sábado, 20 de outubro de 2018

Brasil no tempo PT


Bolsonaro vai se revelando um político mais pragmático do que se imaginava

A campanha anda radicalizada, mas acostumem-se. A democracia será assim, doravante. Talvez não exatamente desse jeito. Talvez tenhamos candidatos mais bem comportados e elegantes, no futuro.

Mas o fato é que ingressamos na era da democracia digital. Há milhares de pessoas falando o que bem entendem, na internet, sem muita paciência para ouvir o que os outros têm a dizer.

Elas não estão lá muito preocupadas em checar as informações que compartilham ou chegar a um acordo sobre nada. Isso é função da liderança política, dos partidos, do Parlamento. Do lado institucional na política, que agora passou a ser apenas um lado, e não quase toda a política, como foi no passado.

Dito isto, não me surpreendo muito com a estridência do nosso debate eleitoral. Digo apenas que andamos exagerando um pouco. Alunos e professores de uma universidade federal, no sul do país, se dão o direito de suspender as aulas e fazer campanha para “combater o fascismo”. Usam o espaço público sem a menor cerimônia, visto se considerarem donos de algum tipo superior de virtude.

Um articulista aparentemente sério diz estarmos prestes a “viver sob uma intervenção massiva do Estado em todas as esferas de nossas vidas”. Leio outro que assegura estarmos ingressando em mais “vinte e um anos de medo e escuridão”, e pede que aproveitemos para falar agora, pois não se sabe se “ainda teremos este direito quando janeiro chegar”.

A estética do exagero parece ter tomado conta do debate público, mas gradativamente vou percebendo sinais de cansaço. Devagar, percebo muita gente se dando conta que toda esta onda de pavor com a fraseologia de Bolsonaro cedendo espaço a um senso de realidade.


O que um presidente pode fazer, de verdade, contra a vigência de direitos individuais? Emendas à Constituição demandam quatro votações, com quórum qualificado, nas duas Casas. Educação básica compete aos estados e municípios. Segurança ostensiva aos estados. Há um sistema de Justiça independente e uma Suprema Corte ativa e vigilante.

E há liberdade de imprensa, uma sociedade civil organizada e atuante. Numa expressão: estamos longe de ser uma república de bananas, como muitas vezes desconfio que nos veem intelectuais estrangeiros que se especializaram em fazer alertas sobre nossa democracia, em artigos de jornal.

Gradativamente, percebo que a tese do “risco democrático” vai perdendo espaço no sistema político e na intelectualidade mais independente. Vamos, aos poucos, separando o que é realidade daquilo que não passa de retórica de campanha eleitoral (em relação a qual já deveríamos estar vacinados, depois de 30 anos).

O cientista político Carlos Pereira expressou isto com clareza ao dizer que há “risco zero” para nossa democracia, e que, mesmo havendo traços iliberais em ambos lados da disputa política, nossas instituições são fortes e que a “sociedade pega fogo” quando percebe alguma ameaça.

Meu argumento vai nesta direção: a democracia é um surpreendente mecanismo inclusivo, capaz de moderar posições políticas. Muitas vezes subestimado, como nos fez ver Alexis Tocqueville.

É evidente que isto só é verdade quando o sistema de freios e contrapesos funcionam. Quando o custo para o gesto autoritário, por pequeno que seja, é alto. É precisamente este o caso do Brasil atual.

Isto se acentua como efeito de nosso modelo de governabilidade via coalizões, no Congresso. Ele induz à negociação e à composição. Ele obriga ao diálogo, à arte da escuta e da concessão. Ele impõe lentidão à democracia, cria efeitos adversos de cooptação e clientelismo político, alimenta nossa cultura patrimonial.

Mas funciona como um complexo metabolismo de redução do risco democrático.

Agora mesmo, para além da gritaria generalizada que marca a campanha, assiste-se a um discreto processo de realinhamento do sistema político.

A nova composição partidária do Congresso reforçou, na margem, seu perfil liberal e conservador, e não se vislumbra maiores dificuldades para que um eventual governo Bolsonaro forme uma base partidária consistente.

Seu maior desafio será compreender que os mesmos atributos e métodos que produziram sucesso eleitoral não são suficientes para garantir eficiência a seu governo.

Para ganhar a eleição, é perfeitamente racional o rechaço ao sistema político e a retórica antissistema. Para governar, é preciso trabalhar com o sistema. É preciso gerenciar uma ampla base, que deve incluir quase todos os partidos, menos a esquerda tradicional e o PSDB.

Neste quadro, minha aposta é clara: Bolsonaro se revelará, caso eleito, um presidente bastante mais moderado do que a imagem criada a seu respeito. Imagem que ele cuidadosamente alimentou e foi responsável pelo seu sucesso eleitoral (ao menos até o momento).

Sinais desse giro moderado já são evidentes. Paulo Guedes tem se mantido quieto e há um recuo claro na retórica das privatizações. Bolsonaro agora fala em preservar com o Estado o “miolo” da Eletrobrás, e diz que pretende fazer tudo gradualmente.

No tema da reforma da Previdência, assistimos o mesmo movimento. Bolsonaro implodiu qualquer chance do tema avançar no Congresso ainda este ano e sinalizou vagamente que simpatizaria com uma idade mínima de 61 anos para o sistema.

O mesmo se deu na temática social e de segurança. Ele agora fala em uma redução mais contida da maioridade penal, para 17 anos, e acena com uma reforma ampla dos programas de transferência de renda como o Bolsa Família.

É evidente que tudo isto pode não passar de retórica eleitoral. Mas também é verdade que a posição de Bolsonaro não lhe exige fazer grandes concessões.

Uma parte importante do trabalho de quem tenta compreender o mundo da política é enxergar alguns movimentos à frente. O sistema político já se encontra em processo de realinhamento.

Bolsonaro vai gradativamente se mostrando um político mais pragmático do que muitos imaginavam. Se isto é positivo, ou não, vai do juízo de cada um.
Fernando Schüler 

Gente fora do mapa


Fake news

Em novembro de 1955, depois do “golpe preventivo” do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, para garantir a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência, Otto Lara Resende foi entrevistar Lott para a revista Manchete. Mas o general era ruim de verbo e não estava sabendo contar a história. Daí, Otto, com as informações que apurara, escreveu-a ele próprio como se fosse Lott falando. Lott não se queixou. Ao contrário, adorou. E até passou à história como autor de uma expressão que Otto pusera na sua boca: a do “retorno aos quadros constitucionais vigentes” —querendo dizer que a Constituição era intocável.


Vinte anos depois, em 1975, Carlos Heitor Cony, repórter da mesma Manchete, foi entrevistar o famoso falsário Walmir Vieira Azevedo, autor de grandes golpes em São Paulo. Mas, ao lhe ser apresentado na delegacia, Walmir não quis falar. Cony não se apertou. Inventou tudo e ocupou quatro páginas da revista com a genial “Entrevista de mentira com um falsário de verdade” —sem deixar o leitor saber se o texto era a sério ou não.

Nos anos 60, Millôr Fernandes escreveu uma peça de teatro sobre o bairro boêmio da Lapa. Numa passagem, o valentão Madame Satã enfrenta a polícia de Getúlio Vargas. Bate em 20 soldados e só é levado preso porque o subjugam e amarram a um burro-sem-rabo, do qual sai de cena em triunfo. Essa história nunca aconteceu e a peça não foi encenada. Mas Satã ficou sabendo da passagem e gostou. Anos depois, o Pasquim entrevistou Satã e ele a contou como se fosse verdade. Um dos entrevistadores era o próprio Millôr —que não o desmentiu, para não desapontá-lo. Afinal, Satã acreditava mesmo que tinha batido na polícia.

Essa é a diferença. As fake news inventadas por Otto, Cony e Millôr mereciam ser verdade.

As de hoje fedem à distância e só acredita nelas quem, além do olfato, perdeu a visão.

Manifesto aos lobistas

Não me amolem,
não discutam.
Não sou de esquerda
nem de direita
nem do centro.
Só defendo o direito
de cada um ser filho da puta
conforme o seu gosto
e o seu jeito. 

A primeira vítima do pensamento politicamente correto é o humor

Meses atrás, correu pelo mundo um cartum de um desenhista australiano que teve a ousadia de retratar Serena Williams na final do Aberto dos Estados Unidos, fazendo birra e pisoteando a raquete. O desenho, disseram os iluminados, retratava Serena Williams com traços racistas —lábios grossos, cabelo frisado, ancas generosas.

Fui ver. Confirmei. O desenho era insultuoso. Não por motivos racistas. Mas porque se tratava de uma caricatura. E a caricatura, por definição, amplifica as singularidades físicas de qualquer indivíduo até ao ridículo.

Sei do que falo. Já tive várias caricaturas a imortalizar as minhas feições de Adonis. Em todas elas, por razões misteriosas, a minha testa adquire proporções grotescas, dignas do monstro do dr. Frankenstein (na versão de 1931). É um insulto.

Infelizmente, parece que esses insultos não são mais tolerados quando o alvo do humor pertence a uma qualquer minoria.

Depois do cartum polêmico, li no Diário de Notícias português declarações de dois grandes cartunistas lusos que partilhavam com o leitor a dificuldade crescente em desenharem celebridades negras.

André Carrilho, um gênio que espalha o seu talento pela Vanity Fair e outras publicações semelhantes, confessa que uma caricatura do ator Denzel Washington de 2012 seria impublicável em 2018. (Entre parêntesis: Carrilho é autor da capa do meu primeiro livro de crônicas. Uma caricatura, sim: testa gigantesca, cara pálida etc. e tal.)

O ilustrador Nuno Saraiva concorda com Carrilho: os editores, hoje, só aceitam caricaturas de “negros caucasianos”, ou seja, negros com feições de brancos. Os lábios têm de ser mais finos; o cabelo mais liso; as feições menos africanas etc. etc.

O pensamento politicamente correto pensa que isso é respeito. Não é. É insulto racista: só um racista poderia pensar que negro bom é negro branco.

Outro exemplo? Leio no The Times que os estudantes da Universidade de Kent fizeram uma lista dos trajes que não serão mais tolerados nas festas universitárias.

Pessoal vestido de índio (ou caubói); padre (ou freira); com um “sombrero” mexicano (ou imitando Harvey Weinstein —juro, não inventei; como será esse traje?) será barrado. Tudo em nome da “sensibilidade” das vítimas que essas roupas evocam.

Pelo contrário: quem quiser ser homem das cavernas ou alienígena tem entrada garantida. O primeiro está extinto. O segundo ainda não apareceu. Não há risco de ofensa, pensam os estudantes, acreditando genuinamente que a) eles próprios não são homens das cavernas e b) eles próprios não exibem uma inteligência alienígena quando censuram com histeria puritana.

A primeira vítima do pensamento politicamente correto é o humor. Mas, nessa tentativa de abolir qualquer possibilidade de riso, as patrulhas só conseguem produzir uma nova forma de humor. O fato de ele ser involuntário só reforça a intensidade das minhas gargalhadas.
João Pereira Coutinho

Bolsonaro e o Brasil

A situação do Brasil é preocupante. Além de todos os problemas já costumeiros – miséria, níveis inauditos de criminalidade, poluição, grupos guerrilheiros de “sem-terra” etc. –, os anos perdidos com o país nas garras do petismo nos deixaram uma triste herança de divisão. É coisa sem base alguma na nossa cultura, mas importada, como costuma acontecer, da política americana pelas esquerdas. Foram 12 anos, ou mais (já que a mídia apoia as campanhas do PT desde muito antes de sua subida ao poder, e continua em grande medida a fazê-lo), em que se tentou lançar brasileiro contra brasileiro: pretos contra brancos, pobres contra ricos, ciclistas contra motoristas, “sem-terra” contra fazendeiros, homossexuais contra heterossexuais, e por aí vai.

O modo de fazer política do PT é na verdade a antipolítica, baseando-se na divisão da pólis em grupos identitários que só existem por oposição uns aos outros. Dividir para reinar. Fazendo-se de aliado dos grupos soi-disant minoritários ou mesmo “oprimidos”, o PT deixou uma herança de ódio que teve sua confirmação mais trágica no atentado contra Bolsonaro na semana passada.

O próprio Bolsonaro assumiu, de muito bom grado, aliás, a figura de alvo das investidas petistas, com suas declarações politicamente incorretas e mesmo grosseiras. O horrendo atentado que sofreu, diga-se de passagem, foi justamente em decorrência disso: demonizaram-no a tal grau que um comunista louco achou estar agindo em nome de Deus ao esfaqueá-lo. Independentemente de se houve mandantes no atentado, foi isso que afirmou o criminoso, e não vejo razões para duvidar dele. Há deficientes mentais que incendeiam o Reichstag, ainda que outros lhes ponham o archote na mão. Em outro nível, mas ainda na lista de ataques absurdos com o único objetivo de demonizar Bolsonaro, foi um grande alívio perceber que não foi à frente a grotesca acusação de racismo feita contra ele por conta de umas poucas grosserias proferidas numa palestra ao eleitorado judeu. Aliás, em flagrante contraste com as delirantes acusações de que ele seria nazista (!), este eleitorado o apoia entusiasticamente em grande medida. É até interessante notar que sua assessoria dispensou a UTI aérea do hospital árabe Sírio-Libanês, que já voara a Juiz de Fora logo depois do atentado para pegá-lo, e transferiu-o, em vez disso, para o Hospital Israelita Albert Einstein.

Mas o problema perdura. O próximo presidente herdará um país dividido, um país em que o ódio e a adesão a visões identitárias da realidade (que, repito, só existem por oposição: o preto é o não branco e o antibranco; o homossexual é o não heterossexual e anti-heterossexual; o ciclista é o antimotorista por antonomásia; e por aí vai, nesta bizarra e violentíssima visão de mundo que o PT nos legou) impedem a realização de uma verdadeira política, que é e só pode ser baseada na civilidade comum. Civis e pólis, a origem etimológica da “civilidade” e da “política”, são a mesma palavra em latim e em grego.

Far-se-ia necessário um estadista, alguém que conseguisse voltar a unir o país em torno de um projeto comum, de uma visão comum de pátria em que houvesse lugar para todos, lado a lado, sem oposição. Não há razão alguma para essas oposições identitárias violentas, importadas de uma cultura de origem calvinista e, portanto, dualista, em que a divisão (entre “ganhadores” e “perdedores”, pretos e brancos etc.) é impensada, culturalmente esperada e incontestada. A nossa cultura é outra: aqui somos pelo diálogo, pela tolerância, pela busca do consenso, pela união que a cultura americana não conhece. Importar esta forma americana de fazer uma antipolítica foi não apenas um atentado à própria política, à própria arte do compromisso e da busca de consenso, como um atentado contra a nossa própria cultura brasileira.

E aí é que surge o problema: onde está este estadista? Que eu saiba, em lugar nenhum. Bolsonaro tem a vantagem de, no “nós contra eles” petista, em que o “eles” é o grosso da população, fazer parte deste último grupo. Ele não é, ao contrário do que pregam ad nauseam os petistas e seus aliados, “divisivo”, “racista”, “homofóbico” ou o que quer que seja. Na verdade, costumo dizer que ele poderia ser substituído por um taxista aleatório e ninguém perceberia a diferença. Ele é simplesmente uma pessoa comum, inteligente, com um sistema de valores moldado pela experiência militar e sua ênfase no “rusticismo” – que para os desacostumados pode parecer grosseira –, com uma religiosidade difusa, confusa e desordenada como infelizmente é hoje de praxe, após pouco mais de meio século de mistura entre espiritismo e protestantismo pentecostalista sobre a base católica de nossa cultura. Como já escrevi anteriormente, ele espertamente assumiu no Congresso, quando o discurso único petista parecia invencível, uma postura de “bobo da corte”, em que seus exageros e grosserias o faziam parecer tão absurdo que ninguém o levaria a sério, e usou esse palco para fazer chegar ao grosso da população a percepção de que haveria alguém ali que não havia enlouquecido. O que parecia loucura para os petistas foi percebido como sanidade pelo eleitorado, ou por grande parcela dele. São Paulo Apóstolo aprovaria.

Mas ele não é um estadista. Mais ainda: nem ele nem nenhum de seus concorrentes, de que tratarei brevemente mais abaixo, são estadistas, e muito menos o estadista de que o Brasil precisa. O modo pelo qual ele operou a sua subida à posição que hoje ocupa foi derivado da política divisiva do PT, colocando-se como antítese de todas as teses pregadas por eles. Não é nem de uma antítese nem de uma síntese que precisamos, ao contrário do que prega o materialismo dialético que, em versão pós-moderna, orienta o maquiavelismo petista. Precisamos, ou antes precisaríamos, dada a sua inexistência, de alguém que soubesse se colocar acima dessas divisões, não de alguém que as surfa e as usa de rampa de lançamento, como Bolsonaro fez e faz.

Ainda que ele seja, de longe, o mal menor em comparação com seus concorrentes, uma sua ascensão ao poder só fará recrudescer o discurso divisivo petista, que já conseguiu pregar nele, com sua colaboração entusiástica, o rótulo de inimigo pessoal de cada uma das identidades raivosas. O antipreto, anticiclista, anti-homossexual etc. Em outras palavras, ele não se colocou como inimigo da divisão, sim como componente dela, assumindo a postura de defensor da maioria contra as minorias ensandecidas. Este é um papel necessário no parlamento, mas não pode ser a postura do Executivo. Mas é um papel. Quem desempenha um pode desempenhar outro, se isso lhe for permitido.

Não sei, sinceramente, se sua excelente assessoria conseguiria retirá-lo da posição em que ele mesmo se colocou. Com certeza, o PT e seus aliados (basicamente os partidos de todos os seus concorrentes na campanha presidencial, mais a mídia, mais os professores, sindicalistas, subversivos profissionais etc.) de tudo farão para continuar a mantê-lo nesse papel. Se isso acontecer, o que poderia e deveria ser feito pacificamente por um estadista teria de ser feito de maneira violenta, calando o discurso divisivo e vitimando, como efeito colateral, aqueles que atrelaram a ele a sua própria identidade. Evidentemente, isso só faria fortalecer o discurso vitimista do PT. É uma armadilha da qual Bolsonaro (que, repito, continua sendo o mal menor) teria enorme dificuldade de escapar, por melhores que sejam seus assessores. E ele tem de confiar neles: saiu do Exército capitão apenas, logo, sem ter feito Escola de Estado-Maior. Ele conhece tática, não estratégia. Curto, não longo prazo. Ação local, não ação global. Neste ponto é um alívio que tenha se cercado de generais, mas resta saber o quanto ele os ouviria no Planalto.

E quem são seus opositores?

Ciro Gomes é um coronelzinho nordestino tradicional, com a desvantagem de ser um boquirroto brigão que faz Bolsonaro parecer um modelo de moderação. Que eu saiba, Bolsonaro nunca bateu em quem o xingasse na rua (coisa que vem junto com a carreira política), ao contrário de Ciro. Eleito presidente, Ciro alternaria entre comprar deputados à moda tradicional e brigar com todo o mundo. Decididamente não é o estadista que viria acabar com as divisões plantadas artificial e artificiosamente pelo PT, partido que, aliás, ele apoia. Basta ver suas declarações acerca do presidiário de Curitiba.

Marina é o PT pintado de verde. Qual ser da floresta ignota, levanta-se a cada quatro anos de seu jazigo no meio da selva para assombrar as eleições presidenciais. Eleita, seria uma Dilma em versão 2.0, provavelmente até com direito a discursos desconexos como sua antiga colega de partido. Não dá nem para síndica de prédio, que dirá para estadista. Seu lugar, como o de Bolsonaro, é o parlamento, onde opiniões extremadas – como as suas em relação ao meio ambiente – servem de bússola em votações, sem jamais conseguirem maioria.

Alckmin é a parteira do PCC. Foi ao longo de seu longuíssimo reinado, direto e indireto, sobre o estado de São Paulo que aquela facção criminosa conseguiu dominar os presídios e organizar todas as ações criminosas do Estado, espalhando-se ainda pelo Brasil afora. A diminuição de homicídios devida às ordens do PCC (para não atrair polícia e não interromper as lucrativas ações de roubo, furto e venda de drogas) embelezou as estatísticas e ajudou a esconder o fato de que no seu plantão a polícia judiciária de São Paulo foi quase destruída. É o oposto de um estadista. É alguém que só vê a publicidade, as aparências, e não sabe pensar no médio e longo prazo. Provavelmente conseguiria ser pior que todos os concorrentes, com a exceção do seguinte.

Boulos é um criminoso, que deveria estar preso. De preferência na mesma cela de seu mentor Lula, tomando cuidado para que não acontecesse com ele o mesmo que quase aconteceu com o “menino do MEP”. Ou não. Um filhinho de papai mimado, como Ciro Gomes, com a agravante de ter feito carreira invadindo e depredando a propriedade alheia. Eleito – coisa que não tem chance alguma de acontecer, graças ao bom Senhor Deus –, ele levaria o país no caminho nem um pouco saudável que tomou a Venezuela. Um aspirante a ditador, perigoso e antissocial.

Haddad é uma piada, que saiu corrido da prefeitura de São Paulo depois de ter feito fama ao derramar tinta vermelha pela cidade afora afirmando estar a criar ciclovias. É o segundo poste do Lula. Depois de a Lava Jato ter posto a nu alguns dos horrores e roubalheiras da gestão petista, Lula há de ter voltado aos seus 30% de apoio de que gozava antes de seus publicitários o transformarem em “Lulinha Paz & Amor”. Se tanto. Só aqueles que foram vitimados pela lavagem cerebral petista (ministrada numa escola perto de você, nas aulas que deveriam ser de História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Português…) conseguem levar a sério o presidiário barbudo. Destes, alguns passarão a votar no Haddad, por ordens do Chefe. Mas Haddad presidente é algo que provavelmente nem a mãe dele quer de fato. Pobre senhora.

E é por isso que sobra o Bolsonaro. Mas para ganhar ele precisa operar a mágica – que a facada talvez ajude a conjurar – de abrandar a sua persona de “bobo da corte” parlamentar, de parte na disputa entre Fulanos e Beltranos importada pelo PT, e mostrar-se como quem ele verdadeiramente é: não, infelizmente, o estadista de que o Brasil precisa, mas uma pessoa normal. Ele não é um monstro racista, nazista, fascista, saxofonista, o que seja. Ele é simplesmente um brasileiro médio, com um bom talento para perceber o que está no ar. Se ele conseguir, a Presidência é sua. E na Presidência, talvez, quem sabe, um brasileiro médio consiga começar o que há de ser a longa obra de restaurar a unidade do Brasil.

Paisagem brasileira

São Mateus (ES) 

Cegos e loucos

A história mostra que nem sempre a maioria tem razão. Ou, pior, quase sempre não tem. Porque há sempre pouca razão, e muita emoção e sentimentos, nas escolhas das multidões apaixonadas, que se tornam cegas e surdas para tudo que lhes contrarie a crença.

O povo argentino na Plaza de Mayo aplaudindo em delírio a ditadura do bêbado e odiado general Galtieri quando declarou guerra à Inglaterra. A ascensão de Hitler e do nazismo. O tempo do terror na Revolução Francesa.

Collor, o caçador de marajás, incendiando as massas. Jânio Quadros, bebum e mulherengo, defensor da moral e dos bons costumes, chamando JK de corrupto, proibindo o biquíni, e empolgando o país.

Quase sempre discordo da maioria, e agora ainda mais, diante das opções tenebrosas. Seja quem for, no dia seguinte à posse, estarei na oposição.


É um pesadelo imaginar Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e Vanessa Grazziotin de volta ao poder. A administração e as estatais aparelhadas por sindicalistas. Fundos de pensão saqueados por correligionários. Economistas populistas. E o constrangimento do presidente da República receber ordens da cadeia, como as facções criminosas. Pobre e heroico Haddad. Mas é o que temos, pelo egoísmo e vaidade de Lula, que torpedeou a aliança com o experiente, honesto e preparado Ciro Gomes, o único que seria agregador e competitivo, até pelo estilo agressivo, contra Bolsonaro.

O maior eleitor de Haddad é Lula, e de Bolsonaro é Lula também: o antipetismo massivo desmente qualquer conspiração das elites, da mídia golpista, de Sergio Moro e do TRF-4, para perseguir Lula. A verdade é que o Brasilzão real é conservador, com alguns bolsões liberais, e está muito bravo. Só precisava de alguém que o representasse.

É como o “estado de paixão” amoroso, a pessoa não sabe, mas já está apaixonada, só falta o objeto da paixão, o manequim que vestirá as suas fantasias, e que o tempo e a realidade vão desnudar.

Tristes tempos em que cegos são guiados por loucos rumo ao abismo, diria o Rei Lear.

Tudo que é provável é verdade?

"Para o jornalista, tudo o que é provável é verdade". Trata-se dum axioma estupendo, como tudo o que Balzac inventa. Refletindo nele, nós percebemos quantas falsidades se explicam e quantas arranhadelas na sensibilidade se resumem a fanfarronices e não a conhecimento dos factos.

Em geral, o pequeno jornalista é um profeta da Imprensa no que toca a banalidades, e um imprudente no que se refere a coisas sérias. Quando Balzac refere que a crítica só serve para fazer viver o crítico, isto estende-se a muitas outras tendências do jornalista: o folhetinista, que é o que Camilo fazia nas gazetas do Porto (...). Eu própria não estou isenta duma soma de articulismos, de recursos à blague, de graças adaptáveis, de frequentação do lado mau da imaginação, de ridículos, de fastidiosos conselhos, de discursos convencionais, de condenações fáceis, de birras imbecis, de poesia de barbeiro, de elegâncias chatas, de canibalismo vulgar, de panfletismo "bom cidadão". Quando não sou nada disso, sou assunto para jornais, mas não sou jornalista.
Agustina Bessa-Luís, "Dicionário Imperfeito"

Desespero

Consciente de que será muito difícil reverter a vantagem de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa pela Presidência da República, o PT decidiu partir para seu "plano B": fazer campanha para deslegitimar a eventual vitória do oponente, qualificando-a como fraudulenta. É uma especialidade lulopetista.

A ofensiva da tigrada está assentada na acusação segundo a qual a candidatura de Bolsonaro está sendo impulsionada nas redes sociais por organizações que atuam no "subterrâneo da internet", segundo denúncia feita anteontem na tribuna do Senado pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, que lançou o seu J'accuse de fancaria.


"Eu acuso o senhor (Bolsonaro) de patrocinar fraude nas eleições brasileiras. O senhor é responsável por fraudar esse processo eleitoral manipulando e produzindo mentiras veiculadas no submundo da internet através de esquemas de WhatsApp pagos de fora deste país", afirmou Gleisi, que acrescentou: "O senhor está recebendo recursos ilegais, patrocínio estrangeiro ilegal, e terá que responder por isso. (...) Quer ser presidente do Brasil através desse tipo de prática, senhor deputado Jair Bolsonaro?"

Como tudo o que vem do PT, nada disso é casual. A narrativa da "fraude eleitoral" se junta ao esforço petista para que o partido se apresente ao eleitorado - e, mais do que isso, à História - como o único que defendeu a democracia e resistiu à escalada autoritária supostamente representada pela possível eleição de Bolsonaro.

Esse "plano B" foi lançado a partir do momento em que ficou claro que a patranha lulopetista da tal "frente democrática" contra Bolsonaro não enganou ninguém. Afinal, como é que uma frente política pode ser democrática tendo à testa o PT, partido que pretendia eternizar-se no poder por meio da corrupção e da demagogia? Como é que os petistas imaginavam ser possível atrair apoio de outros partidos uma vez que o PT jamais aceitou alianças nas quais Lula da Silva não ditasse os termos, submetendo os parceiros às pretensões hegemônicas do demiurgo que hoje cumpre pena em Curitiba por corrupção?

Assim, a própria ideia de formação de uma "frente democrática" é, em si, uma farsa lulopetista, destinada a dar ao partido a imagem de vanguarda da luta pela liberdade contra a "ditadura" - nada mais, nada menos - de Jair Bolsonaro. Tudo isso para tentar fazer os eleitores esquecerem que o PT foi o principal responsável pela brutal crise política, econômica e moral que o País ora atravessa - e da qual, nunca é demais dizer, a candidatura Bolsonaro é um dos frutos. Como os eleitores não esqueceram, conforme atestam as pesquisas de intenção de voto que expressam o profundo antipetismo por trás do apoio a Bolsonaro, o PT deflagrou as denúncias de fraude contra o adversário.

O preposto de Lula da Silva na campanha, o candidato Fernando Haddad, chegou até mesmo a mencionar a hipótese de "impugnação" da chapa de Bolsonaro por, segundo ele, promover "essa campanha de difamação tentando fraudar a eleição".

Mais uma vez, o PT pretende manter o País refém de suas manobras ao lançar dúvidas sobre o processo eleitoral, assim como já havia feito quando testou os limites legais e a paciência do eleitorado ao sustentar a candidatura de Lula da Silva. É bom lembrar que, até bem pouco tempo atrás, o partido denunciava, inclusive no exterior, que "eleição sem Lula é fraude".

Tudo isso reafirma, como se ainda fosse necessário, a natureza profundamente autoritária de um partido que não admite oposição, pois se julga dono da verdade e exclusivo intérprete das demandas populares. O clima eleitoral já não é dos melhores, e o PT ainda quer aprofundar essa atmosfera de rancor e medo ao lançar dúvidas sobre a lisura do pleito e da possível vitória de seu oponente.

Nenhuma surpresa: afinal, o PT sempre se fortaleceu na discórdia, sem jamais reconhecer a legitimidade dos oponentes - prepotência que se manifesta agora na presunção de que milhões de eleitores incautos só votaram no adversário do PT porque, ora vejam, foram manipulados fraudulentamente pelo "subterrâneo da internet".

Caso WhatsApp revolucionou pensamento do PT

A notícia de que empresários financiam ilegalmente o envio massivo de mensagens anti-PT via WhatsApp revolucionou o pensamento do Partido dos Trabalhadores sobre as prisões, as delações e o trabalho da imprensa. Em menos de 24 horas tudo o que o partido considerava como afronta ao Estado Democrático de Direito nos quatro anos e meio de duração da Lava Jato passou a ser legal, necessário e urgente.

Em sua primeira manifestação sobre o caso, o presidenciável petista Fernando Haddad disse que o rival Jair Bolsonaro “deixou rastro” que permite vinculá-lo ao esquema de difusão de mensagens. Implacável, Haddad defendeu o uso da prisão como meio de obtenção de confissões. Mesmo que disponha, por ora, apenas de uma notícia da Folha, jornal que o petismo incluía até ontem no rol da “mídia golpista”.

“Se você prender um empresário desses, ele vai fazer delação premiada'', declarou Haddad. ''Basta prender um empresário que vai ter delação premiada e vão entregar a quadrilha toda. Nós estamos falando de 20 a 30 empresários envolvidos nesse esquema. Se prender um, em menos de dez dias a gente vai ter a relação de todos os empresários que estão financiando com caixa dois uma campanha difamatória.”

No petrolão, o PT condena as prisões mesmo quando são precedidas de meticulosos inquéritos. Em junho de 2015, a Executiva Nacional da legenda divulgou uma resolução para manifestar sua preocupação com as consequências do “prejulgamento de empresas acusadas no âmbito da Operação Lava-Jato.”

A manifestação do PT ocorreu cinco dias depois do encarceramento preventivo dos executivos das duas maiores empreiteiras do país: Marcelo Odebrecht, da empresa que leva o sobrenome de sua família, e Otávio Azevedo, da Construtora Andrade Gutierrez. Hoje, sabe-se que ambos estavam lambuzados com o óleo queimado da Petrobras até o último fio de cabelo.

No item de número quatro, o texto da resolução do PT desautoriza prisões como as que Haddad passou a defender: “Se o princípio de presunção de inocência é violado, se o espetáculo jurídico-político-midiático se sobrepõe à necessária produção de provas para inculpar previamente réus e indiciados; se as prisões preventivas sem fundamento se prolongam para constranger psicologicamente e induzir denúncias, tudo isso que se passa às vistas da cidadania, não é a corrupção que está sendo extirpada. É um Estado de exceção sendo gestado em afronta à Constituição e à democracia.”

Dias depois da divulgação da resolução petista, ainda em junho de 2015, a então presidente Dilma Rousseff torpedeou numa entrevista o instituto da delação premiada, incluído numa lei que ela própria havia sancionado. Um dos delatores da Lava Jato, o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, informara em depoimento que fizera repasses ilegais à campanha de Dilma à reeleição, em 2014. E ela: ''Não respeito delator, até porque estive presa na ditadura militar e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora (…) e garanto que resisti bravamente''.

Não bastasse o ataque a um mecanismo que se revelou vital para o êxito do combate à corrupção, Dilma misturou democracia com ditadura. Deu de ombros para o fato de que a delação que sancionara, longe de assemelhar-se à tortura, é uma ferramenta que a legislação oferece à defesa dos encrencados. É uma oportunidade que o criminoso tem de trocar a confissão por benefícios penais.

No mês passado, o próprio Haddad foi denunciado pelo Ministério Público paulista com base numa delação do mesmo empreiteiro Ricardo Pessoa. Acusaram-no de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. De acordo com a denúncia, Haddad recebeu da UTC propina de R$ 2,6 milhões para pagamento de dívida contraída durante sua campanha à prefeitura de São Paulo, em 2012.

A exemplo de Dilma, Haddad desqualificou o delator. O adjetivo mais brando que utilizou foi “mentiroso”. Em nota, o comitê de campanha do PT esculachou também o Ministério Público: ''Surpreende que, no período eleitoral, uma narrativa do empresário Ricardo Pessoa, da UTC, sem qualquer prova, fundamente três ações propostas pelo Ministério Público de São Paulo contra o ex-prefeito e candidato a vice-presidente da República, Fernando Haddad''.

No episódio das mensagens de WhatsApp, cuja divulgação é atribuída a empresários a serviço de Bolsonaro, o PT é bem mais rigoroso. Trata o noticiário da ex-mídia golpista como elemento de prova: “Reportagem da Folha de S.Paulo desta quinta-feira (18) confirma o que o PT vem denunciando ao longo do processo eleitoral: a campanha do deputado Jair Bolsonaro recebe financiamento ilegal e milionário de grandes empresas para manter uma indústria de mentiras na rede social WhatsApp”, escreveu o partido em texto veiculado no seu site.

Está em jogo agora, segundo o novo conceito do PT, “a sobrevivência do processo democrático.” A legenda tem razão. O surpreendente é que, no ano passado, o PT pediu e obteve no Tribunal Superior Eleitoral o arquivamento da denúncia de abuso de poder econômico praticado pela chapa Dilma Rousseff-Michel Temer na eleição de 2014.

O processo foi arquivado por excesso de provas. Por um placar apertado —4 votos a 3— os ministros do TSE decidiram enterrar evidências vivas de que a Odebrecht pagara com dinheiro sujo da Petrobras o marketing que moeu adversários do PT como Marina Silva e produziu o estelionato eleitoral que reconduziu Dilma e Temer ao Planalto.

Nessa época, o PT não via no financiamento ilegal de campanhas um risco ao “processo democrático”. Fraude mesmo, alardeou a legenda neste ano de 2018, é uma eleição sem Lula, um político preso que o PT tentou, sem sucesso, transformar em ''preso político''. Não é à toa que Jair Bolsonaro está prestes a ser eleito pela maior força política existente no país: o antipetismo. Em matéria criminal, o PT é capaz de quase tudo, menos de oferecer algo que se pareça com um mea-culpa.