Morrerão 44.545 brasileiros de Covid nos meses de janeiro e fevereiro do ano que vem, mantida a média atual de 775 óbitos registrados em 24 horas. Muitas destas pessoas poderiam ser salvas se o governo de Jair Bolsonaro não fosse negacionista e, por consequência, deliberadamente ineficiente. O Ministério da Saúde anunciou que vai iniciar a vacinação no Brasil apenas em março, acrescentando que somente um terço dos brasileiros serão imunizados em 2021. Além disso, descartou três das quatro vacinas que foram testadas no Brasil.
Difícil dizer quantas exatamente, mas muitas das dezenas de milhares de mortes que vão ocorrer nos primeiros meses do ano que vem devem ser atribuídas às estúpidas diretrizes políticas de Bolsonaro, obedecidas cegamente pelo imprevidente ministro Eduardo Pazuello. Se a vacinação começar na verdade somente no final de março ou no início de abril, como informam fontes do Ministério da Saúde, o número de mortos até que se comece o processo de imunização vai passar dos 65 mil. O lamentável é que o mais provável seja mesmo o pior cenário, dada a estupenda inoperância governamental.
A Inglaterra começa a vacinação muito provavelmente antes do Natal. Outros países europeus iniciam o processo massivo de imunização na primeira semana de janeiro. Na Argentina, do “inimigo” Alberto Fernández, a vacinação começa na primeira quinzena de janeiro. Também México, Chile, Peru e Costa Rica, para ficar apenas aqui na nossa região, começam a vacinar suas populações entre o fim de dezembro e o início de janeiro de 2021. Todos estes países compraram a vacina do laboratório Pfizer, que o governo brasileiro se recusa a considerar alegando que a estocagem a temperaturas muito baixas é complicada. No Equador deve ser mais complicado que aqui, mas lá também as vacinas da Pfizer começarão a ser administradas em janeiro.
Além do negacionismo declarado de Jair Bolsonaro, seus subalternos dobram-se à sua orientação ou são demitidos, como foram Luiz Mandetta e Nelson Teich. Por isso, o ministro Pazuello, um general que temporariamente tirou a farda mas jamais conseguirá vestir um avental, fala e faz apenas o que seu chefe mandar. “Obedece quem tem juízo”, disse o desajuizado general que, indo pela cabeça do presidente, trabalha contra os interesses do seu ministério, contra a saúde pública, o que é crime. Na Anvisa, o presidente é outro militar, o almirante Antônio Barra Torres, que também bate continência para qualquer barbaridade que o capitão lhe disser.
Não foi por outra razão que a Anvisa tentou atrasar os testes da CoronaVac em São Paulo, em novembro. Jamais se justificaria a paralisação dos trabalhos em razão do suicídio cometido por uma das pessoas que estavam sendo testadas pelo Instituto Butantan. Mas foi o que a Anvisa fez. No final, foi um vexame protagonizado por um militar e dois subalternos curvados como ele. Na ocasião, o governador de São Paulo identificou corretamente o movimento como uma ação política do Planalto. Mas João Doria tinha desde então o antídoto para o caso de a má vontade da Anvisa perseverar e mais adiante ela se recusar a certificar a vacina, que já está em sua última fase de testes.
Desde meados de novembro, o governador já informava que se três agências estrangeiras do porte da Anvisa liberarem a vacina, ela pode ser usada em qualquer outro país por acordo global aprovado pela OMS. Medicamentos testados pela FDA americana, por exemplo, são importados pelo Brasil com prévia anuência da Anvisa, mesmo sem testagens ou estudos adicionais. Por isso, São Paulo vai ignorar a orientação do governo e iniciar a vacinação com a CoronaVac no estado ainda em janeiro, desafiou Doria na quinta-feira.
O problema é que Bolsonaro é um estorvo. Ele fará o que for preciso para sabotar a vacina de São Paulo, que terá 40 milhões de doses prontas para serem administradas até o dia 15 de janeiro. Evitar que São Paulo saia na frente é tudo o que o presidente negacionista mais deseja. Não estranhem se ele mandar a Polícia Federal ocupar o Instituto Butantan para impedir a produção ou a distribuição das vacinas. Seria um absurdo, claro. Bolsonaro não deve ser tão alucinado assim. O resultado seria catastrófico, e o crime imperdoável já cometido se agravaria e se tornaria doloso.
domingo, 6 de dezembro de 2020
Como perder a guerra
Quando invadiu a antiga União Soviética, Adolf Hitler já havia conquistado boa parte da Europa: além da Áustria, Tchecoslováquia e Polônia — o que deflagrou a Segunda Guerra Mundial —, a Noruega, a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda, a França, a antiga Iugoslávia e a Grécia, além de ex-colônias europeias na África. A Operação Barbarrosa foi iniciada pelos alemães em 22 de junho de 1941 e mobilizou mais de três milhões de soldados. Sua intenção era conquistar a URSS em oito semanas. Três objetivos estratégicos foram estabelecidos por Hitler. Ocupar Moscou, a sede do governo; obter a rendição de Leningrado (São Petersburgo), a grande porta russa para o Ocidente; e controlar Stalingrado (antiga Tsarítsin, hoje, Volgogrado), para garantir petróleo em abundância. Foram passos maiores que as pernas. A 30 quilômetros de Moscou, que chegou a ser evacuada, os alemães foram repelidos; apesar da fome, a população de Leningrado resistiu até o cerco ser quebrado, em 1944. Estratégica para o controle do Cáucaso, área considerada vital para o abastecimento das tropas alemãs, em Stalingrado, a batalha foi a mais longa e sangrenta de toda a guerra, mudando seu curso.
Os alemães não tinham recursos suficientes para manter uma guerra de longa duração em território soviético, na qual exauriram suas energias. Além disso, a derrota em Stalingrado quebrou a aura de invencibilidade do Exército alemão, que acabou cercado e se rendeu. Cerca de 400 mil alemães, 200 mil romenos, 130 mil italianos e 120 mil húngaros morreram, foram feridos ou capturados. Dos 91 mil alemães feitos prisioneiros em Stalingrado, apenas 5 mil voltaram para a Alemanha. Os soviéticos sofreram cerca de 1,13 milhão de baixas, sendo 480 mil mortos e prisioneiros e 650 mil feridos em toda área de Stalingrado. Quando se rendeu, o comandante do 6º Exército alemão, marechal de campo Friedrich Paulus, referindo-se a Hitler, declarou: “Não tenho intenção de me suicidar por aquele cabo da Baviera”. Nunca antes um marechal de campo alemão havia se rendido numa frente de batalha; preferiam o suicídio à desonra. Ele havia cumprido as ordens de não se retirar de Stalingrado, a qualquer preço, mas acabou isolado, sem munição nem suprimentos.
Tem gente que considera a política uma guerra sem derramamento de sangue. Geralmente, trata os adversários como inimigos a serem exterminados. Entretanto, eles ressuscitam. Um dos três protagonistas da Conferência de Yalta, que dividiu o mundo em áreas de influência — ao lado de Franklin Delano Roosevelt (EUA) e Josef Stálin (URSS) —, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill dizia: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.”
O problema de Bolsonaro é que a verdadeira guerra está sendo travada em outros terrenos, nos quais não tem a menor chance de vitória. A primeira frente é a política ambiental, que nos levou a um grave litígio com a União Europeia, principalmente, com a Alemanha, a França e a Noruega. Os resultados de sua política são uma contradição em si mesma: quanto mais “passa com a boiada”, mais isolado internacionalmente fica.
A segunda, a crise sanitária, na qual Bolsonaro chegou a um ponto crítico, em razão do seu negacionismo: entrou numa guerra particular com o governador João Doria (SP), de São Paulo, por causa da vacina chinesa, e não tem mais como sair dela, a não ser se rendendo e comprando a CoronaVac, que já começou a ser produzida em grande escala pelo Instituto Butantan. Se não o fizer, a segunda onda da pandemia será uma tragédia ainda maior do que a primeira, porque a vacina de Oxford não está pronta e levará mais tempo para ser produzida pela Fiocruz e aplicada em massa.
A terceira frente é o não-reconhecimento da vitória do presidente norte-americano Joe Biden, que nos leva a um isolamento internacional sem nenhum precedente na História. Com isso, a política externa de Bolsonaro, como a ambiental e a sanitária, está em colapso. Em rota de colisão com a China, nosso maior parceiro comercial, agora ficou de mal com novo presidente dos Estados Unidos, o segundo parceiro, tudo em solidariedade ao presidente Donald Trump, que não se reelegeu. Essas três frentes de batalhas criam mais obstáculos para o desenvolvimento do país do que se imagina, pois aprofundam nosso atraso econômico e tecnológico e retardam a recuperação da economia.
Os alemães não tinham recursos suficientes para manter uma guerra de longa duração em território soviético, na qual exauriram suas energias. Além disso, a derrota em Stalingrado quebrou a aura de invencibilidade do Exército alemão, que acabou cercado e se rendeu. Cerca de 400 mil alemães, 200 mil romenos, 130 mil italianos e 120 mil húngaros morreram, foram feridos ou capturados. Dos 91 mil alemães feitos prisioneiros em Stalingrado, apenas 5 mil voltaram para a Alemanha. Os soviéticos sofreram cerca de 1,13 milhão de baixas, sendo 480 mil mortos e prisioneiros e 650 mil feridos em toda área de Stalingrado. Quando se rendeu, o comandante do 6º Exército alemão, marechal de campo Friedrich Paulus, referindo-se a Hitler, declarou: “Não tenho intenção de me suicidar por aquele cabo da Baviera”. Nunca antes um marechal de campo alemão havia se rendido numa frente de batalha; preferiam o suicídio à desonra. Ele havia cumprido as ordens de não se retirar de Stalingrado, a qualquer preço, mas acabou isolado, sem munição nem suprimentos.
Tem gente que considera a política uma guerra sem derramamento de sangue. Geralmente, trata os adversários como inimigos a serem exterminados. Entretanto, eles ressuscitam. Um dos três protagonistas da Conferência de Yalta, que dividiu o mundo em áreas de influência — ao lado de Franklin Delano Roosevelt (EUA) e Josef Stálin (URSS) —, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill dizia: “A política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa. Na guerra a pessoa só pode ser morta uma vez, mas na política diversas vezes.”
Não por acaso, analogias de cunho militar são usadas na análise política. Por exemplo, a chegada do presidente Jair Bolsonaro ao poder resultou de uma “guerra de movimento” bem-sucedida na campanha eleitoral de 2018, uma espécie de “britzkrieg”. Na Presidência, manteve essa tática no primeiro ano de governo para ampliar seus poderes, até trombar com o Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga o chamado “gabinete do ódio” (a disseminação de fake news e ataques a autoridades nas redes sociais por colaboradores encastelados no Palácio do Planalto) e o caso “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, no qual está envolvido o senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Desde então, opera uma “guerra de posições”, na qual tenta envolver as Forças Armadas, mobiliza os órgãos de controle do Estado, entre os quais o Ministério Público Federal (MPF), e pretende controlar o Congresso, o Judiciário e os grandes meios de comunicação de massa. Mutatis mutandis, foi essa estratégia de Wladimir Putin na Rússia para garantir sua longa permanência no poder.
O problema de Bolsonaro é que a verdadeira guerra está sendo travada em outros terrenos, nos quais não tem a menor chance de vitória. A primeira frente é a política ambiental, que nos levou a um grave litígio com a União Europeia, principalmente, com a Alemanha, a França e a Noruega. Os resultados de sua política são uma contradição em si mesma: quanto mais “passa com a boiada”, mais isolado internacionalmente fica.
A segunda, a crise sanitária, na qual Bolsonaro chegou a um ponto crítico, em razão do seu negacionismo: entrou numa guerra particular com o governador João Doria (SP), de São Paulo, por causa da vacina chinesa, e não tem mais como sair dela, a não ser se rendendo e comprando a CoronaVac, que já começou a ser produzida em grande escala pelo Instituto Butantan. Se não o fizer, a segunda onda da pandemia será uma tragédia ainda maior do que a primeira, porque a vacina de Oxford não está pronta e levará mais tempo para ser produzida pela Fiocruz e aplicada em massa.
A terceira frente é o não-reconhecimento da vitória do presidente norte-americano Joe Biden, que nos leva a um isolamento internacional sem nenhum precedente na História. Com isso, a política externa de Bolsonaro, como a ambiental e a sanitária, está em colapso. Em rota de colisão com a China, nosso maior parceiro comercial, agora ficou de mal com novo presidente dos Estados Unidos, o segundo parceiro, tudo em solidariedade ao presidente Donald Trump, que não se reelegeu. Essas três frentes de batalhas criam mais obstáculos para o desenvolvimento do país do que se imagina, pois aprofundam nosso atraso econômico e tecnológico e retardam a recuperação da economia.
Este governo é um risco de vida
Existem governos bons, existem governos ruins e existe o governo Bolsonaro. Ele é um risco de vida. A declaração do ministro Eduardo Pazuello de que as aglomerações da campanha eleitoral não causaram aumento da pandemia no Brasil é um atentado à saúde dos brasileiros. Mostra que o general da ativa nada entendeu dos assustadores números que estão diante de nós. Os casos aumentaram muito, os hospitais estão chegando ao limite, os médicos e enfermeiros estão esgotados e tendo que buscar forças para a nova e perigosa batalha pela vida humana.
O governo Bolsonaro atravessou todas as fronteiras do que pode ser considerado um mau governo. Ele é pior. Está além dessa classificação. O ministro da Saúde nos mandou morrer, pelo visto. Olha a frase: “Se esse vírus se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerossóis, e tivemos a maior campanha que podia ter nesse país, que é a municipal, nos últimos dois meses, se isso não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento da contaminação, não podemos falar mais em lockdown nem nada”.
O que é essa declaração? O ministro da Saúde de um país que já perdeu mais de 175 mil pessoas para o coronavírus continua não entendendo a sua responsabilidade? Nessa frase ele ignora que essa foi uma campanha muito mais contida. Quem promoveu aglomerações foi principalmente o presidente. Os candidatos usaram muito mais os meios digitais e os encontros com proteção. Mas o mais importante que Pazuello demonstra desconhecer nessa declaração no Congresso é que os números de contaminação, mortes, ocupação de leitos de UTI têm aumentado muito. E isso em função de um relaxamento dos cuidados e do distanciamento.
O governo Bolsonaro atravessou todas as fronteiras do que pode ser considerado um mau governo. Ele é pior. Está além dessa classificação. O ministro da Saúde nos mandou morrer, pelo visto. Olha a frase: “Se esse vírus se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerossóis, e tivemos a maior campanha que podia ter nesse país, que é a municipal, nos últimos dois meses, se isso não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento da contaminação, não podemos falar mais em lockdown nem nada”.
O que é essa declaração? O ministro da Saúde de um país que já perdeu mais de 175 mil pessoas para o coronavírus continua não entendendo a sua responsabilidade? Nessa frase ele ignora que essa foi uma campanha muito mais contida. Quem promoveu aglomerações foi principalmente o presidente. Os candidatos usaram muito mais os meios digitais e os encontros com proteção. Mas o mais importante que Pazuello demonstra desconhecer nessa declaração no Congresso é que os números de contaminação, mortes, ocupação de leitos de UTI têm aumentado muito. E isso em função de um relaxamento dos cuidados e do distanciamento.
O ministro da Saúde está estimulando ainda mais relaxamento, está dizendo que não tem importância haver aglomerações e isso no momento de nova escalada da doença. O ministro da Saúde demonstra continuar negacionista “se ele se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerossóis”. Se? O general ainda duvida do que já está pacificado pela ciência.
Pífia. Pazuello usou essa palavra para definir a oferta dos laboratórios para o Brasil. Essa é uma boa palavra mas para definir a gestão dele. É Pífia. Uma administração que começou apresentada pelo presidente como sendo a de um especialista em logística, e que não a usou para distribuir e oferecer os testes que estão empilhados em Guarulhos. O Brasil chega atrasado nas filas da vacina por falha de logística também. Tudo deveria ter sido pensado antes.
A fala do ministro da Saúde no Congresso foi atrasada, incompleta, vaga num momento em que o país precisa que ele dê respostas exatas e ágeis. Com que laboratórios ele falou? Quando os contatou? Que respostas tem diante da pouca oferta de vacinas para os brasileiros? Será que as quantidades ofertadas são pífias por culpa dos laboratórios ou porque o governo chegou tarde?
O Brasil tem dois grandes e confiáveis fabricantes de vacinas, Fiocruz e Butantan. Por que o ministro continua se negando a falar da vacina que tem a parceria do Instituto Butantan com o laboratório Sinovac? Pazuello ficou marcado por aquele lamentável episódio em que teve que se humilhar em público e desfazer documento assinado, porque o presidente reprovou a cooperação entre o governo federal e o maior estado da Federação. Nele agora está a obediência acima do seu dever como homem público. Ele pode arruinar a própria biografia, ele pode arrastar com ele a reputação das Forças Armadas, o que ele não pode é colocar a vida de brasileiros em risco.
Essa é uma doença terrível, mortal, ainda sem remédio e contra a qual nossos médicos, cientistas, enfermeiros, lutam corajosamente. O distanciamento social, o uso de máscara, todos os cuidados de proteção são o que existe para evitar a propagação do vírus. As vacinas, todas as que forem confiáveis, efetivas, têm que ser usadas nesta guerra.
Entre as suas obrigações, pelo cargo que ocupa, está a de dar explicações à opinião pública. O país precisa catar retalhos de informações, declarações tortas e fora do tom para tentar adivinhar o que o Ministro da Saúde está planejando para a nossa saúde. Há governos ruins. Há governos péssimos. Este ultrapassou essas definições. Ele é ainda pior. Temos um governo calamitoso no meio de uma calamidade.
Pífia. Pazuello usou essa palavra para definir a oferta dos laboratórios para o Brasil. Essa é uma boa palavra mas para definir a gestão dele. É Pífia. Uma administração que começou apresentada pelo presidente como sendo a de um especialista em logística, e que não a usou para distribuir e oferecer os testes que estão empilhados em Guarulhos. O Brasil chega atrasado nas filas da vacina por falha de logística também. Tudo deveria ter sido pensado antes.
A fala do ministro da Saúde no Congresso foi atrasada, incompleta, vaga num momento em que o país precisa que ele dê respostas exatas e ágeis. Com que laboratórios ele falou? Quando os contatou? Que respostas tem diante da pouca oferta de vacinas para os brasileiros? Será que as quantidades ofertadas são pífias por culpa dos laboratórios ou porque o governo chegou tarde?
O Brasil tem dois grandes e confiáveis fabricantes de vacinas, Fiocruz e Butantan. Por que o ministro continua se negando a falar da vacina que tem a parceria do Instituto Butantan com o laboratório Sinovac? Pazuello ficou marcado por aquele lamentável episódio em que teve que se humilhar em público e desfazer documento assinado, porque o presidente reprovou a cooperação entre o governo federal e o maior estado da Federação. Nele agora está a obediência acima do seu dever como homem público. Ele pode arruinar a própria biografia, ele pode arrastar com ele a reputação das Forças Armadas, o que ele não pode é colocar a vida de brasileiros em risco.
Essa é uma doença terrível, mortal, ainda sem remédio e contra a qual nossos médicos, cientistas, enfermeiros, lutam corajosamente. O distanciamento social, o uso de máscara, todos os cuidados de proteção são o que existe para evitar a propagação do vírus. As vacinas, todas as que forem confiáveis, efetivas, têm que ser usadas nesta guerra.
Entre as suas obrigações, pelo cargo que ocupa, está a de dar explicações à opinião pública. O país precisa catar retalhos de informações, declarações tortas e fora do tom para tentar adivinhar o que o Ministro da Saúde está planejando para a nossa saúde. Há governos ruins. Há governos péssimos. Este ultrapassou essas definições. Ele é ainda pior. Temos um governo calamitoso no meio de uma calamidade.
Os médicos sobre Bolsonaro
Dos 57,8 milhões de votos despejados em Jair Bolsonaro em 2018 pelos brasileiros que queriam se livrar do PT, milhares terão sido de médicos, dos estudantes de medicina e de toda espécie de profissionais da saúde, de cientistas recordistas em Ph.D ao mais humilde servente de um hospital. Ninguém, claro, poderia adivinhar que, em um ano e meio, o mundo seria varrido por uma pandemia. Mas, sendo médicos, nenhum terá suspeitado de que estavam elegendo um demente?
Eu me pergunto se, hoje, heróis da linha de frente contra a Covid-19, algum deles tem dúvida. Mais do que todos, eles sabem que, no governo, está alguém que, entre o vírus e o povo, escolheu ficar a favor da morte.
Bolsonaro negou a gravidade do problema, insultou os coveiros, promoveu aglomerações e espalhou desinformação sobre o distanciamento, a higienização e o uso da máscara. Jogou com a vida dos que acreditaram num remédio inócuo, a cloroquina, e nisso comprometeu o Exército e o SUS. Desmoralizou os médicos ministros da Saúde e trocou-os por um general da ativa incapaz de distinguir entre um vírus e um piolho, mas disposto a cuspir na própria farda para servi-lo.
O dito general da passiva mentiu sobre o número de casos, ignorou medidas que permitiriam seguir a evolução da doença e deixou mofar milhões de testes que ajudariam a salvar vidas. Quanto a Bolsonaro, depois de chamar nossos mortos de maricas e atribuir poderes políticos às vacinas, dedica-se agora, negando uma cultura de 100 anos, a minar a confiança nelas. Por ele, a pandemia nunca será superada.
Seria urgente saber o que a comunidade médica, por seus conselhos, institutos e organizações, tem a dizer sobre Bolsonaro nessa tragédia. Ninguém mais autorizado do que ela a calcular quantos, entre os até agora mais de 175 mil brasileiros mortos pela Covid, caíram pela ação ou inação do homem que vários de seus membros ajudaram a eleger.
Eu me pergunto se, hoje, heróis da linha de frente contra a Covid-19, algum deles tem dúvida. Mais do que todos, eles sabem que, no governo, está alguém que, entre o vírus e o povo, escolheu ficar a favor da morte.
O dito general da passiva mentiu sobre o número de casos, ignorou medidas que permitiriam seguir a evolução da doença e deixou mofar milhões de testes que ajudariam a salvar vidas. Quanto a Bolsonaro, depois de chamar nossos mortos de maricas e atribuir poderes políticos às vacinas, dedica-se agora, negando uma cultura de 100 anos, a minar a confiança nelas. Por ele, a pandemia nunca será superada.
Seria urgente saber o que a comunidade médica, por seus conselhos, institutos e organizações, tem a dizer sobre Bolsonaro nessa tragédia. Ninguém mais autorizado do que ela a calcular quantos, entre os até agora mais de 175 mil brasileiros mortos pela Covid, caíram pela ação ou inação do homem que vários de seus membros ajudaram a eleger.
Constituição de qualquer coisa
A hermenêutica não permite endosso a práticas heterodoxas que adulterem o real sentido da Constituição, ou de exegeses capciosas que estiquem o sentido semântico das palavras até que expressem qualquer coisa, e a Constituição já nada signifiqueRosa Weber, ministra do STF
Sem vacina, sem governo
Na quarta-feira, o primeiro-ministro Boris Johnson anunciou que os britânicos começarão a ser imunizados contra a Covid. Horas depois, Jair Bolsonaro voltou a lançar dúvidas sobre a eficácia das vacinas. “Se tiver um efeito colateral ou um problema qualquer, já sabem que não vão cobrar de mim”, afirmou.
O negacionismo do presidente já ajudou a alçar o Brasil à segunda posição no ranking de mortes pelo coronavírus. Nos últimos meses, Bolsonaro torpedeou as medidas de distanciamento, estimulou aglomerações e ejetou dois ministros em plena pandemia. Agora ele lidera uma campanha contra a vacina. É mais um atentado contra a saúde pública, cometido à luz do dia e sem reação do Congresso.
O negacionismo do presidente já ajudou a alçar o Brasil à segunda posição no ranking de mortes pelo coronavírus. Nos últimos meses, Bolsonaro torpedeou as medidas de distanciamento, estimulou aglomerações e ejetou dois ministros em plena pandemia. Agora ele lidera uma campanha contra a vacina. É mais um atentado contra a saúde pública, cometido à luz do dia e sem reação do Congresso.
Na semana passada, o capitão informou que não pretende tomar a vacina. “Eu não vou tomar, é um direito meu”, disse. A estupidez pode ser um direito, mas sabotar a imunização coletiva não é. Além de minar a confiança na ciência, Bolsonaro desmobiliza a máquina do governo, que deveria estar empenhada em proteger a vida dos brasileiros.
O ministro Eduardo Pazuello é um retrato da paralisia federal. Na quarta, ele disse a parlamentares que “não se fala mais em afastamento social”. Em seguida, definiu a escalada dos números da Covid como “um pequeno aumento”. No Rio, já foi o suficiente para lotar os hospitais e levar o sistema de saúde ao colapso, segundo atestou a Fiocruz.
O Estado tem a maior taxa de mortalidade do país, mas também está entregue a um negacionista. Teleguiado por Bolsonaro, o governador interino Cláudio Castro tem ignorado os alertas de médicos e cientistas. Ontem ele voltou a descartar medidas de isolamento para reduzir a circulação do vírus.
Nove meses depois da chegada do vírus, o Rio vai inaugurar hoje um arremedo de testagem em massa. Serão abertos apenas três locais para receber a população, nenhum deles na capital. O carioca que tiver sintomas da Covid terá que se deslocar por conta própria até São Gonçalo ou Volta Redonda. Não basta a espera pela vacina: também é preciso lidar com a falta de governo.
O ministro Eduardo Pazuello é um retrato da paralisia federal. Na quarta, ele disse a parlamentares que “não se fala mais em afastamento social”. Em seguida, definiu a escalada dos números da Covid como “um pequeno aumento”. No Rio, já foi o suficiente para lotar os hospitais e levar o sistema de saúde ao colapso, segundo atestou a Fiocruz.
O Estado tem a maior taxa de mortalidade do país, mas também está entregue a um negacionista. Teleguiado por Bolsonaro, o governador interino Cláudio Castro tem ignorado os alertas de médicos e cientistas. Ontem ele voltou a descartar medidas de isolamento para reduzir a circulação do vírus.
Nove meses depois da chegada do vírus, o Rio vai inaugurar hoje um arremedo de testagem em massa. Serão abertos apenas três locais para receber a população, nenhum deles na capital. O carioca que tiver sintomas da Covid terá que se deslocar por conta própria até São Gonçalo ou Volta Redonda. Não basta a espera pela vacina: também é preciso lidar com a falta de governo.
Sem Teto e Sem Futuro
Boulos trouxe uma cara nova para a esquerda, mas não apresentou ideias novas da esquerda. Trouxe o radicalismo solidário, decente e justo de não aceitar um sem-teto em frente a edifício sem morador, mas não defendeu reformas necessárias para fechar a fábrica de sem-teto que caracteriza a estrutura social brasileira. Ele aproximou a esquerda dos sem-teto, mas não dos sem-futuro: uma utopia para o Brasil, a ser construída sobre bases sustentáveis. Ele ressuscitou a solidariedade que a direita nunca teve nem terá, e a esquerda eleitoreira e sindical perdeu; mas passou a ideias que foram soterradas pela evolução da realidade. A impressão é que a esquerda não percebeu que o Muro de Berlim caiu, e a direita não aceita que a Lei Áurea fori proclamada.
Não percebemos que o Estado se esgotou financeira, ética e gerencialmente. Seu gigantismo se fez ineficiente e atende mais aos interesses da própria máquina do que aos da população. Não aceitamos que estatal não é sinônimo de público, ainda menos de popular. Não vimos que para servir melhor aos interesses do povo é preciso considerar a inversão na pirâmide etária e a velocidade do avanço técnico, que a realidade exige reformas econômicas.
Não percebemos que o Estado se esgotou financeira, ética e gerencialmente. Seu gigantismo se fez ineficiente e atende mais aos interesses da própria máquina do que aos da população. Não aceitamos que estatal não é sinônimo de público, ainda menos de popular. Não vimos que para servir melhor aos interesses do povo é preciso considerar a inversão na pirâmide etária e a velocidade do avanço técnico, que a realidade exige reformas econômicas.
Não entendemos que a globalização, não é uma invenção do capitalismo, mas uma marcha da civilização industrial, e que o papel do progressista é tirar proveito dela para todos.
Não percebemos que a política não se faz mais por partidos em polarizações nítidas, mas por meios complexos com divergências e convergências, dezenas de agentes nem sempre organizados. Ainda não entendemos que inflação é uma forma de corrupção que rouba o salário do trabalhador; e que por isto a estabilidade monetária é do interesse do povo, especialmente dos pobres. Não percebemos que além do trabalho e do capital, a Confiança dos investidores e consumidores também é um fator para o bom funcionamento da economia.
Sobretudo, não entendemos que educação é o vetor do progresso, tanto econômico quanto social. Por isto não radicalizamos na defesa de que as escolas dos pobres devem ter a mesma qualidade que as escolas dos ricos Não apresentamos como se faria isto, em quanto tempo, quanto custaria e quem pagaria.
O problema da direita é seu reacionarismo, social, insensibilidade e opção pelos ricos, sem desejar um país integrado socialmente; o da esquerda é a opção pelos sindicatos, não pelo povo, e sua prisão ao presente eleitoral e a ideias progressistas em um mundo passado. Por isto, conseguimos cara nova para radicalismo solidário mas não radicalismo reformista para construir utopias novas. Queremos corretamente atender aos sem-teto, no presente, mas não propomos um Brasil futuro sem sem-teto. Não temos tido ousadia de olhar para o futuro, nem defender as ideias que ele exige. A direita não aceita plenamente a abolição da escravidão, a esquerda nega a queda do muro de Berlim.
Sobretudo, não entendemos que educação é o vetor do progresso, tanto econômico quanto social. Por isto não radicalizamos na defesa de que as escolas dos pobres devem ter a mesma qualidade que as escolas dos ricos Não apresentamos como se faria isto, em quanto tempo, quanto custaria e quem pagaria.
O problema da direita é seu reacionarismo, social, insensibilidade e opção pelos ricos, sem desejar um país integrado socialmente; o da esquerda é a opção pelos sindicatos, não pelo povo, e sua prisão ao presente eleitoral e a ideias progressistas em um mundo passado. Por isto, conseguimos cara nova para radicalismo solidário mas não radicalismo reformista para construir utopias novas. Queremos corretamente atender aos sem-teto, no presente, mas não propomos um Brasil futuro sem sem-teto. Não temos tido ousadia de olhar para o futuro, nem defender as ideias que ele exige. A direita não aceita plenamente a abolição da escravidão, a esquerda nega a queda do muro de Berlim.
O que o Brasil poderia ser
Eu passei uma semana na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Fiz uma pesquisa para uma reportagem sobre a nova geração de vini- e viticultores brasileiros. Há cerca de 20 anos, eles começaram a reformar as antigas vinícolas familiares e a produzir vinhos de alta qualidade. Hoje são extremamente bem-sucedidos. Muitos vinhos e espumantes brasileiros são de alta classe e recebem prêmios atrás de prêmios, o que é ainda pouco conhecido no Brasil devido à relativamente pequena quantidade de produção. Muitos produtores dizem: preferimos qualidade à quantidade.
A maioria das vinícolas está nos arredores das cidades de Bento Gonçalves e Garibaldi, num dos vales que lá se chamam Vale dos Vinhedos, porque, é claro, há ali muitos vinhedos e produtores de vinho.
A paisagem é incrível. Consiste em montanhas e colinas, nas quais se espalham vinhedos, campos e florestas. As sinuosas estradas rurais conectam vilarejos e pequenas fazendas, e quando se dirige ao longo delas nota-se tudo muito limpo e bem cuidado. Pobreza também praticamente não se vê.
A maioria das vinícolas está nos arredores das cidades de Bento Gonçalves e Garibaldi, num dos vales que lá se chamam Vale dos Vinhedos, porque, é claro, há ali muitos vinhedos e produtores de vinho.
A paisagem é incrível. Consiste em montanhas e colinas, nas quais se espalham vinhedos, campos e florestas. As sinuosas estradas rurais conectam vilarejos e pequenas fazendas, e quando se dirige ao longo delas nota-se tudo muito limpo e bem cuidado. Pobreza também praticamente não se vê.
A região parece pacífica, verde e idílica – um espelho do que o Brasil poderia ser. É uma espécie de utopia deste país. Não de forma concreta, mas no sentido figurativo. A razão é simples. Há mais de cem anos, surgiu aqui uma estrutura agrícola de pequena e média escala, que ainda hoje proporciona prosperidade geral e paz social. Ao longo da história foram criadas várias cooperativas e também alguns grandes produtores de vinhos e sucos como Aurora, Miolo, Salton e Valduga. Outro grande empregador na região é a Tramontina. A estrutura econômica da região é mista e, como são muitas pessoas que possuem algo, elas assumem responsabilidades. Se o maior número possível conseguir um pedaço do bolo, não há disputa pelas migalhas.
Isso torna a região radicalmente diferente do resto do Brasil. Já fora da Serra Gaúcha, nas amplas planícies do Rio Grande do Sul, enormes campos de soja estão se expandindo novamente, e na periferia dos vilarejos a pobreza e o desemprego voltar a surgir: barracos de madeira tortos e sujos, nos quais as pessoas cozinham com lenha. A pobreza aqui é branca. E está diretamente relacionada à distribuição injusta de terras.
Essa tendência está aumentando. O Brasil está se tornando cada vez mais a terra do latifúndio. Uma nação de pastagens e campos onde são cultivadas colheitas comerciais para exportação. O terreno geralmente pertence a um proprietário. Eles criam riqueza para poucos e pobreza para muitos. O motivo: a agricultura industrializada quase não precisa de mão de obra, consome áreas cada vez maiores e utiliza cada vez mais agrotóxicos.
Os números são claros: no Brasil há aproximadamente 130 mil grandes propriedades rurais. Elas concentram quase a metade de toda a área cadastrada no Incra. No outro lado: os 3,75 milhões de minifúndios - propriedades de terra em mãos de pequenos produtores familiares - ocupam somente 10% da área. É lógico que esse desequilíbrio cria problemas sociais e ecológicos. Em vez de combatê-la, a classe política promove a desigualdade: as grandes propriedades rurais recebem 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos estabelecimentos menores essa fatia é de menos de 20%.
A concentração de terra também contribui para a incidência de trabalho escravo, como revelam dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, há um número considerável de grandes propriedades rurais improdutivas.
Na terra dos vinhos da Serra Gaúcha é diferente. E isso tem muito a ver com a história. As famílias italianas que imigraram para cá a partir dos anos 1870 receberam um pedaço de terra do governo e em troca tiveram que ajudar a cuidar da região: construir estradas, erguer vilarejos. Naquela época, ocorreu uma espécie de reforma agrária - algo que agora é chamado "comunista" pela direita. Parece que antes que os políticos brasileiros façam uma reforma agrária - muitos são latifundiários - o Saara vai ficar sem areia.
Para muitas famílias de imigrantes essas terras eram a base para a criação de capital e a ascensão social. Muitos ainda vivem na terra de seus antepassados. Cultivam uvas e vinho, grãos e legumes, criam animais, abrem restaurantes ou pequenas mercearias. Não parece haver aqui um grande capitalista, há muitos pequenos e médios empresários com acesso a capital. Desde que cheguei ao Brasil, nenhum lugar me lembrou tanto a Europa. Não apenas por causa da paisagem, mas também por causa do ambiente pacífico. É a relativa igualdade, a participação do maior número possível de pessoas, que cria a paz.
Por causa disso, muitos ricos e super-ricos do Brasil visitam a região nos fins de semana, alguns até mesmo de helicóptero. Eles querem beber um bom vinho e espumante, comer bem e passar dias agradáveis longe do Brasil das desigualdades e da violência. É paradoxal.
Isso torna a região radicalmente diferente do resto do Brasil. Já fora da Serra Gaúcha, nas amplas planícies do Rio Grande do Sul, enormes campos de soja estão se expandindo novamente, e na periferia dos vilarejos a pobreza e o desemprego voltar a surgir: barracos de madeira tortos e sujos, nos quais as pessoas cozinham com lenha. A pobreza aqui é branca. E está diretamente relacionada à distribuição injusta de terras.
Essa tendência está aumentando. O Brasil está se tornando cada vez mais a terra do latifúndio. Uma nação de pastagens e campos onde são cultivadas colheitas comerciais para exportação. O terreno geralmente pertence a um proprietário. Eles criam riqueza para poucos e pobreza para muitos. O motivo: a agricultura industrializada quase não precisa de mão de obra, consome áreas cada vez maiores e utiliza cada vez mais agrotóxicos.
Os números são claros: no Brasil há aproximadamente 130 mil grandes propriedades rurais. Elas concentram quase a metade de toda a área cadastrada no Incra. No outro lado: os 3,75 milhões de minifúndios - propriedades de terra em mãos de pequenos produtores familiares - ocupam somente 10% da área. É lógico que esse desequilíbrio cria problemas sociais e ecológicos. Em vez de combatê-la, a classe política promove a desigualdade: as grandes propriedades rurais recebem 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos estabelecimentos menores essa fatia é de menos de 20%.
A concentração de terra também contribui para a incidência de trabalho escravo, como revelam dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, há um número considerável de grandes propriedades rurais improdutivas.
Na terra dos vinhos da Serra Gaúcha é diferente. E isso tem muito a ver com a história. As famílias italianas que imigraram para cá a partir dos anos 1870 receberam um pedaço de terra do governo e em troca tiveram que ajudar a cuidar da região: construir estradas, erguer vilarejos. Naquela época, ocorreu uma espécie de reforma agrária - algo que agora é chamado "comunista" pela direita. Parece que antes que os políticos brasileiros façam uma reforma agrária - muitos são latifundiários - o Saara vai ficar sem areia.
Para muitas famílias de imigrantes essas terras eram a base para a criação de capital e a ascensão social. Muitos ainda vivem na terra de seus antepassados. Cultivam uvas e vinho, grãos e legumes, criam animais, abrem restaurantes ou pequenas mercearias. Não parece haver aqui um grande capitalista, há muitos pequenos e médios empresários com acesso a capital. Desde que cheguei ao Brasil, nenhum lugar me lembrou tanto a Europa. Não apenas por causa da paisagem, mas também por causa do ambiente pacífico. É a relativa igualdade, a participação do maior número possível de pessoas, que cria a paz.
Por causa disso, muitos ricos e super-ricos do Brasil visitam a região nos fins de semana, alguns até mesmo de helicóptero. Eles querem beber um bom vinho e espumante, comer bem e passar dias agradáveis longe do Brasil das desigualdades e da violência. É paradoxal.
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