quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017
Privilégios e desabafos
Até hoje, estamos em dúvida se o trabalho é uma vocação, um chamado, dever ou castigo
A grande questão brasileira é saber até onde os que governam podem continuar a ser pessoas privilegiadas. Gente que age como dona de recursos coletivos, gozando de isenção da responsabilidade inseparável – dentro do bom senso e nos limites da democracia – dos seus cargos.
Há, hoje no Brasil, um conflito múltiplo entre clamores e prerrogativas corporativos individualistas e coletivos profundamente anti-igualitários – impensáveis numa república – e as exigências da sociedade certa, mas duvidosa de que as regras que valem para todos não podem ser englobadas ou anuladas pelas normas implícitas (mas rigorosas) da amizade, da simpatia, do amor e das lealdades partidárias. Nada justifica o enriquecimento ilícito.
Uma ilicitude, aliás, que é tanto maior quanto mais importante é o cargo ocupado pelo amigo-irmão-filho-cônjuge cúmplice da “malandragem” ou do elogiado “oportunismo”, que fez de Pedro Malasartes, como sugeri num livro de 1979, talvez o único herói nacional.
Não dá mais para suportar que negociatas entre empresários bilionários e os mais altos agentes do Estado possam ser legalizadas e esquecidas por meio do tal “foro privilegiado”. Esse espaço onde amigos, compadres e companheiros de partido se relacionam na fraterna e frenética tarefa de assaltar a sociedade por meio do Estado.
A lei privada (a norma do privilégio) que, nas monarquias, julgava de modo diferenciado nobreza, clero e povo foi abolida pelo regime republicano. Sua sobrevivência é hoje uma ofensa. É preciso estabelecer limites para os cargos públicos cujo alvo é servir honradamente a coletividade. A igualdade e a liberdade não podem ser instrumentos de uma ideologia corporativista (ou de um corporativismo equivocado, oportunista e ideológico), que nada mais é do que um retorno da velha lei privada. Nela, determinados grupos teriam mais direitos do que outros e seriam até mesmo intitulados ao direito supremo – numa sociedade de base vergonhosamente escravocrata – de ter emprego para não trabalhar e, como funcionário público, antecipar aposentadorias, as quais estão no centro da nossa crise financeira. Meu pai e tios eram funcionários públicos que se aposentaram aos 50 e poucos anos. Eu, com 80, compartilho com vocês minha perplexidade.
E de que modo um sistema fundado na escravidão poderia ir além do contraste entre emprego e trabalho? Almeja-se o primeiro para fugir do estigma ligado ao segundo? Até hoje, parece-me, estamos em dúvida se o trabalho é um chamado, uma vocação, um dever ou um castigo.
Quando a polícia faz, por intermédio de suas companheiras e esposas, um movimento que se diz grevista, mas que é, de fato, um motim, percebemos o fundo do poço. A crise rompe os elos mais fracos da corrente e a corrente de uma desigualdade estabelecida está perto do fim da linha no Brasil. Rompida, ela se manifesta num individualismo sem peias, que atua com um selvagem e bárbaro egoísmo.
Se os governantes roubam o nosso dinheiro e promovem a crise, por que não podemos nos manifestar legitimando a violência e o saque? As crises dos prisioneiros faccionalizados e dos policiais amotinados revelam a ponta do iceberg e a complexidade do problema. O governador Paulo Hartung está certo quando diz que a polícia tem que ser reestruturada. Num mundo igualitário tocado a liberdade e individualismo, a segurança depende da autoridade policial que não pode ser desvalorizada ou corrompida. Tarefas duras de programar num país no qual o oportunismo e a malandragem ainda são elogiados.
Não deve ser por acaso que as revoltas dos presídios e as manifestações dos policiais estejam ocorrendo em paralelo à Lava Jato. Num caso, há o paradoxo de punir a polícia; no outro, o escândalo de, pela primeira vez na história do Brasil, prender e desmascarar a “elite do poder”, como dizia Wright Mills. Eis um gesto que rompe com as jaulas de ferro das hierarquias que inocentavam as autoridades.
Hoje, lutamos contra um sistema que, mesmo democratizado, ainda sofre as consequências dos penduricalhos legais destinados a perdoar ou a impedir as reparações exigidas pela sociedade. Pois os “grandes” e os bem relacionados, além do seu gigantesco “capital social”, têm a seu lado esse primor de tautologia jurídica aristocratizante que é o “recurso”. E, com ele, o recurso do recurso. Esse anacronismo que perpetua o nosso maior inimigo íntimo: a desigualdade.
A grande questão brasileira é saber até onde os que governam podem continuar a ser pessoas privilegiadas. Gente que age como dona de recursos coletivos, gozando de isenção da responsabilidade inseparável – dentro do bom senso e nos limites da democracia – dos seus cargos.
Há, hoje no Brasil, um conflito múltiplo entre clamores e prerrogativas corporativos individualistas e coletivos profundamente anti-igualitários – impensáveis numa república – e as exigências da sociedade certa, mas duvidosa de que as regras que valem para todos não podem ser englobadas ou anuladas pelas normas implícitas (mas rigorosas) da amizade, da simpatia, do amor e das lealdades partidárias. Nada justifica o enriquecimento ilícito.
Uma ilicitude, aliás, que é tanto maior quanto mais importante é o cargo ocupado pelo amigo-irmão-filho-cônjuge cúmplice da “malandragem” ou do elogiado “oportunismo”, que fez de Pedro Malasartes, como sugeri num livro de 1979, talvez o único herói nacional.
Não dá mais para suportar que negociatas entre empresários bilionários e os mais altos agentes do Estado possam ser legalizadas e esquecidas por meio do tal “foro privilegiado”. Esse espaço onde amigos, compadres e companheiros de partido se relacionam na fraterna e frenética tarefa de assaltar a sociedade por meio do Estado.
A lei privada (a norma do privilégio) que, nas monarquias, julgava de modo diferenciado nobreza, clero e povo foi abolida pelo regime republicano. Sua sobrevivência é hoje uma ofensa. É preciso estabelecer limites para os cargos públicos cujo alvo é servir honradamente a coletividade. A igualdade e a liberdade não podem ser instrumentos de uma ideologia corporativista (ou de um corporativismo equivocado, oportunista e ideológico), que nada mais é do que um retorno da velha lei privada. Nela, determinados grupos teriam mais direitos do que outros e seriam até mesmo intitulados ao direito supremo – numa sociedade de base vergonhosamente escravocrata – de ter emprego para não trabalhar e, como funcionário público, antecipar aposentadorias, as quais estão no centro da nossa crise financeira. Meu pai e tios eram funcionários públicos que se aposentaram aos 50 e poucos anos. Eu, com 80, compartilho com vocês minha perplexidade.
E de que modo um sistema fundado na escravidão poderia ir além do contraste entre emprego e trabalho? Almeja-se o primeiro para fugir do estigma ligado ao segundo? Até hoje, parece-me, estamos em dúvida se o trabalho é um chamado, uma vocação, um dever ou um castigo.
Quando a polícia faz, por intermédio de suas companheiras e esposas, um movimento que se diz grevista, mas que é, de fato, um motim, percebemos o fundo do poço. A crise rompe os elos mais fracos da corrente e a corrente de uma desigualdade estabelecida está perto do fim da linha no Brasil. Rompida, ela se manifesta num individualismo sem peias, que atua com um selvagem e bárbaro egoísmo.
Se os governantes roubam o nosso dinheiro e promovem a crise, por que não podemos nos manifestar legitimando a violência e o saque? As crises dos prisioneiros faccionalizados e dos policiais amotinados revelam a ponta do iceberg e a complexidade do problema. O governador Paulo Hartung está certo quando diz que a polícia tem que ser reestruturada. Num mundo igualitário tocado a liberdade e individualismo, a segurança depende da autoridade policial que não pode ser desvalorizada ou corrompida. Tarefas duras de programar num país no qual o oportunismo e a malandragem ainda são elogiados.
Não deve ser por acaso que as revoltas dos presídios e as manifestações dos policiais estejam ocorrendo em paralelo à Lava Jato. Num caso, há o paradoxo de punir a polícia; no outro, o escândalo de, pela primeira vez na história do Brasil, prender e desmascarar a “elite do poder”, como dizia Wright Mills. Eis um gesto que rompe com as jaulas de ferro das hierarquias que inocentavam as autoridades.
Hoje, lutamos contra um sistema que, mesmo democratizado, ainda sofre as consequências dos penduricalhos legais destinados a perdoar ou a impedir as reparações exigidas pela sociedade. Pois os “grandes” e os bem relacionados, além do seu gigantesco “capital social”, têm a seu lado esse primor de tautologia jurídica aristocratizante que é o “recurso”. E, com ele, o recurso do recurso. Esse anacronismo que perpetua o nosso maior inimigo íntimo: a desigualdade.
Igualdade, sem culpa
O Supremo Tribunal Federal aceitou, preliminarmente, a tese do presidente Michel Temer de que ele não é Dilma Rousseff e seu ministro, o piauiense Wellington Moreira Franco, 72 anos, ex-governador do Rio, não é o pernambucano Luís Inácio Lula da Silva, 71 anos, ex-presidente da República.
No texto da petição ao STF em defesa da nomeação do ministro, o governo Temer fez questão de repetir que Moreira não é Lula nada menos 15 vezes. Insistiu tanto que acabou errando de Moreira.
Na 34ª das 50 páginas do requerimento governamental, o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, Luís Carlos Martins Alves Jr., escreveu — e assinou: "Ademais, cuide-se que o ministro Moreira Alves não tem qualquer condenação judicial penal transitada em julgado".
Acrescentou: “Também não é alvo de qualquer ação proposta pelo Ministério Público no curso da denominada ‘Operação Lava-Jato’. Nesse sentido, Sua Excelência está protegido pelo sagrado manto da presunção constitucional de inocência. E, segundo a Constituição, para ser escolhido e nomeado ministro de Estado há apenas 2 (duas) condições: a) ser brasileiro maior de 21 (vinte e um) anos; e b) estar no exercício dos direitos políticos. O ministro Moreira Alves preenche esses 2 (dois) requisitos constitucionais.”
O paulista Moreira Alves, leva o prenome de José Carlos, tem 83 anos de idade dos quais 27 anos e dez meses vestido com a toga de juiz do Supremo — depois de ter sido chefe de gabinete do falecido ministro da Justiça Alfredo Buzaid, arquiteto do AI-5, o ato institucional que em 1968 escancarou a ditadura militar.
Conservador, Moreira Alves se aposentou em 2003, ano em que o PMDB de Temer e Moreira Franco se juntou a Lula numa sociedade de propósito específico — a partilha do poder. A associação terminou no impeachment de Dilma Rousseff. Proporcionou a Presidência da República a Temer que, agora, com o aval do Supremo, deu ao amigo Moreira Franco aquilo que ele mais desejava, o poder com a imunidade do foro privilegiado.
Moreira Franco tem boas razões para tanto, em meio às denúncias de derramas milionárias dos cofres de empreiteiras para cúpulas partidárias, como a do PMDB. Um único executivo da Odebrecht, Claudio Melo Filho, citou seu nome — sem confundi-lo com outros Moreira — nada menos que 35 vezes, em depoimento sobre o hábito da conversão de propinas empresariais em financiamento eleitoral a partidos e políticos.
Na terça-feira, o juiz Celso de Mello usou despachos antigos de Moreira Alves para concluir que Moreira Franco pode ser ministro com foro privilegiado — ao contrário, do que ocorreu com Lula, por decisão do juiz Gilmar Mendes. "A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade", registrou Mello na sentença. "[O nomeado] também não dispõe de quaisquer benefícios adicionais ou vantagens processuais em razão da prerrogativa de foro de que é titular".
Pelo que escreveu o juiz Mello, independente do tribunal, Moreira Franco, Lula ou qualquer outro ministro, deve receber da Justiça "igualdade de tratamento aplicável a qualquer outro cidadão da República". Ou seja, todos são iguais perante a lei, ainda que a maioria dos atuais cinco mil beneficiários entenda o foro privilegiado — no caso, o Supremo — como uma distinção de que são mais iguais que os outros.
Se é real o Brasil do juiz Mello, o Congresso tem razões de sobra para aprovar o fim do foro privilegiado. Os parlamentares deveriam eliminar a regalia, até para que se sintam no conforto da igualdade de direitos, como ela é percebida pelo ministro-decano do Supremo. O Congresso pode fazer isso rapidamente. Sem culpa.
José Casado
No texto da petição ao STF em defesa da nomeação do ministro, o governo Temer fez questão de repetir que Moreira não é Lula nada menos 15 vezes. Insistiu tanto que acabou errando de Moreira.
Na 34ª das 50 páginas do requerimento governamental, o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência, Luís Carlos Martins Alves Jr., escreveu — e assinou: "Ademais, cuide-se que o ministro Moreira Alves não tem qualquer condenação judicial penal transitada em julgado".
O paulista Moreira Alves, leva o prenome de José Carlos, tem 83 anos de idade dos quais 27 anos e dez meses vestido com a toga de juiz do Supremo — depois de ter sido chefe de gabinete do falecido ministro da Justiça Alfredo Buzaid, arquiteto do AI-5, o ato institucional que em 1968 escancarou a ditadura militar.
Conservador, Moreira Alves se aposentou em 2003, ano em que o PMDB de Temer e Moreira Franco se juntou a Lula numa sociedade de propósito específico — a partilha do poder. A associação terminou no impeachment de Dilma Rousseff. Proporcionou a Presidência da República a Temer que, agora, com o aval do Supremo, deu ao amigo Moreira Franco aquilo que ele mais desejava, o poder com a imunidade do foro privilegiado.
Moreira Franco tem boas razões para tanto, em meio às denúncias de derramas milionárias dos cofres de empreiteiras para cúpulas partidárias, como a do PMDB. Um único executivo da Odebrecht, Claudio Melo Filho, citou seu nome — sem confundi-lo com outros Moreira — nada menos que 35 vezes, em depoimento sobre o hábito da conversão de propinas empresariais em financiamento eleitoral a partidos e políticos.
Na terça-feira, o juiz Celso de Mello usou despachos antigos de Moreira Alves para concluir que Moreira Franco pode ser ministro com foro privilegiado — ao contrário, do que ocorreu com Lula, por decisão do juiz Gilmar Mendes. "A mera outorga da condição político-jurídica de ministro de Estado não estabelece qualquer círculo de imunidade", registrou Mello na sentença. "[O nomeado] também não dispõe de quaisquer benefícios adicionais ou vantagens processuais em razão da prerrogativa de foro de que é titular".
Pelo que escreveu o juiz Mello, independente do tribunal, Moreira Franco, Lula ou qualquer outro ministro, deve receber da Justiça "igualdade de tratamento aplicável a qualquer outro cidadão da República". Ou seja, todos são iguais perante a lei, ainda que a maioria dos atuais cinco mil beneficiários entenda o foro privilegiado — no caso, o Supremo — como uma distinção de que são mais iguais que os outros.
Se é real o Brasil do juiz Mello, o Congresso tem razões de sobra para aprovar o fim do foro privilegiado. Os parlamentares deveriam eliminar a regalia, até para que se sintam no conforto da igualdade de direitos, como ela é percebida pelo ministro-decano do Supremo. O Congresso pode fazer isso rapidamente. Sem culpa.
José Casado
A lei e a irresponsabilidade social
Em nome da responsabilidade fiscal, Hartung acha que faz o certo, assim como Michel Temer acredita que deve reformar a Previdência e a legislação trabalhista de acordo com as tabelas de seus sábios. Planilha de Excel qualquer um faz. Administrar uma sociedade é bem outra coisaElio Gaspari
Rasgaram a fantasia
A crise, por si só já suficientemente grave, está a um passo de se transformar em crise de autoridade.
Policiais militares em alguns estados do Brasil cruzam os braços, escondem-se sob as saias de suas mulheres, oficiais e soldados são revistados por paisanas para verificar se estão saindo dos quarteis com a farda escondida.
Nessa quebra de hierarquia e disciplina, alguns pulam o muro da guarnição ou são transportados de helicóptero para burlar os piquetes.
No mundo real, 140 pessoas foram assassinadas no Espírito Santo, piquetes se espalharam para os quarteis do Pará e do Rio de Janeiro. Indefesa, a população vive dias de terror e sofre as consequências da incúria governamental.
Como se não tivesse nada com isso e vivesse em universo paralelo, o mundo da política rasgou a fantasia. Entrou em ritmo carnavalesco frenético, com nítido propósito de auto blindagem e de abafar a Lava-jato.
Enquanto a nação, horrorizada, tomava ciência dos assassinatos por atacado no Espírito Santo, parlamentares tramavam a aprovação em regime de urgência de uma lei de anistia para os partidos que subtrairia poderes de punição da Justiça Eleitoral.
Dois dias depois, a sabatina training numa chalana gourmet foi mais uma clara evidência de que Brasília perdeu inteiramente o senso de medida e a compostura nesses dias pré-carnavalescos.
Tanto assim que o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, confessou sem a menor cerimônia que o “notável” Ricardo Barros foi nomeado ministro da Saúde depois do Partido Popular garantir que “todos os votos do partido” ficarim a favor do governo, num toma lá dá cá explícito.
A marchinha “A criminalização da política” cantada pelo senador Edison Lobão, novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça é de deixar pasmo qualquer folião.
Na sua letra há protestos contra a “tirania” da lava-jato que “se transformou num inquérito universal”, contra a “perseguição aos políticos”, contra a delação premiada, e a favor da defesa da anistia a caixa dois e da lei do abuso de autoridade.
Lobão não é do bloco “do eu sozinho”, ao contrário.
No mesmo compasso vai o nome dos sonhos do PMDB para o Ministério da Justiça, o deputado Rodrigo Pacheco, um crítico radical ao poder investigativo do Ministério Público.
Capitaneado pelo PMDB, o cordão Unidos pelo Patrimonialismo é suprapartidário, vai do PT ao PSDB, da base governista à oposição.
Face a aversão da sociedade ao ritmo atravessado dessa bateria, o presidente Michel Temer procurou se distanciar do bloco dos sujos e malvados, afirmando solenemente que no seu governo não haverá blindagem.
Na leitura cor de rosa, sua decisão de afastar temporariamente ministros formalmente denunciados e transformar o afastamento em definitivo quando eles virarem réus, é um sinal positivo.
Na leitura mais realista, aprofunda a blindagem, pois aposta na morosidade da justiça que tende a ser soterrada pelo ritmo dos acontecimentos. Como dizia Ulysses Guimarães, sua excelência o fato, costuma falar mais alto. E ele tem nome e RG: delações da Odebrecht.
O presidente é prisioneiro das próprias contradições do seu mundo, daí o seu comportamento pendular.
De um lado, dá passos que alimentam às desconfianças da sociedade, como no episódio Moreira Franco e na própria escolha de Alexandre de Moraes para o Supremo. De outro, tem tido a sensibilidade de recuar quando a pressão da sociedade se faz mais forte. Foi assim nas demissões de Romero Jucá e Geddel Viera Lima.
Como o mundo da política vem exagerando na farra, Michel Temer deve fazer novo movimento para refrear sua voracidade. Dificilmente a pretensão do deputado Rodrigo Pacheco vai dar samba.
O presidente tem fortes vínculos com o cordão dos patrimonialistas, a quem deve solidariedade, mas é, antes de tudo, um político pragmático.
Está de olho no dia 26 de março. Teme a força das multidões, prontas para botar o bloco na rua.
Policiais militares em alguns estados do Brasil cruzam os braços, escondem-se sob as saias de suas mulheres, oficiais e soldados são revistados por paisanas para verificar se estão saindo dos quarteis com a farda escondida.
Nessa quebra de hierarquia e disciplina, alguns pulam o muro da guarnição ou são transportados de helicóptero para burlar os piquetes.
No mundo real, 140 pessoas foram assassinadas no Espírito Santo, piquetes se espalharam para os quarteis do Pará e do Rio de Janeiro. Indefesa, a população vive dias de terror e sofre as consequências da incúria governamental.
Enquanto a nação, horrorizada, tomava ciência dos assassinatos por atacado no Espírito Santo, parlamentares tramavam a aprovação em regime de urgência de uma lei de anistia para os partidos que subtrairia poderes de punição da Justiça Eleitoral.
Dois dias depois, a sabatina training numa chalana gourmet foi mais uma clara evidência de que Brasília perdeu inteiramente o senso de medida e a compostura nesses dias pré-carnavalescos.
Tanto assim que o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, confessou sem a menor cerimônia que o “notável” Ricardo Barros foi nomeado ministro da Saúde depois do Partido Popular garantir que “todos os votos do partido” ficarim a favor do governo, num toma lá dá cá explícito.
A marchinha “A criminalização da política” cantada pelo senador Edison Lobão, novo presidente da Comissão de Constituição e Justiça é de deixar pasmo qualquer folião.
Na sua letra há protestos contra a “tirania” da lava-jato que “se transformou num inquérito universal”, contra a “perseguição aos políticos”, contra a delação premiada, e a favor da defesa da anistia a caixa dois e da lei do abuso de autoridade.
Lobão não é do bloco “do eu sozinho”, ao contrário.
No mesmo compasso vai o nome dos sonhos do PMDB para o Ministério da Justiça, o deputado Rodrigo Pacheco, um crítico radical ao poder investigativo do Ministério Público.
Capitaneado pelo PMDB, o cordão Unidos pelo Patrimonialismo é suprapartidário, vai do PT ao PSDB, da base governista à oposição.
Face a aversão da sociedade ao ritmo atravessado dessa bateria, o presidente Michel Temer procurou se distanciar do bloco dos sujos e malvados, afirmando solenemente que no seu governo não haverá blindagem.
Na leitura cor de rosa, sua decisão de afastar temporariamente ministros formalmente denunciados e transformar o afastamento em definitivo quando eles virarem réus, é um sinal positivo.
Na leitura mais realista, aprofunda a blindagem, pois aposta na morosidade da justiça que tende a ser soterrada pelo ritmo dos acontecimentos. Como dizia Ulysses Guimarães, sua excelência o fato, costuma falar mais alto. E ele tem nome e RG: delações da Odebrecht.
O presidente é prisioneiro das próprias contradições do seu mundo, daí o seu comportamento pendular.
De um lado, dá passos que alimentam às desconfianças da sociedade, como no episódio Moreira Franco e na própria escolha de Alexandre de Moraes para o Supremo. De outro, tem tido a sensibilidade de recuar quando a pressão da sociedade se faz mais forte. Foi assim nas demissões de Romero Jucá e Geddel Viera Lima.
Como o mundo da política vem exagerando na farra, Michel Temer deve fazer novo movimento para refrear sua voracidade. Dificilmente a pretensão do deputado Rodrigo Pacheco vai dar samba.
O presidente tem fortes vínculos com o cordão dos patrimonialistas, a quem deve solidariedade, mas é, antes de tudo, um político pragmático.
Está de olho no dia 26 de março. Teme a força das multidões, prontas para botar o bloco na rua.
Uma 'Lava Jato' para o tráfico de drogas
O mercado ilícito de drogas é a mais rentável atividade do crime organizado no mundo. O narcotráfico lucra anualmente, considerando os preços no varejo, cerca de 322 bilhões de dólares, segundo as estimativas mais recentes do UNODC, o escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes. Isso representa quase 1% do PIB global e um valor que supera a riqueza interna produzida em 88% dos países do mundo.
A comparação com outros mercados ilícitos torna ainda mais clara a dimensão do narcotráfico: o tráfico de armas movimentou, no mesmo período, 1 bilhão de dólares; o de pessoas, 32 bilhões de dólares. A estabilidade desse mercado, sem quedas significativas na produção ou no consumo ao longo das últimas décadas, a despeito da guerra mundial às drogas, desperta reflexões no mundo acadêmico e político sobre quais são as opções efetivas para o combate ao narcotráfico.
"Devemos impactar a estrutura do crime organizado", defendeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fundador da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, em entrevista à DW Brasil. Para FHC, uma classe política "medrosa", tomada "por moralismos e preconceitos, e não por diagnósticos objetivos", trava o debate da descriminalização e da regulação do mercado da droga no Brasil.
"O braço importante para esse tipo de criminalidade é a ciranda financeira. Esse dinheiro entra de alguma maneira para a economia formal. Não é razoável imaginar que o chefe da favela num morro do Rio de Janeiro está com milhões de dólares debaixo do seu colchão. Não está. Isso é incorporado na economia por mecanismos e instrumentos já usados em outros crimes", explica Luiz Guilherme Paiva, ex-secretário nacional de política sobre drogas (Senad) do Ministério da Justiça. Operações de sucesso podem rastrear o caminho do dinheiro sujo, afirma. "Basta ver o que está acontecendo na Operação Lava Jato."
Paiva, que deixou a Senad em 2016, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, afirma que uma força-tarefa para rastrear a ocultação de patrimônio do tráfico e a forma como esse dinheiro é lavado, aos moldes do que tem sido feito com a corrupção na Operação Lava Jato, é um exemplo que o país deveria seguir, principalmente num momento de crise da segurança pública e de visível fortalecimento das facções criminosas nos presídios.
"Continua-se cultivando a falsa percepção de que o desmantelamento de bocas de fumo é a melhor estratégia para combater o tráfico, ignorando que essa prática se incrementa e diversifica a cada dia, reorganizando-se a todo instante para perseguir compensações econômicas cada vez mais ambiciosas", alerta Paulina Duarte, diretora do Departamento de Segurança Pública da OEA (Organização dos Estados Americanos), em entrevista à DW Brasil.
Estudos recentes do UNODC corroboram a necessidade de uma força-tarefa, aos moldes da Operação Lava Jato, como propõe Paiva, para deter o poder econômico do tráfico. "Os fluxos financeiro ilícitos têm emergido nos últimos anos como um fenômeno global cuja importância não pode ser ignorada. Ao mesmo tempo, as pesquisas sobre o assunto ainda são limitadas, esparsas e baseadas em um grande número de suposições", aponta trecho de pesquisa publicada pelo UNODC e intitulada Estimativas das correntes financeiras ilegais que resultam do tráfico de drogas e outros crimes organizados transnacionais.
"Enquanto nós, como sociedade, imaginarmos que o combate ao tráfico é prender o traficante que está na esquina, ignorando o fato de que esta é uma economia trilionária, vamos continuar enxugando gelo", afirma Paiva.
Para as Nações Unidas, as estimativas existentes sobre esse comércio de drogas, ainda que imprecisas, já são suficientes para comprovar a prática de lavagem de dinheiro numa escala que merece a atenção política dos países. O crime movimenta um fluxo financeiro de aproximadamente 3,6% do PIB mundial, o equivalente a mais de 2 trilhões de dólares em 2009. O dinheiro sujo que é "lavado" equivale a 2,7% do PIB mundial, ou seja, 1,6 trilhão de dólares.
A comparação com outros mercados ilícitos torna ainda mais clara a dimensão do narcotráfico: o tráfico de armas movimentou, no mesmo período, 1 bilhão de dólares; o de pessoas, 32 bilhões de dólares. A estabilidade desse mercado, sem quedas significativas na produção ou no consumo ao longo das últimas décadas, a despeito da guerra mundial às drogas, desperta reflexões no mundo acadêmico e político sobre quais são as opções efetivas para o combate ao narcotráfico.
"Devemos impactar a estrutura do crime organizado", defendeu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, fundador da Comissão Global de Políticas sobre Drogas, em entrevista à DW Brasil. Para FHC, uma classe política "medrosa", tomada "por moralismos e preconceitos, e não por diagnósticos objetivos", trava o debate da descriminalização e da regulação do mercado da droga no Brasil.
"O braço importante para esse tipo de criminalidade é a ciranda financeira. Esse dinheiro entra de alguma maneira para a economia formal. Não é razoável imaginar que o chefe da favela num morro do Rio de Janeiro está com milhões de dólares debaixo do seu colchão. Não está. Isso é incorporado na economia por mecanismos e instrumentos já usados em outros crimes", explica Luiz Guilherme Paiva, ex-secretário nacional de política sobre drogas (Senad) do Ministério da Justiça. Operações de sucesso podem rastrear o caminho do dinheiro sujo, afirma. "Basta ver o que está acontecendo na Operação Lava Jato."
Paiva, que deixou a Senad em 2016, após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, afirma que uma força-tarefa para rastrear a ocultação de patrimônio do tráfico e a forma como esse dinheiro é lavado, aos moldes do que tem sido feito com a corrupção na Operação Lava Jato, é um exemplo que o país deveria seguir, principalmente num momento de crise da segurança pública e de visível fortalecimento das facções criminosas nos presídios.
"Continua-se cultivando a falsa percepção de que o desmantelamento de bocas de fumo é a melhor estratégia para combater o tráfico, ignorando que essa prática se incrementa e diversifica a cada dia, reorganizando-se a todo instante para perseguir compensações econômicas cada vez mais ambiciosas", alerta Paulina Duarte, diretora do Departamento de Segurança Pública da OEA (Organização dos Estados Americanos), em entrevista à DW Brasil.
Estudos recentes do UNODC corroboram a necessidade de uma força-tarefa, aos moldes da Operação Lava Jato, como propõe Paiva, para deter o poder econômico do tráfico. "Os fluxos financeiro ilícitos têm emergido nos últimos anos como um fenômeno global cuja importância não pode ser ignorada. Ao mesmo tempo, as pesquisas sobre o assunto ainda são limitadas, esparsas e baseadas em um grande número de suposições", aponta trecho de pesquisa publicada pelo UNODC e intitulada Estimativas das correntes financeiras ilegais que resultam do tráfico de drogas e outros crimes organizados transnacionais.
"Enquanto nós, como sociedade, imaginarmos que o combate ao tráfico é prender o traficante que está na esquina, ignorando o fato de que esta é uma economia trilionária, vamos continuar enxugando gelo", afirma Paiva.
Para as Nações Unidas, as estimativas existentes sobre esse comércio de drogas, ainda que imprecisas, já são suficientes para comprovar a prática de lavagem de dinheiro numa escala que merece a atenção política dos países. O crime movimenta um fluxo financeiro de aproximadamente 3,6% do PIB mundial, o equivalente a mais de 2 trilhões de dólares em 2009. O dinheiro sujo que é "lavado" equivale a 2,7% do PIB mundial, ou seja, 1,6 trilhão de dólares.
Temer e PMDB ouvirão de novo o ronco da rua
O período pré-carnavalesco não fez bem a Michel Temer. Seu governo entoa um samba com dois puxadores: Henrique Meirelles e a caciquia do PMDB. O enredo ficou confuso. A ala da economia não orna com a da política. O carro alegórico das reformas não combina com uma comissão de frente que desfila fantasias parecidas com aquelas que levaram Dilma e o PT ao rebaixamento.
As contradições reacenderam o ceticismo da plateia. Que começa a programar seu próprio desfile. Nesta segunda-feira (13), os movimentos que organizavam atos pró-impeachment se juntaram para preparar nova manifestação. Será no último domingo de março, dia 26. A pauta prestigia o samba de Meirelles, defendendo as reformas previdenciária e trabalhista. E rosna para o baticum do PMDB, em eterna conspiração contra a Lava Jato.
Ainda não se viu nenhum líder de movimento de rua enrolado na bandeira do ‘Fora, Temer.” Mas convém não cutucar a rua com o pé. Em comunicado conjunto, os movimerntos anotaram: “Nosso mote será: Brasil sem partido, pois não queremos um STF que se dobre às vontades deste ou de qualquer outro governo, agindo com lentidão para salvar os que têm foro privilegiado, utilizando-se dele para escapar da Justiça.”
Também nesta segunda-feira, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral, divulgou despacho que fez acender uma luz amarela no painel de (des)controle do Planalto. Relator da ação que pede a cassação da chapa Dilma –Temer, Benjamin indeferiu pedido da defesa da ex-presidente petista para que fossem realizadas novas diligências. Sustentou que esse tipo de providência pode estender o processo “ao infinito, sem possibilidades concretas de conclusão.”
Lendo-se a justificativa de Benjamin de trás para a frente, fica claro que o ministro quer encerrar a encrenca, submetendo seu voto à consideração do plenário do Supremo. Os autos estão fornidos. Realizaram-se perícias no papelório de gráficas que simularam prestação de serviço à campanha de Dilma, quebraram-se sigilos bancários e fiscais, ouviram-se 42 testemunhas.
Se quiser, o relator Herman Benjamin pode votar a favor da lâmina, contra a permanência de Temer no Planalto. Não lhe faltam independência nem matéria-prima. Suponha que um voto aziago de Benjamin venha à luz até o final de março. Dependendo de como Temer e seus correligionários do PMDB se comportarem até lá, as ruas, que já pararam de abanar o rabo para o govenro, podem acabar mordendo.
As contradições reacenderam o ceticismo da plateia. Que começa a programar seu próprio desfile. Nesta segunda-feira (13), os movimentos que organizavam atos pró-impeachment se juntaram para preparar nova manifestação. Será no último domingo de março, dia 26. A pauta prestigia o samba de Meirelles, defendendo as reformas previdenciária e trabalhista. E rosna para o baticum do PMDB, em eterna conspiração contra a Lava Jato.
Também nesta segunda-feira, o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral, divulgou despacho que fez acender uma luz amarela no painel de (des)controle do Planalto. Relator da ação que pede a cassação da chapa Dilma –Temer, Benjamin indeferiu pedido da defesa da ex-presidente petista para que fossem realizadas novas diligências. Sustentou que esse tipo de providência pode estender o processo “ao infinito, sem possibilidades concretas de conclusão.”
Lendo-se a justificativa de Benjamin de trás para a frente, fica claro que o ministro quer encerrar a encrenca, submetendo seu voto à consideração do plenário do Supremo. Os autos estão fornidos. Realizaram-se perícias no papelório de gráficas que simularam prestação de serviço à campanha de Dilma, quebraram-se sigilos bancários e fiscais, ouviram-se 42 testemunhas.
Se quiser, o relator Herman Benjamin pode votar a favor da lâmina, contra a permanência de Temer no Planalto. Não lhe faltam independência nem matéria-prima. Suponha que um voto aziago de Benjamin venha à luz até o final de março. Dependendo de como Temer e seus correligionários do PMDB se comportarem até lá, as ruas, que já pararam de abanar o rabo para o govenro, podem acabar mordendo.
Quem paga o aluguel das tendas das mulheres dos PMs?
Algumas interrogações fluem do movimento grevista das polícias militares, através das mulheres, mães e irmãs dos soldados em rebelião. Uma delas deixa de chamar a atenção das autoridades, da imprensa e da população em geral, mas seria bom prestar atenção: nos protestos femininos, todas as participantes são vistas abrigadas em tendas brancas e imaculadas que permitem abrigá-las do sol e da chuva, servindo ainda para receber garrafas de água e variados gêneros alimentícios.
De onde vem essa multidão de tendas para fornecer conforto às manifestantes? De casa, elas podem trazer pão, frutas e quitutes, além de cadeiras de praia e roupas. Mas as tendas, todas impecavelmente dispostas do lado de fora dos portões dos quartéis, e onde vem?
Custam caro, alugadas de quem? Financiadas pelas famílias ou pelos soldados escondidos nos quartéis? Por associações corporativas ou pelo próprio comando das unidades em rebelião?
São mistérios que conduzem a perguntas sem resposta, mas que seria bom às autoridades apurar. Tudo arrumadinho, facilitando os protestos, militarmente ordenados. O transeunte curioso se pergunta de onde surgiu esse circo bem montado, com água gelada, copos de plástico, cadeiras e mesas em profusão.
Não há nada contra essas facilidades que minoram as agruras dos familiares dos policiais grevistas, mas não deixa de ser a evidência de bem planejado e estruturado palco para performances ilegais e contrárias ao bom funcionamento da sociedade.
Decretou o comandante em chefe que nada acontecerá a seus ministros que venham a ser citados nas listas de delação das empreiteiras. No entanto, se chegarem a ser denunciados, estarão automaticamente afastados dos cargos. Uma vez acolhidas as denúncias, viram réus, e nesse caso, estarão demitidos, ou seja afastados definitivamente.
Tudo bem, nada a opor ao exercício da autoridade. Mas sobra uma dúvida: e se o próprio comandante em chefe vier a ser denunciado, no caso, pelo Supremo Tribunal Federal? Quem o afastará? E depois, caso se torne réu, com o acolhimento de alguma denúncia, renunciará?
A pena aplicada pelo condenado é algo de novo na jurisprudência.
De onde vem essa multidão de tendas para fornecer conforto às manifestantes? De casa, elas podem trazer pão, frutas e quitutes, além de cadeiras de praia e roupas. Mas as tendas, todas impecavelmente dispostas do lado de fora dos portões dos quartéis, e onde vem?
São mistérios que conduzem a perguntas sem resposta, mas que seria bom às autoridades apurar. Tudo arrumadinho, facilitando os protestos, militarmente ordenados. O transeunte curioso se pergunta de onde surgiu esse circo bem montado, com água gelada, copos de plástico, cadeiras e mesas em profusão.
Não há nada contra essas facilidades que minoram as agruras dos familiares dos policiais grevistas, mas não deixa de ser a evidência de bem planejado e estruturado palco para performances ilegais e contrárias ao bom funcionamento da sociedade.
Decretou o comandante em chefe que nada acontecerá a seus ministros que venham a ser citados nas listas de delação das empreiteiras. No entanto, se chegarem a ser denunciados, estarão automaticamente afastados dos cargos. Uma vez acolhidas as denúncias, viram réus, e nesse caso, estarão demitidos, ou seja afastados definitivamente.
Tudo bem, nada a opor ao exercício da autoridade. Mas sobra uma dúvida: e se o próprio comandante em chefe vier a ser denunciado, no caso, pelo Supremo Tribunal Federal? Quem o afastará? E depois, caso se torne réu, com o acolhimento de alguma denúncia, renunciará?
A pena aplicada pelo condenado é algo de novo na jurisprudência.
Michel Temer faz pose de moralista, mas está acobertando ministros corruptos
Michel Temer, em pronunciamento público nesta segunda-feira, deu mais uma demonstração de que está totalmente perdido e tonto, não sabe o que fazer nem o que dizer. No discurso, Temer encheu o peito, rodou cabeça e tronco para um lado e para outro, e sempre gesticulando com as mãos, soltou a voz para dizer ao país, referindo-se à Lava Jato: a) ministro alvo de denúncia-crime será afastado temporariamente; b) se a denúncia for recebida e o ministro se tornar réu, aí ele será exonerado.
O princípio da inocência, previsto na Constituição Federal, só vale para o Direito Penal. Para o Direito Administrativo, mera investigação, até mesmo no âmbito da administração, é suficiente para seu imediato afastamento.
Ao cabo de rigoroso processo de delação premiada, em que todos os trâmites foram regularmente cumpridos, tanto é que a senhora presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, homologou as 77 delações, Moreira Franco é citado 34 vezes, até agora pelo que se sabe, por um só delator, como beneficiário de dinheiro sujo.
Isso deveria ser o bastante para que Temer afastasse Moreira de perto dele, revogasse sua nomeação para ministro, aliás, nomeação imoral e suspeitíssima, visto que precisou usar de Medida Provisória para criar um ministério para que Moreira fosse o ministro.
Nesse discurso de surpresa, exclusivo para jornalistas,Temer cometeu mais um fiasco. Quis aparentar ser um presidente de elevada moral, enérgico e radicalmente avesso às improbidades praticadas por agentes e servidores públicos, sem ser.
E se aparecer o nome de Temer nas 77 delações, ele próprio vai se afastar da presidência? Não se afastando, perderá ainda mais o pouco respeito que mínima parcela do povo brasileiro ainda deposita nele, por inocência, boa-fé e desconhecimento.
Ao cabo de rigoroso processo de delação premiada, em que todos os trâmites foram regularmente cumpridos, tanto é que a senhora presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, homologou as 77 delações, Moreira Franco é citado 34 vezes, até agora pelo que se sabe, por um só delator, como beneficiário de dinheiro sujo.
Isso deveria ser o bastante para que Temer afastasse Moreira de perto dele, revogasse sua nomeação para ministro, aliás, nomeação imoral e suspeitíssima, visto que precisou usar de Medida Provisória para criar um ministério para que Moreira fosse o ministro.
Nesse discurso de surpresa, exclusivo para jornalistas,Temer cometeu mais um fiasco. Quis aparentar ser um presidente de elevada moral, enérgico e radicalmente avesso às improbidades praticadas por agentes e servidores públicos, sem ser.
E se aparecer o nome de Temer nas 77 delações, ele próprio vai se afastar da presidência? Não se afastando, perderá ainda mais o pouco respeito que mínima parcela do povo brasileiro ainda deposita nele, por inocência, boa-fé e desconhecimento.
O tempo da Justiça
Ninguém duvida de que a Justiça brasileira é cara, ineficiente e extremamente morosa, onerando os cofres públicos em mais de 1,3% do PIB e prestando um dos piores serviços judiciais do mundo.
Porém, mais grave ainda é o fato de que o Poder Judiciário verde e amarelo encontra-se completamente desconectado do mundo real, notadamente com o “tempo da vida”.
Ao que tudo indica, o Judiciário parece trabalhar em um tempo próprio, concebido específica e exclusivamente para a satisfação de suas próprias necessidades, ignorando a exata razão de sua existência e se esquecendo da própria temporalidade da vida, em afrontoso descaso quanto à finitude existencial do ser humano.
Esta autêntica dissonância temporal tem não apenas contribuído para um alarmante descrédito institucional, mas, mais grave ainda, fomentado o início de uma perigosa reflexão social sobre a (real) necessidade de uma instituição (em seu atual modelo) tão dissociada do mundo real.
É consenso absoluto uma justificada incompreensão (seguida de indignação) quanto ao fato de que muitas sentenças judiciais atravessem gerações antes de alcançar seu objetivo primordial: o de prover uma decisão definitiva, estabelecendo a necessária e almejada segurança jurídica e, consequentemente, a paz social.
Igualmente insustentável (sob qualquer argumento) são ações judiciais que, em última análise, existem para resolver os conflitos, acabem por eternizá-los, criando um permanente clima de insegurança social — algumas vezes capazes de até mesmo paralisar o cotidiano da vida das pessoas (por exemplo, o caso WhatsApp).
O Judiciário se constitui, acima de tudo, em um árbitro de conflitos, mas que, no caso brasileiro, ao que tudo indica, não parece estar muito atento ao próprio tempo da contenda.
A vida é uma só. Porém, o Judiciário parece acreditar que vivemos várias vidas, ou que a nossa única vida possui um desdobramento temporal infinito, como se fosse possível relativizar dimensionalmente o tempo.
De forma diversa do que podemos apressadamente concluir, não são propriamente as pessoas que têm pressa. É a essência da própria vida que determina uma existência humana extremamente curta e, portanto, completamente incompatível com o tempo da Justiça.
O Judiciário parece desconhecer esta realidade e insistir em vivenciar outra, totalmente divorciada dos ditames inexoráveis da realidade humana. Os juízes, ao proferir seus julgados, parecem fazê-los desconsiderando a própria realidade que, na qualidade de seres humanos, também se encontram inseridos.
Por todos os motivos elencados, conclui-se insustentável a existência de um Judiciário completamente desconectado com a realidade temporal da vida.
Precisamos, portanto, urgentemente, repensar o Judiciário que a sociedade brasileira almeja. Afinal, queremos uma instituição eficiente que verdadeiramente sirva ao cidadão ou, ao reverso, que se sirva do mesmo, em benefício único de seus funcionários e juízes?
Reis Friede
Porém, mais grave ainda é o fato de que o Poder Judiciário verde e amarelo encontra-se completamente desconectado do mundo real, notadamente com o “tempo da vida”.
Ao que tudo indica, o Judiciário parece trabalhar em um tempo próprio, concebido específica e exclusivamente para a satisfação de suas próprias necessidades, ignorando a exata razão de sua existência e se esquecendo da própria temporalidade da vida, em afrontoso descaso quanto à finitude existencial do ser humano.
É consenso absoluto uma justificada incompreensão (seguida de indignação) quanto ao fato de que muitas sentenças judiciais atravessem gerações antes de alcançar seu objetivo primordial: o de prover uma decisão definitiva, estabelecendo a necessária e almejada segurança jurídica e, consequentemente, a paz social.
Igualmente insustentável (sob qualquer argumento) são ações judiciais que, em última análise, existem para resolver os conflitos, acabem por eternizá-los, criando um permanente clima de insegurança social — algumas vezes capazes de até mesmo paralisar o cotidiano da vida das pessoas (por exemplo, o caso WhatsApp).
O Judiciário se constitui, acima de tudo, em um árbitro de conflitos, mas que, no caso brasileiro, ao que tudo indica, não parece estar muito atento ao próprio tempo da contenda.
A vida é uma só. Porém, o Judiciário parece acreditar que vivemos várias vidas, ou que a nossa única vida possui um desdobramento temporal infinito, como se fosse possível relativizar dimensionalmente o tempo.
De forma diversa do que podemos apressadamente concluir, não são propriamente as pessoas que têm pressa. É a essência da própria vida que determina uma existência humana extremamente curta e, portanto, completamente incompatível com o tempo da Justiça.
O Judiciário parece desconhecer esta realidade e insistir em vivenciar outra, totalmente divorciada dos ditames inexoráveis da realidade humana. Os juízes, ao proferir seus julgados, parecem fazê-los desconsiderando a própria realidade que, na qualidade de seres humanos, também se encontram inseridos.
Por todos os motivos elencados, conclui-se insustentável a existência de um Judiciário completamente desconectado com a realidade temporal da vida.
Precisamos, portanto, urgentemente, repensar o Judiciário que a sociedade brasileira almeja. Afinal, queremos uma instituição eficiente que verdadeiramente sirva ao cidadão ou, ao reverso, que se sirva do mesmo, em benefício único de seus funcionários e juízes?
Reis Friede
O novo crime e o velho criminoso
Ao pobre, a pobreza
Pawel Kuczynski' |
A manutenção dos pobres na pobreza não é apenas resultado da concentração de renda e apropriação privada das riquezas produzidas pela coletividade.
O paternalismo abraçado pelas chamadas forças progressistas, após o fracasso das experiências da famosa Cortina de Ferro, passou a considerar as classes populares como vítimas de tudo e incapazes de se autodeterminar.
Políticas públicas de todos os tipos, bolsas e auxílios passaram a ditar a moda dos movimentos sociais organizados, especialmente as organizações não-governamentais.
A manutenção de serviços públicos que não prestam também virou um dogma. O mais interessante, nesse caso, é que quem os defende não os usa e quem os utiliza vive a deles reclamar.
Quanto mais se destinam verbas para tais serviços, remédios somem, faltam equipamentos e os usuários vivem torturados nas filas dos hospitais, até que conseguem ficar em um corredor ou morrer à míngua. Então, de que adiantou tanto dinheiro público enterrado num sistema que não funciona?
Posicionar-se no sentido de que algo mude no SUS, por exemplo, é visto como uma indignidade e o proponente é logo apontado como reacionário. Enquanto isso, os que o defendem consomem suas economias nos planos privados de saúde.
Com a escola pública, o drama é o mesmo. Os salários nunca são satisfatórios, embora representem 93% do orçamento do setor, restando apenas 7% para investimento e custeio. Assim, as escolas vão ficando estragadas, feias, sujas e desorganizadas, enquanto os professores fazem greve e matriculam seus filhos nos colégios particulares, que também são um engodo, nada ensinam e transferem para os pais a maioria das tarefas escolas, por meio dos chamados “deveres de casa” intermináveis.
Será que vale a pena manter toda esse sumidouro de dinheiro em funcionamento? Não seria melhor financiar os estudos e subsidiar o atendimento ao público em redes privadas supervisionadas pelo Estado, como já se faz com as creches?
O ensino superior é um escândalo: a classe média baixa e os mais pobres só conseguem estudar em faculdades privadas, enquanto a universidade pública, defendida com unhas e dentes, é reservada aos filhos dos ricos, que estudam em colégios particulares quando pequenos e se preparam para nada pagar no terceiro grau. É uma pirâmide que poderia ser invertida, mas não é e a injustiça se perpetua.
Miguel Lucena
O paternalismo abraçado pelas chamadas forças progressistas, após o fracasso das experiências da famosa Cortina de Ferro, passou a considerar as classes populares como vítimas de tudo e incapazes de se autodeterminar.
Políticas públicas de todos os tipos, bolsas e auxílios passaram a ditar a moda dos movimentos sociais organizados, especialmente as organizações não-governamentais.
A manutenção de serviços públicos que não prestam também virou um dogma. O mais interessante, nesse caso, é que quem os defende não os usa e quem os utiliza vive a deles reclamar.
Quanto mais se destinam verbas para tais serviços, remédios somem, faltam equipamentos e os usuários vivem torturados nas filas dos hospitais, até que conseguem ficar em um corredor ou morrer à míngua. Então, de que adiantou tanto dinheiro público enterrado num sistema que não funciona?
Posicionar-se no sentido de que algo mude no SUS, por exemplo, é visto como uma indignidade e o proponente é logo apontado como reacionário. Enquanto isso, os que o defendem consomem suas economias nos planos privados de saúde.
Com a escola pública, o drama é o mesmo. Os salários nunca são satisfatórios, embora representem 93% do orçamento do setor, restando apenas 7% para investimento e custeio. Assim, as escolas vão ficando estragadas, feias, sujas e desorganizadas, enquanto os professores fazem greve e matriculam seus filhos nos colégios particulares, que também são um engodo, nada ensinam e transferem para os pais a maioria das tarefas escolas, por meio dos chamados “deveres de casa” intermináveis.
Será que vale a pena manter toda esse sumidouro de dinheiro em funcionamento? Não seria melhor financiar os estudos e subsidiar o atendimento ao público em redes privadas supervisionadas pelo Estado, como já se faz com as creches?
O ensino superior é um escândalo: a classe média baixa e os mais pobres só conseguem estudar em faculdades privadas, enquanto a universidade pública, defendida com unhas e dentes, é reservada aos filhos dos ricos, que estudam em colégios particulares quando pequenos e se preparam para nada pagar no terceiro grau. É uma pirâmide que poderia ser invertida, mas não é e a injustiça se perpetua.
Miguel Lucena
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