação da família em busca de um enterro digno para Adriano.

O dado que mais se aproxima da quantidade real de brasileiros vivendo na situação de Adriano é o levantamento de sub-registros de nascidos vivos do IBGE, que mostra quantas crianças não são registradas pelos pais no primeiro ano e meio de vida.

Segundo o órgão — e estimativas citadas pela Câmara dos Deputados e pela Associação Nacional de Defensores Públicos — 2,94 milhões de brasileiros não têm registro de nascimento e são, portanto, invisíveis.

"Falei da reportagem para a minha mãe, mas ela não acreditou de cara. Fomos até o IML e ela estava calma, nem parecia que tinha perdido um filho. A gente não pode abrir o caixão, porque Adriano já estava se decompondo. O corpo dele estava bem seco. Foi aí que bateu o desespero na minha mãe. Ela gritava que não acreditava, não acreditava. Dizia que estava mentindo. Aí deixaram abrir o caixão e mostraram só o pé. Ela acreditou e começou a passar mal."

A família informou que o Cadáver Ignorado Protocolo 2019.01.050549 era Adriano. Um exame com amostras de DNA do cadáver, da mãe e da irmã foi colhido. Depois de 9 dias de espera, o lando comprovaria o parentesco: "A probabilidade encontrada para esse vínculo genético é de 99,9989007449928%", dizia o documento.

No entanto, a família - pessoas pobres, sem estudos, que viajaram de carona até a capital na tentativa de enterrar o parente assassinado - não conseguiu retirá-lo do IML - o primeiro ambiente com referências hospitalares em que Adriano esteve desde o dia em que nasceu. Pessoas sem documentos, como ele, não podem usar o SUS ou mesmo participar de campanhas de vacinação, tornando-se potenciais vetores de doenças para as suas comunidades.

Segundo as normas dos Centros de Perícias Científicas, para onde são levados os corpos de vítimas de mortes violentas, "é impossível liberar um cadáver sem documentação, pois sem identificação civil não há como emitir um atestado de óbito".

Assim, mesmo com o exame de DNA em mãos, enquanto a família não conseguisse uma certidão de nascimento que pemitisse a emissão de seu atestado de óbito, o "cadáver Ignorado Protocolo 2019.01.050549" continuaria na geladeira.

Isso até que o prazo se esgotasse.

Moro e Bolsonaro diante do abismo

As notícias dadas por todos os meios de comunicação com ênfase nas denúncias de suposta corrupção da família do presidente Jair Bolsonaro o colocam, assim como a seu ministro da Justiça, Sergio Moro, diante de um abismo. Principalmente porque foi o próprio Bolsonaro quem alertou que podem ressuscitar novas notícias sobre o nunca resolvido “caso Marielle”, esse fantasma que se recusa a morrer e que, segundo ele, seus inimigos políticos tentam ressuscitar.

A presença de Moro no Governo Bolsonaro nestes momentos críticos se torna duplamente importante, enigmática e até perigosa. Há apenas alguns dias confessou que o presidente Bolsonaro é uma pessoa “muito digna” com quem tem uma boa relação de trabalho. A impressão que se tinha é de que Moro, que já não excluía que poderia se candidatar a vice-presidente nas próximas eleições, seguindo suas ambições políticas cada vez menos negadas, aparecia cada dia mais próximo do bolsonarismo mais duro. E agora? É verdade que pode dizer que não é mais o temido juiz da Lava Jato e apenas ministro da Justiça. Isso em teoria. Na prática, sua figura e sua imagem de intransigência contra a corrupção o colocam agora em uma situação que poderia significar seu teste definitivo. Terá de escolher. Continuará apostando em Bolsonaro e sua família diante dos novos acontecimentos? Continuará brincando de avestruz como se isso já não lhe dissesse respeito?

Outra pergunta que se impõe é até que ponto agora Bolsonaro continuará confiando em seu superministro ou temerá que possa ser traído, apoiado no consenso popular que apresenta, maior que o do presidente. Talvez tenha sido uma simples casualidade, mas, justamente neste momento surgiu a notícia de que o presidente está pensando em desdobrar o Ministério da Justiça para criar o Ministério da Segurança Pública, cuja missão é um dos êxitos de Moro no Governo, com a diminuição da criminalidade — embora os especialistas digam que não há elementos confiáveis para atribuir a queda de mortes violentas às políticas implementadas neste ano. Será que Bolsonaro está começando a duvidar da lealdade de seu ministro que também lhe servia de escudo e teme uma dessas traições das facas longas? Estaria considerando sangrar os poderes de seu ministro que de escudo pode se tornar seu inferno?



Se é difícil decifrar o que a esfinge Moro pensa hoje sobre as nuvens cinzentas que pairam sobre a família do presidente Bolsonaro, da qual está sendo rasgada uma das bandeiras fortes de seu programa, como era a luta contra a corrupção a qualquer preço, não é menos enigmático o que Bolsonaro começa a pensar sobre ele e seus escândalos que já parecem ter rompido suas margens. O presidente poderá temer uma traição de Moro, com sua fama internacional de juiz duro, que não tremeu a mão ao colocar na cadeia o mítico ex-presidente Lula e que sabe ter muitos anos pela frente em sua ainda indecifrável vocação de poder?

O mais seguro é que as próximas semanas e meses, ou talvez apenas dias, sejam definitivos nessa relação de amor e ódio que hoje une os dois personagens com maior poder no país e que, ao mesmo tempo, são seguidos perigosamente em seus passos pelo governador do Rio, o ex-juiz Wilson Witzel, não menos duro e ambicioso do que os dois, que não têm escrúpulos em anunciar desde já que poderá enfrentar Bolsonaro nas urnas.

Só Bolsonaro? E se o acaso fizesse que seu oponente na disputa pela presidência fosse Moro? Ambos foram juízes. Ambos ainda são jovens e têm fome de política. Dois duros que anunciaram ser a favor de mão forte contra o crime, o que lhes rende o aplauso das hostes bolsonaristas.

Talvez seja necessário, para tentar analisar o complexo panorama político aberto pelas investigações cada vez mais importantes e sombrias sobre a família do presidente, desenterrar o mito da esfinge grega, que era um demônio destrutivo com asas manchadas de sangue e que Sófocles chamava de “cruel cantora”. Esfinge e enigma, filha do rei Laio, cujo enigma, conhecido apenas pelos monarcas de Tebas, fora desvendado.

Para uma política correta e não destrutiva, mais do que enigmas e segredos, seriam necessários, como se dizia no jornalismo clássico, “luz e taquígrafos”, transparência e respeito pela verdade. Bolsonaro usa as palavras da Bíblia em seu lema de governo: “a verdade os libertará”. Essa verdade que desintoxica a política é o que o Brasil está precisamente necessitando nestas horas em que parece estar vivendo os fantasmas das pitonisas antigas.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Relaxe


Bolsonaro, o inimputável

Estado é laico mas o presidente da República não é, e vai usar sem cerimônia as igrejas evangélicas para recolher as 491 mil assinaturas necessárias para criar seu novo partido, a Aliança pelo Brasil. O bispo Robson Rodovalho, da Confederação dos Pastores, e o deputado Silas Câmara, da Frente Parlamentar Evangélica, já botaram mãos à obra. Em tempos normais, num país normal, esse processo iria desembocar no mínimo numa impugnação do registro da legenda criada dentro de igrejas, entre uma oração e outra, a partir de assinaturas obtidas pelos pastores de constrangidos fiéis. Só que não. No Brasil de hoje, está ficando tudo muito natural.

Pouca gente parece ter se chocado também quando Jair Bolsonaro, na manhã desta quarta, submeteu à pequena platéia que o festejava no portão do Alvorada a decisão sobre vetar ou não o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para as eleições de 2020 que acabara de ser aprovado pelo Congresso: “ Veto ou não veto?&#8221;, indagou o presidente, para ouvir, obviamente, o que queria: “vetaaa!!”.

Sem dizer com todas as letras se vetará o fundo, o que deixaria todos os partidos na mesma situação de seu projeto de Aliança — sem dinheiro para a campanha municipal — citou o velho adversário PT e o neodesafeto PSL: “O PT vai ganhar R$ 200 milhões para fazer campanha no ano que vem. Aquele pessoal do PSL lá, que mudou de lado, também vai pegar R$ 200 milhões. Se quer fazer material de campanha caro, não vou ajudar esse cara, pronto".

Quando é que alguém vai explicar a Bolsonaro que o presidente da República não foi eleito para “ajudar” ninguém com os atos legais que lhe cabem por força do cargo? A lei que, mal ou bem, criou o fundo eleitoral tem que ser cumprida. A Constituição prevê que, ao presidente, cabe governar dentro dos princípios de transparência, probidade e impessoalidade previstos na Constituição. E ponto final. Mas parece que Bolsonaro ainda não entendeu isso, embora outro dia tenha recuado na decisão de excluir o jornal Folha de S.Paulo de uma licitação federal ao ser alertado de que o tratamento discriminatório poderia lhe render uma acusação por crime de responsabilidade — que pode até resultar em impeachment.

Bolsonaro caça problemas com vontade e velocidade superiores às de todos os seus antecessores juntos — e olha que teve gente complicada ali naquele Planalto nos últimos trinta anos. Imagine se algum deles tivesse resolvido nomear o filho como embaixador do Brasil nos Estados Unidos? Ou trocado desaforos com outros chefes de Estado e de governo? Ou ter seus parentes no alvo de uma investigação como o caso Queiroz e resolver interferir no Coaf, na Receita e na PF? Ou mandado tirar os radares de velocidade das estradas? O mundo lhes cairia na cabeça por muito menos — em alguns casos, até caiu mesmo.

Mas o atual presidente da República, quase completando um ano de mandato, parece ter conquistado uma certa inimputabilidade política, semelhante a que se dá, penalmente, aos índios ou a pessoas que sofrem das faculdades mentais. Pode falar todas as bobagens do mundo, e também praticar muitas delas, sem que nada lhe aconteça no âmbito político ou jurídico.

Difícil imaginar até quando irá esse estado de coisas. Possivelmente, enquanto durar a fé do PIB e das elites na retomada do crescimento da economia e na agenda de Paulo Guedes. Ou enquanto durar a paciência do povo.

Bolsonaro trata fundo eleitoral a golpes de hipocrisia

Conhecido por suas frases inspiradas, Tancredo Neves dizia que "a esperteza, quando é muita, come o dono". Jair Bolsonaro parece exagerar na esperteza quando insinua que pode vetar o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões aprovado na noite de terça-feira pelo Congresso. O presidente arrancou aplausos da claque que foi aos portões do Alvorada para festejá-lo. Mas a insinuação é um flerte com a hipocrisia.

Deputados e senadores ensaiaram uma temeridade. Queriam converter o fundo eleitoral de 2020 num fundão de R$ 3,8 bilhões. Houve forte reação. De olho nas redes sociais, Bolsonaro sinalizou que vetaria. A contragosto, os parlamentares recuaram. Numa sessão tumultuada, com muita lavagem de roupa suja, destinaram R$ 2 bilhões em verbas públicas para a eleição de vereadores e prefeitos. 



Essa cifra de R$ 2 bilhões não caiu do céu. Constava da proposta de Orçamento da União preparada pela equipe econômica do governo para o ano que vem. Foi avalizada por Bolsonaro numa fase em que o presidente ainda estava filiado ao PSL, partido que ficará com a maior fatia do bolo: R$ 202,2 milhões pouco acima do PT, o segundo maior beneficiário, com R$ 200,6 milhões."

Agora, Bolsonaro cita o PT e o PSL para declarar: "Se quer fazer material de campanha caro, não vou ajudar." Ora, se queria uma campanha mais barata, Bolsonaro não deveria ter referendado o Orçamento que anotou R$ 2 bilhões. Essa reação tardia, que chega depois de o presidente ter deixado os quadros do PSL, soa como populismo barato de alguém que cospe num prato no qual já não pode comer. Vivo, Tancredo Neves farejaria uma reação do Congresso. E repetiria: "A esperteza, quando é muita, come o dono".

O triste Natal da família Bolsonaro sob o estigma da corrupção

Há mais de um mês, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro que o procuravam para despachar ou tão somente jogar conversa fora ouviam dele que estava preocupado com o seu filho mais velho, o senador Flávio, que abandonara o PSL para embarcar na aventura do pai de construir um novo partido, o Aliança pelo Brasil.

Dos seus quatro filhos homens, Flávio é o mais introspectivo, o mais tímido, o mais ponderado. Sempre foi. Ao contrário dos irmãos Carlos, o vereador, e Eduardo, o deputado federal, Flávio se deixa abater quando desafiado. E mais abatido se tornou desde que começou a ser investigado por suspeita de corrupção.

Bolsonaro respirou aliviado quando o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os inquéritos abertos no país com base em informações fiscais sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial, o que beneficiou Flávio. Mas quatro meses depois a decisão de Toffoli foi revogada.

Então Bolsonaro passou a temer que Flávio pudesse ser preso. Era o que repetia nos seus desabafos. Até que há uma semana ele teve a certeza de que algo poderia acontecer com Flávio. Foi quando se antecipou ao que estava por vir, autorizou Carlos a disseminar a informação nas redes sociais e preparou-se para o pior.


Não foi desta vez. Mas o que aconteceu ontem marcará para sempre o final do primeiro ano de governo do mais improvável dos presidentes brasileiros. Estreitou-se o cerco a Flávio e ao seu ex-motorista Fabrício Queiroz. Mas não somente a eles, também a Carlos e a uma ex-mulher de Bolsonaro.

Todos estão sendo investigados por crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Bolsonaro é citado por ter recebido dinheiro de Queiroz. Parte do dinheiro, que Bolsonaro atribui a uma dívida, foi depositado na conta de Michelle, sua atual mulher, a terceira.

Bolsonaro encerrou mais cedo seu expediente no Palácio do Planalto para reunir-se no Palácio da Alvorada com Flávio, seu advogado e Eduardo. Durante o dia, evitou os jornalistas. Deu ordem para que seus ministros não comentassem o caso. Orientara os filhos a não escreverem nada a respeito nas redes sociais.

Um dos ministro, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, aproveitou uma solenidade no Palácio do Planalto para tentar baixar a tensão e alegrar Bolsonaro. “Em que pesem as críticas infundadas, presidente, o senhor está arrebentando”, disse. E mais: “Esses olhos azuis que conheci em 1973”. Não adiantou.

No relatório em que justifica a operação policial de ontem, o Ministério Público do Rio arrola 23 ex-assessores de Flávio da época em que ele era deputado estadual. Eles devolviam parte do salário que recebiam. Desses, 10 moravam em Resende, onde os Bolsonaro moraram. E dos 10, 9 são parentes de Ana Cristina Vale.

Que vem a ser... A mãe do filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan. Pelo menos 13 dos 23 ex-empregados do gabinete de Flávio fizeram 483 depósitos ou transferências bancárias para a conta de Queiroz em 11 anos. Foram R$2,6 milhões aproximadamente. A esse tipo de manobra dá-se o nome de “rachadinha”.

Pesa também contra Flávio a acusação de que ele lavava o dinheiro arrecadado por Queiroz por meio de uma loja de chocolate que tem com um sócio em um shopping da Barra da Tijuca. São sócios iguais. Mas entre 2015 e 2018, Flávio tirou da loja quase o dobro do lucro tirado por seu sócio – pouco menos de R$ 1 milhão.

O policial militar Diego Sodré e a empresa dele, Santa Clara Serviços, fizeram depósitos bancários na conta da loja de Flávio. A Santa Clara e Sodré foram alvos de uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar sob a suspeita de oferecer serviço de segurança privada ilegal em Copacabana.

Sodré pagou uma das prestações de R$ 16.564,81 para aquisição de um apartamento de cobertura no bairro de Laranjeiras. O boleto estava em nome da mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, proprietária do imóvel, assim como o marido. A ligação dos Bolsonaro com milicianos passa também por Danielle Mendonça.

Ex-funcionária do gabinete de Flávio, ela foi casada com Adriano Nóbrega, acusado de pertencer ao grupo de extermínio Escritório do Crime. Está foragido. No celular apreendido de Daniele há mensagens comprometedoras para ela e Queiroz. Numa, ela se diz “incomodada com a origem” do dinheiro que recebia.

Em outra mensagem, é Queiroz que a adverte: “Tá havendo problemas. Cuidado com que vai falar no celular”. Numa terceira, datada do ano passado, Queiroz escreveu: “Não querem correrem (sic) risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão". Foi o segredo mais bem guardado da campanha do clã.

Papai Noel do Brasil


O que aprendi no primeiro ano de Bolsonaro

Abaixo os comunistas da China e Venezuela, ouvia-se por toda parte no fim de 2018. "Nossa bandeira jamais será vermelha", era o lema. Um ano depois, devo constatar, o mundo está bem diferente.

Nesse ínterim, os comunistas chineses se tornaram amigos íntimos do Brasil, até mesmo ajudando o governo Bolsonaro a evitar que o megaleilão do pré-sal se tornasse um megafracasso. E aposto que o grupo chinês Huawei em breve construirá a infraestrutura 5G do Brasil. Mesmo que os EUA sob Donald Trump se oponham veementemente.

Surpresas também foram vistas nos países vizinhos. Em vez do maligno socialista Nicolás Maduro em Caracas, de repente quem cambaleia é o neoliberal Sebastián Piñera, presidente do Chile; e seu colega argentino, Mauricio Macri, já se foi de vez. Até Evo Morales, o único esquerdista com uma boa conexão com Bolsonaro, um pragmático e sobrevivente nato, foi-se embora. Se alguém tivesse me afirmado isso no começo do ano, eu teria dito que era louco.


Mas a vida é cheia de surpresas – e também não é. A luta contra a corrupção, uma das bandeiras de Jair Bolsonaro na campanha eleitoral, foi rapidamente suspensa assim que caiu na mira o filho do presidente Flávio. Os laços de família são fortes no Brasil, quer na esquerda, quer na direita.

Mas o emprego dos sonhos de embaixador em Washington acabou não se concretizando para o outro filho do presidente, Eduardo. De qualquer forma, em 2019 ficamos sabendo que Eduardo fala mal inglês. Mas, uma vez que seu pai não fala nada da língua de seu país dos sonhos, os EUA, isso é algo que Jair não havia percebido, até agora.

Mas certo está que ele notou que os EUA de Donald Trump não são o esperado melhor amigo. Os contratempos nas "relações especiais" com o irmão mais velho do Norte atingiram duramente os Bolsonaros. Não só a orientação da política externa do governo precisou ser questionada, mas o futuro projeto de Eduardo Bolsonaro de um movimento de extrema direita baseado no The Movement, de Steve Bannon, também sofreu com a recusa amorosa americana. O evento de fundação do movimento acabou se revelando um fracasso, semelhante ao primeiro congresso dos terraplanistas brasileiros, algumas semanas depois.

Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro residente nos Estados Unidos, também foi vítima da aproximação com a arqui-inimiga China. Em janeiro, ele criticara membros do partido presidencial PSL que haviam viajado para o Império do Meio. Agora o astrólogo mantém silêncio. As más línguas dizem que ele perdeu toda e qualquer credibilidade o mais tardar quando afirmou que o filósofo alemão Theodor W. Adorno foi o verdadeiro autor dos sucessos dos Beatles.

Por falar em PSL, poucas vezes se viu um presidente simplesmente implodir assim sua própria sigla, a que forma sua base do Congresso. Depois de passar 30 anos mudando de um partido para outro, como um nômade, Bolsonaro agora se atreve a fundar sua própria legenda personalizada.

Com os grupos do WhatsApp que o levaram ao cargo, ele não tem como fazer política no longo prazo. A "nova política" rapidamente bateu em seus limites, o discurso antissistema não basta mais. Bolsonaro precisa dos milhões do fundo partidário para moldar seu futuro político.

Será também uma questão de conteúdo? Até agora Bolsonaro não conseguiu implementar muito de sua "agenda de costumes". Ele não concretizou a Escola sem Partido nem o armamento de todos os cidadãos. Isso também se deve ao papel mais forte do Congresso, a quem Bolsonaro deu carta-branca na formulação de políticas.

Decisão planejada ou involuntária? Seja como for, ele até agora tem desapontado o campo evangélico, que o apoiou maciçamente em 2018. Ele não conseguiu realizar sequer a mudança da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, anunciada como um dos seus primeiros atos oficiais.

As maiores expectativas, contudo, foram depositadas no início do ano em Paulo Guedes, o "Posto Ipiranga" de Bolsonaro em questões de economia. Mas até agora não houve mudanças radicais em direção a uma sociedade eficiente e justa. Grandes assalariados e os privilegiados no Judiciário, política e entre os militares foram poupados da reforma da Previdência. Mas era de se esperar outra coisa?

E a privatização de empresas estatais como a Petrobras ainda está basicamente em aberto. Em vez disso, a gigante do setor energético foi mais uma vez instrumentalizada para fins políticos – por exemplo, para impedir uma greve dos caminhoneiros e evitar o fracasso do megaleilão do pré-sal.

Os saques do FGTS, destinados a estimular a economia, também são conhecidos de governos anteriores. A única novidade aqui é o fato de o ministro da Economia achar engraçado seu patrão insultar a esposa do presidente francês. Além disso, Guedes se revelou um apoiador de ideias autoritárias, como a reintrodução do AI-5.

Meus amigos me dizem que o Brasil se tornou ainda mais absurdo sob Jair Bolsonaro. "Estamos vivendo dentro de um tuíte de Carlos Bolsonaro", escreveu Anderson França, colunista da Folha. Mas me pergunto se o filho presidencial ainda está mesmo tuitando? Talvez eu tenha me acostumado de tal forma a essas surreais mensagens curtas, que atualmente elas nem me chamam a atenção.

Muitos eleitores de Bolsonaro estão agora percebendo que ele não produz nada além de muito palavreado, disse-me há alguns dias uma moradora de um bairro pobre da periferia de São Paulo. É para eu me espantar?
Thomas Milz

De como o óbvio é revolucionário

Domingo agora J. R. Guzzo escreveu neste jornal que “a igualdade não é um direito, é o resultado do que o cidadão aprendeu”, que “é inútil querer que as pessoas tenham igualdade nos resultados quando não são iguais nos méritos” e que “não há como ser igual nos méritos se o sujeito que sabe menos não teve oportunidades iguais de aprender as coisas que foram aprendidas pelo sujeito que sabe mais”. Conclusão: “ainda não foi inventada no mundo uma maneira mais eficaz de concentrar renda, preservar a pobreza e promover a desigualdade do que negar ao povo jovem uma educação decente”.

Mas como arrancar a educação pública brasileira dos dois atoleiros aos quais está presa, a corrupção inerente ao ambiente estatal e o serviço a um projeto de poder? Ontem, falando de corrupção, Modesto Carvalhosa lembrou nesta página que “um fenômeno sistêmico é o que cria, ele próprio, sua continuidade, permanência, e expansão”. Mas pode haver uma versão virtuosa disso. Eu tenho fascínio pela instituição da eleição direta do school board das escolas públicas em todos os países de colonização inglesa. É a peça mais básica da democracia moderna que é a que foi reinventada por eles. É ali que se dá a intersecção mais concreta entre o público e o privado e que se define, no nível mais próximo do cidadão comum, a relação hierárquica que ha entre ele e o seu representante eleito, de modo a criar a sua própria continuidade.


Sendo a base de tudo na democracia moderna a necessidade dela ser “representativa” e o sistema distrital puro de eleição a única maneira sem tapeações de se prover essa representação de modo aferível, preto no branco, o bairro, a menor célula do sistema, elege obrigatoriamente entre candidatos que moram nele (pais de alunos) o conselho gestor da escola pública local. Nos Estados Unidos esses boards têm, tipicamente, sete membros para que não haja empate em suas decisões, com duas “metades”, uma de três outra de quatro membros, eleita a cada dois anos, para mandatos desemparceirados de quatro anos. Como todo funcionário eleito também estes estão sujeitos a recall a qualquer momento em que seus eleitores sentirem-se mal representados. Esse conselho tem por atribuição contratar e demitir o diretor da escola e aprovar ou não os seus orçamentos e planos de vôo anuais.

A esta altura os leitores ainda sujeitos ao complexo de vira-latas já estão pensando como o brasileiro das favelas ou lá dos fundões poderá mandar na educação (de seus filhos) com bons resultados. A função do school board, assim como a da democracia como um todo, não é imprimir sofisticação aos currículos, é estabelecer o filtro contra a mais mortífera de todas as doenças que acompanham a humanidade ao longo dos tempos neste vale de lágrimas que é a corrupção pelo poder, e tornar a escola pública “orientada para o cliente”. Hoje, com as exceções que confirmam a regra, ela está orientada para servir seus servidores e manter para sempre nas mãos dos próprios privilegiados o controle sobre a distribuição de privilégios pelo estado que é ao que se resume, despido de sua fantasia século 20, todo o blá, blá, blá em torno da estatização ou não do que quer que seja.

Qualquer pai terá condições de saber quem são as pessoas mais capacitadas para fazer parte desse board na sua comunidade e, sendo o voto secreto, de defender-se de pressões indevidas. E qualquer ser humano em poder de suas faculdades saberá avaliar a razoabilidade ou não de um orçamento a partir da segunda vez que tiver de tratar do assunto. Além disso, como todos, esse sistema gera os seus próprios meios de tornar-se “sistêmico” e auto-reproduzir-se: centros de apuração e difusão de melhores práticas, cursos de aperfeiçoamento de membros de school boards, etc.

Nenhum prejuízo colateral será maior que o de manter o controle das verbas e das decisões na área de educação nas mãos de quem terá o poder de transformá-las no próprio salário e o de deixar a avaliação de quem deve preparar um país inteiro para a competição global a indivíduos que não têm, eles próprios, de competir por seu lugar ao sol. Ontem mesmo, aliás, editorial na página ao lado desta constatava que ha mais professores do ensino básico sendo formados no Brasil de hoje, onde eles já são 3,1% da força de trabalho e 20% das mulheres com ensino superior, que alunos a demandá-los. Porque seria se os salários são tão baixos? Porque o magistério público atrai pessoas de famílias paupérrimas e, no quadro da miséria nacional, ser professor prestando um vestibular de pedagogia é um modo mais fácil que o vestibular de medicina, por exemplo, para disputar uma posição de segurança vitalícia num emprego estatal.

Não é, portanto, aumentando salários num ambiente regido pela regra da isonomia – aquela que afirma: “eu merecerei ganhar mais sempre que outra pessoa fizer por merecer ganhar mais” que se vai resolver o problema da qualidade da educação básica no Brasil. E a solução passa obrigatoriamente pelo rompimento com a “mentira analítica”: a crítica do sistema tem de ser feita pelo consumidor e não pelo fornecedor de educação pública como geralmente acontece até mesmo nas bancas (quase exclusivamente compostas por professores de universidades públicas) que os jornalistas convocam para debater o problema.

Nada disso, porém, pode ocorrer isoladamente. Se quisermos viver numa democracia o school board é só a peça mais básica. Um certo numero de distritos eleitorais escolares (bairros) comporá um distrito eleitoral municipal, um conjunto destes fará um distrito estadual e outro múltiplo deles fará um distrito federal que elege um deputado federal, todos eles diretamente atrelados a eleitores específicos e sujeitos a recall, ou seja, submetidos à mesma meritocracia sob a qual vivem os seus representados.

Não é só o sistema de educação pública. O Brasil inteiro não funciona porque a avaliação e a condição de permanência, seja no emprego, seja no poder públicos, é absolutamente independente da “satisfação do cliente”.

Cretinice custa caro

Todos sabemos que é praticamente impossível fazer uma campanha na situação do fundo de 2 bilhões de reais
Silvio Costa Filho (Republicanos-PE)

Brasil, um país que os bandidos amam

Nos filmes estrangeiros, é líquido e certo: se o bandido tem de escapar da polícia para algum lugar onde ficará bem escondido e protegido, o destino final é o Rio de Janeiro. Os golpistas vividos por John Cleese e Jamie Lee Curtis em “Um peixe chamado Wanda”? Embarque para o Rio. O ladrão de banco vivido por Alec Guinness em “O mistério da torre”, do distante ano de 1951, conta sua história em flashback a partir de onde? Um restaurante no Rio. Os produtores teatrais picaretas de “Os produtores” querem meter o pé para onde? Rio de Janeiro, obviamente. Dá para fazer um livro só com esses e outros casos.

E não é só na ficção — afinal, poderia ser uma escolha de roteiristas, baseada numa percepção falsa. O caso mais notório de um fugitivo que se acoitou no Rio é o de Ronald Biggs, ladrão do trem postal inglês e fugitivo do Her Majesty's Prison Service. Biggs usufruiu da nossa hospitalidade carioca entre 1970 e 2001. Só não foi extraditado porque não havia tratados entre Brasil e Reino Unido a respeito.


Outro bandido de certa fama que se homiziou deste lado de cá da Linha do Equador foi Jesse James Hollywood. Traficante de drogas e homicida na Califórnia, viveu no Rio no início dos anos 2000. Mudou de nome, deu aulas de inglês e teve um filho. Acabou preso pela Interpol em 2005. Hoje, curte uma prisão perpétua em San Diego. Sem direito a condicional.

Como mostrou uma série de reportagens do Extra publicadas esta semana, aumentou em 26%, nos últimos dois anos o número de presos estrangeiros no sistema carcerário fluminense. Tem de tudo: traficante americano, golpista português, ladrão chileno, homicida alemão, soldado do tráfico argentino… Conhecendo-se a eficiência do nosso sistema de persecução criminal, dá para ter um vislumbre da quantidade de criminosos de outros países que escolheram o Rio para aproveitar a vida louca e, de quebra, delinquir um pouquinho.

Até bandidos de outros estados da federação vêm ao Rio fazer seu turismo criminal. Roubam aqui, traficam ali e, no fim de semana, aproveitam a praia.

Por que o Rio faz tanto sucesso entre bandidos de outras plagas? Não é o Rio, que já tem problemas para dar, vender e exportar. É o Brasil. A legislação brasileira é feita sob medida para deixar os criminosos felizes. Quer um exemplo?

Um bandido hipotético — americano, digamos — está por aqui, curtindo a vida adoidado. Ele cometeu, hipoteticamente, uns dez homicídios de criancinhas no Texas. É um serial killer, em suma. Esse hipotético bandido é preso para ser extraditado. Quem dá a ordem de extradição é o STF. Mas só dará essa ordem se o país estrangeiro se comprometer a não aplicar, lá, uma pena que o estrangeiro não poderia receber aqui. Sacou? Ou seja, nos Estados Unidos esse nosso hipotético serial killer receberia pena de morte, ou uma meia-dúzia de sentenças de prisão perpétua. Aqui, leva no máximo 30 anos de cadeiom progressão de regime e condicional, porque é um absurdo manter um criminoso preso pelo tempo da sentença que recebeu, certo?

Aqui temos a pseudo-cláusula pétrea contra a pena de morte — que é prevista em tempos de guerra, logo não é tão pétrea assim — não pode ter trabalho forçado, tem semiaberto com um sexto de cumprimento da pena, tem auxílio pecuniário para o detento, tem redução de pena por estudo, trabalho, leitura de livro…

Isso tudo, unido à patética taxa de resolução de crimes, à atávica demora da Justiça em julgar criminosos, à bovina complacência com que a sociedade encara a reincidência criminal, a ação de facções do tráfico, a absurda e imoral existência de “territórios do crime” dentro do território nacional, tudo isso somado, misturado e batido no liquidificador, vira um caldo amargo que está cada vez mais difícil de engolir.
Giampaolo Morgado Braga