O estado de direito é um bem precioso, mas será que só vale para as democracias estáveis do primeiro mundo? Será que só europeus brancos ou os países onde são dominantes podem esperar por tratamento igual para todos perante a lei?
E para o resto da indiada qualquer líder que dê uma esmolinha ao povo deve ser reverenciado como um libertador?
Foi este o tratamento reservado durante décadas a Fidel Castro por grandes órgãos da imprensa dos Estados Unidos e Europa.
Hugo Chávez foi para o túmulo com múltiplos rapapés e só a hecatombe atual na Venezuela balançou o desejo incontrolável de reverenciar populistas do terceiro mundo, talvez por um sentimento de culpa que mistura também uma convicção secreta de que nós, a indiada, não partilhamos dos princípios democráticos.
Por que outra razão o El País seria tão exigente com o catalão e tão transigente com “o herói sindical, o ídolo das massas, o presidente mais popular que o Brasil já teve dentro e fora de suas fronteiras”?
Por que outra razão, como diz Xosé Hermida, os brasileiros que participam de manifestações contra o condenado, “muito milhões”, são “tão obcecados em colocar Lula atrás das grades que mostrar o desenho do ex-presidente em traje listado de presidiário se tornou uma espécie de fixação maníaca de todos os protestos”?
Os participantes dessas manifestações, segundo o jornal, são uns sujeitos tolos ao nível da boçalidade. Acreditam que esta prisão vai “curar os males de todo o Brasil, erradicar para sempre a corrupção que, segundo o modo de ver desta população, não existia antes que o PT chegasse ao poder”.
É para rir ou para chorar?
Só o desprezo racista, etnicista ou algum outro “ista” que muitos dos jornais do alto clero liberal vivem empregando para explicar para explicar bobagens como a do Washington Post ao dizer que a ordem de prisão do condenado “mergulha o Brasil no caos político”.
Imaginem o que escreveria o Post se, depois de terminar o mandato, Donald Trump fosse condenado por corrupção.
“Ordem de prisão de Trump mergulha os Estados Unidos no caos”. Nem pensar, obviamente. O Post estaria soltando rojões de alegria e batendo no peito para cantar vitória.
Outro exemplo de má fé, não de erro jornalístico por distorção ideológica ou pura preguiça de tentar retratar as complexidades que a situação exige, é a história de que o Brasil “está dividido”.
Muitos brasileiros, em proporção acima de 30%, declaram-se dispostas a votar no condenado, de longe o nome mais conhecido e sete meses antes da eleição. Nem de longe qualquer manifestação a favor dele reflete as pesquisas.
Os que estão se jogando contra a espada – bem metaforicamente – são os profissionais de sempre. A escolha de fotos de manifestações pró-condenado fazem o truque de sempre: fecham em cima de um grupo mais consistente.
Entre a foto, por qualquer ângulo espetacular, do Batman pedindo a prisão dele e a de qualquer cartaz feito em série pelas castas sindicais, a escolha já diz tudo. Lá está o cartaz sem graça no Guardian, no Times e assim por diante.
“Muitos brasileiros mais pobres argumentam que, se Lula se envolveu em alguma roubalheira, foi menos que outros políticos”, garante Dom Philips na bíblia do esquerdismo bem intencionado e normalmente bem informado – exceto, naturalmente, quando nós, a indiada, estamos envolvidos.
“”Muitos” quantos, exatamente? E desde quando “Brasileiros ainda têm grande estima por Lula apesar da condenação por corrupção” seria um título aceitável se os protagonistas fossem ingleses, escoceses, ou galeses?
Dá para imaginar o título “britânico ainda têm grande estima por Margaret Thatcher”?
Para o New York Times, que nunca viu um barbudo esquerdista de que não gostasse, o condenado em segunda instância enfrenta “alegações de corrupção”. Mas é preciso reconhecer o esforço do jornal de mostrar opiniões divergentes.
De cada cinco declarações de entrevistados publicadas pelo jornal, uma costuma ser contra o condenado. E a favor do golpe militar, claro.
Como diria o Robin: “Santa paciência, Batman”.
Katia Perin