sábado, 20 de outubro de 2018

Fake news

Em novembro de 1955, depois do “golpe preventivo” do então ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, para garantir a posse de Juscelino Kubitschek na Presidência, Otto Lara Resende foi entrevistar Lott para a revista Manchete. Mas o general era ruim de verbo e não estava sabendo contar a história. Daí, Otto, com as informações que apurara, escreveu-a ele próprio como se fosse Lott falando. Lott não se queixou. Ao contrário, adorou. E até passou à história como autor de uma expressão que Otto pusera na sua boca: a do “retorno aos quadros constitucionais vigentes” —querendo dizer que a Constituição era intocável.


Vinte anos depois, em 1975, Carlos Heitor Cony, repórter da mesma Manchete, foi entrevistar o famoso falsário Walmir Vieira Azevedo, autor de grandes golpes em São Paulo. Mas, ao lhe ser apresentado na delegacia, Walmir não quis falar. Cony não se apertou. Inventou tudo e ocupou quatro páginas da revista com a genial “Entrevista de mentira com um falsário de verdade” —sem deixar o leitor saber se o texto era a sério ou não.

Nos anos 60, Millôr Fernandes escreveu uma peça de teatro sobre o bairro boêmio da Lapa. Numa passagem, o valentão Madame Satã enfrenta a polícia de Getúlio Vargas. Bate em 20 soldados e só é levado preso porque o subjugam e amarram a um burro-sem-rabo, do qual sai de cena em triunfo. Essa história nunca aconteceu e a peça não foi encenada. Mas Satã ficou sabendo da passagem e gostou. Anos depois, o Pasquim entrevistou Satã e ele a contou como se fosse verdade. Um dos entrevistadores era o próprio Millôr —que não o desmentiu, para não desapontá-lo. Afinal, Satã acreditava mesmo que tinha batido na polícia.

Essa é a diferença. As fake news inventadas por Otto, Cony e Millôr mereciam ser verdade.

As de hoje fedem à distância e só acredita nelas quem, além do olfato, perdeu a visão.

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