terça-feira, 21 de março de 2017

Depois da carne, os remédios

Se quiser evitar novas surpresas como a da fraude na vigilância sanitária, com risco real à saúde da população, o presidente Michel Temer deveria refletir sobre algumas medidas preventivas.

Uma delas seria a demissão dos dirigentes de agências reguladoras e órgãos de controle e fiscalização de consumo indicados por políticos. A lista dos patrocinados nos governos Lula, Dilma e Temer está disponível no computador de Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, um lance de escada acima do gabinete presidencial, no Palácio do Planalto.

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Outra providência é a revisão da megaestrutura da Anvisa. Moldada na referência americana da FDA, essa agência estatal é responsável pelo controle e vigilância sanitária da galáxia de medicamentos, alimentos, cosméticos, sangue, produtos e serviços médicos, vendidos no país ou exportados.

Sobram razões para revisão dessa superestrutura, mostram os relatórios da agência ao Tribunal de Contas da União. Neles, a Anvisa confessa ser praticamente nula a sua capacidade de garantir a qualidade, a segurança e a eficácia dos medicamentos que estão no mercado.

Auditores passaram um ano examinando informações da agência. Em outubro, confirmaram: “Análises de medicamentos não estão ocorrendo desde 2012”. Significa que há cinco anos os brasileiros consomem remédios sem controle ou fiscalização depois que chegam às farmácias. A rede estatal de laboratórios para testes é rarefeita (Alagoas, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí e Sergipe não têm). Onde existe, quase sempre “não está em funcionamento”.

As falhas da Anvisa começam na subnotificação de eventos adversos no uso de medicamentos. Países com população e consumo menores registram muito mais notificações que o Brasil — Chile três vezes mais e Peru, dez vezes mais. A agência opera com dois bancos de dados, incomunicáveis e desligados do sistema de São Paulo. Quem quiser saber por que 5.762 medicamentos novos, genéricos e similares tiveram seus registros cancelados desde 2011, precisará fazer pesquisa manual no acervo de 126.902.000 de páginas de documentos.

A Anvisa é um repositório de registros de remédios, mas não analisa mudanças no perfil de segurança dos produtos que possam motivar, ou não, alterações no registro do medicamento ou ainda, sua retirada no mercado. Dos 1.585 pedidos que recebeu em 18 meses de 2015 a 2016, só analisou dois.

Na prática, atua como guichê de renovação automática de registros. Há situações estranhas, como a do Cicladol, usado em terapia de dores agudas. Registrado em 2000, teve a renovação pedida em 2004. A Anvisa rejeitou, a empresa recorreu, e o caso foi suspenso para “análise de eficácia e segurança” do remédio. Mesmo com a desconfiança técnica, o registro foi renovado automaticamente duas vezes, e o medicamento segue em circulação.

A Anvisa nasceu duas décadas atrás, na esteira do caso das pílulas de farinha do laboratório Schering, cujos anticoncepcionais ineficazes, Microvlar, chegaram aos consumidores. A boa ideia original, para controle e fiscalização de medicamentos, acabou no loteamento político das agências reguladoras. O resultado está aí: da carne ao remédio sobram burocracia, ineficácia, insegurança e um histórico de impunidade aos que deixam em risco a saúde coletiva.

José Casado

Governo é parte do problema na cise da carne

Desde que foi deflagrada a Operação Carne Fraca, o governo de Michel Temer corre para tentar reduzir os prejuízos que o setor agropecuário sofrerá, sobretudo no bilionário negócio da exportação de carne brasileira. Em privado, Temer trata a investigação da Polícia Federal como uma barbeiragem. Avalia que houve uma injustificável generalização de irregularidades que chama de pontuais. Em público, o presidente assegura que seu governo solucionará rapidamente todos os problemas. A questão é que o governo é parte do problema, não da solução.


No domingo, Temer reuniu-se com embaixadores de países que compram carne do Brasil. Tranquilizou-os. Horas depois, começaram a pipocar as notícias sobre a suspensão de importações. Hoje, Temer declarou em São Paulo: ''O agronegócio, para nós no Brasil, é uma coisa importantíssima e não pode ser desvalorizado por um pequeno núcleo.'' Ele se refere aos 33 servidores que estão sob investigação policial.

Não é que Temer não tenha enxergado uma solução. Ele é parte da encrenca porque ainda não enxergou o problema. Varejadas pela Polícia Federal, as superintendências do Ministério da Agricultura nos Estados são feudos políticos. Na superindência do Paraná, revezam-se o PMDB de Temer e o Partido Progressista. Na de Goiás, manda o PTB. Os prepostos desses partidos recebem voz de prisão. Ocorre na Agricultura o mesmo fenômeno que levou a Petrobras à breca: ingerência política.

O que Temer não percebeu é que vigora no Brasil não o presidencialismo, mas uma versão bem brasileira de monarquia. Quem reina é a esculhambação.

Josias de Souza

O silêncio dos culpados

Esta quarta-feira, 15, foi daqueles dias em que os fatos se impuseram à “narrativa” do Brasil com uma contundência de doer. Capital por capital, cidadezinha por cidadezinha, giro após giro das TVs pelo país, a mesma cena: grupelhos de funcionários públicos estáveis no emprego, com aposentadorias integrais e aumentos de salário garantidos até 2020 barrando a passagem das multidões de desempregados, subempregados e empregados com empregos ameaçados (todos menos os públicos) e aposentadorias de fome (todas menos as públicas), que esperavam passivamente nas estações e engarrafamentos gigantes que os “donos do Brasil” em “greve geral” contra as reformas da previdência e trabalhista lhes concedessem a graça de seguir na luta pela sobrevivência.

Um retrato doloroso mas fiel da nossa realidade.

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Esse Brasil órfão, sem voz, abandonado à própria sorte, impedido de trabalhar, está morrendo de overdose de funcionalismo, de supersalários e, mais especialmente, de acumulo de aposentadorias e superaposentadorias precoces. Pouco mais de 980 mil aposentados da União geram um déficit maior na previdência que o resto dos 32 milhões de aposentados do setor privado somados. Não se sabe a quanto os 26 estados e 5.570 municípios com seus respectivos executivos, legislativos e judiciários empurrarão essa conta (“sem contrapartidas”!), mas somente a folha da União vai subir este ano dos R$ 258 bilhões que custou em 2016 para R$ 283 bilhões. São quase 10% a mais e como o orçamento cresceu só 7%, isso significa que, no mesmo momento em que estão arrancando catéteres de quimioterapia das veias de doentes com câncer e abandonando-os para morrer no hospital publico de referência em oncologia do Rio de Janeiro por “falta de recursos” (imagine nos “grotões”!), mais e mais dinheiro dos impostos que esses doentes pagaram é desviado das atividades-fim para os bolsos dos eternamente imunes às crises que fabricam.

Se todos os moderadíssimos cortes de despesas propostos pudessem ser executados o governo Temer prometia aos miseráveis do Brasil que chegariam ao fim de 2017 com um acrescentamento à divida que o estado atira-lhes anualmente às costas de “apenas” R$ 140 bilhões por cima dos R$ 2,81 trilhões a que o total já chegou. Mas os últimos “direitos adquiridos” pela casta dos “grevistas” de quarta-feira vão custar mais que isso e o governo já está desistindo de buscar a diferença com reformas, mesmo as que mantêm intacta a escandalosa desigualdade que ha hoje nas contas da previdência. Novos impostos já estão prontos para ser disparados.

Esta passando da hora, portanto, de darmos uma “freada de arrumação”. As emoções da Lava Jato são vertiginosas e a delícia de ver ladrões de casaca perderem o sono uma vez na vida não tem preço. Mas esquecer o cérebro no meio do caminho é catastrófico. O primeiro ponto é manter em mente que corrupção não é mais que déficit de democracia. E democracia é controle do estado pelo povo e não o contrário. “O pior sistema que existe excluidos todos os outros” como dizia Winston Churchill. A rápida evolução dessa burrada do “financiamento público” de campanhas para o seu corolário obrigatório que é a “lista fechada” é mais uma prova disso. Cassa o seu direito ao voto. O outro ponto essencial é dar a cada coisa o seu devido peso. A Lava Jato é imprescindivel. Mas fingir que só ela basta para nos tirar da rota de desastre é nada menos que suicídio. Quanto é que se rouba do Brasil por fora da lei? Via Odebrecht, a rainha do nosso cupinzeiro, foram R$ 10 a 12 bilhões de reais em cerca de 10 anos, diz a polícia. Mas sejamos realisticamente generosos. Multipliquemos esse valor por 10, por 20 vezes. Se tudo parar rigorosamente onde já chegou; se nenhuma obra mais pagar “pedágio”, funcionário inútil for contratado ou “direito” novo for “adquirido”, estaremos todos mortos e enterrados, mais nossos filhos e netos, antes que o completo cessamento da roubalheira “por fora” zere a conta do que nos arrancam todo santo mês “por dentro” com a vasta coleção de leis que só valem para “eles”.

A discussão do que realmente decide o nosso destino, portanto, nem começou. Desde o apeamento do PT do poder só o que não depende do Brasil tem nos dado sobrevida: a saúde da economia americana, os soluços da China e das commodities, os capitais que se aventuram por juros maiores que zero. O governo Temer tem vivido de expedientes; só lhe foi dado mexer naquilo que é possível mexer sem mexer no que é preciso mexer para o Brasil voltar a respirar: repatriações de dinheiros fugidos, manipulações do câmbio e dos juros, “ajustes” de estatais arrombadas via incentivo à aposentadoria, raspagens de fundos de cofres tipo FGTS para lembrar aos moribundos como é estar vivo…

A mansa passividade das multidões detidas pelas barricadas da “greve geral” de quarta-feira estando em causa questão tão explosiva quanto é a aposentadoria em toda a parte do mundo dá, no entanto, a medida dos sacrifícios que esse Brasil enjeitado e sem voz estaria disposto a aceitar se lhe acenassem com a menor contrapartida. Mas a função de expor, de medir, de comparar o que falta aos miseráveis com o que obscenamente sobra à casta que se apropriou do estado não é do presidente da republica, muito menos de um acidental e periclitante como o nosso que sofre represálias cada vez que ousa mover o nariz na direção do quadrante de onde vem o mau cheiro. Essa função é SEMPRE da imprensa.

Se não houvesse nenhum sinal de que tudo está derretendo de podre no reino dessa nossa “dinamarca” lá de cima já seria inaceitável que ela não fosse fuçar esse departamento dia sim, dia não. Mas no estado de arrebentação em que vai um país onde os pilotos e aviões da força aérea nacional estão oficialmente reduzidos à condição de choferes de marajás, as “assessorias” são do tamanho de governos democráticos inteiros e os salários e mordomias do Poder Judiciário competem com os dos tubarões de Wall Street esse silêncio é indecente.

Reforma política mal passada

Após a Polícia Federal espetar a JBS na Carne Fraca, não dá mais para ignorar que empresas suspeitas de corromper funcionários públicos investiram R$ 1,2 bilhão (corrigida a inflação) na eleição de 2014. E isso só pelo caixa 1. É mais da metade de tudo o que foi doado oficialmente por grandes financiadores (quem deu mais do que R$ 2 milhões) para candidatos a presidente, governador, senador, deputado federal e estadual.

Tampouco dá para esquecer que esses grandes doadores alvos da Lava Jato e de outras operações policiais colocaram largas somas nas campanhas de praticamente todos os partidos grandes e médios, além de alguns nanicos: PT, PSDB, PMDB, PP, PSD, PR, PSB, PCdoB, PDT, PRB, PTB, SD, PROS, DEM, PSC, PV, PTN, entre outros. A cor dos partidos não importava, só a do dinheiro.

Em regra, o tamanho do investimento seguiu as regras de qualquer negócio: foi proporcional à chance de retorno. O valor recebido pelas legendas em 2014 acompanhou o favoritismo de seus candidatos nas eleições majoritárias. PT e PSDB ganharam mais que o resto porque foram ao segundo turno na corrida presidencial. A mesma lógica foi aplicada às proporcionais. Eduardo Cunha foi o candidato a deputado federal do PMDB que mais arrecadou porque era barbada para presidir a Câmara.

Como mestres no retorno do capital investido, esses grandes financiadores espetados pela PF tiveram muito sucesso nas eleições. Juntos, ajudaram a eleger pelo menos metade da Câmara dos Deputados. Graças ao investimento bem-sucedido de R$ 55 milhões em 2014, não há partido com bancada maior que a da JBS, por exemplo. Não discrimina ninguém: tem quem virou ministro do governo Temer, como os da Justiça e da Saúde, tem líderes da oposição petista e tem até "outsiders" tipo Jair Bolsonaro.


Embora o Supremo Tribunal Federal tenha aberto a porteira para considerar ilegal também as doações recebidas pelo caixa 1 oficial, o fato de um parlamentar ou governante ter recebido dinheiro de doadora que esteja metida na Lava Jato ou em outra operação policial não o torna automaticamente suspeito de nada. Nem mesmo quem recebeu de quatro ou cinco empresas investigadas, como é o caso de alguns deputados. Pode ser coincidência.

Também vale ressalvar que frigoríficos estão em grau de cozimento diferente dos empreiteiros. Uns são condenados confessos, outros estão sob investigação. Podem ser inocentados.

Feitas as ressalvas, o fato é que quem bancou a maior parte das campanhas eleitorais de praticamente todos os partidos em 2014 está encrencado com a polícia, com a Justiça ou com ambas. E essa encrenca está diretamente ligada às relações dessas empresas financiadoras da política com o poder público: seja para ganhar concorrências, seja para evitar fiscalização.

O dinheiro dos espetados foi tão determinante no resultado de 2014 que as doações empresariais acabaram proibidas em 2016. Com o argumento de que a proibição estimulou o caixa 2 e favoreceu os ricos, "master chefs" de todos os Poderes articulavam o retorno do financiamento empresarial em 2018. Mas isso foi antes de sentirem o cheiro de churrasco da Carne Fraca. Agora, o menu de mudanças da legislação eleitoral e partidária deve mudar.

Multiplicação bilionária dos pães no mal fiscalizado Fundo Partidário e o voto em lista para o Legislativo entraram no cardápio. Juntas, essas medidas dão poder inédito aos donos dos partidos. Eles poderão ditar quem se elege e com quanto.

É a receita para afastar de vez a clientela das urnas, piorar ainda mais a reputação da política e estimular curandeiros e suas poções milagrosas. Os ingredientes desse cozidão eleitoral já estão na panela. Só falta acender o fogo.

Gente fora do mapa

A slum in India. Thousands of children are orphaned and left homeless on the streets. These children have to fend for themselves and relinquish their rights to a pleasant childhood.:
Índia

União tem 18 mi imóveis desocupados

Situado em um dos cenários mais conhecidos do Brasil, o Bloco O da Esplanada dos Ministérios é um retrato do descaso com o patrimônio público. O prédio, com capacidade de abrigar ao menos 1.700 funcionários, está vazio há 14 meses – conta apenas com três vigias, que se revezam em rondas feitas nos seis andares, antes ocupados por integrantes do Exército e da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Prédio  onde funcionava o Ministério do Exército, hoje
está desocupado sem manutenção (
André Dusek/Estadão)

De acordo com dados do próprio governo, a União tem 91 prédios comerciais desocupados espalhados pelas 27 unidades da Federação, sendo dois deles no exterior. Se o critério for ampliado e incluir residências, galpões e terrenos, o número de imóveis em desuso salta para 18.091 no País.

Por outro lado, a União gasta todos os anos quantias bilionárias em aluguéis para abrigar funcionários de órgãos ligados ao governo federal. O Ministério do Planejamento informou não saber quantos prédios são alugados, pois as pastas têm autonomia administrativa para cuidar de seus contratos.

No entanto, as despesas de todos os ministérios são conhecidas. Entre 2011 e 2016, a União desembolsou R$ 7,397 bilhões com aluguéis de prédios para abrigar serviços públicos. O valor é mais do que o triplo do subsídio repassado no ano passado para Minha Casa Minha Vida, que foi R$ 2 bilhões. O maior gasto foi registrado em 2014 – R$ 1,348 bilhão.

A despesa com aluguel é considerada alta pelo próprio governo. Em 2015, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff, o Planejamento anunciou um plano para a redução desses custos.

A ideia tinha como ponto de partida a venda de imóveis da União que estavam desocupados. A verba obtida seria usada para reformar parte dos prédios abandonados. O plano previa também a construção de unidades. À época, a expectativa era arrecadar, somente em 2016, R$ 1,7 bilhão com as vendas. O resultado, no entanto, foi bem menor do que o esperado. Até agosto do ano passado, R$ 26 milhõesforam obtidos com a venda de 16 unidades.

O desempenho abaixo da expectativa mostra a dificuldade em reduzir os gastos de custeio desses imóveis. Em 2016, a União desembolsou R$ 35,253 bilhões com despesas de custeio administrativo (como material de consumo, locação e conservação de imóveis, locação e conservação de bens móveis, diárias, passagens e energia elétrica). O valor é apenas 2,6% menor do que o registrado em 2015, embora o governo tenha divulgado um esforço para tentar melhorar a gestão do patrimônio e auxiliar a reestruturação fiscal.

No caso das despesas com aluguéis, a redução entre 2015 e 2016 foi de 11,7%. De acordo com o Planejamento, a queda ocorreu em parte pela renegociação de contratos.

Para o economista Fábio Klein, é essencial que o problema seja enfrentado pelo governo. “É uma questão importante. Ter prédios em desuso e um custo enorme com aluguéis sobretudo numa situação de restrição de caixa, não faz sentido”, avaliou o pesquisador.

Governo x Polícia Federal: quem tem carne fraca?

Entre ministros do governo que cercam o presidente Michel Temer, o mínimo que se ouve é que a Polícia Federal deu um tiro no pé. No próprio pé, mas que de tão poderoso produziu grave estrago na imagem do país aqui dentro e principalmente lá fora. A imagem de boa qualidade da carne brasileira foi posta em xeque. Levará anos para se recuperar.


Por ora, o governo não dá bola para teorias conspiratórias que circulam a respeito nas redes sociais, mas não só – também entre políticos. A mais insistente delas sugere que a Polícia Federal e o Ministério Público agiram a serviço de interesses internacionais inconformados com a posição do Brasil no ranking dos maiores exportadores de carne do mundo.

Nada provável. Soa a absurdo. O entendimento que prevalece no governo é o de que a Polícia Federal e o Ministério Público, embalados pelo sucesso da Operação Lava Jato, limitaram-se a aplicar na Carne Fraca os mesmos métodos de investigação que até aqui haviam dado certo. Não só de investigação, mas também de comunicação posterior com o público.

A Carne Fraca foi deflagrada no dia em que a Lava Jato completava três anos de êxitos. A Polícia Federal tratou a operação como a maior de sua história. Exagerou. Valeu-se de mais de mil agentes para fazer sete prisões e recolher material nas empresas alvos da ação. Escalou um delegado inexperiente para explica-la depois aos jornalistas.

O erro mais sério teria sido o de não socorrer-se de especialistas em saúde sanitária para evitar disparates do tipo “papelão misturado à carne” ou de ácido impróprio usado para conservar ou conferir melhor aparência às peças de carne para venda. De resto, as conclusões tiradas o foram a partir de apenas dois laudos periciais. Pouca coisa por enquanto.

Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, foi escolhido para defender a indústria de carne e bater de frente na Polícia Federal, tarefas que desempenhou a contento até ontem quando exorbitou. Ao comentar a decisão do governo do Chile de suspender as importações de carne brasileira, ameaçou retaliar os produtos daquele país consumidos por aqui.

Pior: Blairo disse contar para isso com o apoio do presidente da República. Bazófia, certamente. Primeiro porque tal disposição não combina com o estilo ameno e negociador de Temer. Segundo porque não foi só o Chile que impôs restrições à importação de carne brasileira, mas também a China e países da Comunidade Econômica Europeia.

A propósito: pelo menos até ontem à noite, os países que compram carne ao Brasil pesaram pouco a mão ao reagirem às descobertas da Polícia Federal. Não porque sejam bonzinhos ou descuidados. Devem estar avaliando as providências tomadas pelo governo brasileiro para enfrentar o problema e mais revelações que a Polícia Federal possa oferecer.

A prudência de Temer manda que ele e seus ministros evitem um confronto aberto com a Polícia Federal e o Ministério Público. Os dois são bem avaliados pelos brasileiros e guardam segredos que poderão atingir ainda mais políticos próximos de Temer. Um já foi atingido por um disparo de advertência: Osmar Serraglio (PMDB-PR), Ministro da Justiça.

Doravante Serraglio terá como um dos órgãos subordinados ao seu ministério uma Polícia Federal com munição suficiente para causar-lhe sérios danos. Ligado à bancada ruralista no Congresso, Serraglio foi pego chamando um dos presos da Carne Fraca de “grande chefe” e interferindo a favor de um frigorífico do Paraná sujeito a fiscalização.

O Lula de sempre no palanque

A temporada populista de caça ao voto escancarou-se no fim de semana com o comício promovido pelo ex-presidente Lula da Silva na Paraíba. Foi o troco dado ao presidente Michel Temer no mesmo local em que o chefe do governo promoveu, no último dia 10, um ato público para comemorar, como símbolo da Transposição do São Francisco, a chegada das águas do rio ao município paraibano de Monteiro. O comício petista foi apresentado como a “inauguração popular” do projeto lançado por Lula em 2007 e que Dilma, apesar das reiteradas promessas, não teve competência para inaugurar enquanto estava no poder. No palanque, Lula foi o demagogo populista de sempre: “Se eu for (candidato a presidente em 2018) é para ganhar e trazer de volta a alegria deste país. Eu sei colocar o povo para sonhar com emprego e salário”. Finge não saber que, uma hora, o povo acorda.

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Lula deixou a Presidência em 2010 com mais de 80% de aprovação popular. Hoje, amarga a rejeição de quase metade da população brasileira. Réu em cinco ações penais, três delas na Lava Jato, o ex-presidente manteve no comício de domingo na Paraíba a mesma atitude de vítima que adota sempre que se sente politicamente desconfortável. Nessas ocasiões, introduz no discurso a figura de seus implacáveis inimigos: “eles”, todos aqueles que ousam discordar politicamente do chefão petista ou não acreditar que ele seja “a pessoa mais honesta deste país”.

Novo “evento popular” a ser protagonizado por Lula está programado para 3 de maio, quando ele prestará seu primeiro depoimento na presença do juiz Sergio Moro, em Curitiba. A ideia ainda não foi anunciada pela direção do PT, mas acredita-se que mesmo sem a chancela oficial do partido haverá uma forte mobilização para levar às ruas da capital paranaense apoiadores do ex-presidente dispostos a protestar contra a “perseguição política” de que ele é vítima.

Lula também tem mantido, desde outubro, encontros mensais com cerca de uma dúzia de economistas, a maioria ligada à Unicamp, com o objetivo de discutir medidas a serem propostas para a retomada do crescimento econômico e o combate ao desemprego. Até o momento esses encontros não têm produzido resultados satisfatórios porque, de acordo com membros do grupo, as divergências internas são grandes, tanto no que diz respeito a medidas de curto prazo como no que se refere àquelas de natureza estrutural.

Essas divergências são agravadas pelo fato de que Lula sabe exatamente o que deseja, cobrando dos especialistas apenas a melhor forma de colocar essas ideias em prática. Na verdade, o que ele espera é um milagre, que se resume a, em linhas gerais, fazer funcionar os mesmos princípios intervencionistas que constituíam a essência da “nova matriz econômica”, cujos resultados negativos foram precipitados pela incompetência gerencial do poste Dilma Rousseff, provocando o colapso da economia brasileira.

O que Lula pretende é municiar-se de argumentos de apelo popular para radicalizar o ataque ao presidente Temer, acusando-o de ser o responsável, em 10 meses de governo, pelo desastre econômico e social que os petistas passaram mais de 13 anos construindo. É óbvio que a grande maioria dos brasileiros, além de ter memória curta, não domina certas complicações econômicas. Mas é fácil a um demagogo populista fazer acreditar que o governo tudo pode e se aquele que está aí não resolve, por exemplo, o problema do desemprego, é porque não quer ou porque, perversamente, não se sensibiliza com as dificuldades da população mais pobre.

Para fazer os brasileiros voltarem a “sonhar com emprego e salário”, Lula não terá o menor escrúpulo de ressuscitar nos palanques – com atraente alcunha – o espírito da malfadada “nova matriz econômica”. Esse é o desafio que impôs aos economistas que o apoiam, na expectativa de que eles desatem o nó dos recursos inexistentes e promovam a mágica da retomada da gastança, cujos efeitos negativos sempre podem ser atenuados por uma boa “pedalada”.

Imagem do Dia

Hoang Su Phi (Vietnam)

O crime que nos salva

O parimento do caixa 2 do bem merece nossa melhor atenção, leitor. Se não chega a ter ferramentas para esculpir o que chamam de anistia, é sob sua relativizada sombra que se pretendem curar, afinal, os políticos queimados, em graus variados, pelas delações dos executivos da Odebrecht.

O argumento de defesa — que transforma o caixa 2 do bem em instituto de sobrevivência — já irmana a caciquia e está na boca tanto de Lula quanto de FHC: parte da admissão de que, sim, os partidos receberam doações eleitorais não declaradas, mas para logo apresentar a ressalva de que as aplicaram integralmente nas campanhas — o que configuraria crime eleitoral, de punição branda. FHC é ainda mais generoso e não chama o troço nem de ilícito, mas de erro. E todos — alguns com razão, porque outro não cometeram — querem esse erro para si. É sonho comum a culpados maiores e menores; o crime que salva.


Esse é o caixa 2 do bem, a ser vendido como delito modesto, de cuja admissão e estabilização os políticos já tentam desdobrar o golpe de uma reforma política que nem é reforma nem política. O problema, assim, não seria a prática deturpada, o hábito descarrilado dos homens públicos, o modo como perverteram o sistema, mas o próprio sistema; que será — é o que se arma — transtornado em nome da preservação dos costumes.

A coisa, porém, é complexa. Porque há também o caixa 2 do mal: aquele que equilibra, tão real quanto valioso à narrativa de sobrevivência; aquele que, em confronto, humaniza o do bem; aquele que tem a mesma origem desviada — a doação ilegal —, mas que descamba do mero crime eleitoral para a vala do penal, propina, corrupção passiva, lavagem de dinheiro etc.

Avizinhamo-nos, pois, de um momento decisivo para o futuro da Operação Lava-Jato: o de enquadrar. Porque, uma vez aceitos os inquéritos propostos pelo procurador-geral da República, caberá ao Ministério Público Federal a responsabilidade vital de detalhar — de esmiuçar e amarrar — a natureza criminal, se eleitoral e/ou penal, do caixa 2 de cada um dos investigados, tipificar caso a caso, e então oferecer ao Supremo denúncias cuja solidez depende de serem singulares e específicas. O assombroso castelo de indícios e suspeitas está erguido. Todo o rigor agora deságua no rigor de ter de provar. O trabalho — arrisco escrever — mais importante da história do MPF; desafio, sem alternativa, para o qual a condução espetacular da Lava-Jato o levou.

Não é impossível, mas será difícil coletar provas capazes de capturar — tecnicamente — políticos no caixa 2 do mal. Do sucesso desse enquadramento, porém, depende que não tenhamos chegado até aqui apenas para testemunhar a festa generalizada dos multados eleitorais, farra que a sociedade compreenderá como mais um triunfo da impunidade. Desse esforço de discernimento, que se comprometeu em destrinçar até os eventuais submundos do caixa 1, depende que não tenhamos criado somente as condições radicais para que os políticos, os mesmos que se quer defenestrar, premiem-se com o duplo advento — o sonho do PT — de financiamento público de campanha eleitoral e voto em lista fechada. Desse empenho depende também, por outro lado, a segurança — o sentido de justiça — para que entendamos e aceitemos que nem todos são grandes criminosos; em outras palavras: que admitamos a existência dos desprezíveis que, no entanto, somente praticaram crime eleitoral.

Há nuances. Há — muitos mais — riscos. E não há caminho de volta.
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Quando ouvir falar em reforma política, leitor, tenha certeza de que o querem enganar. Não há reforma política em debate; mas, sim, um movimento oportunista para garantir, com vistas a 2018, a viabilidade econômica dos partidos políticos conforme os conhecemos hoje e reforçar o poder — a blindagem — dos patriotas que os controlam. É golpe.

O que se pretende agora é impor, a toque (ops!) de caixa, um novo sistema para financiamento de campanhas eleitorais. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, explicando por que é filiado ao Democratas, foi direto: “A democracia precisa de dinheiro.”

A solução encontrada e já encaminhada, aliás, transforma Maia, expoente daquele que deveria ser o partido liberal brasileiro, em petista de carteirinha: financiamento público de campanha eleitoral — o que, a persistir o modelo de reparte corrente, dará ao PT o maior quinhão do dinheiro (proveniente do Tesouro Nacional) — e voto em lista fechada, o que assegurará aos políticos que o brasileiro quer cassar o domínio absoluto sobre quem representará o brasileiro no Parlamento. Você vota nas abstrações PT, PMDB, PSDB ou DEM — e transfere aos materialistas Lula, Jucá, Aécio e Maia, gestores do dinheiro público que bancará as campanhas, o condão de escolher quem será ou não deputado.

Anote, leitor: ainda sentiremos saudade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais; e de votar em Chico Alencar e levar Jean Wyllys de brinde.

Carlos Andreazza

Fedor público

Corrupção escondida vale tanto como a pública, a diferença é que não fede
Machado de Assis

A barbárie dos fatos

Um espectro ronda o mundo atual: a caretice. Fala-se em esquerda, direita, globalização e exclusão, mas ninguém menciona a pavorosa caretice que assola o mundo. Isso. A caretice é um rosto imóvel, é a contemplação insensível do mal, é a falta de compaixão, é a hipocrisia oculta atrás de sorrisos e lágrimas. É também o elogio da ignorância como ideologia: não sei nada, logo existo.

Fala-se muito sobre a volta do populismo, do nacionalismo burro, da luta contra a democracia.

Mas nos corações e mentes há um fundo desejo de imobilidade, por uma vida paralisada.

Há nos “neocaretas” sérios sintomas de origem sexual, psicopatia, arrogância da estupidez.

Vejam as pavorosas caras dos eleitores do Trump e dos membros de seu gabinete, todos velhos, com as fuças mortas, negando a vida real. Vejam a desgraça da Inglaterra com a velharia estúpida escolhendo a saída da UE. Esse bufão é o retrato caricatural da estupidez e da crueldade do Partido Republicano, que virou o inimigo interno do próprio país. Ele é o homem-bomba da América. É o rei da caretice criminosa, e a caretice é a grande ameaça. Não é esquerda nem direita – é a bosta. Mesmo a internet, com sua cornucópia de bilhões de tuítes, pode levar a uma realidade sem a dúvida, ao “pós tudo”, que pode resultar em nada.

Eu estava em Londres em 1967, quando saiu o disco dos Beatles “Sargent Pep-pers”, e me lembro de que Kings Road era uma espécie de comício dissolvido nos olhares, uma palavra de ordem flutuando no vento, “Blowing in the Wind”, como cantava o Bob Dylan. O mundo careta tremia, ameaçado pelo perigo do comunismo e pela alegre descrença que os hippies traziam. O capitalismo rosnava de humilhação, condenado como sistema injusto de produção e como repressor da sexualidade.

Depois, com o fim da Guerra Fria, parecia que os Estados Unidos iam derramar pelo mundo seu melhor lado, generoso, autocrítico, modernizador. A liberdade parecia uma necessidade de mercado.

A ideia de “um”, da “totalidade”, tinha se provado impossível. E isso seria o “novo”, o modo contemporâneo de se ver a vida social, uma forma mais profunda e complexa de pensamento que desse conta da circularidade do tempo. Debalde (sempre quis escrever essa palavra...).

As pessoas nunca suportaram bem a dúvida, não suportaram o múltiplo, o indizível, o incontrolável, a impotência “democrática”. A ideia de “fragmentário” gera angústia, porque lembra a morte. Todo pensamento (todo “Bem”) aspira ao Todo. O sonho do “Bem” está milenarmente ligado à ideia de totalidade. Pensamos com o corpo, queremos que o mundo seja um “todo harmônico”, como o nosso organismo.

O mundo ocidental parecia estar lindamente “condenado” à democracia, à multilateralidade, à tolerância. Mas não era esse o desejo dos caretas republicanos que hoje estão na Casa Branca. Essa máfia de psicopatas queria vingar-se do desprezo que sofreram nos anos 60, vingar-se do vexame de Nixon e Watergate, vingar-se dos Beatles, dos Rolling Stones, de Marcuse, de Dylan, da arte, dos negros, das mulheres livres, e, principalmente, da liberdade sexual que sempre odiaram. Imaginem Trump diante de um Picasso.

Osama bin Laden provocou o acontecimento mais fragoroso no 11 de Setembro e legitimou a paranoia dos caretas que depois tomaram o poder. A caretice ganhou vida nova com o ataque a NY.

Hoje, um dos piores homens do mundo governa a América. E deu voz à multidão de boçais que povoam os EUA. Isso é a coisa mais grave que atingiu o Ocidente em décadas.

O mundo está tão louco que as pessoas querem ficar no passado de um futuro que não conhecem.

Por que viver? Não há mais certezas que nos possam consolar. Não há mais o sonho de vitória, de verdade, de mentira, de coragem. Não há mais o indivíduo que sonha e encontra visões para um futuro. As questões estão cada vez mais misturadas, indistintas, equivalentes. As informações proliferam sem conclusão. Surge no mundo um grande pensamento sem cérebros. Uma ventania digital que unifica tudo em uma infinita chuva de informações, que não produzem subjetividades. Lembro-me sempre de um filme antigo, “O Planeta Proibido”, de Fred Wilcox, de 1956, segundo o qual tinha existido uma civilização, os “Krells”, que deixou como herança apenas um imenso cérebro eletrônico, em que estavam guardadas todas as ideias de sua história. E todos sumiram. Parece hoje.

A única maneira de se individuar é viver em vazios, em avessos, em células de resistência diante do império dos fatos. Melhor dizendo, em células de desistência. Agora, os novos progressistas não sonham mais com o “absoluto”; sonham com o relativo. Aceitamos o mundo cada vez mais como algo irremediável. O “absurdismo” dos anos 50 e anos 60 agora é aceito como o “novo normal”. Se antes a “alienação” era um pecado, hoje é aquilo que se deseja alcançar.

Não sei como fechar este artigo, confesso. Por isso, corro até um texto de Paul Valéry, “Prefácio às Cartas Persas de Montesquieu”, em que ele fala sobre algo parecido com o que vivemos.

Ele diz que uma sociedade cresce em geral da barbárie para a ordem. E diz também que a barbárie é o império dos fatos e, se é assim, a ordem precisa do império de ficções. A ordem exige a presença das coisas ausentes, o desejo pelas coisas ainda vagas, assim alcançando um equilíbrio em busca de algum ideal.

Estamos esmagados por excesso de fatos. Paul Valéry também diz que uma sociedade que tenha eliminado tudo que é vago e impreciso ou irracional, além do mensurável e verificável, talvez não possa subsistir.

Seria um novo tipo de barbárie – uma barbárie entendida como progresso, mas sendo apenas o inferno dos fatos –, a barbárie dos fatos, a barbárie digital.

Incômodo no condomínio do poder

O papo de “Reforma Política”, no Congresso, caiu como um raio em céu azul. Esse assunto – absolutamente urgente, faz tempo – estava adormecido: beneficiários de um sistema serão os últimos a querer alterá-lo.

De repente, não mais que de repente, a conversa ressurge. E não só na penumbra dos bastidores, nas reuniões das madrugadas, atrás das cortinas. Também no palco iluminado do Palácio do Planalto, quando os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Tribunal Superior Eleitoral se reúnem.

Os três primeiros com seu carimbo de investigados na Lava Jato ou nas contas de campanha (as situações se imbricam). O último na inusitada condição de julgador em tratativas com o julgado...

Refaço: não foi tão de repente assim. Afinal, a Lava Jato chegou na cúpula política, gerando inquietação, tensão, pressa em “resolver a situação”. Está aguçado o furor por legislar em causa própria, pois a tempestade se avizinha.

O que se articula é salvar a pele, em nome de “salvar a política”. Tem o projeto “declarou, limpou”: sacraliza-se o Caixa 1, e registrar o recebido na Justiça Eleitoral livra obrigatoriamente aquele recurso de qualquer origem ilícita.

Tem o projeto “anistia”: diz-se que Caixa 2 não é crime (e é, eleitoral, de abuso do poder econômico e falsidade) para apagar toda investigação sobre malfeitos passados, na linha do “daqui pra frente tudo vai ser diferente”.

E tem a lista fechada, uma boa ideia na hora errada: ótimo valorizar partidos e suas doutrinas (quantos no Brasil têm uma “ideologia pra viver”?), e poder votar, como em muitos países da Europa e da nossa América, no programa progressista, conservador, socialista, ecológico, republicano, social-democrata, trabalhista, nacionalista... sem individualização.

Mas a lista pré-ordenada que se propõe é aquela definida pelos caciques partidários. Que, claro, vão tratar da própria sobrevivência.

Querem transferir para o Erário o que as empresas antes repassavam, cobrando “serviços”. Só na eleição para deputados federais, em 2014, foram gastos R$ 5 bilhões! Uma exorbitância absoluta.

Isso não é Reforma Política. Sobre ela há diversas propostas bem articuladas dormindo nas gavetas do Congresso. A principal deriva de uma Iniciativa Popular de Lei, liderada pela OAB e CNBB, apoiada por mais de cem entidades populares: por um sistema político democrático, austero, transparente e participativo.

Paisagem brasileira

GOTUZZO, Leopoldo (1887 - 1984) - Arcos da Lapa, o.s.t. - 28 X 32 cm. Assinado datatado 1946
Arcos da Lapa (1946), Leopoldo Gotuzzo

Fraco é o caráter

Foi um fim de semana, e começa outra, com o Brasil malhando a carne ... do boi e do frango. Típico procedimento canalha de culpar os outros pela desfaçatez própria. No caso, incrivelmente, baixando o cacete nos animais que nem foram citados no processo a não ser como cortes de mortos. São cadáveres de que nos alimentamos em diversas formas. Mas há que cuidar do estado cadavérico. E disso não cuidam, nem cuidaram e certamente não cuidarão.  

A impropriedade para consumo humano não está na carne que se produz. Se concentra em alta dosagem de canalhice de quem ganha do povo para fiscalizar o que lhe é servido ou de funcionários espertalhões. Em ambos, tudo gente de alto escalão.

Pawel Kuczynski
A carne pode ser "fraca", mas a corrupção que se esconde nela é fortíssima. A operação da PF mostra didaticamente o estrago da propina alimentícia na economia e principalmente para o povo. Bem mais do que no Petrolão, desta vez devemos ter aprendido o rombo que produz a rapinagem público-privada, porque a resposta foi praticamente imediata no exterior. 

Imprensa e autoridades, num bate cabeça, defendem a ação policial e condenam a "espetaculização" e falhas de divulgação da Polícia Federal, que estariam provocando um dominó na exportação de carne brasileira. Houve sugestão até de que fosse consultado, antes da divulgação, o Ministério da Agricultura, exatamente onde se encontrava o chefão desta gangue e outros elementos, pois até o momento não se descobriram outras.

A operação policial, acima de toda a malhação, só fez abrir o furúnculo e expor a podridão: as organizações corruptas estão mesmo até em nossa comida.

Agora resta aos governos tomarem as providências que nunca tomaram. É ser demais inocente acreditar que setores de direção dos frigoríficos possam conspurcar a carne nossa de cada dia sem aval superior com propina rolando para agentes públicos. A "Carne Fraca" só veio nos revelar que há mais podridão do que temos digerido nos últimos anos em nome de campões nacionais do que vimos até agora.
Luiz Gadelha

Talvez?


Talvez estejamos quase na ruptura de um modelo político-institucional
Ministra Cármen Lúcia, presidente do STF

Os megassalários da elite burocrata

É conhecida a história de Henry Ford, engenheiro americano que revolucionou a indústria automobilística. Criou a “linha de montagem”, aumentou a produtividade, reduziu custos e democratizou o automóvel. Pagava bem aos seus funcionários, mas repetia com frequência: “Não é o empregador quem paga os salários. Ele só os entrega. Quem paga os salários é o cliente.” Faz sentido...

A administração pública, porém, não funciona assim. A burocracia parece um fim em si mesma. Com o país em recessão e mais de 12 milhões de desempregados, as despesas com pessoal do governo federal podem ser as primeiras a extrapolar as regras da PEC do teto. Ou seja, para acomodar a expansão das despesas com os servidores, o governo terá que cortar em outros setores como obras, equipamentos, programas sociais etc.

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Nada é mais grotesco, porém, do que os megassalários recebidos por uma minoria de privilegiados. O artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal determina que as remunerações nos Três Poderes, bem como os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Nos municípios, o teto é o salário do prefeito. Nos estados, o subsídio do governador para o Executivo e dos desembargadores para o Judiciário, aplicável aos membros do Ministério Público, procuradores e defensores. Mais claro, quase impossível!

No Brasil, entretanto, diz-se que a Constituição não é para ser cumprida, e sim interpretada. Dessa forma, é considerada “extrateto” uma série de penduricalhos “legalmente” instituídos. A transparência também não é das melhores. A título de exemplo, em São Paulo, no maior tribunal estadual do país, as tabelas de detalhamento da folha de pagamento estão disponibilizadas em 201 páginas, em PDF e sem ordem alfabética. O contracheque dos magistrados paulistas tem como paradigma o valor de R$ 30.471,11. Em janeiro de 2017, entretanto, de uma amostra de 287 desembargadores, 256 tiveram rendimentos líquidos acima de R$ 50 mil, após todos os descontos. Uma desembargadora amealhou líquidos R$ 107.485,00.

O tribunal explica que “existem vantagens pessoais albergadas pelo princípio da irredutibilidade de vencimentos e que são pagas em consonância com as Resoluções 13 e 17 do Conselho Nacional de Justiça”. Além disso, “magistrados e servidores do Judiciário fazem jus a verbas indenizatórias (auxílios previstos em lei) e ao abono de permanência, que se agregam ao total da remuneração que não estão submetidos ao teto constitucional”. Enfim, tudo legal!

Em Brasília, cidade que está sob racionamento de água, em decorrência da falta de investimentos hídricos ao longo dos últimos anos, advogada da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) recebeu, em janeiro de 2017, remuneração de R$ 95.066,17. Em fevereiro, foram R$ 53.390,76. A empresa argumentou que não recebe recursos do governo e que a Lei Orgânica do DF lhe concede liberdade para fixar salários. O que a Caesb parece não entender é que o bolso é um só. Na prática, sejam recursos do DF ou das tarifas, quem os banca é o cidadão, sem água...

Aliás, esse episódio nos leva a uma questão relevante. É de suma importância que todos os estados e a União divulguem os salários dos funcionários das suas empresas, principalmente das monopolistas. Atualmente, poucos o fazem.

Conforme pesquisa do jornalista Pieter Zalis, da revista “Veja”, em setembro do ano passado, mais de 5.200 servidores ativos do Legislativo, Executivo e Judiciário ganharam acima do teto constitucional, sem contar os aposentados, pensionistas e marajás dos Três Poderes nos estados e municípios.

Para reduzir essa farra, em dezembro de 2016 o Senado aprovou três projetos de lei que deixam claro o que está ou não incluído no tal teto. Passa a ser ato de improbidade administrativa pagar acima do limite constitucional, e os órgãos ficam obrigados a divulgar as parcelas das remunerações em dados abertos, manipuláveis e bem detalhados. Até ontem, porém, dois desses projetos ainda não tinham relatores na Câmara e o terceiro foi apensado a um de 2009. Dá para perceber que aumentar despesas é muito mais fácil do que cortá-las.

Parodiando Henry Ford, não é o governo que paga os salários dos funcionários públicos.

Ele apenas os transfere. Quem paga são os contribuintes. E o fazem indignados por bancarem salários de marajás, tão legais quanto imorais.

País da piada pronta

Estamos pagando um preço muito caro pelo desgoverno petista nesses últimos quatorze anos em que o Brasil ficou conhecido lá fora como o país mais corrupto. Mas parte da população, principalmente aquela mais desinformada, ainda acredita na fanfarrice do Lula e da Dilma, ambos mergulhados até o pescoço em atos de corrupção. Aposentados, vivendo às custas do contribuinte (Lula disse que tem renda de 50 mil reais por mês), os dois agora também inauguram obras como se ainda estivessem aboletados no poder. Fazem um governo paralelo de inaugurações como se as obras fossem deles e não do estado brasileiro.

É muito cinismo da dupla sair por aí visitando obras das empreiteiras em que se locupletaram com milhões e milhões de reais. Empresas que abasteceram os cofres petistas com o dinheiro roubado do contribuinte. A Dilma, agora com direito a uma polpuda aposentadoria como ex-presidente, desfila pelo exterior falando idiomas desconhecidos dos terráqueos e difamando o país que governou. Querem juntar os cacos para se apresentarem como personagens novos da política em 2018. E mais: divulgam ser a salvação do país com fórmulas mágicas para recuperar a economia que eles mesmos destroçaram.

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Nada disso que escrevi aí em cima saiu de um esquete de humor. É uma ação da dupla do barulho que vai começar a percorrer o país para tentar voltar ao poder ou, na pior das hipóteses, reativar o PT esfacelado e atolado até o pescoço no esquema de corrupção. Lula é o mestre de cerimônia. Apresenta-se como vítima, numa fantasia de honesto, e ataca como pode a Justiça pelos cinco processos a que responde por corrupção. Ao depor em Brasília sobre as acusações do senador Delcídio do Amaral aproveitou para fazer um discurso político em vez de responder concretamente as perguntas do juiz que se limitou aos autos do processo. Esqueceu-se que ali, perante o juiz, o que vale são as provas, o discurso é balela de palanque.

Sem ter o que fazer na vida, a dupla do barulho abriu o calendário de visitas ao Nordeste para campanha de 2018. Neste fim de semana foi inaugurar parte da Transposição do São Francisco na Paraíba, depois que Michel Temer entregou para a população as obras que se arrastavam há mais de quinze anos. Numa loucura monumental, que nem Freud explicaria, os dois decidiram que também deveriam fazer a sua inauguração como se as obras tivessem sido pagas por eles, com dinheiro do bolso deles. Quanta fantasia, quanto peleguismo, quanta excrecência de um partido apodrecido que ainda tenta levar o povo brasileiro no bico com as suas alegorias.

Para a grande maioria da população, o Lula é uma liderança caduca. Sua lábia ainda causa efeito nos torrões mais pobres do Nordeste, onde o Bolsa Família compra todo mundo que tem no programa a sua única alternativa de vida. E disso se aproveitam os sanguessugas petistas para sobreviver na política roubando os cofres públicos e distribuindo migalhas para uma população miserável. Quanto a Dilma, coitada!, até hoje não sabe que governou o país tal o nível de indigência mental. Mas, para não perder a carona, gruda-se como carrapato em Lula para sobreviver politicamente.

Sinceramente, o Brasil não parece um país amadurecido. Seus governantes vivem de sinecura até hoje. Quando De Gaulle veio aqui em 1962 profetizou: “Este não é um país sério”. O presidente francês estava irritado por causa da proibição da pesca de lagostas por barcos franceses no mar territorial brasileiro.

Mas todo político usa da diplomacia que lhe convém para eternizar as suas frases. Mesmo não sendo nenhuma Brastemp, De Gaulle parece ter acertado na mosca ao dar uma bronca nos governantes brasileiros e imortalizar, com algumas palavras, o conceito que tinha sobre o Brasil.

Não esperava o presidente francês que, cinquenta e cinco anos depois, um político brasileiro traduzisse em bom português o que ele realmente pensava sobre o nosso país. Esse feito coube ao nobre senador Romero Jucá: “O Brasil é uma suruba!”.