sexta-feira, 6 de abril de 2018

Imprensa estrangeira: estado de direito para eles, torto para nós

O jornal espanhol El País, uma fortaleza do bom jornalismo, defende incessantemente a prisão de Carlos Puigdemont, o líder catalão atualmente detido na Alemanha. Tem toda razão: ele conduziu a Catalunha para as diversas etapas de votação, constitucionalmente vetada, em favor da independência.

O estado de direito é um bem precioso, mas será que só vale para as democracias estáveis do primeiro mundo? Será que só europeus brancos ou os países onde são dominantes podem esperar por tratamento igual para todos perante a lei?

E para o resto da indiada qualquer líder que dê uma esmolinha ao povo deve ser reverenciado como um libertador?

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Foi este o tratamento reservado durante décadas a Fidel Castro por grandes órgãos da imprensa dos Estados Unidos e Europa.

Hugo Chávez foi para o túmulo com múltiplos rapapés e só a hecatombe atual na Venezuela balançou o desejo incontrolável de reverenciar populistas do terceiro mundo, talvez por um sentimento de culpa que mistura também uma convicção secreta de que nós, a indiada, não partilhamos dos princípios democráticos.

Por que outra razão o El País seria tão exigente com o catalão e tão transigente com “o herói sindical, o ídolo das massas, o presidente mais popular que o Brasil já teve dentro e fora de suas fronteiras”?

Por que outra razão, como diz Xosé Hermida, os brasileiros que participam de manifestações contra o condenado, “muito milhões”, são “tão obcecados em colocar Lula atrás das grades que mostrar o desenho do ex-presidente em traje listado de presidiário se tornou uma espécie de fixação maníaca de todos os protestos”?

Os participantes dessas manifestações, segundo o jornal, são uns sujeitos tolos ao nível da boçalidade. Acreditam que esta prisão vai “curar os males de todo o Brasil, erradicar para sempre a corrupção que, segundo o modo de ver desta população, não existia antes que o PT chegasse ao poder”.

É para rir ou para chorar?

Só o desprezo racista, etnicista ou algum outro “ista” que muitos dos jornais do alto clero liberal vivem empregando para explicar para explicar bobagens como a do Washington Post ao dizer que a ordem de prisão do condenado “mergulha o Brasil no caos político”.

Imaginem o que escreveria o Post se, depois de terminar o mandato, Donald Trump fosse condenado por corrupção.

“Ordem de prisão de Trump mergulha os Estados Unidos no caos”. Nem pensar, obviamente. O Post estaria soltando rojões de alegria e batendo no peito para cantar vitória.

Outro exemplo de má fé, não de erro jornalístico por distorção ideológica ou pura preguiça de tentar retratar as complexidades que a situação exige, é a história de que o Brasil “está dividido”.

Muitos brasileiros, em proporção acima de 30%, declaram-se dispostas a votar no condenado, de longe o nome mais conhecido e sete meses antes da eleição. Nem de longe qualquer manifestação a favor dele reflete as pesquisas.

Os que estão se jogando contra a espada – bem metaforicamente – são os profissionais de sempre. A escolha de fotos de manifestações pró-condenado fazem o truque de sempre: fecham em cima de um grupo mais consistente.

Entre a foto, por qualquer ângulo espetacular, do Batman pedindo a prisão dele e a de qualquer cartaz feito em série pelas castas sindicais, a escolha já diz tudo. Lá está o cartaz sem graça no Guardian, no Times e assim por diante.

“Muitos brasileiros mais pobres argumentam que, se Lula se envolveu em alguma roubalheira, foi menos que outros políticos”, garante Dom Philips na bíblia do esquerdismo bem intencionado e normalmente bem informado – exceto, naturalmente, quando nós, a indiada, estamos envolvidos.

“”Muitos” quantos, exatamente? E desde quando “Brasileiros ainda têm grande estima por Lula apesar da condenação por corrupção” seria um título aceitável se os protagonistas fossem ingleses, escoceses, ou galeses?

Dá para imaginar o título “britânico ainda têm grande estima por Margaret Thatcher”?

Para o New York Times, que nunca viu um barbudo esquerdista de que não gostasse, o condenado em segunda instância enfrenta “alegações de corrupção”. Mas é preciso reconhecer o esforço do jornal de mostrar opiniões divergentes.

De cada cinco declarações de entrevistados publicadas pelo jornal, uma costuma ser contra o condenado. E a favor do golpe militar, claro.

Como diria o Robin: “Santa paciência, Batman”
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Katia Perin 

Guerra pelo futuro

O Supremo Tribunal Federal, por um triz, acaba de tirar o Brasil de uma descida perigosa, talvez fatal, em direção à desordem imediata. Já não existe aqui há muito tempo um regime que preencha boa parte, talvez a maioria, dos requisitos necessários para merecer a classificação de “democracia”. Mas se for feito um pouco mais de esforço para piorar as coisas, todos podem ter uma certeza: a democracia brasileira, mesmo essa droga de democracia que ainda há por aí, vai para o espaço. O ex-presidente Lula, com o apoio em peso de tudo o que existe de mais potente na corrupção brasileira, quis um “salve” do STF para invalidar todas as decisões da Justiça que o condenaram até agora ─ quis receber, oficialmente, um certificado de indulto. Quase levou. Naturalmente, vai continuar tentando, incentivado pela presença na suprema corte de ministros que militam abertamente em favor da impunidade. Aposta na confusão, no desmanche progressivo do governo que ele próprio legou ao país e nas “pesquisas eleitorais”. É, cada vez mais, um tudo ou nada.


Na verdade, o que esteve realmente em jogo no STF foi o desfecho de mais um confronto na guerra aberta que existe hoje para controlar o futuro do Brasil. É algo maior do que Lula, ou mais que uma pura e simples questão de justiça ─ a punição, como manda a lei, dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro pelos quais ele foi condenado a doze anos de cadeia nos dois níveis do Judiciário que o julgaram até o momento. A verdadeira disputa, em toda essa história, sempre foi para decidir se continuará a mandar no País, e a mandar na vida dos cidadãos, o sistema que está mandando hoje. Você sabe muito bem que sistema é esse ─ e sabe que Lula é no momento a figura mais importante para mantê-lo de pé. Trata-se da vasta federação de gangues partidárias, empreiteiras de obras públicas, altos burocratas do Estado, empresas que recebem favores do governo e mais toda a multidão de parasitas que, de uma forma ou de outra, vive às custas dos impostos que você paga dia e noite, e vai pagar até morrer. Essa gente está destruindo o estado de direito democrático no Brasil ─ quer dividir o país em duas categorias de cidadãos, os que são obrigados a cumprir a lei e os que estão autorizados a não respeitar lei alguma. É, no fim das contas, o grande combo de aproveitadores do Tesouro Nacional, de um lado, e a população brasileira, de outro. Eles operam em áreas diferentes, e têm caras diferentes, mas no conjunto são a mesma coisa e produzem os mesmos desastres.

É isso, exatamente, o Brasil de Lula ─ uma criatura deformada que foi sendo construída em torno e em cima de nós durante os últimos quinze anos. Ela transformou a democracia brasileira numa imitação degenerada do que deve ser um regime democrático decente ─ recolheu tudo o que havia de mais maligno na vida pública nacional até Lula chegar à presidência da República, somou a isso os vícios novos trazidos ao governo pelo PT e produziu o país que aparece aí à sua frente. Esse Brasil de Lula, que hoje está em guerra para sobreviver, é muitas coisas ao mesmo tempo. É, em primeiro lugar, o país da impunidade ─ onde se quer assegurar ao rico e ao poderoso, que dispõem de dinheiro ilimitado para pagar advogados caríssimos, o direito de cometerem crimes e não cumprirem, simplesmente, as penas a que foram condenados.

O princípio jurídico pelo qual têm lutado com tanta ferocidade ministros do STF, bandidos de bolso cheio e escritórios cinco estrelas de advocacia penal, é o seguinte: qualquer criminoso bem apoiado por defensores espertos, mesmo um assassino de crianças, só pode receber punição se for condenado na “quarta instância”. Isso quer dizer, segundo eles, que é preciso condenar o sujeito quatro vezes seguidas, durante anos a fio, para que ele pague pelo crime que cometeu. Uma aberração como essa não existe, pura e simplesmente, em nenhum país civilizado do mundo ─ ali um condenado como Lula vai para a cadeia, e pronto. É claro que esse “princípio legal” é apenas uma trapaça para não punir nunca o delito ─ mesmo porque, depois de anos e anos à espera de uma decisão, ele “prescreve”, ou deixa de ser delito. Nossos altos magistrados ainda insultam a população que lhes paga o salário (mais benefícios) dizendo que a liberdade até a “quarta instância” é um “direito de todos os brasileiros”. É uma mentira grosseira. Quem tem dinheiro para sustentar anos de processo na Justiça? A “presunção de inocência” é coisa privativa de milionário. Dos 700.00 brasileiros hoje na cadeia, quase 300.00 são presos “provisórios” ─ nada de “instâncias”, e embargos, e agravos, e outras tramoias judiciárias para eles. Os ministros pró-Lula, obviamente, querem que todos se lixem. Seu único interesse, do primeiro ao último minuto, foi salvar a impunidade que abençoa a elite brasileira há 500 anos, e da qual Lula é hoje o senhor de engenho número 1.

O Brasil de Lula é um Brasil sem Lava a Jato ─ a operação judicial que pela primeira vez em toda a história brasileira prendeu, processou e condenou a penas de prisão dezenas de marginais de primeiríssima potência. São donos de empreiteiras, arquiduques das diretorias supremas da Petrobras e outras estatais, altos executivos de empresas, políticos ladrões, chefes de partidos e toda a subespécie de delinquentes que vêm da mesma sarjeta. A principal atividade de suas vidas é roubar o Estado, ou seja, roubar os impostos que você paga; muitos confessaram seus crimes. Que prova melhor que isso alguém pode esperar? Desde 1500 toda essa manada viveu, prosperou e se multiplicou sem ser incomodada; é óbvio que quer continuar assim para sempre. Lula é o pau que segura este circo. Mas é claro que não está sozinho: sua impunidade ajudaria a impunidade de uma multidão de foras da lei. Alguém notou que praticamente ninguém, num Congresso Nacional com 513 deputados e 81 senadores, abriu a boca para comentar o julgamento do STF? Alguém notou o silêncio geral dos governadores e prefeitos? Por que seria, não? Porque a grande maioria está no mesmo barco de Lula, torcendo para ele, apavorada com a Lava a Jato e disposta a tudo para continuar não apenas fora da cadeia, mas no desfrute da licença oficial que têm para roubar. E o presidente da República, então? Foi enfiado no cargo diretamente por Lula, que o impôs como vice na chapa de Dilma Rousseff; sua calamidade é a calamidade do PT, que até há pouco gritava “Fora Temer”. Está sendo acusado de crimes rasteiros, nomeia para o seu ministério políticos que têm certificado público de ladrões do erário ─ e, obviamente, gostaria muito que os ministros do STF criassem a doutrina jurídica da punição pós-morte, pela qual o indivíduo só poderia ser punido depois de morrer.

Também esteve em julgamento no STF, lutando para sobreviver, o Brasil da farsa. Neste país de mentira, Lula é apresentado como tudo aquilo que não é. Os “juristas”, por exemplo, sustentam que o ex-presidente é um cidadão que precisa ser protegido das possíveis arbitrariedades da Justiça, como 200 milhões de outros; mantê-lo fora da cadeia, segundo eles, não é nenhum favor pessoal, Deus nos livre e guarde, mas apenas uma decisão corajosa que garante o direito “de todos”. Os cúmplices, os serviçais e os simples devotos de Lula, por sua vez, afirmam que sua condenação não tem nada a ver com o fato de que, segundo decidiu legalmente a Justiça brasileira, ele é um ladrão, culpado dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Lula, de acordo com eles, só está com 12 anos de cadeia nas costas porque “é o maior líder de esquerda em todo o mundo”. Sendo assim, “o capitalismo” jamais iria permitir que ele continuasse salvando os pobres do Brasil. E a roubalheira alucinante da Petrobras, mais todo o resto do seu governo? E os seus amigos e sócios no poder, que confessaram os próprios crimes de corrupção? E os bilhões em dinheiro roubado que devolveram? Não é por aí, jura o Sistema Lula. O único problema do chefe é ser um homem de esquerda.

Esse Brasil da farsa foi criado por anos seguidos de propaganda em massa, toda ela paga com o seu dinheiro ─ da mesma forma como é o seu dinheiro, e nenhum outro, que está pagando esses honorários monstruosos para os advogados da turma toda, desde Lula até o ladrãozinho mais meia-boca, desses que levam um Land Rover ou uma cozinha equipada e se dão por satisfeitos. Não tem a ver apenas com o presidente ─ vai muito além. Trata-se do país do trem-bala que não existe, dos metrôs onde as estações para o aeroporto ou para o estádio, por exemplo, ficam a 1 quilômetro do aeroporto ou do estádio, ou das ferrovias que param no meio no nada ─ enquanto os trilhos já postos são roubados para serem vendidos a peso. É o país do Maracanã, reconstruído para os Jogos Panamericanos, depois para a Olimpíada e hoje abandonado ─ ou do Museu do Ipiranga, o maior de São Paulo, fechado desde 2013 com a promessa de ser reaberto em 2022. Neste país nenhuma obra pública é feita levando em conta o interesse do público: ou sua função é beneficiar o construtor e os seus cúmplices nos governos, ou então a obra não é construída. O Brasil da mentira, que briga tanto para sobreviver, é o país do “avanço social”, do “resgate dos pobres” e de outras invenções dos governos Lula e Dilma. Até hoje não se sabe de nenhum rico que tenha ficado pobre em qualquer desses dois reinados. Ao contrário, temos 150.000 milionários (em dólares) por aqui, segundo as ultimas contas; nenhum outro país da América Latina tem tantos. Quem ganhou mais dinheiro no país das “conquistas sociais”? Marcelo Odebrecht, o empreiteiro-modelo de Lula, ou o miserável do Bolsa Família? Joesley Batista ou o pobre coitado da fila do ônibus? Quem se deu melhor, por conta dos feitos do ex-presidente: os pobres que “começaram a andar de avião” ou a turma que comprou jatinho? O “trabalhador brasileiro” ou Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e tantos outros aliados íntimos do Complexo Lula-PT?

A decisão do STF não faz desaparecer este Brasil do mal ─ nada, isoladamente, tem a capacidade de fazer tanto. Mas colocou uma barreira, sem dúvida, no avanço de todos os que querem, através da desmoralização aberta da lei, impedir que este país se torne uma democracia de verdade.

E continua




Quando acordou o dinossauro ainda estava lá
Augusto Monterroso

Mais que uma quarta-feira

O que estava em jogo na quarta-feira era uma questão central para o País: romper ou não com um sistema de corrupção que se alimenta da lentidão da Justiça. O Brasil estava se tornando um país bizarro, com um vaivém de cadeiras de rodas nas cadeias. Era tão difícil prender alguém, no labirinto de agravos e recursos, que já chegava bem velho.

Como somos sentimentais, depois de algumas semanas todos acabam em prisão domiciliar. E essa seria a tendência dominante se prevalecesse a tese de impedimento da prisão após sentença de segunda instância.

A ideia básica da presunção de inocência é muito poderosa, até por sua beleza filosófica. No entanto, depois de duas condenações é razoável que sofra um abalo. Além disso, há outra ideia forte em jogo: a eficácia da Justiça. Se via recursos e caros advogados os réus podem prolongar sua liberdade, as vítimas não recebem o que merecem: justiça.

A proposta de Gilmar Mendes era obscena, pois previa uma votação contrária à expectativa popular e, logo em seguida, uma acomodação da opinião pública. Mas ninguém se vai acomodar. Nem os petistas, agora que Lula se aproxima da prisão. No meu entender, isso os levará a gastar menos energia com Lula e a pensar nos caminhos do País. A condenação do Lula e sua grande capacidade de mobilizar acabaram ofuscando o debate sobre os rumos da reconstrução.

O PT passou por diversas palavras de ordem, quase todas defensivas: não ao golpe, eleição sem Lula é fraude, liberdade para Lula... Mas tudo indica que as eleições serão sem Lula candidato – apesar de sua capacidade de transferência de votos. Nada impede que um partido boicote as eleições, mas a experiência mostra que se ganha muito mais participando do que boicotando.

Teremos virado uma página? Não creio. O debate sobre o tema não envolve apenas Lula. Ele só encarnou um drama que para alguns, como Eduardo Cunha e outros presos, precisava de um símbolo mais poderoso.

Ao longo destes anos, o sistema político sempre buscou uma fórmula de neutralizar a Lava Jato. A resistência de Lula é antiga, desde que definiu a “república de Curitiba”. Ele se colocou na linha de frente e os grampos mostram isso. Num momento questionava a covardia do Supremo ante o processo, noutro lamentava a passividade dos políticos, que pareciam ignorar a tragédia que se abateria sobre eles.

O MDB também se importava com isso. A célebre frase de Romero Jucá “é preciso estancar a sangria” revela a ansiedade diante do avanço da Lava Jato. No Congresso foram muitas as tentativas de retaliar as investigações. Era mesmo impensável que um esquema tão complexo de dominação fosse render-se sem peripécias.

O último dos combatentes é Temer. Coube-lhe fazer alguma coisa. Ele tentou. Até escolheu um diretor da Polícia Federal tão fiel que acabou caindo por excesso de fidelidade.

Temer tem uma tática própria: não bate de frente com a Lava Jato, como Lula, ele diz publicamente que a apoia. Suas intervenções são mais no sentido de defender direitos individuais, respeito ao processo legal. Apesar de tudo, consegue pequenas vitórias. Esse coronel Lima, por exemplo, é apontado como seu operador, mas nunca depôs na Polícia Federal. Todas as convocações foram negadas, sob o argumento de que sua saúde não permitia. O coronel foi preso apenas para depor e, mesmo assim, não falou nada.

Com forte base de apoio no Supremo, a resistência à Lava Jato e suas consequências não estão esgotadas. A operação mesmo está na fase final. O que está em jogo é o futuro. De um lado, como montar um esquema de corrupção tão sólido e durável como esse que se está dissolvendo? De outro, como reduzir a corrupção a níveis mínimos?

Depois de tantos anos da Lava Jato, tudo parecia ir bem nesse campo. O papel da política seria interpretar esse sucesso e produzir um conjunto de leis que a completasse. Mas, de repente, uma discussão sobre o destino de Lula no STF põe o rumo em xeque. Voltaríamos ao velho poderoso esquema de corrupção com a impunidade garantida por um sistema judicial?

Tanto um lado como o outro acharam que tudo estaria perdido caso os juízes apontassem em direção contrária à sua expectativa. A verdade é que vitória e derrota nesse julgamento não significam um dado absoluto. O processo continua, deságua nas eleições e está sujeito a recaídas.

O problema central nesse confronto é saber que posição tem mais viabilidade histórica. Controle maior da corrupção, processos mais rápidos e eficazes, a ideia de que a lei vale para todos são elementos de uma tendência mais promissora. É a que aponta para o que existe em países mais avançados, mas isso não significa garantia de vitória. Depende de muito esforço, mas, felizmente, esta semana muitos compreenderam isso.

Foi uma semana de muita tensão. Cármen Lúcia pediu serenidade. Comandantes do Exército e da Aeronáutica se pronunciaram. Houve quem visse nisso tudo um clima de 1964, que precede a intervenção militar. Na verdade, houve uma boa discussão, talvez um pouco longa, talvez um pouco complicada, mas, de qualquer maneira, ficou claro para todos o que estava em jogo.

Alguns juízes que rejeitam o populismo insistem em que não votam pela pressão das ruas. Estão certos. Mas à medida que as discussões se tornam um pouco mais compreensíveis e são transmitidas ao vivo, é inevitável que maior número de pessoas opine, e com argumentos. Ainda que não sejam argumentos rebuscados como os dos juízes, são um forte indício de que as pessoas comuns querem tomar nas suas mãos o destino do País.

Potencialmente, o processo de politização dos últimos anos pode levar a um interesse maior pelas eleições e a uma demanda mais firme por projetos de governo. Quem comemora vitórias nesse caso precisa ser discreto, pois novos e difíceis momentos podem surgir para sustentar o velho esquema de corrupção.

Da mesma forma, quem amarga a derrota deve levar em conta que o campo da esquerda segue forte, apesar de seus erros táticos e estratégicos. Que venha mais uma campanha presidencial. Em outros países, a esta altura ela já seria o centro do debate.

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A rã sábia

Como a onça estivesse para casar-se, os animais todos andavam aos pulos, radiantes, com olho na festa prometida. Só uma velha rã sabidona torcia o nariz àquilo.

O marreco observou-lhe o trejeito e disse:

— Grande enjoada! Que cara feia é essa, quando todos nós pinoteamos alegres no antegozo do festão?

— Por um motivo muito simples — respondeu a rã. Porque nós, como vivemos quietas, a filosofar, sabemos muito da vida e enxergamos mais longe do que vocês. Responda-me a isto: se o sol se casasse e em vez de torrar o mundo sozinho o fizesse ajudado por dona sol e por mais vários sóis filhotes? Que aconteceria?

— Secavam-se todas as águas, está claro.

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— Isto mesmo. Secavam-se as águas e nós, rãs e peixes, levaríamos a breca. Pois calamidade semelhante vai cair sobre vocês. Casa-se a onça, e já de começo será ela e mais o marido a perseguirem os animais. Depois aparecem as oncinhas — e os animais terão que agüentar com a fome de toda a família. Ora, se um só apetite já nos faz tanto mal, que será quando forem três, quatro e cinco?

O marreco refletiu e concordou:

— É isso mesmo…
Monteiro Lobato

Prisioneiros do presente

A Rede Globo vem promovendo uma campanha em que apresenta depoimentos de brasileiros sobre a questão: “O Brasil que eu quero”. Todos manifestam desejos de honestidade, saúde, educação, preservação do meio ambiente. Os institutos de pesquisas dizem que o eleitor busca um presidente capaz de vencer a corrupção, a violência, as desigualdades. Mas ninguém indica qual o caminho para fazer o nosso país ser “como queremos” nem como deve ser seu futuro, no longo prazo, depois que os problemas atuais forem resolvidos.

Nem os eleitores, nem os 15 pré-candidatos a presidente apresentam propostas de “como fazer” para realizar os desejos dos brasileiros, tampouco para onde conduzir o país nas próximas décadas, ao longo do terceiro centenário de nossa Independência. Há um excesso de desejos e de candidatos, mas uma escassez de ideias-força e de propostas para adquirir coesão e construir um rumo.

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A população brasileira quer justiça social, mas, apesar do trágico exemplo venezuelano, ainda não percebe que ela não se constrói sobre uma economia ineficiente. Também não se dá conta de que os recursos, fiscais e naturais, são limitados. Ao deixar de perceber isso, o Brasil não entende que a realização dos sonhos no futuro vai exigir sacrifícios no presente: limitar os gastos com recursos públicos conforme a arrecadação; controlar o crescimento da produção para não ferir o equilíbrio ecológico; e evitar intervenções estatais que desorganizem o funcionamento da economia.

Ainda não faz parte de nossas ideias o entendimento de que a economia do futuro depende do conhecimento técnico e científico capaz de aumentar a produtividade e a criatividade; que não há como distribuir renda que ainda não existe, nem como criá-la sem educação de qualidade para todos.

Parece difícil compreender que o aumento da renda nacional depende da educação de alto nível para aumentar a produtividade. Sem isso, não tem como distribuir renda. O Brasil não tem a convicção de que é preciso impedir o desperdício de cérebros ao negar-lhes educação, principal recurso para fazer o país rico e para distribuir riqueza.

Infelizmente, não faz parte da crença de boa parte dos brasileiros a ideia de fazer nosso país campeão em educação e em produção intelectual na ciência, na tecnologia, na arte e na filosofia, nem que esse é o caminho para fazer o Brasil que queremos. Tampouco a ideia de que nossas crianças devem estudar em escolas com a mesma qualidade, independentemente da renda de seus pais, sejam eles pobres ou ricos.

Os candidatos e os eleitores têm uma identificação nos sonhos, mas, sem limitá-los aos recursos disponíveis, fiscais e naturais, prometem ações sem calcular seus custos, pois não dizem como serão financiados. Ambos parecem ter sonhos para o futuro, mas se mostram prisioneiros do presente.

Cristovam Buarque

Prisão de Lula eleva a faxina a um novo patamar

Autorizado por tribunais da segunda, da terceira e da quarta instância do Judiciário —TRF4, STJ e STF— Sergio Moro decretou a prisão de Lula. Histórico, o despacho do juiz da Lava Jato eleva o combate contra a cleptocracia brasileira a um novo patamar. Vencido esse estágio, o problema passa a ser providenciar companhia para compartilhar com Lula o banho de Sol na carceragem da Polícia Federal de Curitiba.

Aos trancos, a Lava Jato avança. Até ontem, os principais figurões da oligarquia política cultivavam o sonho de que o Supremo Tribunal Federal atrasaria o relógico da história para modificar a regra que permitiu a prisão de condenados em segunda instância. Graças à coerência da ministra Rosa Weber e à sensatez de outros cinco colegas, o Supremo se deu conta de que precisava cuidar dos minutos, porque as horas passam.

Para desassossego de gente como Michel Temer, Aécio Neves e um enorme etcétera, o Supremo negou habeas corpus a Lula e manteve hígida sua própria jurisprudência sobre prisões. Não foi pouca coisa.

Há quatro anos, quando começou a Lava Jato, imaginou-se que a operação jamais chegaria a um ex-presidente do porte de Lula. Chegou. Não reuniria provas. Reuniu. Não condenaria. Condenou. A condenação cairia nos tribunais superiores. Não caiu. Lula jamais seria preso. Será.

Está entendido que, por ora, ninguém está a salvo do braço punitivo do Estado. Bom, muito bom, extraordinário. Que venham os próximos.