segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

E se os governantes deixassem Deus em paz?


Toda vez que os governantes, por exemplo na América Latina, se veem em apuros e não sabem como resolver um problema (muitas vezes criados por eles mesmos) invocam a Deus para que lhes facilite as coisas. Ou melhor, tentam convencer os cidadãos de que, no fim, será a providência divina quem irá tirar o pai da forca.

Na mesma semana, fizeram isso o recém-empossado Ministro de Minas e Energia do Brasil, Eduardo Braga, e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.

Só porque o crescimento está à beira da recessão, como confessou com realismo em Davos o ministro da Economia, Joaquim Levy, é que o Brasil ainda não sofre racionamento de luz.

No entanto, o novo ministro Braga tranquilizou o país com essas palavras: “Deus é brasileiro e vai fazer chover e aliviar a situação”. Ao que parece, os técnicos de seu ministério “ficaram de cabelo em pé” ao ouvir o ministro, como escreveu um jornal brasileiro.

Em seus escritórios e dormitórios, os políticos são livres para cultivar suas devoções religiosas. O ideal, no entanto, é que deuses e santos fiquem ali, na intimidade

Quase lhe fazendo eco, na Venezuela o presidente Maduro, diante do problema da queda dos preços do óleo cru que tanto está afetando a já martirizada população, pediu aos venezuelanos que não se preocupem, pois “Deus proverá. Ele jamais faltou à Venezuela”.

Diante desse uso político do religioso por parte dos governantes incapazes de resolver eles mesmos os problemas de seu país, seria o caso de perguntar: por que não deixam Deus em paz?

Deus, para os que nele creem, não pode ser um coringa, sempre disposto a resolver os erros e incapacidades dos políticos.

Essa não é a função da fé e também não corresponde aos ensinamentos básicos do cristianismo, no qual tanto o ministro brasileiro como o presidente venezuelano se inspiram.

Ambos poderiam recordar que, nas Escrituras, Jesus respondeu a quem tentava envolvê-lo nos assuntos profanos da política com a frase que se tornaria célebre: “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Que os governantes se preocupem em resolver os problemas para os quais foram nomeados sem refugiarem-se nos braços de uma divindade e que deixem Deus em paz, pois sua missão nada tem a ver com os problemas dos políticos e menos ainda com suas insuficiências, erros e corrupções.

A fé dos que creem e a não fé dos agnósticos e ateus é muito mais importante, séria e pessoal do que os jogos do poder temporal.

Leia mais o artigo de Juan Arias

Precisa-se


Precisa-se de uma bola de cristal
que mostre um futuro grávido de paz:
que a paz brilhe no escuro
com o brilho especial que algumas
palavras possuem
mas que seja mais do que a palavra,
mais do que promessa:
seja como uma chuva que sacia a sede da terra.
Roseana Murray

O paredão hídrico


O brasileiro está refém da água. Tem que economizar devido ao volume baixo, baixíssimo, dos reservatórios; e tem que reduzir os gastos de energia, em pleno calor senegalesco, porque as usinas estão com reservatórios em baixa. Sem ela, não se bebe, mas também não se tem energia para encher as caixas de água.

No paredão, o brasileiro nem sabe a quem rezar. Deus tem mais o que fazer do que fabricar água para a glória dos governos brasileiros, que há anos se lixam para os empreendimentos em hidrelétricas e reservatórios. Passaram no mínimo dois anos garantindo, com a falta de transparência costumeira, metáfora para descaso com a população, que tudo estava sob controle. Jogavam com as eleições e falta de água seria um gol contra em suas pretensões.

Agora pedem, com a sempre solícita ajuda da mídia, para que o brasileiro economize, quando políticos e governos nada fizeram nem revelaram os verdadeiros dados dos sistemas hídricos. E o pior é ouvir, ler e ver as imagens das inteligentes reportagens apontando o verdadeiro culpado da crise: o consumidor. É a ele que agora imputam a necessidade de economizar para não faltar. Copmo se esse fosse o caminho mais rápido para um país que não tem plano B para coisa alguma.
É bom acordar de vez. O meio ambiente no Brasil é assolado pelos políticos, que tratam o setor ainda como modismo ou meio de angariar votos entre os idealistas. A falta de seriedade com o problema provocará prejuízos maiores do que todo o rombo do petrolão, pagos durante muito tempo. Medidas urgentes sequer foram pensadas ou postas no papel, o que se vê é um governo federal silencioso diante da crise, quando até comentou execução de traficante. E os estaduais preparam-se para novamente levar com a barriga.
O aquecimento global não é mais uma marolinha que podem empurrar para frente, não dar bola ou mesmo maquiar em ano eleitoral. O anúncio da Agência Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos serve para colocar as barbas de molho. O passado 2014 foi o ano mais quente desde 1880 e dezembro também marcou uma temperatura média na superfície da Terra e dos oceanos sem precedentes nos últimos 134 anos para este período. Para o ano, a temperatura média se situa entre 0,69 °C acima do média do século 20, superando as marcas prévias de 2005 e 2010, de 0,04 °C .
O prejuízo da incúria governamental, que adora falar em desenvolvimento, palavra mágica para os imbecis, está ainda com apenas um dígito de bilhão, mas vai para dois dígitos rapidinho. Não será registrado, porque não interessa aos governantes, o custo do sacrifício da população infinitamente muito maior, em particular entre os mais pobres, aqueles a quem o governo Dilma se oferece como madrasta.

Do túnel do tempo

Este país é um verdadeiro paraíso: a terra produz abundantemente frutas de todas as espécies, o ar é puro e as minas de ouro e pedras preciosas são numerosas. Falta, no entanto, um bem mais precioso que todos os referidos: a liberdade
Evariste-Desiré Parny, relato sobre estada no Rio de Janeiro, em 1773 

A abolição da escravatura e o boicote à educação


Em sua fala de abertura dos trabalhos no Parlamento, em 1888, a princesa Isabel disse que o Brasil precisava ser uma pátria livre da escravidão. Logo depois o governo encaminhou a proposta que viria a ser a Lei Áurea. O deputado Joaquim Nabuco passou a ser o principal articulador da aprovação da proposta, ainda que o governo da época fosse liderado por um partido diferente do seu, e o chefe do governo, o deputado João Alfredo, fosse seu maior adversário em Pernambuco. Essa postura moral de Nabuco lhe dá uma grandeza ainda maior do que a própria luta pela abolição.

Se a princesa tivesse dito que seu lema seria “Brasil: pátria sem escravidão”, sem o governo apresentar o projeto da Lei Áurea, sua mensagem teria atendido a crescente consciência nacional da necessidade de abolir a escravidão, mas sem transformar o lema em um ato realizador.

O lema “Brasil: pátria educadora” tem o mérito de explicitar a posição que, depois de décadas de luta por alguns, começa a ganhar corpo na sociedade brasileira: a importância da educação para o progresso do país. Mas, sem um conjunto de leis, a definição dos recursos e a articulação de uma base de apoio, a ideia ficará apenas como lema.

Dizer que a pátria educadora será constituída graças aos royalties do pré-sal é insuficiente. Porque, se a Petrobras superar suas dificuldades financeiras, se a engenharia for eficaz para extrair o petróleo daquela profundidade, se o preço do petróleo voltar ao patamar de US$ 100 por barril, se a crise ambiental não forçar a substituição do combustível fóssil por outras fontes, mesmo assim, em 2034, o pré-sal só conseguirá gerar R$ 35 bilhões em recursos, cerca de 5,5% do montante necessário para o Brasil virar uma pátria educada.

Prometer que a nação educada será financiada pelo pré-sal é menos seguro do que se a princesa tivesse dito que os escravos seriam alforriados graças aos royalties obtidos pela exploração de café em novas áreas a serem abertas em regiões ainda não desbravadas.

Ao aumentar o piso salarial do professor em 13,01%, elevando-o para R$ 1.917,78, o governo da presidente Dilma não demonstra firmeza de cumprir seu lema. Além de ser um valor insuficiente, o lema não ganha consistência devido à opção do seu governo em deixar a responsabilidade pela educação sobre os ombros de pobres e desiguais prefeituras e Estados. Não há como fazer do Brasil uma nação educada se a educação não for uma questão nacional, com a adoção das escolas pelo governo federal, ao longo dos próximos anos.

Ao apresentar seu compromisso de construir um Brasil sem escravidão, a princesa sancionou a lei da abolição. Se quiser levar a sério sua ideia de construir uma pátria educada, a presidente Dilma deve apresentar o conjunto de ações necessárias para a adoção da educação básica pela União – a PEC 32/2013 é um exemplo. Se fizer isso, todos devem seguir o exemplo de Nabuco e dar o apoio necessário.