terça-feira, 6 de outubro de 2015

Uma afronta às instituições

Não há motivo para surpresa, ou até mesmo para indignação – afinal, não se poderia esperar outra coisa –, diante da bisonha tentativa bolivariana da presidente Dilma Rousseff de provocar o impedimento, no Tribunal de Contas da União (TCU), do ministro-relator do processo de suas contas, Augusto Nardes. Esse é o procedimento-padrão dos petistas quando seus interesses são contrariados, inclusive pela Justiça. No limite, como aconteceu no caso do mensalão, os magistrados são mandados às favas e petistas “injustiçados” se transformam em “guerreiros do povo brasileiro”.

A foto estampada na matéria publicada ontem pelo Estado sobre a decisão de Dilma ilustra à perfeição a farsa encenada como derradeiro recurso para impedir que a rejeição das contas do governo pelo TCU resulte na abertura de um processo de impeachment no Congresso. Tendo ao fundo uma foto oficial com a imagem desbotada da presidente da República, o protagonista da pantomima, Luís Inácio Adams, de olhos arregalados e dedo em riste, verbera contra a “politização” do processo que corre no TCU. A seu lado esquerdo, com a expressão de alheamento de quem gostaria de estar em outro lugar, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. À direita, com indisfarçado constrangimento, está o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Dilma poderia ter escalado dois avalistas mais convincentes para a performance de Adams.


O argumento central do governo contra o relator Augusto Nardes é daqueles que só se atreve a usar quem sabe que não tem nada a perder: Nardes teria “deixado claro”, em mais de uma oportunidade, sua opinião sobre o assunto que lhe cabia relatar e julgar: “Essa reiterada manifestação vem em claro conflito com uma regra que se dirige aos magistrados (a isenção)”. E enfatizou: “Esse processo está eivado de politização, por conta dessa postura particular, e que se agrava pela intencionalidade, que ficou clara, pela rejeição”. Num caso de óbvias e importantes implicações políticas, as irregularidades apontadas nas contas do Planalto, especialmente as famosas “pedaladas”, não poderiam deixar de ter, como estão tendo, grande repercussão na mídia, que por dever de ofício tem procurado adiantar a posição do relator e demais juízes do TCU sobre o assunto.

Augusto Nardes, no entanto, embora tenha de fato deixado transparecer – consequência natural do intenso assédio dos jornalistas – sua tendência pela rejeição das contas do governo, jamais havia explicitado seu voto, que ficou claro quando, atendendo ao Regimento Interno do tribunal, distribuiu para os demais ministros a minuta de seu relatório e do parecer prévio, documentos cujo teor inevitavelmente caiu no domínio público. De resto, é óbvio que o governo jamais se teria dado ao trabalho de questionar como antirregimental e acusar de “politização” o comportamento do juiz relator se ele tivesse alardeado voto pela aprovação das contas.

De qualquer modo, o relator não pode ser acusado de ter tentado obstruir a defesa do governo, até mesmo diante de recursos claramente protelatórios, como os pedidos de ampliação dos prazos para que a Advocacia-Geral da União apresentasse seus argumentos. Luís Inácio Adams teve um tempo extra de 30 dias para expor suas razões numa peça de defesa adicional de mais de mil páginas.

O recurso agora anunciado em desespero de causa pelo governo constitui, além de um escárnio a quem não é idiota, uma afronta à instituição e aos ministros do Tribunal de Contas. Pedir o afastamento de um relator de cuja opinião o Poder Central discorda equivale a sujeitar todos os membros daquela Corte – vinculada ao Poder Legislativo – ao arbítrio político dos donos do poder. Esse é o padrão “bolivariano” imposto em países admirados – e invejados – pelo lulopetismo, como Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina. Felizmente, porém, as instituições democráticas, que repousam em fundamentos como a distinção entre Estado e governo e a consequente separação e autonomia dos poderes, têm-se revelado suficientemente sólidas entre nós para impedir o avanço de aventuras autoritárias.

O voto será mais crítico

Com a bruxa solta e o clima de fim de festa no meio político, a pergunta que surge natural neste momento: como será daqui pra frente e como imaginar as próximas eleições municipais, em 2016?

Falta exatamente um ano, e as coordenadas, que em outras épocas eram previsíveis, estão agora muito incertas. Os nomes de candidatos favoritos inexistem. Pretendentes sobram, mas viabilidade, credibilidade e autoridade para dar consistência à pretensão carecem.


O conceito de partidos – rótulo que engarrafa um conteúdo por demais conhecido e parecido – sofreu uma corrosão até então desconhecida. O que faz a diferença não são os programas, mas são os nomes referenciais. Contudo, até nisso, não existe segurança para prever as condições em que chegarão à data de outubro do ano vindouro, e se chegarão lá.

Embora a incerteza seja a única certeza, o prognóstico favorece quem encarar a “novidade”, a “ética”, a “não submissão aos acertos tradicionais”, a “independência” para poder exercer cargos em favor do bem comum, e não de quem, como o petróleo escancarou, se locupleta com a coisa pública e seus anexos.

Chegar ao nível de conseguir viabilizar uma candidatura, partindo do nada e sendo obrigado a atravessar pedágios, gargalos e complicações das normas eleitorais, representa um desafio terrível para quem não é do meio.

As regras favorecem a manutenção do poder, foram criadas por quem chegou lá e lá quer ficar, cria barreiras intransponíveis para quem não tem faro e faróis para transitar nessa dantesca, no sentido de infernal, “foresta oscura”.

Pode-se imaginar, faltando 12 meses, que o eleitorado exigirá do candidato um perfil despojado, de conversa simples e de propostas moralizadoras e austeras, com passado de respeitabilidade. A tradicional demagogia que prevaleceu em outras eleições não deverá dar resultados compensadores. As redes sociais, no auge que alcançaram, serão a grande novidade apesar do mau uso a que estão expostas.

A crise econômica, com os tormentos que trouxe ao eleitor, deve aumentar a importância dos aspectos éticos dos candidatos, da honestidade. O “rouba, mas faz” já está em crise e mais ainda estará, e quem “faz o que a honestidade permite” deverá ter vantagem.

A mesma onda moralizadora que se levantou em países da Europa, com aspectos desatrelados do clichê político tradicional, vem se formando aqui também, em lugares distantes do que vige nos parlamentos atuais. E, como surpreendeu lá fora, tem tudo para surpreender aqui.

A clareza do discurso, sua simplicidade, a capacidade de convencer que uma administração municipal pode ser acessível a qualquer um. O desmonte da burocracia cartorial e sua substituição por métodos ágeis, econômicos, previsíveis. Acesso aos serviços públicos e sua previsibilidade precisarão ser explicados.

No Brasil as eternas e insolúveis demandas, como educação, saúde pública e segurança, pautarão obviamente as discussões, mas, se anteriormente eram acenadas e prometidas como prioridade, desta vez se exigirá explicação técnica e consistente, mostrando os caminhos para realizá-las.

As dificuldades enfrentadas pelo cidadão e a decepção com administradores que não conseguiram atender os compromissos e as juras anteriores imporão aos candidatos a necessidade de comprovar preparo e capacidade. Os candidatos serão questionados e cobrados como nunca.

O eleitor cansou-se de desperdiçar seu voto.

PT provoca até revolta em velório

"Petista bom é petista morto" é o texto de panfletos jogados durante o velório do ex- presidente do PT José Eduardo Dutra

As manifestações contra a governança petista de 13 anos se tornam mais radicais. Não por culpa de extremistas de direita, como sempre pregaram os paus-mandados do PT. O governo destrambelhado, corrupto, agora caçando dinheiro dos mais necessitados para cobrir os rombos dos companheiros, é o responsável pelos excessos de uns poucos. 

Como aconteceu no velório do ex-senador José Eduardo Dutra (PT), em Belo Horizonte, quando panfletos com a frase "Petista bom é petista morto" e uma fotomontagem da presidente Dilma Rousseff, como se estivesse sentada em um vaso sanitário, foram lançados no local.


Uma manifestação extremada e condenável, mas que surge devido à lambança petista. Se querem flores em velório, façam por onde. 

O dever de falar

Certa vez, lá se vão três décadas, Jânio Quadros foi indagado sobre como ele, um homem que se dizia sem grandes posses, fazia campanha à prefeitura de SP (que acabou conquistando, em 1985, ao derrotar FHC de forma surpreendente) com tanto dinheiro. Jânio respondeu com sagacidade:

- Por favor, alguém me cede um cigarro? – começou. Choveram maços sobre sua mesa.

- Também estou sem isqueiro... – continuou o ex-presidente, apalpando os bolsos do paletó. Várias pequenas chamas iluminaram seu rosto, completando a senha para sua resposta, com o inconfundível sotaque e seu dom de iludir:

- Está explicado como consigo tantos recursos, não?

Jânio Quadros e Leonal Brizola (Foto: Arquivo)

Na outra ponta do espectro político, Leonel Brizola costumava dizer, quando indagado sobre como teria fundos para tantos projetos, como os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), que queria construir no Rio de Janeiro, “que os recursos estão na cabeça do bom administrador”.

Verdade ou não, esses e outros políticos ‘antigos’ sempre respondiam ao que lhes era indagado. Não fugiam da liça, bem ao contrário de Paulo Maluf, que ainda está em cena, e de várias ditas ‘lideranças’ políticas atuais. Investigações da Lava Jato? Assunto incômodo. Contas na Suíça? Deixa isso para lá.

O pior: quase todos os parlamentares, da quase totalidade dos partidos, também não se dispõem a ‘incomodar’ Suas Excelências, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. No caso de Eduardo Cunha, acusado de ser beneficiário de contas no exterior, a ‘proteção’ é edificada por razões baixas: uns se calam por considerá-lo útil ao processo de impeachment de Dilma; outros, para não melindrá-lo, evitando que, assim, ele acelere o impeachment. É também patético que não ocorra a quase ninguém que seria estranho, à luz da moralidade pública, ter um processo de cassação por supostos mal feitos coordenado por alguém que é investigado pelos Ministérios Públicos da Suíça e do Brasil por mal feitos similares aos que atingiriam o Executivo.

Diante desse “mar de cumplicidades”, expressão usada recorrentemente por Brizola, só mesmo a vassourinha de Jânio – operadas para valer, pelas mãos da indignação cidadã. Para varrer todos os que, na vida pública, preferem o silêncio quando seus aliados são flagrados.

A vida pública não comporta esse nível de degradação. Os que calam vão se encaminhando para a vala comum do lamaçal onde chafurdam quem não têm a mínima grandeza para ocupar as funções para as quais foram investidos. Logo serão cobrados pela omissão cúmplice
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No desespero, o PT tenta implantar a 'ditadura constitucional'

O governo não existe mais, a economia continua derretendo, os empresários não acreditam em retomada do desenvolvimento a curto ou médio prazo, os investidores, menos ainda – este é o quadro real do país. No desespero, o governo (leia-se: a presidente Dilma Rousseff, o PT e o Instituto Lula, mas não necessariamente nesta ordem) não se interessam pela grave situação do país, todos os seus movimentos objetivam apenas evitar o impeachment e se fixar no poder até 2018, quando Lula vai tentar o terceiro mandato.

Sem ter condições concretas de administrar o país, Lula, Dilma e o PT (não necessariamente nesta ordem) tentam criar um novo modelo republicano, que funciona da seguinte maneira: o governo pode fazer o que bem entender, descumprir qualquer legislação, especialmente a Constituição Federal, mas todos os seus atos precisam ser considerados válidos, porque teriam sido tomados em favor do povo, sem o governo jamais ter demonstrado intenção de desobedecer as leis.

Em tradução simultânea, o triunvirato PT, Lula e Dilma (não necessariamente nesta ordem) tenta implantar uma “ditadura constitucional”, de estilo culposo e não doloso, como se isso fosse possível.

Esta estranha deformação político-administrativa está diante de nós, mas passa despercebida à maioria da população, que ainda se deixa iludir pela repetição de uma espécie de ladainha, nos seguinte termos:

1) a corrupção não é só petista e sempre existiu;

2) não existe nenhuma prova que envolva diretamente a presidente Dilma Rousseff ou Lula;

3) o impeachment é uma tentativa de golpe na ordem constitucional.

A chamada realidade dos fatos, porém, é exatamente inversa, porque a corrupção sempre existiu, mas foi o governo do PT que a “institucionalizou”, ao estabelecer a cobrança de percentual fixo e desestabilizando a empresa que representava o maior orgulho do país e dilapidando outras estatais. Já existem provas abundantes de crimes de responsabilidade e crimes eleitorais contra o PT, Lula e Dilma. E a ordem constitucional é que foi inteiramente subvertida nos governos petistas e agora precisa ser restabelecida.

Os crimes de responsabilidade, que justificam impeachment, são abundantes:

1) grande número de pedaladas fiscais, maquiando ilegalmente as prestações de conta do governo, a tal ponto que a própria Caixa Econômica Federal está processando a União;

2) emissão de dez decretos inconstitucionais, assinados por Dilma para o governo fazer despesas não autorizadas pelo Congresso;

3) legislar por decreto para modificar lei complementar, conforme denúncia do jurista Jorge Béja, aqui naTribuna da Internet (Decreto 8535, de 2 de outubro de 2015, e que já se encontra em vigor, alterando ilegalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal):

4) tentar usar recursos do chamado Sistema S, desrespeitando expressamente norma constitucional, segundo denúncia do jurista Ives Gandra Martins em O Globo.

Há, ainda os crimes eleitorais, passíveis de cassação de mandato, já configurados na condenação do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e numa série de depoimentos colhidos na operação Lava Jato, que confirmam o uso de recursos da propina do esquema da Petrobras nas campanha eleitorais que elegeram Lula em 2006 e Dilma em 2010 e 2014, inclusive com prática de chantagem pelo hoje ministro Edinho Silva, já sob investigação do Supremo Tribunal Federal.

Apesar de tudo isso, a ladainha continua, repetindo-se que a corrupção não foi criada pelo PT, não existem provas contra Lula e Dilma, e por isso pedir impeachment seria uma atitude golpista. Até agora, tem dado certo a estratégia, mas é um castelo de cartas que não tarda a desmoronar.

À margem do novo mundo

Dilma parece não entender o mundo à sua volta: a Parceria Transpacífica afeta o interesse nacional brasileiro, e pode ter efeitos devastadores para o país.

“É ‘mulheres’ primeiro”, corrigiu, em tom irritadiço. “Eles insistem em escrever errado, mas o ministério é das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.” Dilma Rousseff, ontem à tarde, mostrava-se muito preocupada com a imagem do novo ministério. Era sua grande novidade, com 31 integrantes.

Na essência, nada mudou. Antes, se resolvesse reunir e ouvir cada um dos 39 ministros por cinco minutos, a presidente passaria três horas e 15 minutos sentada, apenas escutando. Agora, com 31 ministros, ficaria duas horas e 35 minutos ouvindo. Sem intervalo.

No palácio, ninguém demonstrava uma réstia de preocupação com o mundo à volta: a 7,6 mil quilômetros do Planalto, governos dos Estados Unidos, Japão, México, Canadá, Austrália, Chile, Peru, Malásia, Cingapura, Vietnã e Brunei, anunciavam o maior acordo de comércio regional da história, que vai mudar as bases de produção e do trabalho em 40% da economia mundial.

A Parceria Transpacífica afeta direta e profundamente o interesse nacional brasileiro. Impõe novas facilidades de acesso a mercados de bens, serviços e investimentos, menores tarifas comerciais, unificação de regras para a propriedade intelectual das grandes corporações e limites à exclusividade de patentes, para impulsionar a inovação e produtividade — da fabricação de carros aos remédios.

Seus efeitos podem vir a ser devastadores para o Brasil, cuja participação no comércio mundial se mantém estagnada há mais de uma década, com tendência ao declínio. Ficou em xeque a tática brasileira do último quarto de século de avançar dentro de um sistema multilateral de negócios, com algum poder decisório — a “centralidade”, no jargão da diplomacia — na Organização Mundial de Comércio. A OMC agora está sob evidente risco de esvaziamento.

Perdeu-se na poeira do tempo a última iniciativa brasileira para se ajustar ao mundo contemporâneo. Foi há 24 anos, em 1991, quando construiu o Mercosul, obra de engenharia política relevante para aquele período.

Desde a virada do milênio o país se contentou em desenhar o futuro com base em apenas três acordos comerciais nem um pouco significativos — com Israel, Palestina e Egito.

Entrou no século XXI sem sequer sinalizar entendimento sobre as mudanças nas cadeias globais de produção, a força da inovação e o novo papel do Estado na economia.

O impasse de década e meia nas negociações comerciais com a União Europeia é exemplar, porque deixa transparecer a perda de referências governamentais sobre os reais interesses nacionais neste início de século.

Preocupada com reverências ao PMDB e os erros de protocolo (“Hoje, o pessoal aqui está meio esquecido” — queixou-se sobre a ausência de alguns nomes na papeleta que lhe entregaram antes do discurso), Dilma ontem demonstrava estar alheia à natureza da mutação do mundo à sua volta.

Os riscos para o Brasil são evidentes, e altos. E não há alternativa nesse novo mundo. Como dizia o ex-presidente italiano Giorgio Napolitano, que no pós-comunismo se reinventou na social-democracia, “quem não se internacionaliza, será internacionalizado”.

José Casado

Gasto público, o exorbitante e o supérfluo

Enxugar gastos não é tarefa agradável nem simpática. Dela não se colhe sorrisos, embora o bom líder, o líder respeitado, colha solidariedade.

Mas esse não é mais o caso do governo petista. O país já reconhece o partido que pretendeu ser hegemônico como uma organização tomada por criminosos. As pessoas bem informadas têm plena consciência, também, de que a nação, por motivos eleitoreiros, foi irresponsavelmente levada a uma crise pela qual não precisava estar passando. O PT e seu governo estão desqualificados para a tarefa que o país tem pela frente. Não há mais, na alma brasileira, ao alcance desse partido, apoios que não precisem ser comprados com sanduíche de mortadela nas ruas e cargos nos gabinetes. Portanto, as sugestões deste artigo vão para a reflexão dos leitores e não para o governo.


No ambiente familiar, quando se torna imperioso cortar gastos, circunstancial ou permanentemente, a tesoura vai atrás dos considerados exorbitantes ou supérfluos. Dependendo de cada realidade, saem as viagens, as roupas novas, os restaurantes, as pizzas delivery, as novidades tecnológicas, os jogos de futebol. Os espetos vão para a churrasqueira com cortes mais baratos. Enfim, cada família busca a seu modo o próprio superávit primário.

Agora, olhemos o Estado. Sob esse guarda-chuva, se abrigam o Estado propriamente dito, o governo, a administração, o Legislativo e o Judiciário. Todos competem pelas fatias do orçamento, todos se consideram irredutíveis, insuficientemente agraciados e remunerados, e só conhecem a solidariedade interna - aquela que une os iguais em torno deste interesse comum: o "nosso" é sagrado. A despeito do preceito constitucional que impõe harmonia aos poderes, na hora do dinheiro prevalece o outro, o da independência.

A presidente Dilma reduziu de 39 para 31 o número de seus ministros e cortou 10% dos vencimentos do topo da cadeia alimentar do gasto governamental. Um ato simbólico. Uma merreca. Economizaríamos muito mais se ela reduzisse as despesas, inclusive as próprias, com cartões corporativos, com as numerosas comitivas ao exterior e com o luxo dos hotéis que frequenta. Ganharíamos muito mais ainda se parasse de usar nosso dinheiro para fazer publicidade de seu desditoso governo. E estou falando dos cortes supérfluos.

Para atingir o exorbitante teríamos que impor limites à licenciosidade com que o Legislativo e o Judiciário e a grande cascata das carreiras jurídicas definem seus ganhos e, muito especialmente seus privilégios. Sim, são privilégios, leizinhas privadas (que sequer leis são porque fixadas por atos administrativos validados por decisões liminares). São benefícios que ninguém mais tem, que geram direitos retroativamente e periódicos pagamentos de "atrasados". A república, além de conviver com enorme desnível entre os maiores e os menores salários, disponibiliza a uma parcela da elite funcional, na União e nos Estados, contracheques que, ocasionalmente, se elevam a centenas de milhares de reais. Não há pagador de impostos que não se escandalize ao saber que isso é feito com o fruto de seu trabalho.

Na mesma linha do exorbitante temos a corrupção endêmica; as aposentadorias precoces, incompatíveis com o mais desatento cálculo atuarial; os incontáveis benefícios fiscais que orientam bilhões para usos que nada têm a ver com as funções essenciais do Estado; a legião dos cargos de confiança, que deveriam ser restringidos a um número mínimo, na ordem das centenas e não das dezenas de milhares; a atribuição ao setor público de atividades que poderiam, perfeitamente, ser desenvolvidas pela iniciativa privada; a sinecura de tantas ONGs que funcionam apenas como custeio público para o empreguismo de apadrinhados políticos; a centralização que derroga o pacto federativo e leva o dinheiro de quem produz para longe de suas vistas e para fins inconcebíveis; a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar, exemplo de injustiça que clama aos céus.

Se quiserem mais sugestões tenho inúmeras outras a fornecer.

Percival Puggina

Obscenidade

Num dia qualquer de 1964, o poeta Manuel Bandeira passou de ônibus diante do prédio em que morava o ex-presidente Café Filho. Na realidade, era o vice de Vargas, que se suicidara na véspera. Alegando uma crise cardíaca, Café se internara num hospital e assim ficara livre de não participar daqueles dias tumultuados que levariam ao suicídio do presidente em exercício.

Tão logo correu a notícia da morte de Vargas, deram alta hospitalar ao vice para que ele assumisse a Presidência, mas os militares que haviam dado o golpe que instauraria a ditadura, consideravam Café Filho comprometido com a situação deposta.

Cercaram com tanques e tropas o prédio para impedir que Café saísse de casa e fosse ao Catete para tomar posse na Presidência da República. No dia seguinte, o poeta escreveu um artigo no "Jornal do Brasil" considerando obscena aquela manifestação de força contra um homem desarmado que, naquela hora, já era presidente do Brasil.

Lembrei esse episódio porque tive sensação igual, a da obscenidade da reforma ministerial promovida por Dona Dilma. Ficou escancarado o recurso obsceno usado pela presidente que enfrenta a possibilidade de um impeachment. Ela teve tempo para testar os ministros que nomeara ao tomar posse numa data anterior.

Para contentar os congressistas que poderiam cassá-la das funções presidenciais, ela organizou um grupo de auxiliares comprometidos com os partidos que a defenderão em plenário. Não foi uma medida tomada por um chefe de Estado e sim de uma oportunista que se agarra ao poder sem nenhum escrúpulo moral.

Pessoalmente, não vejo necessidade de um impeachment. Mas Dona Dilma de tal maneira se avacalhou, que não mais merece a função de presidir um país bichado pela obscenidade de um governo em falência.

DNA de bandido

Nos últimos anos, tenho recebido em silêncio os sucessivos ataques do doutor Hélio Bicudo, pontuados de rancor. Eu até pensei em tomar medidas judiciais a propósito dessas injúrias. Mas não o farei em atenção a você e a seus familiares. Eu e seu pai somos cristãos e ele tem consciência de que Deus sabe que ele está mentindo
Lula em carta a José Eduardo, filho petista de Hélio Bicudo, numa intimidação ao jurista depois da entrevista do jurista ao programa Roda Viva

A Inteligência da vida


Gun Semin, 71 anos, é um psicólogo turco que estudou na Alemanha e no Reino Unido, trabalhou na Holanda, e atualmente vive em Lisboa, dirigindo um centro de investigações que se ocupa, entre outros temas, da transmissão de sentimentos através do suor. Ao que parece, o suor de pessoas felizes contagia quem quer que o respire. Também a tristeza, a cólera, o medo, todos esses sentimentos se podem transmitir a outros, sem necessidade de palavras ou gestos, simplesmente através de delicados (e eventualmente mal cheirosos), processos químicos. Semin fala disso numa recente entrevista a um jornal português, explicando, com algum detalhe, todo o mecanismo da pesquisa que dirige.

Nada disso constitui novidade. A novidade é que talvez essas formas de comunicação sejam mais importantes do que imaginamos.

A entrevista de Gun Semin foi publicada mais ou menos na mesma altura em que a Nasa divulgou, numa concorrida conferência de imprensa, uma série de fotografias e outras evidências que confirmam não só a presença de água em Marte, mas também que a mesma ocorre em estado líquido, deslizando, nos meses de verão, pelas altas montanhas do planeta vermelho. Como seria de esperar, os cientistas da Nasa foram confrontados, logo a seguir, com a estafada questão da existência de vida em Marte. Sim, disseram, existindo água em estado líquido é provável que exista vida. Pergunta seguinte: e existindo vida, pode existir vida inteligente?

Esta sempre me pareceu uma questão equivocada. Em primeiro lugar, teríamos de discutir a que nos referimos quando falamos em vida inteligente. Imaginemos um pé de ipê, um abacateiro, um baobá, para referir apenas três espécies de árvores que eu amo muito. Todas elas me parecem formas de vida incrivelmente inteligentes. Alimentam-se de água, de luz e de terra. Não matam para se alimentarem. Desenvolveram habilidosos e generosos mecanismos de disseminação, os frutos, sem precisarem se locomover. Além disso, são capazes de comunicar através de complexos processos químicos — semelhantes aos estudados por Gun Semin — não apenas umas com as outras, mas inclusive com diferentes formas de vida, como as abelhas. “Vida inteligente” parece-me uma redundância. Toda a vida é inteligente. A inteligência é uma das propriedades da vida.

Por outro lado, se mal conseguimos compreender como comunicamos entre nós; se não somos capazes de nos comunicarmos com as diferentes formas de vida que nos cercam e com as quais convivemos desde sempre — se não conseguimos conversar com um abacateiro, por exemplo — como diabo conseguiremos bater um papo com um marciano?

A comunicação não se esgota na palavra. A partir do momento em que formos capazes de decifrar outras formas de transmissão de informação, como a que Gun Semin estuda, estaremos talvez mais aptos para iniciar os diálogos de que falo atrás. Conhecem-se, desde há séculos, experiências de comunicação com espécies diferentes, sobretudo com aquelas que nos estão mais próximas, e que consideramos “inteligentes”, ou seja, que se servem de uma inteligência semelhante à nossa, como os primatas ou os golfinhos. Contudo, mesmo essas experiências passavam, até há poucos anos, por forçar essas outras espécies a servirem-se das nossas formas de comunicação. A famosa gorila Koko recorre a mais de mil sinais da língua gestual americana para comunicar com os seus tratadores. As imagens de Koko chorando, ao receber a notícia da morte de Robin Williams, de quem era amiga, comoveram o mundo.

Aprendi em criança que “o homem é o único animal que se serve de instrumentos”. Já nessa altura, contudo, se conheciam inúmeros exemplos de animais que se serviam de instrumentos. Também aprendi que “o homem é o único animal que constrói artefatos complexos”, até que começamos a perceber a maravilhosa complexidade e inteligência das colmeias ou dos morros de cupins. “O homem é o único animal que tem consciência de si”, dizia-se, e experiências recentes demonstraram que não. À medida que o nosso conhecimento sobre as outras espécies progride vamos percebendo que aquilo que achávamos ser algo exclusivo da nossa “inteligência” é, afinal, comum a muitas outras formas de vida.

Teremos primeiro de abandonar a nossa arrogância fundamental para, finalmente, começarmos a dialogar com a vida. Não com a “vida inteligente”, mas com a “inteligência da vida”. Descobriremos talvez, nessa altura, que os marcianos já se encontram entre nós há muito tempo. Simplesmente não estávamos a olhar para eles. Durante todo esse tempo, mesmo com os olhos voltados para as estrelas, não temos feito outra coisa senão olhar para nós próprios.

José Eduardo Agualusa

A Velha Política

O governo recupera o fôlego com cargos e verbas para o PMDB e o fatiamento das investigações do Petrolão. As práticas fisiológicas no Legislativo e as manobras de abafamento das investigações e de influência sobre os julgamentos no Judiciário são a essência da Velha Política. As sugestões de Sarney a Lula para escapar do mensalão foram repassadas e finalmente ensaiadas por Dilma Rousseff. A cooptação parlamentar e a perspectiva de ajuste fiscal compram tempo e acalmam os mercados.


A má notícia para o governo é que o fôlego de suas manobras pode se revelar curto. Pois têm dimensões oceânicas os vagalhões da crise atual. As irresponsáveis pedaladas fiscais vão a julgamento pelo Tribunal de Contas da União. As suspeitas de irregularidade no financiamento da campanha presidencial serão avaliadas pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os pedidos de impeachment serão celeremente encaminhados pelo presidente da Câmara dos Deputados, indignado com as acusações de malfeitos milionários, cuja coordenação e vazamento são por ele atribuídos aos responsáveis por malfeitos bilionários.

O principal obstáculo às táticas anacrônicas e desmoralizantes do governo é a dinâmica de comunicações de uma sociedade aberta em evolução. Pois o fisiologismo dos parlamentares e a cumplicidade do Judiciário são apostas contra o inevitável aperfeiçoamento de nossas instituições. Ignoram a voz das ruas. A opinião pública já tem a desconcertante percepção de que o establishment trabalha de fato pela impunidade. Quando Dias Toffoli, em defesa do fatiamento no Supremo Tribunal Federal, perguntou se existia apenas um juiz no Brasil, deveria perceber que o entusiasmo da opinião pública pelo desempenho de Sérgio Moro sugere atordoante resposta: “Competentes e probos como ele, poucos.” Afinal de contas, são décadas de escândalos, roubalheiras e impunidade.

Lula quer ainda mais de Dilma. Abafar as investigações e abraçar o PMDB para evitar o impeachment e aprovar o ajuste fiscal seriam apenas uma estratégia de sobrevivência política acompanhada de um “feijão com arroz” na economia. Uma “sarneyzação” do segundo mandato de Dilma, que apenas evitaria o destino de Collor, mas não a tragédia eleitoral que devastaria o PT e inviabilizaria o retorno de Lula em 2018.
Paulo Guedes