domingo, 8 de abril de 2018
E agora, PT?
Com Lula preso, o Partido dos Trabalhadores tende a se tornar um partido médio, como aqueles que orbitam em torno dos governos para ganhar cargos e ocupar funções públicas.
Quem nunca acreditou que o PT pudesse virar um simples partido satélite, é melhor ir se acostumando com a ideia. Lula era, sempre foi, maior que o PT. Uma pena para o PT e para o Brasil, que viu florescer e agora murchar um verdadeiro partido de esquerda, com ideais de inclusão e distribuição de renda importantes para um país em construção como o nosso.
O PT terá de repensar o seu discurso. Como nunca foi radical, a não ser nos últimos dois, três anos, com o cerco a Dilma e seu consequente impeachment e, depois, com o julgamento de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, o PT perdeu este espaço para outros partidos, sobretudo o PSOL. Não fará sentido para o PT, a partir de 2019, fora do governo federal, com uma bancada que deve ser menor que a metade da atual, e com alguns minguados governadores em estados periféricos, continuar com este perfil beligerante contra inimigos que nunca existiram, como o Ministério Público, a Justiça e a Imprensa.
Sobre a Imprensa, aliás, as cenas de agressão de militantes do partido a jornalistas profissionais, como se viu na cobertura da prisão de Lula, é questão de polícia. O PT era um veterano aliado da Imprensa quando estava na oposição. E assim procedeu no início do governo petista, até a eclosão do escândalo do mensalão. Deste momento em diante passou a atacar veículos e jornalistas. No governo, pelas mãos do ex-ministro da Comunicação Franklin Martins, chegou a cogitar a baixar normas que batizou de “controle social da mídia”, mas que na verdade eram simples censura.
Enfim, é este tipo de reação, que significa apenas autodefesa, que precisa mudar. Claro que o PT terá de encontrar novos líderes, fortes e carismáticos para voltar a ter relevância nacional. Nesta próxima eleição, seus 20% a 30% de votos cativos cairão para um patamar bem mais baixo sem Lula. Todos sabem que uma enorme fatia deste eleitorado é, na verdade, de Lula, e não do PT. Tanto que, dos milhões que deixarão de votar no PT sem Lula, uma parcela considerável vai votar em Bolsonaro, a antítese do PT, nem tanto de Lula.
O PT sabe muito bem que sem Lula recuará muito eleitoralmente. Por isso, muito mais do que por solidariedade ao homem que estava sendo encarcerado, os petistas lutaram desesperadamente para manter Lula fora da cadeia. A tal ponto de atentar contra o Supremo Tribunal Federal. Por isso também continuam dizendo que Lula será o candidato do partido mesmo preso. A falta de sensatez desta afirmativa não importa, o que interessa é manter acesa a chama de Lula.
Lula gravou vídeos e fez fotos com inúmeros políticos do PT e de outros partidos de esquerda, como Celso Amorim, Lindberg Farias e Manuela D’Ávila, ao longo do seu exílio dentro do sindicato. Servirão para a campanha de outubro. Outros vídeos que fez, além das imagens dos militantes em frente ao sindicato, serão usados mais adiante, na campanha, caso ele não consiga sair para uma prisão domiciliar antes disso. Significa que o espectro de Lula será usado mesmo com ele encarcerado. O PT teima em não andar sozinho.
O PT terá de repensar o seu discurso. Como nunca foi radical, a não ser nos últimos dois, três anos, com o cerco a Dilma e seu consequente impeachment e, depois, com o julgamento de Lula por corrupção e lavagem de dinheiro, o PT perdeu este espaço para outros partidos, sobretudo o PSOL. Não fará sentido para o PT, a partir de 2019, fora do governo federal, com uma bancada que deve ser menor que a metade da atual, e com alguns minguados governadores em estados periféricos, continuar com este perfil beligerante contra inimigos que nunca existiram, como o Ministério Público, a Justiça e a Imprensa.
Sobre a Imprensa, aliás, as cenas de agressão de militantes do partido a jornalistas profissionais, como se viu na cobertura da prisão de Lula, é questão de polícia. O PT era um veterano aliado da Imprensa quando estava na oposição. E assim procedeu no início do governo petista, até a eclosão do escândalo do mensalão. Deste momento em diante passou a atacar veículos e jornalistas. No governo, pelas mãos do ex-ministro da Comunicação Franklin Martins, chegou a cogitar a baixar normas que batizou de “controle social da mídia”, mas que na verdade eram simples censura.
Enfim, é este tipo de reação, que significa apenas autodefesa, que precisa mudar. Claro que o PT terá de encontrar novos líderes, fortes e carismáticos para voltar a ter relevância nacional. Nesta próxima eleição, seus 20% a 30% de votos cativos cairão para um patamar bem mais baixo sem Lula. Todos sabem que uma enorme fatia deste eleitorado é, na verdade, de Lula, e não do PT. Tanto que, dos milhões que deixarão de votar no PT sem Lula, uma parcela considerável vai votar em Bolsonaro, a antítese do PT, nem tanto de Lula.
O PT sabe muito bem que sem Lula recuará muito eleitoralmente. Por isso, muito mais do que por solidariedade ao homem que estava sendo encarcerado, os petistas lutaram desesperadamente para manter Lula fora da cadeia. A tal ponto de atentar contra o Supremo Tribunal Federal. Por isso também continuam dizendo que Lula será o candidato do partido mesmo preso. A falta de sensatez desta afirmativa não importa, o que interessa é manter acesa a chama de Lula.
Lula gravou vídeos e fez fotos com inúmeros políticos do PT e de outros partidos de esquerda, como Celso Amorim, Lindberg Farias e Manuela D’Ávila, ao longo do seu exílio dentro do sindicato. Servirão para a campanha de outubro. Outros vídeos que fez, além das imagens dos militantes em frente ao sindicato, serão usados mais adiante, na campanha, caso ele não consiga sair para uma prisão domiciliar antes disso. Significa que o espectro de Lula será usado mesmo com ele encarcerado. O PT teima em não andar sozinho.
A eterna aposta do PT no mito
Trinta e oito anos depois de sua fundação, o Partido dos Trabalhadores renova sua aposta em Lula, o ex-operário que chegou à Presidência, hoje um homem condenado à prisão. Em fevereiro de 1980, o partido surgia da convergência entre o sindicalismo emergente, setores progressistas da Igreja católica, intelectuais e militantes de grupos de esquerda derrotados na luta armada contra a ditadura. O sindicalista Luiz Inácio da Silva, o Lula, aparecia como um catalisador da utopia de levar a classe operária ao paraíso. Nascia o mito, criação coletiva desses grupos que projetavam no carismático líder suas aspirações de poder.
Em janeiro de 2003, Lula chegou lá. Com 52.793.364 votos, tomou posse no Planalto. Sobreviveu ao escândalo do mensalão, que começou a ceifar o PT, e foi reeleito em 2006. Deixou o governo em 2011 com a aprovação de 83% dos brasileiros, um recorde histórico. Elegeu e reelegeu sua ministra Dilma Rousseff como sucessora.
Para vencer e governar, suavizou a carranca de sindicalista, aparou a barba, vestiu ternos bem cortados. E uniu-se àqueles que chamava de inimigos, a elite empresarial e os “300 picaretas” no Congresso.
Em 2016, dois anos após o início da Operação Lava-Jato, os efeitos da descoberta dos sofisticados esquemas de corrupção entre o PT e seus novos aliados foram mortais: o partido elegeu 256 prefeitos, menos da metade dos 630 eleitos em 2012. Lula não escapou às denúncias. Na primeira vez que esteve frente a frente com o juiz Sérgio Moro, em maio do ano passado, indicou como enfrentaria processos em série por corrupção — o confronto com a Justiça, a vitimização e uma nova investida eleitoral.
Radicalizou o discurso e adicionou toques de messianismo: “Pensarei pela cabeça de vocês”; “Andarei pelas pernas de vocês”. Confiou na parcela de 37% dos eleitores que, mesmo depois da condenação do petista em segunda instância, em janeiro, declarou o voto no ex-presidente.
Lula jogou todas as fichas na força de sua imagem. Entrincheirou-se num símbolo de sua trajetória, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Cercou-se de militantes e antigos aliados que fizeram vigília desde que o juiz Moro decretou sua prisão, no fim da tarde de quinta-feira. Resistir foi a palavra de ordem. Mas as manifestações restringiram-se aos companheiros de sempre. Aqueles que historicamente gravitam em torno do PT. Revezaram-se ao microfone enquanto negociava-se o roteiro para o ato da prisão.
O momento da perda da liberdade é precioso para a construção da narrativa eleitoral. O PT quer apresentar ao país um homem preso e vítima de perseguição política como candidato ao Planalto. Pretende sustentar a ideia de que eleição sem Lula é uma fraude.
O enredo petista, no entanto, esbarrará em obstáculos concretos — novas possíveis condenações em outros processos da Lava-Jato, por exemplo. E, sobretudo, a impossibilidade legal de levar o ex-presidente até a urna, depois que a Justiça Eleitoral negar-lhe o registro da candidatura, por força da Lei da Ficha Limpa.
Há quarenta anos Lula é personagem central no país. Cresceu à frente do PT pregando ética e honestidade. O envolvimento com o mensalão e a Lava-Jato desconstruiu esse discurso e igualou os petistas e seu líder aos demais partidos e políticos que combatiam. Refazer as pontes que os levaram ao poder poderá exigir bem mais do que a imagem do mito encarcerado.
Em janeiro de 2003, Lula chegou lá. Com 52.793.364 votos, tomou posse no Planalto. Sobreviveu ao escândalo do mensalão, que começou a ceifar o PT, e foi reeleito em 2006. Deixou o governo em 2011 com a aprovação de 83% dos brasileiros, um recorde histórico. Elegeu e reelegeu sua ministra Dilma Rousseff como sucessora.
Para vencer e governar, suavizou a carranca de sindicalista, aparou a barba, vestiu ternos bem cortados. E uniu-se àqueles que chamava de inimigos, a elite empresarial e os “300 picaretas” no Congresso.
Radicalizou o discurso e adicionou toques de messianismo: “Pensarei pela cabeça de vocês”; “Andarei pelas pernas de vocês”. Confiou na parcela de 37% dos eleitores que, mesmo depois da condenação do petista em segunda instância, em janeiro, declarou o voto no ex-presidente.
Lula jogou todas as fichas na força de sua imagem. Entrincheirou-se num símbolo de sua trajetória, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Cercou-se de militantes e antigos aliados que fizeram vigília desde que o juiz Moro decretou sua prisão, no fim da tarde de quinta-feira. Resistir foi a palavra de ordem. Mas as manifestações restringiram-se aos companheiros de sempre. Aqueles que historicamente gravitam em torno do PT. Revezaram-se ao microfone enquanto negociava-se o roteiro para o ato da prisão.
O momento da perda da liberdade é precioso para a construção da narrativa eleitoral. O PT quer apresentar ao país um homem preso e vítima de perseguição política como candidato ao Planalto. Pretende sustentar a ideia de que eleição sem Lula é uma fraude.
O enredo petista, no entanto, esbarrará em obstáculos concretos — novas possíveis condenações em outros processos da Lava-Jato, por exemplo. E, sobretudo, a impossibilidade legal de levar o ex-presidente até a urna, depois que a Justiça Eleitoral negar-lhe o registro da candidatura, por força da Lei da Ficha Limpa.
Há quarenta anos Lula é personagem central no país. Cresceu à frente do PT pregando ética e honestidade. O envolvimento com o mensalão e a Lava-Jato desconstruiu esse discurso e igualou os petistas e seu líder aos demais partidos e políticos que combatiam. Refazer as pontes que os levaram ao poder poderá exigir bem mais do que a imagem do mito encarcerado.
Piores momentos
O PT, a esquerda em geral e o próprio Lula imaginavam, talvez, uma despedida com mais cara de cinema, ou pelo menos de novela de televisão. O problema, como sempre acontece, é que esses planos bonitos exigem coragem para ser colocados em prática. E onde encontrar coragem, na hora de enfrentar a dureza? Nada de Salvador Allende e de sua heroica resistência até a morte, no Palácio de La Moneda em Santiago do Chile, onde enfrentou à bala a tropa do exército chileno que veio prendê-lo. Allende? Imaginem. O que o brasileiro viu pela televisão, durante as vinte e tantas horas de tumulto que se seguiram ao prazo concedido para o ex-presidente se apresentar à prisão, foi um homem confuso, vacilante, amedrontado, tentando pequenas espertezas – nada que lembrasse um líder em modo de “resistência”. Uma hora parecia querer uma coisa. Dali dez minutos estava querendo o contrário. Sua “trincheira” durante as horas que antecederam a prisão, o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, não era uma trincheira de verdade. Entravam engradados de cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco. E que trincheira é esta, que só resiste porque a tropa do outro lado não aparece? Lula, mais uma vez, ficou fingindo que queria briga – mas amarelou, como sempre, na hora em que teria mesmo de ir para o pau.
O único gesto do ex-presidente e o seu entorno foi aproveitar a moleza da polícia encarregada de prendê-lo para dar a impressão de que ele se “recusava” a ser preso. Não se recusava coisa nenhuma – só ficou entocado dentro do prédio porque a Polícia Federal não foi buscá-lo. Que valentia existe nisso? O que houve de verdade, na vida real, foi o arrasta-pé de um político assustado, sem ação e obcecado com a própria pele, escondendo-se atrás da moita para ver se a confusão passa e ele pode sair ao céu aberto. As últimas horas que Lula passou em seu esconderijo, antes de tomar o avião que enfim o levou já preso para Curitiba, deixaram claro, também, que nem ele e nem toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo. Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse expedida, realmente, uma ordem de prisão contra ele; não conseguiam acreditar, simplesmente, no que estava acontecendo. Lula e o PT contavam, isto sim, com os escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF. Contavam com um Marco Aurélio, Lewandovski ou Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no tapetão. Contavam com qualquer coisa – menos a ordem de prisão que acabou por levá-lo ao xadrez da Laja Jato. Na hora que a realidade teve de ser encarada, entraram em parafuso.
O final desta comédia foi uma tristeza. Durante um dia inteiro, e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar. Às vezes, nas imagens aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada. Mas assim que o helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização do povo brasileiro para defender Lula era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista. Nem em Santo André, ou São Caetano, ou no resto do Brasil. A população estava trabalhando. No carro de som, falando para si próprios, sucediam-se dinossauros velhos e novos, de Luisa Erundina a Manoela D’Ávila, gritando coisas desconexas. Ninguém, ali, tinha qualquer relação com o mundo do trabalho. Nem na plateia, formada por sindicalistas, desocupados ou professores que faltaram ao serviço, com a coragem de quem não pode ser demitido do emprego. Dentro do prédio Lula limitou-se a não resolver nada, cercado por um cardume de puxa-sacos e mediocridades. Não havia, na hora máxima, ninguém de valor, mérito ou boa reputação em torno dele – só os serviçais de sempre, gente que sabe gritar, sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é capaz de ter uma única ideia ou fazer uma sugestão que preste. Como o nosso grande líder de massas pode acabar cercado, numa hora dessas, por figuras como Gleisi Hoffman e Eduardo Suplicy? Muita coisa, positivamente, deu muito errado.
O heroísmo da “resistência” de Lula acabou limitado à agressão de um infeliz que despertou a ira dos “militantes” e foi surrado até acabar no hospital com traumatismo craniano. Ou à depredação no prédio da ministra Carmen Lucia em Belo Horizonte, mais pixações aqui e ali. Quanto ao próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a hora de entregar os pontos — depois de fingir que “não estava conseguindo” se render por causa de um tumulto barato encenado pela turma que cercava o sindicato. Esperou escurecer para não ser preso à noite, no dia seguinte inventou uma espécie de missa, um discurso que não acabava mais, um almoço “com parentes” e, por fim, armou a farsa do tal bloqueio dos portões de saída por parte dos seus “apoiadores”, o que o “impediria” de se entregar. Chegou ao limite extremo da irresponsabilidade, mais uma vez – e só quando não deu para continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos, embarcou no camburão da PF, e depois, no avião rumo à Curitiba. No tal discurso, com frases mal copiadas de Martin Luther King, chegou a dizer que é a favor – isso mesmo, a favor – da Lava Jato, depois de passar os últimos dois anos fazendo os ataques mais enfurecidos contra a operação anti-corrupção. Agora, na hora de ir para a cadeia, diz que é contra a roubalheira, e que só está preso por causa “da imprensa” – o que, além de falso, é mais uma demonstração de que está cuspindo no prato no qual tem comido há anos. Afirmou, enfim, que estava indo para a “prisão deles”. Mentira. Não é prisão deles. É do Brasil inteiro e do sistema legal que ainda existe por aqui.
A história está cheia de políticos que crescem com a própria prisão. Não foi o caso de Lula.
Gente fora do mapa
Sudanesa Dêem, da tribo Dinka, trabalha com o gado, cozinheira e faxineira. Ajuda seu irmão e não vai a nenhuma escola em Mingkaman, (Sudão do Sul) |
Lamentar ou celebrar a prisão de Lula?
Já depois da ordem de prisão, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmou que “aqueles que têm responsabilidade pública, em qualquer nação, não podem celebrar a ordem de prisão de um ex-presidente da República”. Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e pré-candidato tucano à Presidência, disse que “é lamentável ver a decretação da prisão de um ex-presidente”. Mas, enfim, o que há para lamentar e o que há para celebrar? Em que medida a condenação de Lula “mancha a imagem do país”?
Há muito, sim, para lamentar. O fato de alguém ter usado o mais alto cargo do país para promover negociatas e enormes esquemas de corrupção, ainda mais quando o objetivo é fraudar a democracia para conseguir a perpetuação de um projeto de poder partidário, é profundamente lamentável. E, para alguém como um presidente (ou ex-presidente) da República agir dessa forma, mesmo sendo o centro das atenções em um país, é preciso ter um profundo desprezo pela Justiça e pelas instituições responsáveis pela investigação criminal. Desprezo este que consiste em considerá-las incapazes – por incompetência ou, pior, por cumplicidade – de alcançar os envolvidos e, especialmente, os chefes dos esquemas de corrupção. Que o detentor do cargo mais importante do país despreze dessa forma as instituições democráticas também é lamentável. E apenas nesse sentido se pode dizer que a condenação e a prisão de Lula são “lamentáveis”: porque elas são evidência acachapante de que a rapinagem prospera mesmo nos mais altos escalões do governo.
E também há muito para celebrar, a começar pelo fato de um corrupto condenado finalmente estar sendo punido – o que, aliás, deveria ser o destino natural de qualquer criminoso. Especialmente quando esse corrupto é um ex-presidente da República, ou seja, uma pessoa poderosa e influente, o tipo de pessoa que, algum tempo atrás, seria praticamente intocável em nossa República altamente personalista. Ninguém está pretendendo que a prisão de Lula seja o divisor de águas a partir do qual a corrupção está extinta no Brasil, mas não se pode negar que ela é um sinal potente de que estamos evoluindo para um país onde a lei efetivamente vale para todos.
Nossa imagem sai manchada com Lula na cadeia? É quase certo que não. Alguém diria que a imagem da França saiu manchada quando o ex-presidente Nicolas Sarkozy foi preso – ainda que temporariamente – não uma, mas duas vezes, em 2014 e em 2018, respectivamente por tráfico de influência e por ter recebido financiamento ilegal do ditador líbio Muamar Kadafi durante uma campanha eleitoral? Ou que a imagem de Portugal foi arranhada quando o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi preso por corrupção, fraude fiscal, lavagem de dinheiro e tráfico de influência? Na Coreia do Sul, a ex-presidente Park Geun-hye acabou de ser condenada a 24 anos de prisão por corrupção – e, antes dela, dois ex-chefes de Estado daquele país já tinham sido presos pelo mesmo motivo, na década de 90. O ex-premiê Silvio Berlusconi coleciona condenações judiciais, e, se a Itália ainda é vista como um país marcado pela corrupção, isso ocorre apesar das condenações, não por causa delas. O que suja um país é a roubalheira que termina em pizza, não a punição dos ladrões. Manchados estaríamos se, depois de todas as evidências apresentadas ao longo destes anos, Lula seguisse impune.
Que as instituições falem
Condenado com prisão decretada que descumpre decisão judicial por 26 horas. Ministro do Supremo que diz que os colegas não têm pedigree. Senadores da República que incitam militantes a reagirem à polícia. A semana terminou em clima de histeria e de perigoso flerte do Brasil com a desinstitucionalização. E não, isso não foi obra do juiz Sérgio Moro, como tentaram fazer crer os personagens envolvidos nas quizilas acima.
A ordem de prisão de Lula foi decretada por Moro em seguida a um ofício do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Que, por sua vez, se manifestou após decisão por 6 votos a 5 do Supremo Tribunal Federal negando habeas corpus a Lula. Essa decisão veio depois de outras, em caráter unânime, do Superior Tribunal de Justiça e do mesmo TRF-4. Que, por sua vez, confirmou e ampliou sentença de Moro.
De baixo para cima e de cima de novo para baixo, toda a correia de transmissão do Poder Judiciário brasileiro foi acionada mais de uma vez nesse processo. Todos esses gatilhos foram puxados pela defesa de Lula, que por sua vez é exercida por pelo menos três escritórios de advocacia estrelados.
Não há prisão arbitrária por parte de Moro, e a tentativa de transformar o juiz em um vilão, encabeçada por Lula e endossada não só pelos líderes de torcida de Lula no Parlamento, mas, lamentavelmente, por Gilmar Mendes, um representante da mais alta Corte do País, faz parte da narrativa petista de vitimização de um condenado por crimes comuns do colarinho branco. A saber: corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Esses crimes foram apurados por policiais federais, a partir de perícias, depoimentos, colaborações judiciais, buscas e apreensões. Foram ouvidas inúmeras testemunhas. O Ministério Público ofereceu denúncia. A defesa só não recorreu ao Papa, pois até a ONU foi acionada, no melhor estilo Odorico Paraguaçu de teatro mambembe.
Como se falar em supressão de direitos diante deste quadro?
Nesse ínterim, Lula depôs, viajou o País, deu entrevistas, visitou acampamentos do MST, subiu em caminhões de som. Falou pelos cotovelos. Deu entrevistas a tantos veículos quanto aceitou, dentro do seu rol de imprensa não golpista. Preso político? Onde? Em que mundo vive quem repete tal estultice? E o faz sem enrubescer.
Chega de pantomima bufa. Cabe a Lula aceitar a determinação da Justiça e cumpri-la, como todo e qualquer cidadão brasileiro a quem são imputados crimes. O STF entendeu na última semana que vale para ele a jurisprudência vigente, segundo a qual a execução provisória da pena deve se dar a partir da condenação em segunda instância. Como, aliás, acontece na maior parte do mundo democrático e civilizado, onde a impunidade não é um direito adquirido dos poderosos.
Enquanto engana um público cada vez mais reduzido com o figurino da vítima, Lula age, ainda agora, como chefe de um bando. Seus seguidores insuflaram a violência, ele zombou da Justiça, promoveu um showmissa em “memória” da mulher, Marisa Letícia, se escondeu atrás de um biombo humano de políticos e militantes para não cumprir a ordem de se apresentar à Polícia Federal e mostrou, uma vez mais, que quer para si uma lei própria, uma Justiça personalíssima e vassalagem de um povo ao qual prometeu igualdade de oportunidades e entregou Dilma Rousseff, a maior recessão da história e uma roubalheira generalizada incrustada em todo o aparelho estatal, em conluio com empresários amigos em troca de propina.
Trocar a nudez das revelações da Lava Jato, consignadas em horas e horas de vídeos de depoimentos com confissões dos participantes do banquete com dinheiro público, pelo cordel barato do líder popular perseguido pelo juiz implacável é legitimar uma farsa. Que as instituições falem mais alto.
Trancado em seus rancores, Lula perdeu o faro
Inconformado com o roteiro que Sergio Moro preparou para o seu ocaso, Lula se autoconcedeu um último privilégio antes de se entregar à Polícia Federal: com desembaraço autocrático, o líder máximo do PT escolheu seu próprio caminho para o inferno. Trancado em seus rancores, Lula perdeu o faro. No intervalo de um dia e meio, produziu três desastres:
1) Bunker sindical: A pretexto de estimular o movimento “Lula livre”, o condenado aprisionou-se no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, seu berço político. Foi como se viajasse até o passado num túnel do tempo. A volta às origens denunciou, por assim dizer, o isolamento político de Lula. Fora do prédio, uma multidão de militantes devotos. Nem sinal da classe média que guindou o ex-operário ao Planalto.
Dentro do bunker, além dos áulicos petistas, havia dois presidenciáveis que, mesmo não tendo votos, descartam a ideia de se coligar com o petismo: Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). Ciro Gomes (PDT), que sonha com uma vaga no segundo turno da disputa presidencial, preferiu não dar as caras. Solidarizou-se à distância. A autoproclamada esquerda já não se reúne nem no cárcere.
Mal acomodado, Lula perdeu o sono na sala da presidência do sindicato. No meio do dia, faltou água na prisão sindical. Foi necessário chamar o caminhão-pipa. Na sala especial que Moro mandou a Polícia Federal preparar para hospedá-lo em Curitiba, Lula terá mais conforto.
2) Afronta ao Judiciário: Sem discutir em profundidade os prós e contras, Lula participou de uma coreografia concebida para sapatear sobre a autoridade de Sergio Moro. Respondeu com grosserias às gentilezas do juiz da Lava Jato, que lhe ofereceu condições especiais para se apresentar à polícia sem constrangimentos.
O diabo é que a sentença que condenou Lula não é mais de Sergio Moro, mas do Judiciário. O TRF-4 confirmou o veredicto, aumentando a pena para 12 anos e 1 mês. O STJ indeferiu um par de habeas corpus solicitados pela defesa de Lula. O STF também mandou um habeas corpus ao arquivo. E há outro sobre a mesa do ministro Edson Fachin.
Se a coleção de derrotas judiciais revela alguma coisa é o seguinte: a agressividade de Lula e seus defensores revelou-se o caminho mais curto para a condenação. Há na fila mais meia dúzia de ações penais contra Lula. Uma segunda condenação já está no forno. E Lula continua aferrado à máxima segundo a qual é errando que se aprende… A errar.
3) Insanidade companheira: Dias depois de se queixar dos ovos, pedras, tiros e bloqueios de rodovias que atazanaram a passagem de sua caravana pelos Estados do Sul, Lula acendeu um pavio que inspirou desatinos em série. Os sem-terra e os sem-juízo bloquearam algo como 50 rodovias no país.
Agredido por um petista na frente do Instituto Lula, um manifestante pró-Lava Jato deu entrada no hospital com traumatismo craniano. Defronte do sindicato de São Bernardo, militantes arremessaram ovos em jornalistas.
Suprema insensatez: Em Belo Horizonte, um grupo criminoso a serviço do “exército” do Stédile tingiu de vermelho parte da fachada do edifício onde a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, tem um apartamento.
Ainda não se ouviu o repúdio do PT às agressões companheiras. Nessa matéria, Lula e seu partido especializaram-se em tocar trombone sob um imenso telhado de vidro. Avaliam que o radicalismo troglodita no patrimônio e no direito de ir e vir dos outros é refresco. Ainda não se deram conta do risco que o PT corre de encolher nas urnas de 2018.
1) Bunker sindical: A pretexto de estimular o movimento “Lula livre”, o condenado aprisionou-se no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, seu berço político. Foi como se viajasse até o passado num túnel do tempo. A volta às origens denunciou, por assim dizer, o isolamento político de Lula. Fora do prédio, uma multidão de militantes devotos. Nem sinal da classe média que guindou o ex-operário ao Planalto.
Dentro do bunker, além dos áulicos petistas, havia dois presidenciáveis que, mesmo não tendo votos, descartam a ideia de se coligar com o petismo: Manuela D’Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). Ciro Gomes (PDT), que sonha com uma vaga no segundo turno da disputa presidencial, preferiu não dar as caras. Solidarizou-se à distância. A autoproclamada esquerda já não se reúne nem no cárcere.
Mal acomodado, Lula perdeu o sono na sala da presidência do sindicato. No meio do dia, faltou água na prisão sindical. Foi necessário chamar o caminhão-pipa. Na sala especial que Moro mandou a Polícia Federal preparar para hospedá-lo em Curitiba, Lula terá mais conforto.
2) Afronta ao Judiciário: Sem discutir em profundidade os prós e contras, Lula participou de uma coreografia concebida para sapatear sobre a autoridade de Sergio Moro. Respondeu com grosserias às gentilezas do juiz da Lava Jato, que lhe ofereceu condições especiais para se apresentar à polícia sem constrangimentos.
O diabo é que a sentença que condenou Lula não é mais de Sergio Moro, mas do Judiciário. O TRF-4 confirmou o veredicto, aumentando a pena para 12 anos e 1 mês. O STJ indeferiu um par de habeas corpus solicitados pela defesa de Lula. O STF também mandou um habeas corpus ao arquivo. E há outro sobre a mesa do ministro Edson Fachin.
Se a coleção de derrotas judiciais revela alguma coisa é o seguinte: a agressividade de Lula e seus defensores revelou-se o caminho mais curto para a condenação. Há na fila mais meia dúzia de ações penais contra Lula. Uma segunda condenação já está no forno. E Lula continua aferrado à máxima segundo a qual é errando que se aprende… A errar.
3) Insanidade companheira: Dias depois de se queixar dos ovos, pedras, tiros e bloqueios de rodovias que atazanaram a passagem de sua caravana pelos Estados do Sul, Lula acendeu um pavio que inspirou desatinos em série. Os sem-terra e os sem-juízo bloquearam algo como 50 rodovias no país.
Agredido por um petista na frente do Instituto Lula, um manifestante pró-Lava Jato deu entrada no hospital com traumatismo craniano. Defronte do sindicato de São Bernardo, militantes arremessaram ovos em jornalistas.
Suprema insensatez: Em Belo Horizonte, um grupo criminoso a serviço do “exército” do Stédile tingiu de vermelho parte da fachada do edifício onde a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, tem um apartamento.
Ainda não se ouviu o repúdio do PT às agressões companheiras. Nessa matéria, Lula e seu partido especializaram-se em tocar trombone sob um imenso telhado de vidro. Avaliam que o radicalismo troglodita no patrimônio e no direito de ir e vir dos outros é refresco. Ainda não se deram conta do risco que o PT corre de encolher nas urnas de 2018.
Nos braços do povo, com destino à cadeia
A história universal está repleta de extraordinários e bem-sucedidos manipuladores de fatos – e não vale a pena, aqui, citar alguns para não sermos injustos com os outros.
A história do Brasil, não. Talvez porque ela ainda seja tão curta. E porque os manipuladores só funcionam bem quando podem se expressar livremente e para grandes plateias, experiência recente por estas bandas.
Com certeza, Lula foi o mais hábil manipulador de fatos que jamais conhecemos, e que agora sai de cena carregado por seu povo em direção à cadeia onde deverá mofar por um longo tempo.
Não importa que passe à História, mas não só, como o primeiro presidente da República do Brasil que foi condenado por roubar e deixar que roubassem, e que por isso acabou condenado e preso.
Para ele e os seus, sempre será a pessoa mais honesta do mundo, abaixo, se tanto, de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas somente dele, perseguido injustamente como Ele, igualmente martirizado, vítima de suas ideias.
Para lá do que mais possa ser dito sobre Lula, e sem a pretensão de dizer nada de original, digo que a “Comissa” (comício + missa = comissa) foi um espetáculo circense bem pensado e bem produzido por ele.
Lula foi seu melhor marqueteiro. Os baianos Duda Mendonça e João Santana, por exemplo, não passaram de seus coadjuvantes. De meros aprendizes do gênio.
Nada faltou na “Comissa” – de padres contritos a bispo mestre de cerimônia, especialmente escalado para afirmar antes de Lula que 50% do “golpe” foi para tirar Dilma do poder, 50% para impedir a volta de Lula.
Foi a “deixa” para que Lula repetisse o discurso aperfeiçoado passo a passo desde que se tornou alvo da Lava Jato. O discurso é sua carta-testamento não dirigida aos brasileiros, mas aos militantes do PT.
Não foi o “estadista” que a escreveu porque Lula nunca se comportou como tal, e lhe falta estatura para isso. Foi o presidente de um partido em apuros, ele e o seu partido, quem a escreveu como um pedido de socorro.
Ao legado de Lula, se juntará a contribuição involuntária dada por ele no seu último minuto de glória à consolidação da democracia entre nós. Que frágil democracia veria sem sobressaltos o que viu em cores e ao vivo?
Vá em paz, Lula, se puder. E que o Senhor misericordioso o acompanhe. Amém!
(Em tempo: nada de ressuscitar.)
A história do Brasil, não. Talvez porque ela ainda seja tão curta. E porque os manipuladores só funcionam bem quando podem se expressar livremente e para grandes plateias, experiência recente por estas bandas.
Com certeza, Lula foi o mais hábil manipulador de fatos que jamais conhecemos, e que agora sai de cena carregado por seu povo em direção à cadeia onde deverá mofar por um longo tempo.
Para ele e os seus, sempre será a pessoa mais honesta do mundo, abaixo, se tanto, de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas somente dele, perseguido injustamente como Ele, igualmente martirizado, vítima de suas ideias.
Para lá do que mais possa ser dito sobre Lula, e sem a pretensão de dizer nada de original, digo que a “Comissa” (comício + missa = comissa) foi um espetáculo circense bem pensado e bem produzido por ele.
Lula foi seu melhor marqueteiro. Os baianos Duda Mendonça e João Santana, por exemplo, não passaram de seus coadjuvantes. De meros aprendizes do gênio.
Nada faltou na “Comissa” – de padres contritos a bispo mestre de cerimônia, especialmente escalado para afirmar antes de Lula que 50% do “golpe” foi para tirar Dilma do poder, 50% para impedir a volta de Lula.
Foi a “deixa” para que Lula repetisse o discurso aperfeiçoado passo a passo desde que se tornou alvo da Lava Jato. O discurso é sua carta-testamento não dirigida aos brasileiros, mas aos militantes do PT.
Não foi o “estadista” que a escreveu porque Lula nunca se comportou como tal, e lhe falta estatura para isso. Foi o presidente de um partido em apuros, ele e o seu partido, quem a escreveu como um pedido de socorro.
Ao legado de Lula, se juntará a contribuição involuntária dada por ele no seu último minuto de glória à consolidação da democracia entre nós. Que frágil democracia veria sem sobressaltos o que viu em cores e ao vivo?
Vá em paz, Lula, se puder. E que o Senhor misericordioso o acompanhe. Amém!
(Em tempo: nada de ressuscitar.)
Ditadura do mercado
A diferença (entre a ditadura e o capitalismo) é que não é a ditadura como nós conhecemos. É o que eu chamo de "capitalismo autoritário". A ditadura tinha cara, e nós dizíamos é aquela, ou aqueles militares, o Hitler, o Franco, o Pinochet, mas agora não tem cara. E como não tem cara não sabemos contra quem lutar.
Não há contra quem lutar. O mercado não tem cara, só tem nome. Está em toda a parte e não podemos identificá-lo, dizer "és tu". Mesmo as pessoas que lutaram contra a ditadura, entrando na democracia acham que não têm mais que lutar. E os problemas estão todos aí. O mercado pode tornar-se uma ditaduraJosé Saramago
Senzala moderna
Você é contra a escravidão. Eu também sou. Você tem pena dos escravos. Eu também tenho. Mas isso não basta - afinal, como dizia Josh Billings, "ter dó não custa nem vale nada". A propósito, dia desses assisti a um documentário sobre as condições de trabalho (eu disse trabalho?) nas fábricas que produzem algumas engenhocas eletrônicas que usamos.
Pense em uma jovem recordando os sonhos que a levaram, aos 14 anos de idade, a trabalhar em um dos campos de concentração, digo, em uma moderna empresa - ela é, segundo consta, uma dentre estimadas 12 milhões de chinesas que saem de suas casas para "ganhar a vida".
"Meu dia de trabalho começava às 08:00 e encerrava às 23:00. Não havia feriados. Eu só tinha uma noite livre por mês", declarou esta escrava, digo, funcionária. Sua função era limpar alguns componentes de telefones celulares.
Segundo consta, esta limpeza era feita com álcool até que alguém descobriu que solventes à base de benzeno evaporariam mais rapidamente, tornando a linha de produção mais ágil. O problema é ser este componente comprovadamente cancerígeno. Mas… e daí? "Não havia ventilação, não havia janelas. No início, o cheiro era horrível, mas logo me acostumei a ele", prosseguiu.
Esta pobre moça, assim como tantas outras, contraiu, como seria de se esperar, leucemia. Segundo consta, de acordo com estatísticas do próprio governo chinês, a cada cinco horas uma pessoa é envenenada por produtos químicos naquele país - a maioria por benzeno. Em seguida, o documentário exibe diversos jovens na mesma situação. Muitos deles morreriam antes mesmo de concluída a produção do filme.
A informação seguinte é especialmente chocante: "um aparelho eletrônico livre de benzeno custaria aos consumidores menos de US$ 1 a mais". Eis aí, de forma crua, o quanto vale uma vida humana neste princípio de milênio.
A propósito, um outro recente documentário, produzido pela BBC, revelou que, dos US$ 650 cobrados por um moderno celular, US$ 248 são lucro e US$ 5 - sim, apenas cinco dólares - relativos a mão de obra.
Omiti, propositadamente, o nome da marca. Afinal, segundo denunciado, são praticamente todas. Eis aí, em verdade, uma questão superior, a ser apurada e tratada, antes de tudo, pelos Estados, Brasil incluído, através de suas instituições. Que tal cobrarmos isso?
Pedro Valls Feu Rosa
"Meu dia de trabalho começava às 08:00 e encerrava às 23:00. Não havia feriados. Eu só tinha uma noite livre por mês", declarou esta escrava, digo, funcionária. Sua função era limpar alguns componentes de telefones celulares.
Segundo consta, esta limpeza era feita com álcool até que alguém descobriu que solventes à base de benzeno evaporariam mais rapidamente, tornando a linha de produção mais ágil. O problema é ser este componente comprovadamente cancerígeno. Mas… e daí? "Não havia ventilação, não havia janelas. No início, o cheiro era horrível, mas logo me acostumei a ele", prosseguiu.
Esta pobre moça, assim como tantas outras, contraiu, como seria de se esperar, leucemia. Segundo consta, de acordo com estatísticas do próprio governo chinês, a cada cinco horas uma pessoa é envenenada por produtos químicos naquele país - a maioria por benzeno. Em seguida, o documentário exibe diversos jovens na mesma situação. Muitos deles morreriam antes mesmo de concluída a produção do filme.
A informação seguinte é especialmente chocante: "um aparelho eletrônico livre de benzeno custaria aos consumidores menos de US$ 1 a mais". Eis aí, de forma crua, o quanto vale uma vida humana neste princípio de milênio.
A propósito, um outro recente documentário, produzido pela BBC, revelou que, dos US$ 650 cobrados por um moderno celular, US$ 248 são lucro e US$ 5 - sim, apenas cinco dólares - relativos a mão de obra.
Omiti, propositadamente, o nome da marca. Afinal, segundo denunciado, são praticamente todas. Eis aí, em verdade, uma questão superior, a ser apurada e tratada, antes de tudo, pelos Estados, Brasil incluído, através de suas instituições. Que tal cobrarmos isso?
Pedro Valls Feu Rosa
Uma liquefação política
Termina em liquefação um longo ciclo político, e com o personagem central vivo.
O prelúdio foi no 7 de abril de 1978. Naquela sexta-feira, Claudio Hummes, bispo de Santo André (SP), peregrinou por sua diocese coletando doações — comida e dinheiro — para os operários metalúrgicos do cinturão industrial do ABC paulista.
Completavam a primeira semana de uma greve inédita, em desafio ao confisco salarial sustentado pelo regime militar. Na liderança emergia um ex-torneiro mecânico que migrara para a burocracia sindical, Luiz Inácio da Silva.
Na sexta-feira à noite, quatro décadas depois, Lula insistia em reescrever o epílogo policialesco da sua biografia política. Refugiou-se no berço sindical que o embalou à Presidência da República, dramatizando a resistência à mudança de endereço imposta pela Justiça — do quarteirão edificado do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, para uma cela de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
No decreto de prisão de Lula tem-se o marco da dissolução não apenas do projeto que ele encarnou, mas de toda a geração política que o acompanhou, no mesmo palanque ou na oposição.
Sinaliza uma inflexão à impunidade, com reflexos diretos no modo de fazer política, nas relações das empresas com o governo e o Congresso, e também do Judiciário com a sociedade. O centro da resistência às mudanças continua instalado na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Ex-presidente e sem foro especial, Lula viu o desfecho do caso em velocidade recorde, se comparado aos processos de políticos privilegiados com o remanso do foro no Supremo.
Ainda não houve julgamento de nenhum dos 78 senadores, deputados ou ministros denunciados no STF desde março de 2015 por envolvimento nas roubalheiras reveladas pela Lava-Jato. Porém, há seis meses os juízes desse tribunal discutem em público e no plenário formas de lustrar seu poder sobre o desfecho desses processos — desde a validação das delações premiadas até o significado conceitual de "trânsito em julgado" e a instância de sua resolução.
O drama construído na prisão de Lula contém outro aspecto relevante: a fragilidade das forças autodenominadas de esquerda, que se mantêm reféns do velho líder e não conseguem vislumbrar o futuro além do horizonte da Rua Professora Sandália Monzon, Bairro Santa Cândida, Curitiba — endereço da cela reservada para Lula.
José Casado
O prelúdio foi no 7 de abril de 1978. Naquela sexta-feira, Claudio Hummes, bispo de Santo André (SP), peregrinou por sua diocese coletando doações — comida e dinheiro — para os operários metalúrgicos do cinturão industrial do ABC paulista.
Completavam a primeira semana de uma greve inédita, em desafio ao confisco salarial sustentado pelo regime militar. Na liderança emergia um ex-torneiro mecânico que migrara para a burocracia sindical, Luiz Inácio da Silva.
Na sexta-feira à noite, quatro décadas depois, Lula insistia em reescrever o epílogo policialesco da sua biografia política. Refugiou-se no berço sindical que o embalou à Presidência da República, dramatizando a resistência à mudança de endereço imposta pela Justiça — do quarteirão edificado do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, para uma cela de 15 metros quadrados na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.
No decreto de prisão de Lula tem-se o marco da dissolução não apenas do projeto que ele encarnou, mas de toda a geração política que o acompanhou, no mesmo palanque ou na oposição.
Sinaliza uma inflexão à impunidade, com reflexos diretos no modo de fazer política, nas relações das empresas com o governo e o Congresso, e também do Judiciário com a sociedade. O centro da resistência às mudanças continua instalado na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Ex-presidente e sem foro especial, Lula viu o desfecho do caso em velocidade recorde, se comparado aos processos de políticos privilegiados com o remanso do foro no Supremo.
Ainda não houve julgamento de nenhum dos 78 senadores, deputados ou ministros denunciados no STF desde março de 2015 por envolvimento nas roubalheiras reveladas pela Lava-Jato. Porém, há seis meses os juízes desse tribunal discutem em público e no plenário formas de lustrar seu poder sobre o desfecho desses processos — desde a validação das delações premiadas até o significado conceitual de "trânsito em julgado" e a instância de sua resolução.
O drama construído na prisão de Lula contém outro aspecto relevante: a fragilidade das forças autodenominadas de esquerda, que se mantêm reféns do velho líder e não conseguem vislumbrar o futuro além do horizonte da Rua Professora Sandália Monzon, Bairro Santa Cândida, Curitiba — endereço da cela reservada para Lula.
José Casado
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