quinta-feira, 29 de agosto de 2019

E para tirar a riqueza...

Não queremos tirar terra de índio. Nós queremos tirar as riquezas que lá estão
Mauro Mendes (DEM), governador do Mato Grosso

Bolsonaro brinca com fogo e queima seu governo

À falta de ideias melhores para enfrentar a crise ambiental desatada por sua culpa, sua culpa, sua exclusiva culpa, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, a ser publicado, hoje, no Diário Oficial, que suspende por 60 dias em todo o território nacional qualquer permissão para que se toque fogo no mato.

Daqui a 60 dias, terá início a temporada de chuvas torrenciais na Amazônia que acabarão com as queimadas por lá. O que está pegando fogo agora é o que já foi derrubado entre fevereiro e maio últimos. Não haverá tropa militar o suficiente para apagar os milhares de focos de incêndio que atraíram a atenção do planeta.


O decreto do fogo seria igual a outro que proibisse a chuva – inócuo. A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo, e motivo de justo orgulho para o país. Ela já proíbe que se toque fogo em áreas protegidas como é o caso da maior parte da Amazônia. E, no entanto, se toca desde tempos imemoriais.

Somente entre 1985 e 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de cobertura natural – o equivalente a 20 vezes a área do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados do projeto MapBiomas. No mesmo período, a pecuária se expandiu por mais de 86 milhões de hectares. O que mudou então – e para pior?

Mudou o governo com a posse, em janeiro, de Bolsonaro na presidência da República. Assumiu um presidente que se elegeu prometendo afrouxar as regras de preservação do meio ambiente para facilitar o avanço da pecuária, da agricultura e da extração de riquezas minerais. Um anti-ambientalista de carteirinha.

Resultado? Do início do ano até anteontem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já detectou 43.421 focos de incêndio. Somente neste mês foram 27.497 –valor mais alto que a média para o mês inteiro registrada nos últimos 21 anos. Não fosse a gritaria internacional que só faz crescer, ficaria tudo por isso mesmo.

Em meio à alta do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama, apontado como a tropa de elite do instituto para o combate ao crime organizado na área ambiental, não foi a campo neste ano para combater crimes desse tipo. Por que não foi? Porque não teve recursos para tal.

Pelo mesmo motivo, despencou o número de autuações do Ibama na Amazônia. Até o último dia 23 foram aplicadas 1.639 multas por crimes contra a flora na região – uma queda expressiva de 42% em relação ao mesmo período do ano passado. Foi também a menor quantidade de multas aplicadas desde 2010.

Bolsonaro brincou com fogo e queimou seu governo para sempre.

Taca fogo

Consta que o documentário russo-soviético O Fascismo de Todos os Dias, de Mikhail Romm, lançado em 1965, foi visto por mais de 40 milhões de espectadores. Se a plateia foi mesmo tão grande, é merecido. Montado a partir de imagens cinematográficas originais da propaganda nazista, o filme reconstitui a formação do que chama “fascismo alemão” e consegue um resultado tão esclarecedor quanto apavorante.


Preliminarmente, cabe aqui um reparo sobre o título da obra. Classificar como “fascismo” a tirania liderada por Adolf Hitler talvez não prime pela melhor precisão histórica. O horror promovido pelo Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães não foi a mesma coisa que a autocracia de Mussolini. Muitos estudos – os de Hannah Arendt entre eles – já detectaram distinções estruturais entre nazismo e fascismo. O primeiro implementou o genocídio como procedimento administrativo do Estado; o segundo, não. No primeiro, o Estado de vigilância total era empregado para eliminar desafetos na cúpula do regime; no segundo, o Estado policial estacionou em estágios mais rudimentares. O primeiro foi a encarnação paradigmática do totalitarismo, interpelando cada cidadão como um agente de segurança a serviço do Terceiro Reich; o segundo realizou-se como exacerbação do autoritarismo.

Entretanto, a despeito das dessemelhanças, os dois modelos guardam em comum traços essenciais. Tanto no nazismo como no fascismo, pulsam as tradições regressivas do cesarismo e do bonapartismo, com forte ojeriza aos marcos civilizatórios do Ocidente e virulenta negação das liberdades e dos direitos humanos. Principalmente, nos dois as massas inflamadas se encarregam de oprimir os dissidentes.

Nessa perspectiva, o título que Mikhail Romm deu ao seu documentário tem pertinência. “O fascismo de todos os dias” significa algo como “o fascismo dos comuns”, “o fascismo ordinário” ou “o fascismo cotidiano”. O foco do cineasta – que atua também como narrador, sempre em off – está na conversão das massas em promotoras ativas dos ideários obscurantistas que seus ditadores adorados procuraram transformar em lei fundamental da humanidade. Vistos por essa lente, nazismo e fascismo são irmãos, análogos, equivalentes. Portanto, Romm pode ter razão.

O documentário, em preto e branco, é dividido em capítulos. Na abertura do Capítulo V, lemos, como epígrafe, uma frase atribuída a Adolf Hitler: “Qualquer cabo pode virar professor, mas não é qualquer professor que pode virar cabo”. Na sequência, as imagens estarrecem. São cenas noturnas, filmadas pela máquina de propaganda do Führer. Num descampado ao ar livre, algo como um pátio gigantesco ou um estádio infinito, jovens perfilados em colunas militares, fardados, carregam tochas acesas. A coreografia em meio à treva faz as chamas desenharem rios de fogo, como lava escorrendo. Ao fundo, o diretor-narrador apresenta sua leitura do que se passa na tela.

“Durante três dias após a chegada de Hitler ao poder, aconteceram estas Marchas de Tochas, Fackelzug. Eu olho para esse rio de fogo e penso: qual era o verdadeiro, o profundo sentido desse espetáculo ígneo? Bem, claro, ele mostrava o poder da nova ordem. Intimidava, exaltava as almas simples. Mas o principal dessas Fackelzug é que elas ajudavam a transformar o homem em selvagem. Aliás, transformá-lo em selvagem numa situação solene. Assim, ao tornar-se selvagem, ele se sentiria um herói. E pronto para qualquer tipo de brutalidade, ele se sentiria muito útil ao Terceiro Reich: necessário, acima de tudo, para enfrentar tudo o que se opunha ao nazismo, tudo o que ficasse em seu caminho.”

Nessa altura, as tochas, que são centenas ou milhares, começam a formar uma suástica sobre a escuridão. Mikhail Romm comenta: “Não me posso resignar à ideia de que, na Alemanha, país de grande cultura, tinham chegado ao poder pessoas semianalfabetas, obtusas e presunçosas, que fizeram qualquer coisa para transformar o homem num selvagem exaltado”.

Seguem-se cenas de livros sendo incinerados nos pátios de universidades. Clássicos da literatura universal, de Leon Tolstoi a Thomas Mann, foram queimados nesses rituais. A gramática cinematográfica adotada por Romm nos mostra que as labaredas do nazismo – ou do fascismo, em sentido amplo – ardiam para reduzir a cultura a cinzas fumegantes.

Os cultores de Adolf Hitler e de Benito Mussolini – ignaros, intolerantes e brutos – sentiam-se autorizados por seus chefes a empregar a força física contra o que os apavorava e que eles, sem terem consciência do próprio pavor, transformavam no objeto de seu ódio. De cabeça erguida, como se fossem “heróis”, atearam fogo às ideias, às letras, ao desejo. Destroçaram bibliotecas, perseguiram pensadores e jornalistas, censuraram o que Hitler chamava de “arte degenerada”, espancaram mulheres livres, mataram homossexuais. Saíram às ruas como bestas, queimando suas bruxas imaginárias em seus infernos interiores e ergueram ditaduras sem limites.

Você pode até implicar com o diretor do filme, que não esboçou uma só crítica ao stalinismo, uma vertente de totalitarismo. Romm foi um expoente da cinematografia oficial soviética e nunca peitou o regime. Mesmo assim, há quem diga que nesse filme, subliminarmente, ele teria denunciado o “fascismo cotidiano” da União Soviética. Sabe-se lá.

De um jeito ou de outro, O Fascismo de Todos os Dias segue sendo uma reflexão arguta, tragicamente atual, que nos convida a pensar sobre o que a mera objetividade não nos permite enxergar. No velho documentário soviético vislumbramos o itinerário oculto pelo qual as tochas que glorificavam Hitler se arrastaram da Alemanha dos anos 1930 para os nossos dias e, agora, carregadas por anônimos que se sentem “heróis” em guerra contra índios, ecologistas, artistas e intelectuais, tacam fogo na Floresta Amazônica.

Guia do terraplanista ambiental

O terraplanista ambiental não acredita no aquecimento global. Em maio, ele foi a Roma e precisou tirar o sobretudo do fundo da mala. Assim percebeu que os estudos científicos estavam todos errados. Eram parte de uma conspiração politicamente correta para enganá-lo.</p>

<p>Para o terraplanista ambiental, as mudanças climáticas não passam de uma falácia. Foram inventadas por ideólogos do marxismo cultural, que dominam as Nações Unidas, as ONGs e a fundação do George Soros.

O terraplanista ambiental não acredita nas universidades, velhos redutos de esquerdopatas, maconheiros e viúvas do Fidel. Ele também não lê jornais e duvida de tudo o que sai na imprensa. Prefere se informar pelo WhatsApp e pelo curso on-line do professor Olavo.


Nem as imagens das queimadas convenceram o terraplanista ambiental de que a Amazônia está em risco. Ele viu no Facebook que as fotos são manipuladas e que os satélites do Inpe foram programados pela Venezuela. Na verdade, as árvores nunca estiveram tão verdes e saudáveis. Quem insiste em dizer o contrário só pode ter sido doutrinado pelo método Paulo Freire.

O terraplanista ambiental está esperando a próxima passeata para vestir sua camisa amarela e bradar contra a indústria das demarcações. Ele leu no grupo da família que os índios não falam a nossa língua, mas são bilionários e controlam 14% do nosso território. Estão atrapalhando o país, assim como os quilombolas, os fiscais do Ibama e o pessoal do Bolsa Família.

O fim do Fundo Amazônia não comoveu o terraplanista ambiental. Ele já sabe que a Noruega mata baleias, que o Macron é de esquerda (também, com aquela mulher...) e que a Merkel é uma comunista infiltrada na direita alemã. Os europeus são assim mesmo: se fingem de bonzinhos, mas só querem tomar o nosso nióbio.

O terraplanista ambiental é esperto. Não entra na onda de "militontos" que nunca plantaram um pé de alface e agora querem defender a Amazônia. Quem cai nessa conversa deve acreditar em qualquer coisa: que a Terra é redonda, que o homem pisou na Lua, que o presidente anda mentindo para a população. É gente subversiva, antipatriótica, que só sabe torcer contra o Brasil.

Imagem do Dia


A índole autoritária está sendo posta à prova

A social-democracia já teve seu tempo de glória. Foi um achado para algumas nações do Primeiro Mundo. Hoje, infelizmente, foi por água abaixo. Seguindo o bom exemplo dessas nações, o Brasil também teve, à sua maneira, sua experiência social-democrata. Falo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), como presidente da República, e de Marco Maciel (PFL), como vice. Uma dobradinha que poderá voltar, com outros atores, após a recém-anunciada fusão entre PSDB e DEM.

Depois da experiência social-democrata, surgiu o Brasil de Lula e Dilma, que deu no que deu. O ex-presidente petista está preso. Dilma foi cassada.
Agora, decorridos oito meses de sua posse no Planalto, eleito com 56 milhões de votos (a maioria votou contra o Lula e o PT), não paira mais dúvida sobre a índole autoritária do presidente Jair Bolsonaro.

Ele integra a atual onda de direita radical, que considera o adversário político um inimigo que precisa ser destruído. Vale lembrar aqui o que afirma o cientista político Steven Levitsky, coautor do best-seller “Como as Democracias Morrem”. Steven participará, na Bienal do Livro, no Rio, no dia 7 de setembro, do painel “Sobre autoritarismos e democracias”. Para ele, os “regimes autoritários são mais corruptos”.

O presidente tem demonstrado que não aceita a autonomia de instituições (do Estado, não dele), como a Receita Federal, o agora renomeado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Polícia Federal. Não aceita o sistema constitucional de freios e contrapesos – um obstáculo à corrupção e, também, à concentração e ao abuso de poder.

A intromissão no Coaf, ao que tudo indica, se deveu ao fato de seu filho Flávio, hoje senador pelo Rio de Janeiro, estar sendo investigado a partir de dados liberados pelo órgão. O ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, a pedido do senador, suspendeu as investigações, e Bolsonaro aprovou. O que acontecerá depois dessa dobradinha Dias Toffoli/Jair Bolsonaro ninguém sabe.

Enquanto a Amazônia pega fogo (a culpa não é só do presidente, mas é, também, da sua política de relaxamento na fiscalização), o secretário geral, Jorge Oliveira, em resposta à pergunta sobre se seu chefe relatou a outras fontes que está insatisfeito com Moro, após afirmar que “morre de rir com o presidente o dia todo”, disse o ministro: “Não que não haja discordância. Até nossa família tem discordância. É normal. As coisas no governo são intensas. Tem um volume de coisas, de informação. O ministro Moro tem uma formação, o presidente tem outra”.

“Há algo no ar além dos aviões de carreira”.

Dedo na ferida

Do jeito que o presidente fala da Amazônia, acho que quem não é autoridade é ele.
Eu defendo a floresta e a conservação dela. No meu entendimento, quando presidente Bolsonaro afirma que apoia a atividade econômica e o desmatamento na Amazônia, as pessoas sentem que o presidente está autorizando o desmatamento, e esses incêndios estão acontecendo
Raoni Metuktire. cacique caiapó, líder indígena no país

Bolsonaro, o colonizador

Algo precisa ser reconhecido sobre o presidente Jair Bolsonaro: ele está trazendo enorme atenção à Floresta Amazônica. Nos últimos anos, ambientalistas podiam apenas sonhar com tal interesse.

Também retoricamente Bolsonaro marca pontos no debate sobre a Amazônia. A recusa à ajuda internacional, sob alegação de que os europeus devem primeiro reflorestar suas próprias florestas, cai bem. Afinal, não é sem motivo que o governo alemão convocou para setembro uma cúpula nacional sobre florestas.


E tem ainda o argumento do colonialismo: quando o presidente do Brasil, ex-colônia portuguesa, faz uso dessa premissa, pode ter certeza da simpatia de seus compatriotas. Não importa se o presidente da França, Emmanuel Macron, possui ou não a "mentalidade colonialista" de que Bolsonaro o acusa: o colonialismo faz parte da história da França.

Mas cuidado: a língua solta do presidente brasileiro não serve para proteger a Amazônia. Pelo contrário: ela justifica a contínua destruição da floresta e, simplesmente, não passa de pura hipocrisia.

Pois Bolsonaro, autoproclamado crítico do colonialismo, exibe ele próprio uma "mentalidade colonialista" desde que assumiu o cargo. Seu modelo remete à época da ditadura militar (1964-1985).

Sob o slogan "A Amazônia é nossa", os generais impulsionaram o desenvolvimento da floresta ainda escassamente povoada e asseguraram as fronteiras externas contra uma suposta invasão estrangeira.

Pequenos agricultores do sul do Brasil, incluindo muitos colonos descendentes de alemães, foram atraídos para a floresta com a promessa de obter terras gratuitamente. Os indígenas brasileiros foram colocados sob a tutela do governo e deveriam ser "assimilados".

É exatamente isso que Bolsonaro quer retomar. O ex-capitão paraquedista é um defensor declarado da ditadura militar. Em sua "mentalidade colonialista", vê os nativos do Brasil como "seres humanos como nós", que devem aprender sobre os benefícios da "civilização" com missionários, empresários, militares e outros grupos poderosos da sociedade.

Na interpretação de Bolsonaro, os indígenas também devem ter permissão para plantar soja, praticar pecuária e garimpar ouro – mesmo em reservas florestais ou áreas demarcadas. Muitos já fazem isso, pois não há restrições legais à escolha de profissão pelos povos indígenas no Brasil.

Mas Bolsonaro quer mais: quer "ajudar" os índios a abrir suas áreas – que são, por lei, federais e inalienáveis – a investidores. Como nos tempos coloniais, a consequência pode ser que os povos indígenas se tornem aqueles que menos se beneficiam da riqueza em sua área.

É sintomático que nenhum dos governadores dos nove estados da Amazônia Legal tenha apoiado a rejeição de Bolsonaro à ajuda internacional. Ao contrário do presidente brasileiro, eles se alegram com cada euro que a comunidade internacional possa investir na floresta tropical.

Em face do enfraquecimento institucional das autoridades ambientais brasileiras, o governador do Amazonas, Wilson Lima, é categórico: "O Fundo Amazônia é essencial. Não podemos ficar sem esses recursos", afirmou ele em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Mantido pela Noruega e a Alemanha, o Fundo Amazônia financia cooperativas de agricultura sustentável, monitoramento de áreas protegidas e projetos de ecoturismo, entre outros. Isso cria empregos que permitem que a população local ganhe seu sustento sem desmatar a floresta.

Criar empregos para os cerca de 20 milhões de habitantes da Amazônia: é exatamente isso que Bolsonaro finge fazer, mas torpedeia diariamente. Aí, não há argumento de colonialismo que ajude: a política de Bolsonaro para a Amazônia é o auge da hipocrisia.

Crimes, temos por aqui. Falta um país

Quando o grampo telefônico e a minicâmera escondida ainda não eram instrumentos de denúncia e moralização, o político corrupto podia contar com uma certa tolerância tácita dos seus pares e do público.

Mesmo quando não havia dúvidas quanto a sua corrupção, havia a disposição de perdoá-lo, até de folclorizá-lo — e o político que roubava mas fazia tinha o privilégio do artista, de ser um canalha em particular se sua obra o redimisse.

Uma única gravura do Picasso absolve uma vida de mau-caráter. A obra do Marquês de Sade é estudada com a mesma isenção moral dedicada à obra de Santo Agostinho — que nem sempre foi santo — e ninguém quer saber se o escritor engana o fisco ou bate na mãe se seus livros são bons.

Ou querer saber, queremos, mas só pelo valor de fuxico.


A absolvição custa um pouco mais quando o pecado do artista é o da ideologia errada. Pois se se admitia no político a perversão privada do artista, a única inconveniência intolerável no artista era a incorreção política.

Assim um Louis Ferdinad Céline e um Wilson Simonal tiveram que esperar a remissão que o tempo acabou dando a Kipling, Claudel, Nelson Rodrigues, Jean Genet, etc. Mas a receberam.

O político que declaradamente roubava mas se redimia fazendo tinha um pouco desta imunidade de artista. Sua obra justificava seus pecados, quando não era uma decorrência deles.

Todo o sistema de conveniências e deixa-pra-laísmo que domina o Congresso brasileiro e que está sendo testado agora presume a mesma desconexão entre moral privada e moral aparente. A cultura do clientelismo, onde o suposto proveito político substitui a ética, está baseada nela.

O que causou a atual revolta contra a roubalheira e a tolerância com a corrupção no Brasil, além das modernas técnicas de averiguação, é a constatação crescente de que aqui não se tem nem a ética nem o proveito, rouba-se para poucos e não se faz para a maioria.

Em cleptocracias mais avançadas a obra dos artistas do desenvolvimento, todos bandidos, redimiu-os. Empresários corruptores e políticos corruptos fizeram dos Estados Unidos, por exemplo, o que eles são hoje.

O capitalismo selvagem americano domou a si mesmo depois de construir um país, ou controlou-se razoavelmente, mas nos seus tempos desinibidos escandalizaria até o Cachoeira. Aqui se tem o crime mas ainda não se tem o país.
Luis Fernando Verissimo

Gente fora do mapa


Bolsonaro na emboscada

O presidente Jair Bolsonaro aparenta não sentir medo de nada. Sua formação de paraquedista, cuja missão é combater atrás das linhas inimigas e improvisar diante das adversidades, parece comandar suas ações como presidente da República. Só não sente medo aquele que acredita que nada lhe pode acontecer. “As pessoas não acreditam nisso quando estão, ou pensam estar, no meio de grande prosperidade, e são por isso insolentes, desdenhosas e temerárias”, já dizia Aristoteles, 350 anos antes de Cristo.

Inspirado no filósofo grego, o falecido físico norte-americano Carl Sagan, já na década de 1980, concluiu que o aquecimento global era uma grande emboscada. Os chamados combustíveis fósseis — o carvão, o óleo e o gás — foram a força propulsora do progresso. “A nossa civilização funciona pela queima dos resíduos de criaturas humildes que habitaram a Terra centenas de milhões de anos antes que os primeiros humanos aparecessem na cena”, dizia, para arrematar: “como num terrível culto canibal, subsistimos dos corpos mortos de nossos ancestrais e parentes distantes”. Entretanto, há um preço a pagar.

A dependência dessas fontes de energia é uma das principais causas de conflitos e disputas no mundo, sejam as duas guerras mundiais dos século passado, sejam os atuais conflitos do Oriente Médio. Por outro lado, a vida depende de um equilíbrio delicado de gases invisíveis que compõem a atmosfera da Terra. A queima de carvão, petróleo e gás natural mistura carbono com oxigênio, sintetizando o dióxido de carbono (CO²), libera uma energia que estava trancada há 200 milhões de anos nas entranhas do globo. Essa queima e a destruição de florestas, numa escala cada vez maior, devido a uma série de reações químicas, aumentam o aquecimento da Terra. Por isso, a questão ambiental é um problema global, que exige soluções locais.


Pensar globalmente e agir localmente é um dos fundamentos das políticas públicas ambientalistas. Faz todo sentido, porque a atmosfera não tem fronteiras, mas as ações dependem dos estados nacionais. No caso de um país de dimensões continentais como o Brasil, depende também dos estados e municípios. Cientistas do mundo inteiro acompanham o aquecimento da terra e seus indicadores, entre os quais as emissões de carbono e desmatamento, enquanto outros pesquisadores desenvolvem novas tecnologias para reduzir ou substituir a emissão de carbono, produzindo energia limpa ou equipamentos que dispensam o carbono para funcionar. O Brasil era um país de vanguarda na luta contra o aquecimento global, apesar de todos os nossos problemas e dificuldades.

Estávamos no caminho certo, embora toda política pública possa ser aperfeiçoada. Entretanto, o presidente Jair Bolsonaro deu um cavalo de pau na política ambiental. O primeiro sinal dramático das consequências dessa inflexão foi a tragédia de Brumadinho, que depois se repetiu em Mariana, ambas em Minas Gerais. Os graves prejuízos ecológicos e perdas humanas mostraram a importância das licenças ambientais e da fiscalização e controle das atividades mineradoras. Agora, os incêndios na Amazônia — que ocorrem numa escala muito acima do que seria o fenômeno sazonal proveniente da seca —, mostram as consequências do cavalo de pau na fronteira agrícola e em regiões de garimpo na Amazônia Legal. Pode o presidente da República falar o que bem quiser, os fatos são teimosos.

Ontem, na reunião com governadores da Amazonia, foi flagrante a diferença de enfoque entre o presidente da República, que reiterou seu discurso ideológico contra os índios, os quilombolas e os ambientalistas, e a preocupação dos governadores da região com a objetividade que o problema exige: combater os incêndios e buscar ajuda financeira internacional. Bolsonaro queixa-se do fato de que os países mais desenvolvidos condicionam a liberação de recursos a contrapartidas que contrariam seus projetos de exploração dos recursos minerais da Amazônia, como a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a criação de parques nacionais.

Bolsonaro tem razão em alertar para interesses ocultos no conflito, principalmente quanto às exportações de nossos produtos agrícolas, mas erra ao não compreender que as nações mantêm relações de competição e cooperação, simultaneamente. Quando um país abre mão da cooperação, acirra a competição.

A estratégia do presidente Donald Trump em relação à China é um bom exemplo de que esse desequilíbrio a favor da competição pode virar um jogo de perde-perde, ao contrário da cooperação, presidida pela lógica do ganha-ganha. Carl Sagan dizia que o aquecimento global é uma emboscada para a civilização, o que se confirmou nos últimos 30 anos, a ponto de o governo da Indonésia ter decidido, nesta semana, mudar a capital para Bornéu por causa da progressiva elevação do nível do mar. No caso do Brasil, a guinada anti-ambientalista de Bolsonaro, como no provérbio bíblico, “arma uma cilada contra o próprio sangue”, porque os prejuízos serão muito grandes para o nosso agronegócio.

Este mundo é único, e de todos



O futuro me preocupa, porque é o lugar onde penso passar o resto da minha vida
Woody Allen

Amazônia: algumas lembranças

Perdi a conta de quantas vezes fui à Amazônia. Estive lá ainda em 1977, para fazer uma reportagem sobre os 20 anos da Zona Franca de Manaus, e fiquei no Hotel Tropical, estalando de novo, numa praia deserta e longe de tudo. Da última vez em que o visitei, a praia já estava parecida com a Barra, com edifícios de uma ponta a outra, e o velho hotel era apresentado como uma antiguidade.

No começo, havia bichos soltos pelos jardins, entre eles um mutum por quem me apaixonei. O mutum é um pássaro preto grande, como uma galinha de pernas mais compridas, com penas cacheadas no cocuruto. O “meu” mutum me seguia por toda a parte, comia na mão e baixava a cabeça para receber carinho.

Quando vejo fotos da floresta queimando, penso imediatamente nos bichos, mas penso sobretudo neste mutum em particular, competente embaixador da sua espécie, que me fez amar todos os demais mutuns.

Voltei ao hotel pouco depois, e perguntei por ele. Ninguém se lembrava, afinal era só um pássaro entre tantos. Os bichos, antes soltos, agora estavam em jaulas e viveiros, porque hóspedes haviam reclamado da sua presença. Havia meia dúzia de mutuns presos e tristes; nenhum era o “meu”.

Naquela primeira ida de 1977, fui conhecer a floresta, num típico programa de turista: um barco nos levou até o encontro das águas. Durante todo o percurso, fomos abordados por canoas que traziam gente vendendo frutas e artesanato, além de filhotes de papagaios e araras. Parei em restaurantes flutuantes onde índios exibiam jacarés, preguiças e jiboias. Sopa de tartaruga já era proibido naquele tempo, mas todos a serviam mesmo assim.

Ao longo dos anos voltei várias vezes a Manaus, fui diversas vezes a Belém, estive em Rondônia e no Acre. Ouvi uma cantoria inesquecível de sapos perto da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho, e vi a maior quantidade de aves da minha vida entre Xapuri e Epitaciolândia, que é colada com Brasileia, um brinco de limpa e bem cuidada.

Lá do outro lado fica Cobija, na Bolívia, mais rica e maior, mas mais selvagem e mal frequentada.

Vi queimadas também. Vi quilômetros de terra arrasada. Andei por estradas em que praticamente só se via devastação — árvores derrubadas, fumaça, fogo. Sobrevoei pastos infinitos, em que não havia mais uma árvore para contar a história, e outros em que, aqui e ali, meia dúzia de árvores continuavam de pé, não sei exatamente por quê, lembrando o que havia antes.

Fui picada por insetos, comi peixe e farinha, senti tanto calor que, uma vez, achei que o meu cérebro estava fervendo, e tive a sensação de que eu não era mais uma pessoa, mas duas, uma andando, a outra observando, de algum lugar, a primeira se mexer. A parte não cozida do cérebro me avisou que aquilo era provavelmente uma insolação, e que eu deveria procurar sombra e água.

Lembrei de tudo isso porque, por esses dias, não há como não lembrar. Mas às vezes penso que eu gostaria de viver num país normal, onde lembranças fossem despertadas apenas pela nostalgia, e onde declarações e ações presidenciais causassem no máximo tédio, e não asco e vergonha.

Capitão submete meio ambiente à lógica do caos

Depois de difamar ONGs, Jair Bolsonaro desperdiçou o tempo de governadores da região amazônica, chamados a Brasília para uma reunião, com o que chama de "indústria da demarcação de reservas indígenas". Se atrasarmos o relógio, veremos que essa é uma obsessão antiga. A reserva Yanomami, citada pelo presidente, foi homologada em 1992. Num pronunciamento de 1995, o então deputado Jair Bolsonaro disse o seguinte:

"Com a indústria da demarcação das terras indígenas, assim como Quebec quase se separou do Canadá, num curto espaço de tempo, os Yanomamis poderão, com o auxílio dos Estados Unidos, vir a se separar do Brasil". Já lá se vão 24 anos. E a realidade que Bolsonaro previa para um "curto espaço de tempo" ainda não chegou.


Os Yanomamis continuam sob o descaso do Estado brasileiro, com as terras submetidas aos mineradores ilegais. Os Estados Unidos ainda não invadiram a Amazônia. Agora eles são mocinhos. Donald Trump alia-se a Bolsonaro numa guerra de tuítes contra o neocolonizador francês Emmanoel Macron.

Simultaneamente, o Brasil vive o caos ambiental. O governo afrouxa a fiscalização, facilitando a vida de criminosos. Com o Tesouro quebrado, o presidente esnoba doações de nações ricas. Rasga radiografias do Inpe em vez de combater o câncer florestal. Culpa ONGs pela doença. Retratato como um vexame planetário, o Brasil mobiliza suas forças armadas para fazer por pressão o que deixou de fazer por obrigação.

Esse modelo decisório caótico é tão lógico que, se Bolsonaro fosse uma dona de casa, guardaria açúcar numa lata de sal na qual estaria escrito café.

Paisagem brasileira


Os consumidores chineses avisam

O presidente da maior trading chinesa, a Cofco, veio se reunir com empresários do agronegócio brasileiro e deu o seguinte recado: “Nós vamos comprar mais de vocês desde que seus produtos tenham sustentabilidade.” Os representantes do setor no Brasil estavam acostumados a ouvir essa exigência dos europeus, mas não dos chineses. A palavra “sustentabilidade” foi repetida 12 vezes em uma fala de meia hora do comprador chinês.

São sinais assim que o agronegócio brasileiro tem captado. O consumidor está mudando, e entre os seus valores está o de querer saber a origem do que consome. Uma pesquisa, citada pelo executivo da estatal chinesa, mostrou que 50% dos consumidores chineses de 18 a 35 anos querem saber o que comem, de onde vem e como é produzido.

Quando o presidente Jair Bolsonaro faz uma reunião como a de ontem, em que, em vez de tratar do combate ao fogo e ao desmatamento, ameaça os povos indígenas, ele só alimenta a ideia de que o Brasil produzirá a qualquer custo ambiental e humano. Ele deveria saber que as terras indígenas são da União e os povos indígenas têm feito um grande trabalho de proteção desse patrimônio natural do país.


O governo errou sistematicamente, e o Brasil teve uma exposição negativa gigante nos últimos dias em todos os jornais e televisões do mundo. O desastre foi provocado por sucessivos atos e palavras de estímulo ao desmatamento. Os sinais foram dados por Bolsonaro quando atacou o Ibama, disse que iria criar várias serras peladas na Amazônia, ignorou os alertas, brigou com os números, ofendeu o Inpe e demitiu seu diretor. O desastre foi escalado pelo ministro Ricardo Salles, que exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais do Ibama, ameaçou servidores do ICMBio, forçou a demissão do seu presidente e trocou a cúpula do órgão por policiais militares. Visitou Espigão D’Oeste, onde fora queimado um caminhão-tanque com combustível que faria uma operação do Ibama, para se solidarizar com madeireiros. O ministro desmontou o Fundo Amazônia e ludibriou o debate com dados falsos ou meias verdades.

Como isso foi entendido em Novo Progresso? Ou em todo o arco do desmatamento? O dia do fogo nasce da compreensão de que a coalizão que junta maus produtores, grileiros, madeireiros ilegais, invasores de terras indígenas havia vencido a parada. Sempre houve um equilíbrio precário nessa queda de braço dos dois lados. O Estado com os órgãos do executivo — Ibama, ICMbio, Inpe, Polícia Federal — o Ministério Público, o Judiciário, os cientistas e as ONGs estiveram trabalhando para derrubar a taxa de invasão, destruição e queimada da Amazônia. Quando o governo pisca nesse saloon, os bandidos se fortalecem. E nesse caso foi mais do que piscada. O governo deu estridentes sinais de que mudou de lado.

Isso afeta diretamente a economia. A China é nosso maior mercado, e até recentemente considerava-se que ela absorveria tudo o que produzíssemos sem perguntar a que preço. Até eles estão mudando. A Europa é outro parceiro essencial. O governo está assustando os consumidores dos nossos produtos. É por isso que tantos empresários do setor levantaram a voz em defesa do meio ambiente.
Em momento como este em que os ânimos estão acirrados, os diplomatas são mais necessários para trazer racionalidade ao debate. O Itamaraty, ao invés disso, fez uma nota cheia de cobranças. Indevidas.

O Brasil não está cumprindo o que prometeu internacionalmente. Deveria estar caminhando para uma taxa de 3,8 mil km2 de desmatamento em 2020. O ano passado foi 7,5 mil e este ano há o risco de passar de 10 mil. O compromisso era derrubar em 80% o desmatamento em relação à média de 1995 a 2005. Como no governo Lula a taxa caiu fortemente, e continuou assim até os 4,6 mil km2 de 2012, o Brasil estava perto da meta. Mas começou a se distanciar dela nos anos finais do governo Dilma, depois no período Temer. Agora, quando temos que corrigir a rota, o governo Bolsonaro acelera na contramão da História.

Essa exposição negativa na imprensa mundial, esse recado do trader chinês alertam sobre o perigo econômico e ambiental. Os consumidores do mundo querem comprar o alimento brasileiro, mas não ao custo da ameaça aos povos indígenas, não ao custo da destruição da Amazônia, bioma que é amado em todo o planeta.

Cloaca nacional

Nunca tanta fumaça clareou intestinais intenções
Luiz Gadelha

O que as trapalhadas de Bolsonaro indicam sobre o futuro

Como disse, com humor, certa vez um político dinamarquês, é sempre difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro. No governo de Jair Bolsonaro, a tarefa de pensar em cenários ganha um grau de complexidade fora do comum. Alguém poderá argumentar que as ações do presidente da República não são assim tão difíceis de prever. Bolsonaro falava em favor das armas na campanha e, uma vez no Planalto, trabalhou para entregar pelo menos parte do que prometeu. Bolsonaro passou toda a carreira fazendo piadas de gosto duvidoso e continuou fiel a seu estilo quando chegou de mudança ao Palácio do Alvorada. O discurso homofóbico foi outro que se manteve inalterado. O mesmo aconteceu com as declarações em favor da exploração da Amazônia.

Mas quem diria que, oito meses após a posse, Bolsonaro teria conseguido colocar fogo numa briga com o presidente francês Emmanuel Macron, o que acabou trazendo à tona uma proposta de revisão da soberania brasileira na Amazônia. Essa, imagino que ninguém tenha antecipado — pelo menos, não em tão pouco tempo. Na área do combate à corrupção, o presidente deu um cavalo de pau. Na campanha, apresentou-se como o defensor da lei e da ordem. No poder, tem feito de tudo para tentar livrar o filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), de investigações. Levou Sergio Moro para o Ministério da Justiça “com carta branca”, para depois ameaçar mudar a cúpula da Polícia Federal — justo a PF — à revelia do ex-juiz.

Na área econômica, terceirizou tudo nas mãos de Paulo Guedes . O czar da economia tem se mostrado orgulhoso porque sua proposta de reforma da Previdência passou na Câmara — ainda espera votação no Senado. Mas o caminhão de investimentos que viriam para o Brasil não se materializou, o crescimento do PIB neste ano deverá ficar abaixo do 1% (pior do que no governo Temer) e mais de 12 milhões de brasileiros continuam sem emprego. Quando é cobrado por essa situação, Bolsonaro costuma dizer que é para falar com Guedes.

Pessoas que estiveram nas últimas semanas com o ministro da Economia saíram com a impressão de que ele acalenta o desejo de repetir o feito de Fernando Henrique Cardoso. Ministro da Fazenda de Itamar Franco, FHC pavimentou sua candidatura à Presidência depois do sucesso do Plano Real. Assim como o líder tucano no passado, Guedes tem ouvido elogios a sua agenda econômica quando circula em aeroportos e eventos frequentados por empresários.

O ministro da Economia como opção de candidato presidencial em um país cansado das trapalhadas de Bolsonaro? Esse é o cenário benigno para Guedes. Mas também há a possibilidade de ele acabar sendo defenestrado antes de 2022 se ficar claro que a economia não vai decolar — “o último prego no caixão do liberalismo brasileiro”, como já previu um grande empresário que pediu para não ter seu nome revelado com medo de represálias. Será? Na mesma linha do político dinamarquês, o humorista americano Groucho Marx uma vez disse que o problema das previsões é que elas são todas sobre o futuro.

O paciente brasileiro

À distância, geralmente se veem as coisas mais claramente. Eu estou na Alemanha há duas semanas. Quando olho daqui para o Brasil, vejo um país que está doente. Um país que está em luta consigo mesmo. Um país que se sabota e se autodestrói. Um país ameaçado de se tornar louco.

O Brasil está queimando, literalmente. Os incêndios surgem porque está cada vez mais seco e mais quente, pois na bacia sul da Amazônia há cada vez menos floresta intacta e úmida devido ao desmatamento. Isso facilita o trabalho criminoso dos grileiros, fazendeiros e pecuaristas que põem fogo no próprio país.

E o governo? Ele não se importa com os incêndios – mas com a imagem do Brasil. Ele não se importa com as leis e escusa os incendiários. Ele não se importa com o ar, a água, as florestas e os animais do Brasil. Ele não se importa com os fatos, e, em vez disso, difama os cientistas. Ele também parou de se preocupar com seus próprios apoiadores: os fazendeiros e o agronegócio.

Eles seriam os grandes vencedores do acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Mas agora o governo está fazendo todo o possível para impedir que o acordo seja ratificado pelos europeus. Insultar o presidente da França não vai ajudar mesmo.

Bolsonaro destrói todos os dias a imagem do Brasil no mundo. Parece que ele não se importa com mais nada agora. Com quase nada.

Ele se preocupa em colocar um filho em um lucrativo cargo de embaixador que ele não merece. Ele cuida de proteger outro filho da Justiça, embora todos saibam que ele coopera com a máfia. Ele enfraquece a luta contra a corrupção e destrói as carreiras de cientistas. Ele enfraquece deliberadamente órgãos estatais como o Ibama. Ele insulta chefes de governo da Europa. De qualquer forma, é isto o que ele faz melhor: xingar. O presidente do Brasil é hoje conhecido mundialmente por seus palavrões e suas piadas de mau gosto.

São sinais claros de uma derrocada. De fora, o Brasil parece um hospício, abandonado pela razão e pela civilidade. Portanto, não é de admirar que o número de doentes mentais no Brasil tenha aumentado. Os psiquiatras relatam haver cada vez mais ansiedade extrema e depressão. Mas não são os pacientes que são loucos, e sim os diretores da clínica. É uma tropa de pervertidos, sádicos e oportunistas.

Eles chegaram ao poder com mentiras. Eles prometeram implementar mais severamente as leis, combater a corrupção e tornar o Brasil "grande novamente". E agora? O governo desculpa infratores da lei. Ele protege os corruptos. E permite que seja destruído aquilo que faz o Brasil grande e único: a Amazônia.
Philipp Lichterbeck