sábado, 6 de maio de 2017
Sucessão de escândalos faz sumir até otimismo
Os otimistas costumam enxergar os escândalos de corrupção como algo benfazejo. É uma oportunidade para a correção de rumos. Mas no Brasil, o otimismo vai sendo gradativamente substituído pelo desalento. Veja só o que aconteceu hoje. O STF autorizou o andamento de processos contra governadores. Há 12 encrencados. O TSE cassou o mandato de um outro governador. Sobe para 13 –quase metade dos governadores do país: 48%. Todos enrolados. Como se fosse pouco, a Lava Jato descobre um novo esquema em que três ex-gerentes da Petrobras receberam R$ 100 milhões em propinas. A lama não para de escorrer.
O brasileiro vem sonhando com uma virada de página pelo menos desde o impeachment de Fernando Collor. Ali, parecia entendido que o país tomaria jeito. Os eleitores votariam melhor. Os políticos roubariam menos. E o dinheiro público deixaria de sair pelo ladrão. Deu tudo errado.
Nos últimos anos, a sequência intolerável de escândalos, um atropelando o outro, entorpece a esperança. Depois da roubalheira da Era Fernando Collor vieram os anões do orçamento, os sanguessugas, os mensalões do PT, do PSDB mineiro e do DEM de Brasília, o petrolão, o impeachment de Dilma, o eletrolão, o diabo. E o STF abrindo as celas de condenados. Fica-se com a impressão de que, no Brasil, a banda ladra venceu. O último a sair rouba a luz.
Qualquer idade é boa para aprender
Tiro o título destas linhas de uma frase de José Saramago: “Qualquer idade é boa para aprender. Muito do que sei aprendi-o já na idade madura e hoje, com 86 anos, continuo a aprender com o mesmo apetite”.
Tenho ainda muito o que aprender, sobre muitos assuntos. Mas o que mais está a açular minha mente, nestes dias, é tentar compreender porque o STF, para minha infinita tristeza, resolveu perseguir a Operação Lava Jato.
A dívida que temos com o Ministério Público e com a Polícia Federal é fantástica. Se o Brasil está na situação em que está, pare um segundo, Leitor, e pense na penúria em que estaríamos se a Operação Lava Jato, sob o comando do juiz Sergio Moro, não tivesse agido como vem agindo desde 17 de março de 2014.
Ou algum de vocês acha que sem os mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, o esquema que movimentou bilhões em propina teria estancado como num passe de mágica?
O Supremo, e talvez o mal tenha começado com a escolha do nome dado a essa instituição, Supremo, anda numa arrogância espantosa. Talvez se tivesse recebido outro nome, tipo Mais Alta Corte, ou Corte Constitucional, ou semelhante, os onze advogados sob togas tão majestosas não impressionassem e assustassem tanto quanto assustam. Chegamos até a esquecer que eles são apenas onze advogados escolhidos por diversos presidentes da República e não figuras Supremas!
Pois essas figuras andam tomando decisões estranhíssimas. Exemplo gritante: o habeas corpus para o goleiro Bruno, um dos mais cruéis e frios assassinos de que se tem notícia! Decisão que já foi revogada, graças a Deus.
Mas anteontem uma nova decisão espantosa foi tomada por três desses advogados togados: foi revogada a prisão temporária do ex-ministro José Dirceu, homem sem freios que não se furta em dizer que “Na prisão ou em liberdade, sou um militante político e sempre serei”. Está aí uma verdade verdadeira: ele é um animal político que não se furtou a continuar a fazer política mesmo detido.
A carta que escreveu da prisão 14 dias antes de ser libertado, e que foi publicada no Estadão, é um documento de uma agressividade e de uma audácia inacreditáveis! Copio do Estadão: “Comparou os delatores que o acusam a “cachorros da ditadura”, defendeu uma virada à esquerda do PT, criticou o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a ação do juiz Sérgio Moro. Qualificou como golpistas o governo Temer e a mídia. § E, diante do risco do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ser candidato em 2018, em razão dos processos em que é réu na Operação Lava Jato, o petista escreveu: “Darão outro golpe, condenarão e prenderão Lula? Serão capazes dessa violência e ilegalidade? Veremos”.
Agora ele está como quer: em liberdade condicional, com uma bela tornozeleira, vivendo na capital da República. E minhas dúvidas só crescem:
1) quem o sustentará? Brasília é uma cidade cara...;
2) ele está proibido de sair de casa? Não li sobre essa proibição em parte alguma. Se vai poder sair normalmente, ir a restaurantes, cafés, teatros, padarias, farmácias, casa de amigos e parentes, como impedir que ele se encontre ou troque palavras com os companheiros de sempre?;
3) por que, no caso de Dirceu, não houve a mesma proibição feita a Adriana Ancelmo, de usar celular ou Internet?;
4) sair do país é a menor das preocupações do Dirceu: ele agora vai se dedicar a reencaminhar o PT e os petistas para a esquerda.
Fica a dúvida que alfineta o coração: pode, uma decisão dessa gravidade, ser tomada por apenas três dos onze togados? Será que essa é a Suprema Justiça?
Encerro com uma lição do historiador inglês, Lord Acton (1834/1902): "Lembrem-se, onde o poder está concentrado em poucas mãos, frequentemente homens com mentalidade ditatorial tomam o leme para si. Como a História nos vem provando à farta".
É preciso muito cuidado.
Tenho ainda muito o que aprender, sobre muitos assuntos. Mas o que mais está a açular minha mente, nestes dias, é tentar compreender porque o STF, para minha infinita tristeza, resolveu perseguir a Operação Lava Jato.
A dívida que temos com o Ministério Público e com a Polícia Federal é fantástica. Se o Brasil está na situação em que está, pare um segundo, Leitor, e pense na penúria em que estaríamos se a Operação Lava Jato, sob o comando do juiz Sergio Moro, não tivesse agido como vem agindo desde 17 de março de 2014.
Ou algum de vocês acha que sem os mandados de busca e apreensão, de prisão temporária, de prisão preventiva e de condução coercitiva, o esquema que movimentou bilhões em propina teria estancado como num passe de mágica?
O Supremo, e talvez o mal tenha começado com a escolha do nome dado a essa instituição, Supremo, anda numa arrogância espantosa. Talvez se tivesse recebido outro nome, tipo Mais Alta Corte, ou Corte Constitucional, ou semelhante, os onze advogados sob togas tão majestosas não impressionassem e assustassem tanto quanto assustam. Chegamos até a esquecer que eles são apenas onze advogados escolhidos por diversos presidentes da República e não figuras Supremas!
Pois essas figuras andam tomando decisões estranhíssimas. Exemplo gritante: o habeas corpus para o goleiro Bruno, um dos mais cruéis e frios assassinos de que se tem notícia! Decisão que já foi revogada, graças a Deus.
Mas anteontem uma nova decisão espantosa foi tomada por três desses advogados togados: foi revogada a prisão temporária do ex-ministro José Dirceu, homem sem freios que não se furta em dizer que “Na prisão ou em liberdade, sou um militante político e sempre serei”. Está aí uma verdade verdadeira: ele é um animal político que não se furtou a continuar a fazer política mesmo detido.
A carta que escreveu da prisão 14 dias antes de ser libertado, e que foi publicada no Estadão, é um documento de uma agressividade e de uma audácia inacreditáveis! Copio do Estadão: “Comparou os delatores que o acusam a “cachorros da ditadura”, defendeu uma virada à esquerda do PT, criticou o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a ação do juiz Sérgio Moro. Qualificou como golpistas o governo Temer e a mídia. § E, diante do risco do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não ser candidato em 2018, em razão dos processos em que é réu na Operação Lava Jato, o petista escreveu: “Darão outro golpe, condenarão e prenderão Lula? Serão capazes dessa violência e ilegalidade? Veremos”.
Agora ele está como quer: em liberdade condicional, com uma bela tornozeleira, vivendo na capital da República. E minhas dúvidas só crescem:
1) quem o sustentará? Brasília é uma cidade cara...;
2) ele está proibido de sair de casa? Não li sobre essa proibição em parte alguma. Se vai poder sair normalmente, ir a restaurantes, cafés, teatros, padarias, farmácias, casa de amigos e parentes, como impedir que ele se encontre ou troque palavras com os companheiros de sempre?;
3) por que, no caso de Dirceu, não houve a mesma proibição feita a Adriana Ancelmo, de usar celular ou Internet?;
4) sair do país é a menor das preocupações do Dirceu: ele agora vai se dedicar a reencaminhar o PT e os petistas para a esquerda.
Fica a dúvida que alfineta o coração: pode, uma decisão dessa gravidade, ser tomada por apenas três dos onze togados? Será que essa é a Suprema Justiça?
Encerro com uma lição do historiador inglês, Lord Acton (1834/1902): "Lembrem-se, onde o poder está concentrado em poucas mãos, frequentemente homens com mentalidade ditatorial tomam o leme para si. Como a História nos vem provando à farta".
É preciso muito cuidado.
Roteiro de uma destruição
Fatos avassaladores foram trazidos à luz pelas delações dos executivos da Odebrecht, em declarações transmitidas pelas redes sociais e de televisão. Lula, o Amigo, foi desmascarado: de líder da esquerda a “bon-vivant”. O interesse nacional, segundo os delatores, ficou sempre em segundo plano ante o interesse pessoal. No caso de Lula, feliz dono do triplex, tal ocorreu em diversos momentos, mas também na vida de líderes dos principais partidos, PMDB, PSDB, DEM, PP, PSD, PDT...
Quais as razões desse desastre da política brasileira? Em recente trabalho, José de Souza Martins diz: “Temos o capitalismo da ‘lei de Gerson’, o capitalismo da corrupção”. E conclui: “Nesses últimos 30 anos o Brasil aniquilou a política e a esperança política” (Coletânea O Brasil no Contexto 1987-2017). Por que tal se deu com a redemocratização?
A destruição da política iniciou-se na Constituinte e seu principal responsável foi Sarney, com a compra dos cinco anos de mandato e a imposição do presidencialismo gerador da ingovernabilidade e da crise entre Poderes. Cabe saber: o que houve na Constituinte?
O sistema parlamentarista presidencializado foi adotado pelos constituintes nas diversas fases dos trabalhos, com previsão de primeiro-ministro, plano de governo e Ministério aprovados pela Câmara dos Deputados, destituição do governo por moção de censura.
Na fase final, já em plenário, foi votado o capítulo do Poder Legislativo (artigos 44 a 75 da Constituição), característico do parlamentarismo. Chegou-se, então, à votação, do capítulo seguinte, Do Poder Executivo, quando Sarney, diante da resistência à concessão de cinco anos de mandato, resolveu cacifar a proposta do presidencialismo com cinco anos.
A emenda presidencialista venceu com maioria conquistada à custa da distribuição de canais de rádio e televisão pelo Ministério das Comunicações. Foi o primeiro mensalão. Numa Constituição parlamentarista se inseriu o corpo estranho do presidencialismo. Foi um momento de vergonha.
Em 1989, na eleição para presidente, os partidos e os políticos tradicionais foram tragados pelos populistas Collor, o playboy do jet sky, caçador de marajás, e Lula, o sindicalista que encantara os intelectuais e a classe média. Ulysses, Aureliano Chaves, Brizola, Covas, Maluf foram dizimados. Prevaleceu o carisma, não o partido.
O sistema proporcional para a Câmara dos Deputados impôs gastos significativos a uma eleição em que o voto depende da eficiência de cabos eleitorais (prefeitos, vereadores, líderes comunitários) cujo custo é elevado. Favorece-se a criação do caixa 2. É complicado formar maioria parlamentar com bancadas que não têm identidade ideológica ou programática, quando os deputados representam muitas vezes categorias profissionais ou religiosas, em evidente corporativismo.
Collor logo perdeu a base parlamentar. Seu plano contra a inflação fracassou. PC Farias passou a tratar dos grandes contratos da União. A ganância levou ao impeachment.
No Poder Legislativo a corrupção também se instalara. O escândalo dos “anões do Orçamento” mostrou, em 1993, o conluio entre empreiteiras, parlamentares e prefeituras. No entanto, houve um grande acordo para escamotear a verdade, sendo atingidos alguns parlamentares, mas preservados os empreiteiros e os líderes partidários.
A impunidade foi mau exemplo, pois grassou a corrupção como forma de agir de administradores em todos os níveis, com a participação primordial das empreiteiras. O capitalismo e a ditadura da propina avançaram.
Fernando Henrique Cardoso, eleito como o mágico vencedor da inflação, promoveu reformas, mas não a da política, infelizmente, um grande erro. Não foi só graças ao seu prestígio que se equilibrou a relação Executivo-Legislativo, pois o “toma lá, dá cá” esteve presente nas emendas parlamentares, que perduravam.
Mas a corrupção sistêmica e serial instalou-se com o governo do PT, ao não dividir o poder. Por essa tática se dava ao partido aliado a chefia de um ministério, mas toda a estrutura ministerial – do secretário executivo para baixo – vinha a ser ocupada por correligionários. Para garantir maioria parlamentar, sem participação efetiva dos partidos aliados no governo, passou-se a comprar deputados. Nasceu o mensalão. E depois o chamado petrolão, em vista de a rapina na Petrobrás financiar a corrupção.
Medidas provisórias foram escritas por e para empresas. Acabou a política: os destinos da Nação passaram a ser ditados pelos corruptores, adquirentes dos líderes da classe política.
O presidencialismo e o voto proporcional impulsionaram o caminhar na ilicitude para ganhar eleição e para governar. Sem dúvida, o certo seria o parlamentarismo e o voto distrital misto. Mas como obter essa conquista?
Neste instante delicado de refazimento da economia, uma Constituinte seria risco sem tamanho, pois se sabe como começa, não se sabe como termina, com imensa insegurança jurídica. Com pouco tempo, temos de nos contentar com a criação da cláusula de barreira, limitadora dos partidos políticos, e com a proibição de coligações legislativas, matérias objeto de emenda constitucional já aprovada no Senado, além de repensar o financiamento de campanha.
No mais, resta contar com a agilidade do Judiciário. Os processos da Lava Jato e outros estão para sentença. A nossa proposta de força-tarefa, aceita pelo Colégio de Institutos dos Advogados e pela OAB, foi agora adotada pela presidente Cármen Lúcia do STF e apressará a tramitação dos processos na Suprema Corte.
A política brasileira ganha com as redes sociais e com os movimentos de rua novos atores e haverá grau mais elevado de conscientização do eleitorado. Não devemos contar com salvadores da pátria. Quem redime o País é o voto consciente, que afastará o mau político.
Quais as razões desse desastre da política brasileira? Em recente trabalho, José de Souza Martins diz: “Temos o capitalismo da ‘lei de Gerson’, o capitalismo da corrupção”. E conclui: “Nesses últimos 30 anos o Brasil aniquilou a política e a esperança política” (Coletânea O Brasil no Contexto 1987-2017). Por que tal se deu com a redemocratização?
A destruição da política iniciou-se na Constituinte e seu principal responsável foi Sarney, com a compra dos cinco anos de mandato e a imposição do presidencialismo gerador da ingovernabilidade e da crise entre Poderes. Cabe saber: o que houve na Constituinte?
O sistema parlamentarista presidencializado foi adotado pelos constituintes nas diversas fases dos trabalhos, com previsão de primeiro-ministro, plano de governo e Ministério aprovados pela Câmara dos Deputados, destituição do governo por moção de censura.
Na fase final, já em plenário, foi votado o capítulo do Poder Legislativo (artigos 44 a 75 da Constituição), característico do parlamentarismo. Chegou-se, então, à votação, do capítulo seguinte, Do Poder Executivo, quando Sarney, diante da resistência à concessão de cinco anos de mandato, resolveu cacifar a proposta do presidencialismo com cinco anos.
A emenda presidencialista venceu com maioria conquistada à custa da distribuição de canais de rádio e televisão pelo Ministério das Comunicações. Foi o primeiro mensalão. Numa Constituição parlamentarista se inseriu o corpo estranho do presidencialismo. Foi um momento de vergonha.
Em 1989, na eleição para presidente, os partidos e os políticos tradicionais foram tragados pelos populistas Collor, o playboy do jet sky, caçador de marajás, e Lula, o sindicalista que encantara os intelectuais e a classe média. Ulysses, Aureliano Chaves, Brizola, Covas, Maluf foram dizimados. Prevaleceu o carisma, não o partido.
O sistema proporcional para a Câmara dos Deputados impôs gastos significativos a uma eleição em que o voto depende da eficiência de cabos eleitorais (prefeitos, vereadores, líderes comunitários) cujo custo é elevado. Favorece-se a criação do caixa 2. É complicado formar maioria parlamentar com bancadas que não têm identidade ideológica ou programática, quando os deputados representam muitas vezes categorias profissionais ou religiosas, em evidente corporativismo.
Collor logo perdeu a base parlamentar. Seu plano contra a inflação fracassou. PC Farias passou a tratar dos grandes contratos da União. A ganância levou ao impeachment.
No Poder Legislativo a corrupção também se instalara. O escândalo dos “anões do Orçamento” mostrou, em 1993, o conluio entre empreiteiras, parlamentares e prefeituras. No entanto, houve um grande acordo para escamotear a verdade, sendo atingidos alguns parlamentares, mas preservados os empreiteiros e os líderes partidários.
A impunidade foi mau exemplo, pois grassou a corrupção como forma de agir de administradores em todos os níveis, com a participação primordial das empreiteiras. O capitalismo e a ditadura da propina avançaram.
Fernando Henrique Cardoso, eleito como o mágico vencedor da inflação, promoveu reformas, mas não a da política, infelizmente, um grande erro. Não foi só graças ao seu prestígio que se equilibrou a relação Executivo-Legislativo, pois o “toma lá, dá cá” esteve presente nas emendas parlamentares, que perduravam.
Mas a corrupção sistêmica e serial instalou-se com o governo do PT, ao não dividir o poder. Por essa tática se dava ao partido aliado a chefia de um ministério, mas toda a estrutura ministerial – do secretário executivo para baixo – vinha a ser ocupada por correligionários. Para garantir maioria parlamentar, sem participação efetiva dos partidos aliados no governo, passou-se a comprar deputados. Nasceu o mensalão. E depois o chamado petrolão, em vista de a rapina na Petrobrás financiar a corrupção.
Medidas provisórias foram escritas por e para empresas. Acabou a política: os destinos da Nação passaram a ser ditados pelos corruptores, adquirentes dos líderes da classe política.
O presidencialismo e o voto proporcional impulsionaram o caminhar na ilicitude para ganhar eleição e para governar. Sem dúvida, o certo seria o parlamentarismo e o voto distrital misto. Mas como obter essa conquista?
Neste instante delicado de refazimento da economia, uma Constituinte seria risco sem tamanho, pois se sabe como começa, não se sabe como termina, com imensa insegurança jurídica. Com pouco tempo, temos de nos contentar com a criação da cláusula de barreira, limitadora dos partidos políticos, e com a proibição de coligações legislativas, matérias objeto de emenda constitucional já aprovada no Senado, além de repensar o financiamento de campanha.
No mais, resta contar com a agilidade do Judiciário. Os processos da Lava Jato e outros estão para sentença. A nossa proposta de força-tarefa, aceita pelo Colégio de Institutos dos Advogados e pela OAB, foi agora adotada pela presidente Cármen Lúcia do STF e apressará a tramitação dos processos na Suprema Corte.
A política brasileira ganha com as redes sociais e com os movimentos de rua novos atores e haverá grau mais elevado de conscientização do eleitorado. Não devemos contar com salvadores da pátria. Quem redime o País é o voto consciente, que afastará o mau político.
Sobre o vandalismo
O substantivo "vandalismo" é de origem recente. Foi cunhado no final do século XVIII pelo abade francês Henri Grégoire, importante personagem da Revolução Francesa. "Vandalismo" evoca os vândalos, povo possivelmente oriundo da Escandinávia e estabelecido na Silésia (território hoje dividido entre a Polônia, Alemanha e República Tcheca), que, no início do século V, começou uma longa marcha, finda em meados do século seguinte. Em cerca de 150 anos, os vândalos, pressionados por outras tribos, se deslocaram até o norte da África, cruzando a França e a Espanha (onde, possivelmente, deixaram sua marca no nome da região de Andaluzia – Vandaluzia). Em 455, invadiram e saquearam Roma – antes, apenas um povo havia ousado penetrar na sede do cristianismo, os visigodos, em 410. Por conta desse episódio, para todo o sempre "vandalismo" tornou-se sinônimo de destruição de bens públicos ou privados.
Ultimamente, o termo "vandalismo" tem sido associado aos black blocks – pequenos grupos de jovens, mascarados e vestidos de preto, que defendem o enfrentamento direto com a polícia e a depredação de prédios de instituições que, para eles, constituem símbolos do capitalismo, como bancos, corporações multinacionais e entidades governamentais. A tática, nascida na Alemanha nos anos 1980, de inspiração anarquista, espalhou-se pelo mundo e hoje serve de escoamento para insatisfações generalizadas e de vazão à adrenalina adolescente. Infiltrados nos protestos pacíficos, causam pânico entre os manifestantes ao incitar a ação dos órgãos de repressão, e contabilizam, no final, algumas fachadas destruídas. São desagradáveis e irritantes, mas representam uma minoria.
Portanto, deveríamos reservar os termos "vândalos" e "vandalismo" para descrever as hordas que atacam os cofres públicos e saqueiam cidades, estados e até populações inteiras. Os vândalos originais permaneceram 14 dias em Roma, e carregaram o que puderam, de ouro e pedras preciosas até cidadãos tornados escravos. Os vândalos brasileiros subsistem por anos, às vezes por décadas, no poder, drenando as riquezas produzidas pela população, tornando privado o que é público. E contra eles não há gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cassetetes, bombas de efeito moral, jatos de água, balas de borracha – há o silêncio conivente da Justiça, há a apatia desencantada da sociedade.
Alguns exemplos. Sergio Cabral é réu em sete processos no Supremo Tribunal Federal, acusado de chefiar um esquema que desviou cerca de R$ 224 milhões durante seus dois mandatos como governador do Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, sete dos maiores contratos do escritório de advocacia liderado pela mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, no valor total de R$ 27 milhões, foram celebrados com empresas que receberam isenções fiscais de quase R$ 4 bilhões durante o período em que o marido administrava o Rio.
O ex-presidente José Sarney instalou um feudo no Maranhão, desde a década de 1960, quando foi pela primeira vez eleito governador. Com mãos de ferro, comandou seu estado, diretamente, ou por meio de sua filha, Roseana, deixando como legado o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, a segunda pior expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil – em todos esses quesitos, perde apenas para Alagoas, terra de Fernando Collor e Renan Calheiros, cujo filho, aliás, é o atual governador do estado. Ironicamente, o município chamado Presidente Sarney detém o triste título nacional de pior Índice de Bem-Estar Urbano, calculado pelo Observatório das Metrópoles, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Já Eike Batista é acusado de pagar 16,5 milhões de dólares em propina para o ex-governador Sérgio Cabral, além de ter sido mencionado em vários depoimentos na Operação Lava Jato, por envolvimento em denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. Filho de Eliezer Batista – ministro das Minas e Energia (1962-1963), presidente da estatal Vale do Rio Doce (1979-1986) e titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Collor (1992) –, Eike Batista chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, dono de uma fortuna de 30 bilhões de dólares, "reduzida" hoje a 116 milhões de dólares.
E a construtora Norberto Odebrecht, que chegou a criar um departamento interno exclusivamente para cuidar de assuntos ligados à corrupção, pagou, entre 2006 e 2014, cerca de 3,4 bilhões de dólares em propina a um amplo espectro de políticos e atravessadores, independentemente de ideologia ou credo religioso. Entretanto, como explicou o jurista Wálter Maierovitch, em entrevista à Folha de S. Paulo, nenhum centavo saiu do patrimônio da empresa – o capital investido na corrupção foi obtido via superfaturamento de obras.
O presidente não eleito, Michel Temer, embora conte com a aprovação de apenas 4% do eleitorado brasileiro, segundo pesquisa Barômetro Político, realizada pela consultoria Ipsos, empurra suas reformas goela abaixo da população. Conforme pesquisa da Datafolha, 71% dos entrevistados rejeitam a reforma previdenciária e 64% acreditam que a reforma trabalhista só atende aos interesses patronais. Escudado em chantagens e ameaças, Temer conta com a complacência de um Congresso que tem a grande maioria de seus membros suspeitos de envolvimento em corrupção, e que, portanto, deveria ter questionada sua legitimidade na promoção de mudanças tão significativas para a vida dos brasileiros.
Vandalismo é um ato de pilhagem organizado, e não uma conduta de rebeldia individual. Com razão, ficamos chocados e indignados quando alguns adolescentes mascarados quebram os vidros de uma agência bancária – para eles, exige-se que a justiça seja dura e implacável. No entanto, ao mesmo tempo assistimos anestesiados o saque de milhões de dólares dos cofres públicos – chamem-se eles Sergio Cabral ou José Sarney, Eike Batista ou Marcelo Odebrecht; pertençam eles ao PMDB, PSDB, DEM ou PT; estejam eles na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos governos municipal, estadual ou federal, no Judiciário ou no meio empresarial. Esses agem de caso pensado e provocam a sangria bilionárias no patrimônio público. A eles sim, deveríamos chamar de vândalos.
Ultimamente, o termo "vandalismo" tem sido associado aos black blocks – pequenos grupos de jovens, mascarados e vestidos de preto, que defendem o enfrentamento direto com a polícia e a depredação de prédios de instituições que, para eles, constituem símbolos do capitalismo, como bancos, corporações multinacionais e entidades governamentais. A tática, nascida na Alemanha nos anos 1980, de inspiração anarquista, espalhou-se pelo mundo e hoje serve de escoamento para insatisfações generalizadas e de vazão à adrenalina adolescente. Infiltrados nos protestos pacíficos, causam pânico entre os manifestantes ao incitar a ação dos órgãos de repressão, e contabilizam, no final, algumas fachadas destruídas. São desagradáveis e irritantes, mas representam uma minoria.
Portanto, deveríamos reservar os termos "vândalos" e "vandalismo" para descrever as hordas que atacam os cofres públicos e saqueiam cidades, estados e até populações inteiras. Os vândalos originais permaneceram 14 dias em Roma, e carregaram o que puderam, de ouro e pedras preciosas até cidadãos tornados escravos. Os vândalos brasileiros subsistem por anos, às vezes por décadas, no poder, drenando as riquezas produzidas pela população, tornando privado o que é público. E contra eles não há gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cassetetes, bombas de efeito moral, jatos de água, balas de borracha – há o silêncio conivente da Justiça, há a apatia desencantada da sociedade.
Alguns exemplos. Sergio Cabral é réu em sete processos no Supremo Tribunal Federal, acusado de chefiar um esquema que desviou cerca de R$ 224 milhões durante seus dois mandatos como governador do Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, sete dos maiores contratos do escritório de advocacia liderado pela mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, no valor total de R$ 27 milhões, foram celebrados com empresas que receberam isenções fiscais de quase R$ 4 bilhões durante o período em que o marido administrava o Rio.
O ex-presidente José Sarney instalou um feudo no Maranhão, desde a década de 1960, quando foi pela primeira vez eleito governador. Com mãos de ferro, comandou seu estado, diretamente, ou por meio de sua filha, Roseana, deixando como legado o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, a segunda pior expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil – em todos esses quesitos, perde apenas para Alagoas, terra de Fernando Collor e Renan Calheiros, cujo filho, aliás, é o atual governador do estado. Ironicamente, o município chamado Presidente Sarney detém o triste título nacional de pior Índice de Bem-Estar Urbano, calculado pelo Observatório das Metrópoles, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Já Eike Batista é acusado de pagar 16,5 milhões de dólares em propina para o ex-governador Sérgio Cabral, além de ter sido mencionado em vários depoimentos na Operação Lava Jato, por envolvimento em denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. Filho de Eliezer Batista – ministro das Minas e Energia (1962-1963), presidente da estatal Vale do Rio Doce (1979-1986) e titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Collor (1992) –, Eike Batista chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, dono de uma fortuna de 30 bilhões de dólares, "reduzida" hoje a 116 milhões de dólares.
E a construtora Norberto Odebrecht, que chegou a criar um departamento interno exclusivamente para cuidar de assuntos ligados à corrupção, pagou, entre 2006 e 2014, cerca de 3,4 bilhões de dólares em propina a um amplo espectro de políticos e atravessadores, independentemente de ideologia ou credo religioso. Entretanto, como explicou o jurista Wálter Maierovitch, em entrevista à Folha de S. Paulo, nenhum centavo saiu do patrimônio da empresa – o capital investido na corrupção foi obtido via superfaturamento de obras.
O presidente não eleito, Michel Temer, embora conte com a aprovação de apenas 4% do eleitorado brasileiro, segundo pesquisa Barômetro Político, realizada pela consultoria Ipsos, empurra suas reformas goela abaixo da população. Conforme pesquisa da Datafolha, 71% dos entrevistados rejeitam a reforma previdenciária e 64% acreditam que a reforma trabalhista só atende aos interesses patronais. Escudado em chantagens e ameaças, Temer conta com a complacência de um Congresso que tem a grande maioria de seus membros suspeitos de envolvimento em corrupção, e que, portanto, deveria ter questionada sua legitimidade na promoção de mudanças tão significativas para a vida dos brasileiros.
Vandalismo é um ato de pilhagem organizado, e não uma conduta de rebeldia individual. Com razão, ficamos chocados e indignados quando alguns adolescentes mascarados quebram os vidros de uma agência bancária – para eles, exige-se que a justiça seja dura e implacável. No entanto, ao mesmo tempo assistimos anestesiados o saque de milhões de dólares dos cofres públicos – chamem-se eles Sergio Cabral ou José Sarney, Eike Batista ou Marcelo Odebrecht; pertençam eles ao PMDB, PSDB, DEM ou PT; estejam eles na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos governos municipal, estadual ou federal, no Judiciário ou no meio empresarial. Esses agem de caso pensado e provocam a sangria bilionárias no patrimônio público. A eles sim, deveríamos chamar de vândalos.
O conflito sutilmente invade a Justiça
Há dias, o rebuliço vem se dando, deixando disputas explícitas: primeiro os habeas corpus concedidos a alguns condenados, em primeira instância, pela Operação Lava Jato — José Dirceu e Eike Batista, entre eles. Agora, a decisão do ministro Edson Fachin de levar o mesmo pedido de Antônio Palocci à decisão do plenário do STF, saltando a Segunda Turma, que liberou Dirceu.
Houve também a decisão do plenário que permitiu que o governador mineiro, Fernando Pimentel (PT), seja processado diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem anuência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Dadas as relações políticas entre Executivos e Legislativos estaduais, a decisão faz bastante sentido e o Judiciário parece agir dentro de suas prerrogativas ao adotá-la.
Todavia, mesmo aparentemente correta, trata-se de um encaminhamento político que ainda dará o que falar, uma vez que se estenda a todos os governadores do país. Existe uma penca deles hoje na berlinda, atordoados por delações e revelações da Operação Lava Jato. É claro que haverá conflito também aí.
Nada disso é ilegal, mas tampouco é tranquilo. O conflito parece ter escapado de sua arena tradicional, o parlamento e os partidos, para pousar sobre as togas de promotores e magistrados do país. Há tempos vem se deslocando, num embate mais ou menos sutil entre magistrados e destes com promotores, mas agora tudo indica que as disputas estão explícitas.
A decisão da Segunda Turma — no caso Dirceu — e a liminar concedida por Gilmar Mendes — no caso Eike — desagradaram a milhares, se não milhões, de pessoas, acionando a opinião pública, temerosa que a partir disto inviabilize-se a Operação Lava Jato. Como contraponto, promotores de Curitiba tentaram reagir por meio de entrevista coletiva na TV; também o juiz de primeira instância, do caso Batista, de um ponto de vista muito prático, buscou tonar nula a decisão do ministro do STF, ao arbitrar um valor aparentemente pouco exequível para a fiança do empresário.
Evidentemente, não é bom que isto ocorra, pois, levado ao extremo, perde-se a possibilidade de arbitragem — a decisão em “última instância”, o poder que estabelece a ordem, moderando o conflito. Como mais ou menos disse o ministro Gilmar Mendes, “Supremo é supremo”; o complicado é que isto precise ser afirmado.
A questão deveria ser simples: o Supremo agiu dentro de suas prerrogativas ao decidir pela liberdade provisória; obedeceu ou não à lei? Se a resposta é positiva, isto de modo algum poderia prejudicar a Lava Jato, mesmo que contrarie o ímpeto de seus membros e simpatizantes; talvez até a corrija num ou noutro excesso. A lei é a lei que se tem, não há outra. E ninguém, por mais justo que supostamente seja, está acima dela.
Num ambiente menos poluído por desconfianças e disputas, ficaria claro que a Lava Jato pode muito, mas não pode tudo. Seu espaço de ação é institucionalmente limitado. A opinião pública conta, mas não resolve a equação por si. No limite, a autoridade suprema é, óbvio, do Supremo Tribunal Federal e isto bastaria.
Esqueçam-se os casos Dirceu e Eike — são figuras, no mínimo, controversas, até inadvertidamente, seus nomes contaminam a questão. O maior problema reside em outra esfera: o país confia ou não nas instituições possui? Elas são ou não críveis? A rigor, tanto as decisões da Segunda Turma e de Gilmar Mendes quanto as de Edson Fachin e do Plenário são absolutamente legítimas, embora se deem num evidente jogo de forças.
A Justiça tem suas normas e seus rigores, mas a hermenêutica será sempre tomada por valores e crenças; se não se aceita limites à autoridade e leis de abuso em instâncias menores, não se pode exigir o contrário para instâncias superiores. A interpretação será sempre política; às vezes haverá consenso, noutras haverá disputa. Importante é que não seja partidária.
O conflito pisou os tapetes dos tribunais, sutilmente sentou-se entre magistrados; pediu café e a palavra. Veio para ficar e, ao que parece, tão cedo não irá embora. Nem por sorte.
E assim o tempo caminha em seu ziguezaguear como o passo de bêbado, que cai, não cai; avança, recua, puxa, cede, retrocede. É o movimento da história: o conflito, nervo da política, se explicita, e traz consigo sua vertigem. A vida é isso: hoje se ganha; a manhã, se perde e, depois, ninguém sabe o que virá. Parece poesia de Carlos Drummond. A evidenciação do mal-estar não é, por si, condição para saná-lo; a tensão em que se vive atualmente não se abrandará enquanto arder a chama das disputas.
Houve também a decisão do plenário que permitiu que o governador mineiro, Fernando Pimentel (PT), seja processado diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem anuência da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Dadas as relações políticas entre Executivos e Legislativos estaduais, a decisão faz bastante sentido e o Judiciário parece agir dentro de suas prerrogativas ao adotá-la.
Todavia, mesmo aparentemente correta, trata-se de um encaminhamento político que ainda dará o que falar, uma vez que se estenda a todos os governadores do país. Existe uma penca deles hoje na berlinda, atordoados por delações e revelações da Operação Lava Jato. É claro que haverá conflito também aí.
A decisão da Segunda Turma — no caso Dirceu — e a liminar concedida por Gilmar Mendes — no caso Eike — desagradaram a milhares, se não milhões, de pessoas, acionando a opinião pública, temerosa que a partir disto inviabilize-se a Operação Lava Jato. Como contraponto, promotores de Curitiba tentaram reagir por meio de entrevista coletiva na TV; também o juiz de primeira instância, do caso Batista, de um ponto de vista muito prático, buscou tonar nula a decisão do ministro do STF, ao arbitrar um valor aparentemente pouco exequível para a fiança do empresário.
Evidentemente, não é bom que isto ocorra, pois, levado ao extremo, perde-se a possibilidade de arbitragem — a decisão em “última instância”, o poder que estabelece a ordem, moderando o conflito. Como mais ou menos disse o ministro Gilmar Mendes, “Supremo é supremo”; o complicado é que isto precise ser afirmado.
A questão deveria ser simples: o Supremo agiu dentro de suas prerrogativas ao decidir pela liberdade provisória; obedeceu ou não à lei? Se a resposta é positiva, isto de modo algum poderia prejudicar a Lava Jato, mesmo que contrarie o ímpeto de seus membros e simpatizantes; talvez até a corrija num ou noutro excesso. A lei é a lei que se tem, não há outra. E ninguém, por mais justo que supostamente seja, está acima dela.
Num ambiente menos poluído por desconfianças e disputas, ficaria claro que a Lava Jato pode muito, mas não pode tudo. Seu espaço de ação é institucionalmente limitado. A opinião pública conta, mas não resolve a equação por si. No limite, a autoridade suprema é, óbvio, do Supremo Tribunal Federal e isto bastaria.
Esqueçam-se os casos Dirceu e Eike — são figuras, no mínimo, controversas, até inadvertidamente, seus nomes contaminam a questão. O maior problema reside em outra esfera: o país confia ou não nas instituições possui? Elas são ou não críveis? A rigor, tanto as decisões da Segunda Turma e de Gilmar Mendes quanto as de Edson Fachin e do Plenário são absolutamente legítimas, embora se deem num evidente jogo de forças.
A Justiça tem suas normas e seus rigores, mas a hermenêutica será sempre tomada por valores e crenças; se não se aceita limites à autoridade e leis de abuso em instâncias menores, não se pode exigir o contrário para instâncias superiores. A interpretação será sempre política; às vezes haverá consenso, noutras haverá disputa. Importante é que não seja partidária.
O conflito pisou os tapetes dos tribunais, sutilmente sentou-se entre magistrados; pediu café e a palavra. Veio para ficar e, ao que parece, tão cedo não irá embora. Nem por sorte.
E assim o tempo caminha em seu ziguezaguear como o passo de bêbado, que cai, não cai; avança, recua, puxa, cede, retrocede. É o movimento da história: o conflito, nervo da política, se explicita, e traz consigo sua vertigem. A vida é isso: hoje se ganha; a manhã, se perde e, depois, ninguém sabe o que virá. Parece poesia de Carlos Drummond. A evidenciação do mal-estar não é, por si, condição para saná-lo; a tensão em que se vive atualmente não se abrandará enquanto arder a chama das disputas.
Canalhice não tem medida
A política na rede
O temor de que o habeas corpus concedido pelo STF a José Dirceu deflagre outros, em série, comprometendo – ou mesmo extinguindo – a Lava Jato, ignora o dado novo e revolucionário da atualidade política brasileira: o advento da opinião pública.
A internet tirou-a da condição de ente abstrato e conferiu-lhe protagonismo. No passado, as crises eram resolvidas (ou não) à revelia do público, que mal sabia o nome dos que o governavam.
Hoje, em plena Era da Informação, conhece-se melhor o perfil dos onze ministros do STF que o dos craques da Seleção Brasileira. E os atos dos agentes públicos, antes mesmo que a mídia convencional deles se ocupe, já se submetem ao crivo das redes sociais.
A opinião pública, antes pautada pela mídia – a ponto de ser chamada de opinião publicada –, passou a pautá-la. Foram as redes sociais que produziram as manifestações que levaram ao impeachment de Dilma Roussef. E são elas agora que constrangem o STF a continuar a conceder habeas corpus à clientela de Curitiba.
A voz digital das ruas descobre seu poder e sacode a torre de marfim de Brasília, que procura se ajustar aos novos tempos. Um vídeo no Facebook repercute mais que um discurso da tribuna da Câmara ou do Senado. A política e os políticos descobriram isso – e invadiram as redes. A plateia, porém, mantém-se crítica.
O ministro Edson Fachin, do STF, diante da repercussão negativa da soltura de José Dirceu, optou por encaminhar o pedido de habeas corpus de Antonio Palocci ao plenário – e não mais à segunda turma. Fará o mesmo com os de Eduardo Cunha, João Vaccari e Marcelo Odebrecht. Quer compartilhar as vaias.
O ministro Gilmar Mendes ainda desafia o fenômeno: no julgamento que livrou José Dirceu da prisão preventiva, avisou que o STF não tolera e não pode se curvar a pressões. Mas as pressões prosseguem e geram atitudes mais cuidadosas como a de Fachin.
As redes servem também para que os magistrados duelem indiretamente. O trio da segunda turma do STF que votou pró-Dirceu – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Lewandowski – criticou o que chamou de abuso da prisão cautelar, atribuído a Sérgio Moro.
Este, por sua vez, sem se dirigir a eles, mas ao imenso público das redes, retrucou: “Excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada”.
O público pró-Moro dá de goleada no do Supremo – e não só nele, mas em qualquer outro que o desafie. É de lá que provém o combustível que abastece a Lava Jato, que sabe tirar partido dessa receptividade. O PT investe pesadamente nas redes, mas fala apenas à própria militância. Provoca mais vaias que aplausos.
É mesmo assim o partido que primeiro investiu na rede e o que a ocupa de maneira mais planejada. Foca neste momento no depoimento de Lula a Sérgio Moro, no próximo dia 10, em Curitiba; quer arrebanhar adeptos para ocupar a cidade e constranger Moro e os procuradores. Já conseguiu criar um ambiente prévio de tensão.
Lula continua sendo apresentado como perseguido político, mesmo não o sendo; é acusado de delitos capitulados no Código Penal, à frente, segundo a Lava Jato, do maior assalto já havido contra o erário. Esse duelo entre acusação e defesa está prestes a migrar do virtual para o real, o que impõe complicadas medidas de segurança e logística. A primeira, a pedido da Polícia Federal, foi adiar o próprio depoimento, que deveria ter ocorrido ontem.
Teme-se que Curitiba vire praça de guerra, e a defesa de Lula investe nesse temor. Acredita que, dessa forma, esvaziará o depoimento, intimidará os inquiridores e fortalecerá a imagem do perseguido político. Faltou combinar com o outro lado.
A internet tirou-a da condição de ente abstrato e conferiu-lhe protagonismo. No passado, as crises eram resolvidas (ou não) à revelia do público, que mal sabia o nome dos que o governavam.
Hoje, em plena Era da Informação, conhece-se melhor o perfil dos onze ministros do STF que o dos craques da Seleção Brasileira. E os atos dos agentes públicos, antes mesmo que a mídia convencional deles se ocupe, já se submetem ao crivo das redes sociais.
A voz digital das ruas descobre seu poder e sacode a torre de marfim de Brasília, que procura se ajustar aos novos tempos. Um vídeo no Facebook repercute mais que um discurso da tribuna da Câmara ou do Senado. A política e os políticos descobriram isso – e invadiram as redes. A plateia, porém, mantém-se crítica.
O ministro Edson Fachin, do STF, diante da repercussão negativa da soltura de José Dirceu, optou por encaminhar o pedido de habeas corpus de Antonio Palocci ao plenário – e não mais à segunda turma. Fará o mesmo com os de Eduardo Cunha, João Vaccari e Marcelo Odebrecht. Quer compartilhar as vaias.
O ministro Gilmar Mendes ainda desafia o fenômeno: no julgamento que livrou José Dirceu da prisão preventiva, avisou que o STF não tolera e não pode se curvar a pressões. Mas as pressões prosseguem e geram atitudes mais cuidadosas como a de Fachin.
As redes servem também para que os magistrados duelem indiretamente. O trio da segunda turma do STF que votou pró-Dirceu – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Lewandowski – criticou o que chamou de abuso da prisão cautelar, atribuído a Sérgio Moro.
Este, por sua vez, sem se dirigir a eles, mas ao imenso público das redes, retrucou: “Excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada”.
O público pró-Moro dá de goleada no do Supremo – e não só nele, mas em qualquer outro que o desafie. É de lá que provém o combustível que abastece a Lava Jato, que sabe tirar partido dessa receptividade. O PT investe pesadamente nas redes, mas fala apenas à própria militância. Provoca mais vaias que aplausos.
É mesmo assim o partido que primeiro investiu na rede e o que a ocupa de maneira mais planejada. Foca neste momento no depoimento de Lula a Sérgio Moro, no próximo dia 10, em Curitiba; quer arrebanhar adeptos para ocupar a cidade e constranger Moro e os procuradores. Já conseguiu criar um ambiente prévio de tensão.
Lula continua sendo apresentado como perseguido político, mesmo não o sendo; é acusado de delitos capitulados no Código Penal, à frente, segundo a Lava Jato, do maior assalto já havido contra o erário. Esse duelo entre acusação e defesa está prestes a migrar do virtual para o real, o que impõe complicadas medidas de segurança e logística. A primeira, a pedido da Polícia Federal, foi adiar o próprio depoimento, que deveria ter ocorrido ontem.
Teme-se que Curitiba vire praça de guerra, e a defesa de Lula investe nesse temor. Acredita que, dessa forma, esvaziará o depoimento, intimidará os inquiridores e fortalecerá a imagem do perseguido político. Faltou combinar com o outro lado.
'Supremos' contra a sociedade
O Ilustríssimo ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes, para rechear de argumentos o seu voto que consagrou a soltura do petista quadrilheiro José Dirceu (já condenado a mais de 30 anos de cadeia por crimes em série), apontou que estava dando uma lição histórica aos brasileiros. “Não é o público que recomenda a prisão”, alertou no costumeiro tom professoral. E de peito estufado, bradou a condição que lhe cabe e a seus pares: “SUPREMOS”, contra a “brincadeira quase juvenil” dos procuradores. Colocou no ralo o trabalho de justiça, brilhante e reconhecido pela sociedade, no desenrolar da “Lava-Jato”. Impôs sua vontade. Sua lição. Qual seja? A impunidade pode vingar e o crime, compensar. A leitura elementar do povo, de todos nós da massa rude e ignara, é essa. Que nos perdoem vossas excelências! A escolha dos magistrados de toga foi deliberadamente política, há de se notar. Ajustaram o entendimento da lei a um objetivo. De forma contrária à votação majoritária da última terça-feira,2 , em ocasiões passadas, no julgamento de outros réus – de igual estirpe, embora praticantes de delitos menores no quadrante da corrupção, lavagem e organização criminosa – essa mesma segunda turma de ministros avaliou por bem manter os condenados em cárcere, dado (como disseram em sentença) o risco de incorrerem na reiterada prática dos desvios. Situações semelhantes, deliberações inversas. Vá entender! Que o incorrigível José Dirceu tem, ainda hoje, condições e ferramentas para atrapalhar as investigações, isso pouca gente questiona. Ele já demonstrou tal disposição quando pulou do propinoduto do “Mensalão” para o do “Petrolão”, sem escala, e atuou em ambos mesmo quando mofava no xilindró. Que o ato de sua libertação representou de maneira simbólica e perigosa um desagravo contra os agentes da força-tarefa que vêm promovendo uma limpeza revolucionária nos meandros do poder, também não pairam dúvidas. Em igual condição de Dirceu, ao menos 221 mil condenados em primeira instância poderiam ser soltos de acordo com as ponderações da banca do STF. Mas, naturalmente, a maioria não possui o lastro de influência nem os recursos pecuniários para alcançar tamanho benefício. Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que outros, reza a lenda. As consequências do veredicto a favor de Dirceu são inexoráveis. O ex-ministro Palocci, que caminhava para uma delação definitiva e demolidora, parou para pensar. Mudou o horizonte, certamente mudam as expectativas e prioridades de cada um. Em prejuízo da Nação e da justiça, diga-se de passagem. No triunvirato de condestáveis liderado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli também tratam de enriquecer a coreografia de suas aparições públicas com uma profusão garbosa de peitos estufados, toga polida e barrete peremptório para impor a versão do que acham certo e errado. Lewandowski, cujo aplomb jurídico parece estar sempre em linha com os anseios do PT, se disse preocupado com “os direitos fundamentais do cidadão”. Se a moda pega, o precedente aberto pode afetar ao menos 90 prisões no bojo da Lava-Jato. Para o bem ou para o mal? Só o tempo dirá. No entender de sua excelência Toffoli, a “contenção do perigo” não se dá apenas por prisão cautelar. Os quadrilheiros urdidos nas tertúlias da malandragem estão comemorando. No covil dos petistas encalacrados com a lei, a festa impera e a expectativa de que outros nomes valorosos do partido, como Vaccari e Palocci, tenham o mesmo veredicto é grande. No âmbito dos “supremos”, não convém tomar emprestada a arrogância amiúde, conhecida historicamente por se colocar a serviço das piores causas. Foi certamente engolfado na maré engalanada que Gilmar Mendes passou sistematicamente a mirar ataques e críticas aos resultados da esquadra do juiz Sérgio Moro. Desde que resolveu defender Dirceu & Cia, numa sequência espantosa de solturas de réus da operação, Mendes virou de fato outro homem. Arrota valentia, troveja imprecações, dardeja cruéis ditirambos. E eis ali, naquele patíbulo dos julgados, que ele ganhou a condição de autêntico herói, paladino dos “perseguidos”. Há de se lamentar que alguns de nossos magistrados do Supremo tenham uma peculiar visão das coisas da justiça pela qual protagonizam julgamentos faceiros contra saqueadores notórios. E conseguem assim fulminar, com uma tranquilidade inquietante – esforçando-se para transmitir irônica bonomia – o senso comum.
O fim do emprego
Meu pai tinha devoção por Vitória. Uma escrevente do Tabelião Galba Pragana. Por sua enorme capacidade em transcrever longas minutas, nos livros. Com boa letra. Ligeiro. E errando pouco. Apesar de velhinha. A chamava, por isso, de Rainha Vitória. Só que não há mais rainhas assim, no mercado. Substituídas que foram por computadores. Minutas são enviadas, pelos escritórios de advocacia, diretamente aos Cartórios. Lá, são só formatadas. Por outras vitórias, terceirizadas, que nada escrevem. Já não há, nos Cartórios de hoje, livros físicos. Nem escreventes. A profissão desapareceu. Mais uma, entre tantas.
Entre as profissões que mais rapidamente desaparecerão, segundo esses estudos, estão: Agricultor – O processo produtivo, no campo, será crescentemente automatizado. Caixas – A Amazon já abriu sua primeira loja em que não há funcionários. Clientes que têm um App Amazon go entram nas lojas, fazem as compras e vão embora. Essa experiência tende a se alastrar. Bancários – Cada vez mais seus lugares serão substituídos por home bankings. Operadores de telemarketing – As máquinas vão entender o que usuários dizem e aprenderão a responder. Carteiros – As comunicações serão cada vez mais eletrônicas. Agentes de viagem – O processo tenderá a ser crescentemente automatizado. Contabilistas – Serão substituídos por máquinas.
Mesmo profissões tradicionais, como médicos e advogados, vão sofrer. Nos Estados Unidos, um robot-advogado (chamado Ross) vem sendo já usado em várias firmas. Com sucesso. E médicos correm o risco de ser substituídos por máquinas que farão exames e prescreverão receitas, na maioria dos casos. Em resumo, todas as profissões que possam ser sistematizadas correm risco.
O futuro é já presente/ Na visão de quem sabe ler, disse Fernando Pessoa (“Quinto Império”). E ele é razoavelmente óbvio. Empregados com menor qualificação serão substituídos por mais qualificados. A robotização é inevitável. Não só porque robots não movem processos trabalhistas. É que, no longo prazo, custam menos. Também porque são mais precisos. E não erram. Só a fábrica da FIAT, em Goiana (PE), tem 700 robots. E cada robot substitui, em média, 5 trabalhadores. A FIAT, hoje, tem lá 3.000 empregados. Mas, sem os robots, ela teria 0 (zero). Que nem haveria essa fábrica. Impossível recusar o progresso.
Enquanto isso, no Brasil, um grupo bloqueia estradas e vai às ruas, enfurecido, na defesa só do passado – uma lei de 1943. Se batendo contra outro que defende só o presente. Para permitir redução de custos e mais previsibilidade nas relações de trabalho, agora. Ninguém se preocupa em estabelecer as bases do emprego, no futuro. Importante porque, dado os avanços da ciência, as pessoas estão vivendo mais. E tenderão a trabalhar por mais tempo. O que quer dizer ainda menos postos disponíveis, para todos. Está desenhada uma crise. A mais grave da humanidade. A crise do fim do emprego.
A Ernst Young (Estados Unidos) acaba de tornar público estudo segundo o qual, em 2025, 1 em cada 3 empregos vai ser substituído por tecnologias inteligentes. E a Universidade de Oxford (Inglaterra) outro, similar, revelando que 47% dos empregos que hoje conhecemos vão desaparecer até 2040. Nada a estranhar. O físico Stephen Hawking antevê que “a ascensão da inteligência artificial irá provavelmente levar à destruição massiva dos postos de trabalho, sobretudo na classe média”. Será isso bom ou ruim? Provavelmente bom e ruim. Ganha-se em eficiência na produção, qualidade nos produtos e custos. Perde-se em postos de trabalho.
Mesmo profissões tradicionais, como médicos e advogados, vão sofrer. Nos Estados Unidos, um robot-advogado (chamado Ross) vem sendo já usado em várias firmas. Com sucesso. E médicos correm o risco de ser substituídos por máquinas que farão exames e prescreverão receitas, na maioria dos casos. Em resumo, todas as profissões que possam ser sistematizadas correm risco.
O futuro é já presente/ Na visão de quem sabe ler, disse Fernando Pessoa (“Quinto Império”). E ele é razoavelmente óbvio. Empregados com menor qualificação serão substituídos por mais qualificados. A robotização é inevitável. Não só porque robots não movem processos trabalhistas. É que, no longo prazo, custam menos. Também porque são mais precisos. E não erram. Só a fábrica da FIAT, em Goiana (PE), tem 700 robots. E cada robot substitui, em média, 5 trabalhadores. A FIAT, hoje, tem lá 3.000 empregados. Mas, sem os robots, ela teria 0 (zero). Que nem haveria essa fábrica. Impossível recusar o progresso.
Enquanto isso, no Brasil, um grupo bloqueia estradas e vai às ruas, enfurecido, na defesa só do passado – uma lei de 1943. Se batendo contra outro que defende só o presente. Para permitir redução de custos e mais previsibilidade nas relações de trabalho, agora. Ninguém se preocupa em estabelecer as bases do emprego, no futuro. Importante porque, dado os avanços da ciência, as pessoas estão vivendo mais. E tenderão a trabalhar por mais tempo. O que quer dizer ainda menos postos disponíveis, para todos. Está desenhada uma crise. A mais grave da humanidade. A crise do fim do emprego.
Os habeas corpus do STF: Terá a água batido em queixos impróprios?
Ao mandar de volta ao aconchego do lar João Claudio Genu, José Carlos Bumlai, Eike Batista e José Dirceu, a segunda turma do STF abriu a porteira nos dois sentidos. Saem os presos e as suspeitas invadem o topo do judiciário nacional.
Chega às raias do inadmissível que, conforme denunciou o procurador Deltan Dallagnol, o mesmo grupo de ministros tenha mantido na cadeia delinquentes em situação análoga aos que agora manda soltar. Como costumava dizer um amigo meu, já falecido: "É a diferença entre pano de chão e toalha felpuda".
Como pode proporcionar segurança à sociedade um poder "supremo" da República que faz esse tipo de diferenciação? Que se conduz de modo ziguezagueante, para não dizer trôpego? Que decide e logo volta atrás? Onde alguns de seus membros se consideram em condições de julgar casos ante os quais se deveriam declarar impedidos? Que mantêm uma vida social comum e conversações tão frequentes quanto pouco recomendáveis com figuras da cena política e econômica de quem nós guardaríamos prudente distância? Os membros da Suprema Corte dos EUA, tão logo assumem suas funções, se recolhem a uma vida quase monástica, evitando toda atividade social que os exponha a situações de convívio inconveniente.
Sinto muito. A desejável saída da crise política, pela qual tanto ansiamos como nação, pressupõe credibilidade no Poder Judiciário. E o STF vem se esforçando por cair em descrédito. É essa a conclusão inevitável de uma deliberação por 3 x 2 em matéria de tamanha sensibilidade social, onde isso parece não haver merecido qualquer consideração por parte da posição vencedora.
Proliferam, então, as suspeitas. Como não associar esse surto de habeas corpus e as palavras arrogantes, duras e desrespeitosas do ministro Gilmar Mendes contra os promotores da Lava Jato, com a ruptura do contrato entre Antonio Palocci e os advogados que tratariam de sua delação premiada? Um dia o "Italiano" anuncia estar em condições de disponibilizar a Sérgio Moro atividades ilícitas com nomes, endereços e anotações que poderiam demandar mais um ano de investigações. Dia seguinte, recado dado, sabe-se da contratação, por ele, de advogados especializados em delações. Qual a consequência? Liberdade ainda que tardia para as toalhas felpudas! Só faltou ser dito: "Ai de quem falar em delação premiada daqui para a frente!". E Palocci dispensou seus advogados.
Terá a água batido em queixos impróprios? A declaração da ministra presidente em entrevista ao programa "Conversa com Bial" da Rede Globo, na madrugada desta quarta-feira, 3, é uma clara expressão de insegurança quanto a isso. Disse ela: "A Lava Jato não está ameaçada, não estará. Eu espero que aquilo que cantei como hino nacional a vida inteira, nós do Supremo saibamos garantir aos senhores cidadãos brasileiros, de quem somos servidores: verás que um filho teu não foge à luta". Veremos?
Percival Puggina
Chega às raias do inadmissível que, conforme denunciou o procurador Deltan Dallagnol, o mesmo grupo de ministros tenha mantido na cadeia delinquentes em situação análoga aos que agora manda soltar. Como costumava dizer um amigo meu, já falecido: "É a diferença entre pano de chão e toalha felpuda".
Sinto muito. A desejável saída da crise política, pela qual tanto ansiamos como nação, pressupõe credibilidade no Poder Judiciário. E o STF vem se esforçando por cair em descrédito. É essa a conclusão inevitável de uma deliberação por 3 x 2 em matéria de tamanha sensibilidade social, onde isso parece não haver merecido qualquer consideração por parte da posição vencedora.
Proliferam, então, as suspeitas. Como não associar esse surto de habeas corpus e as palavras arrogantes, duras e desrespeitosas do ministro Gilmar Mendes contra os promotores da Lava Jato, com a ruptura do contrato entre Antonio Palocci e os advogados que tratariam de sua delação premiada? Um dia o "Italiano" anuncia estar em condições de disponibilizar a Sérgio Moro atividades ilícitas com nomes, endereços e anotações que poderiam demandar mais um ano de investigações. Dia seguinte, recado dado, sabe-se da contratação, por ele, de advogados especializados em delações. Qual a consequência? Liberdade ainda que tardia para as toalhas felpudas! Só faltou ser dito: "Ai de quem falar em delação premiada daqui para a frente!". E Palocci dispensou seus advogados.
Terá a água batido em queixos impróprios? A declaração da ministra presidente em entrevista ao programa "Conversa com Bial" da Rede Globo, na madrugada desta quarta-feira, 3, é uma clara expressão de insegurança quanto a isso. Disse ela: "A Lava Jato não está ameaçada, não estará. Eu espero que aquilo que cantei como hino nacional a vida inteira, nós do Supremo saibamos garantir aos senhores cidadãos brasileiros, de quem somos servidores: verás que um filho teu não foge à luta". Veremos?
Percival Puggina
O castigo da barata
Acordo todo dia com quatro baratas. Quero pedir perdão ao povo do Rio. Sei que eu errei. Mas isso está me torturandoWagner Jordão Garcia, ex-assessor da Secretaria de Obras do Rio, chorando diante do juiz Marcelo Bretas
I
Ele vivia no fausto:
Era rico o antepasto,
Prato principal bem farto,
Uma mansão com cascata;
Agora vive assombrado,
Chorando, desconsolado,
Numa cela engaiolado,
Com medo de uma barata.
II
Dinheiro era como mato:
O filé-mignon no prato,
Vinha laqueado o pato
No país de Ettore Scolla,
Um bom vinho italiano,
Cantando ao fundo uma soprano,
Hoje ele come tutano
Com doce de mariola.
III
A vida era um festejar:
Champanhe em todo lugar,
Entradas de caviar,
Vasos de ourivesaria;
Hoje toma banho frio
Da água que vem do rio,
Se acocora num bacio
Que veio lá da Turquia.
IV
Só gostava de mansão:
Sua cama era uma vastidão,
A sala uma imensidão,
Nunca lhe faltava mimo;
Hoje o choro sai da goela,
Porque dói a espinhela,
Ao dividir uma cela
Com um rato, que é seu primo.
V
Que adianta ter luxado,
Até dos outros zombado,
Cheio de carro importado,
Depois ganhar uma sentença:
Trinta anos de cadeia,
Vê que a coisa ficou feia,
O desespero campeia,
Pois o crime não compensa!
Miguezim da Princesa
A reforma que, sem alarde, mira o trabalhador rural
A bancada ruralista na Câmara se organiza para aprovar um projeto que altera profundamente as relações de trabalho no campo. De autoria do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a proposta está tramitando silenciosamente na Câmara desde novembro, sem gerar o mesmo barulho que as reformas da Previdência e do regime dos trabalhadores urbanos. Seu teor, no entanto, não é menos controverso.
Originalmente, a bancada queria incluir os pontos do projeto de lei 6442/2016 na já aprovada reforma trabalhista, mas foi avaliado que eles aumentariam a resistência ao projeto como um todo. Nilson Leitão resolveu então reempacotar os itens, que foram apresentados como um projeto de modernização da legislação que trata especificamente do trabalho rural, em vigor desde 1973. De acordo com o texto, os 21 artigos da atual legislação devem dar lugar a um calhamaço com mais de 160 itens. A proposta ainda aguarda a nomeação dos membros de uma comissão especial que vai discutir seu teor.
Na justificativa, Leitão não cita em nenhum momento a palavra "proteção" quando se refere aos trabalhadores rurais, mas é explícito ao afirmar que a nova legislação pretende "o aumento dos lucros e redução de custos". Também diz que as "as normas existentes são em grande medida subjetivas", o que deixaria o "produtor rural" em situação de "insegurança jurídica" diante da Justiça do Trabalho e dos fiscais.
Os novos artigos querem permitir que as jornadas no campo possam ser esticadas por até 12 horas; que normas básicas de higiene, saúde e alimentação sejam ignoradas em determinadas condições; que o repouso semanal possa ser substituído por um período contínuo de trabalho de até 18 dias; que os produtores se livrem em um primeiro momento de serem multados por fiscais do trabalho, estabelecendo uma regra de dupla visita; deixa a fixação de regras para o uso de agrotóxicos exclusivamente a cargo do Ministério da Agricultura, ignorando as pastas da Saúde e do Trabalho.
Um dos artigos afirma que a CLT não deve ser aplicada subsidiariamente nas relações de trabalho rural e solidifica a permissão para terceirização geral no setor. Também há itens similares ao da reforma trabalhista, como acordos coletivos prevalecendo sobre a legislação, o fim da inclusão na jornada do tempo de deslocamento até o local de trabalho, e o estabelecimento do trabalho intermitente (em dias variados e conforme disponibilidade, sem precisar ser contínuo).
Para o professor de direito do trabalho Antonio Rodrigues de Freitas, da USP, o efeito principal da aprovação de um projeto desses seria enfraquecer de vez a fiscalização do trabalho no ambiente rural. Ele classifica a coisa toda como um "retrocesso" e diz que o projeto é muito pior do que a legislação de 1973, aprovada nos anos de chumbo do regime militar.
"A legislação de 73 pretendia acabar com a figura trágica do boia-fria e tirar o Brasil da posição de campeão de acidentes de trabalho. Os militares encaravam isso como ruim para a imagem do país. O projeto atual não tem essa preocupação e efetivamente sabota a fiscalização no campo e os mecanismos que desestimulam a existência dos boias-frias e do trabalho forçado no campo", afirmou. Ele também afirma ver com preocupação a expansão da terceirização no campo, que pode favorecer ainda mais a precarização do trabalho e abusos.
Um artigo em especial já gerou controvérsia pública: o que trata da própria definição de trabalhador rural, ao afirmar que "emprego rural é toda pessoa física que (...) presta serviços de natureza não eventual a empregador rural (...) mediante salário ou remuneração de qualquer espécie". Essa "remuneração de qualquer espécie" foi interpretada por grupos que representam trabalhadores rurais como uma forma de simplesmente efetuar pagamento com comida e/ou moradia, sem envolver dinheiro, uma espécie de reinstituição da corveia medieval.
Após o artigo ser tema de uma reportagem do jornal Valor, o deputado Leitão negou que trabalhadores possam ser pagos apenas com comida e moradia. Em nota, ele disse que o "salário é sagrado" e acusou os críticos do texto praticarem "terrorismo social” sem "sequer ler o texto". Um item do projeto, de fato, estabelece que o fornecimento de comida e moradia não pode superar entre e 20% e 25% do salário. Segundo o professor Freitas, ainda assim o texto do projeto pode eventualmente abrir uma brecha para que os trabalhadores possam ter o salário reduzido ou serem pagos apenas com comida.
Há outros pontos controversos. Um deles exime o empregador de fornecer banheiros ou água potável em condições de terreno de difícil acesso ou de "vegetação fechada". "Esse tipo de coisa é eloquente sobre a natureza retrógrada do projeto", opina Freitas.
Ainda segundo o professor, o projeto bate de frente com alguns artigos da Constituição e revela "ignorância em relação ao processo legislativo". "O projeto de lei tenta anular portarias. Isso não pode ser feito por meio de um PL", afirma. "Isso diz muito sobre a forma como a coisa está caminhando."
Originalmente, a bancada queria incluir os pontos do projeto de lei 6442/2016 na já aprovada reforma trabalhista, mas foi avaliado que eles aumentariam a resistência ao projeto como um todo. Nilson Leitão resolveu então reempacotar os itens, que foram apresentados como um projeto de modernização da legislação que trata especificamente do trabalho rural, em vigor desde 1973. De acordo com o texto, os 21 artigos da atual legislação devem dar lugar a um calhamaço com mais de 160 itens. A proposta ainda aguarda a nomeação dos membros de uma comissão especial que vai discutir seu teor.
Na justificativa, Leitão não cita em nenhum momento a palavra "proteção" quando se refere aos trabalhadores rurais, mas é explícito ao afirmar que a nova legislação pretende "o aumento dos lucros e redução de custos". Também diz que as "as normas existentes são em grande medida subjetivas", o que deixaria o "produtor rural" em situação de "insegurança jurídica" diante da Justiça do Trabalho e dos fiscais.
Cortadores de cana (Sebastião Salgado) |
Um dos artigos afirma que a CLT não deve ser aplicada subsidiariamente nas relações de trabalho rural e solidifica a permissão para terceirização geral no setor. Também há itens similares ao da reforma trabalhista, como acordos coletivos prevalecendo sobre a legislação, o fim da inclusão na jornada do tempo de deslocamento até o local de trabalho, e o estabelecimento do trabalho intermitente (em dias variados e conforme disponibilidade, sem precisar ser contínuo).
Para o professor de direito do trabalho Antonio Rodrigues de Freitas, da USP, o efeito principal da aprovação de um projeto desses seria enfraquecer de vez a fiscalização do trabalho no ambiente rural. Ele classifica a coisa toda como um "retrocesso" e diz que o projeto é muito pior do que a legislação de 1973, aprovada nos anos de chumbo do regime militar.
"A legislação de 73 pretendia acabar com a figura trágica do boia-fria e tirar o Brasil da posição de campeão de acidentes de trabalho. Os militares encaravam isso como ruim para a imagem do país. O projeto atual não tem essa preocupação e efetivamente sabota a fiscalização no campo e os mecanismos que desestimulam a existência dos boias-frias e do trabalho forçado no campo", afirmou. Ele também afirma ver com preocupação a expansão da terceirização no campo, que pode favorecer ainda mais a precarização do trabalho e abusos.
Um artigo em especial já gerou controvérsia pública: o que trata da própria definição de trabalhador rural, ao afirmar que "emprego rural é toda pessoa física que (...) presta serviços de natureza não eventual a empregador rural (...) mediante salário ou remuneração de qualquer espécie". Essa "remuneração de qualquer espécie" foi interpretada por grupos que representam trabalhadores rurais como uma forma de simplesmente efetuar pagamento com comida e/ou moradia, sem envolver dinheiro, uma espécie de reinstituição da corveia medieval.
Após o artigo ser tema de uma reportagem do jornal Valor, o deputado Leitão negou que trabalhadores possam ser pagos apenas com comida e moradia. Em nota, ele disse que o "salário é sagrado" e acusou os críticos do texto praticarem "terrorismo social” sem "sequer ler o texto". Um item do projeto, de fato, estabelece que o fornecimento de comida e moradia não pode superar entre e 20% e 25% do salário. Segundo o professor Freitas, ainda assim o texto do projeto pode eventualmente abrir uma brecha para que os trabalhadores possam ter o salário reduzido ou serem pagos apenas com comida.
Há outros pontos controversos. Um deles exime o empregador de fornecer banheiros ou água potável em condições de terreno de difícil acesso ou de "vegetação fechada". "Esse tipo de coisa é eloquente sobre a natureza retrógrada do projeto", opina Freitas.
Ainda segundo o professor, o projeto bate de frente com alguns artigos da Constituição e revela "ignorância em relação ao processo legislativo". "O projeto de lei tenta anular portarias. Isso não pode ser feito por meio de um PL", afirma. "Isso diz muito sobre a forma como a coisa está caminhando."
O tempo de Deus
Dia desses meditava sobre aquela placa que a imaginação de Dante Alighieri afixou no portal do inferno: "Deixai toda esperança, vós que entrais". Eis aí o suplício maior dos condenados - afinal, sem esperança, que espírito poderá resistir?
Contemplando nosso país, fico a pensar em quanta coisa defendemos, cada qual em sua trincheira, ao longo das últimas décadas! Fomos às ruas, clamando pelo fim da corrupção. Pedindo eleições justas. Combatendo o coronelismo. Denunciando a tortura. Lutando por justiça. Praticamente implorando por uma melhor infraestrutura. Gritando por socorro diante de índices intoleráveis de criminalidade. Empunhando tão nobres bandeiras, enfim, cada bom brasileiro fez a sua parte, com idealismo e sacrifício, sujeitando-se a violências e represálias - para tudo dar em nada! Aliás, até piorou - olhe pela janela e contemple o provincianismo mais medíocre e corrupto reafirmando-se e sufocando nossa ânsia por um país mais moderno e cosmopolita.
Enquanto isso, envelhecemos. Passa a apertar-nos o coração a sensação de que não veremos a sociedade menos injusta ou o Brasil grande dos nossos sonhos. O desânimo bate à porta, mascarado de cansaço. É quando começamos a nos calar, contagiando as gerações mais novas, já desiludidas e carentes de esperança diante do gargalhar dos maus.
Atordoados diante do nosso aparente fracasso em melhorar este mundo, acabamos nos esquecendo de que o nosso tempo não é o de Deus, como bem o demonstrou Gandhi, do alto de sua sofrida luta para libertar o povo indiano: quando me desespero, lembro-me de que em toda a História a verdade e o amor sempre venceram. Houve tiranos e assassinos, e, por um tempo, pareciam invencíveis, mas, no final, sempre caíram. Os fortes só o são por um instante, como o sonho de uma tarde que dura apenas um momento. No final, são sempre destroçados. São como poeira ao vento. Pense nisso. Sempre.
Está aí, no fato de que somos apenas uma efêmera presença em um milenar processo histórico, o chamado a que não deixemos de fazer a nossa parte, com aquela firmeza serena da profética frase brandida por Paulo Coelho em defesa do povo iraquiano, quando seu país era invadido: que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei.
Pedro Valls Feu Rosa
Contemplando nosso país, fico a pensar em quanta coisa defendemos, cada qual em sua trincheira, ao longo das últimas décadas! Fomos às ruas, clamando pelo fim da corrupção. Pedindo eleições justas. Combatendo o coronelismo. Denunciando a tortura. Lutando por justiça. Praticamente implorando por uma melhor infraestrutura. Gritando por socorro diante de índices intoleráveis de criminalidade. Empunhando tão nobres bandeiras, enfim, cada bom brasileiro fez a sua parte, com idealismo e sacrifício, sujeitando-se a violências e represálias - para tudo dar em nada! Aliás, até piorou - olhe pela janela e contemple o provincianismo mais medíocre e corrupto reafirmando-se e sufocando nossa ânsia por um país mais moderno e cosmopolita.
Enquanto isso, envelhecemos. Passa a apertar-nos o coração a sensação de que não veremos a sociedade menos injusta ou o Brasil grande dos nossos sonhos. O desânimo bate à porta, mascarado de cansaço. É quando começamos a nos calar, contagiando as gerações mais novas, já desiludidas e carentes de esperança diante do gargalhar dos maus.
Atordoados diante do nosso aparente fracasso em melhorar este mundo, acabamos nos esquecendo de que o nosso tempo não é o de Deus, como bem o demonstrou Gandhi, do alto de sua sofrida luta para libertar o povo indiano: quando me desespero, lembro-me de que em toda a História a verdade e o amor sempre venceram. Houve tiranos e assassinos, e, por um tempo, pareciam invencíveis, mas, no final, sempre caíram. Os fortes só o são por um instante, como o sonho de uma tarde que dura apenas um momento. No final, são sempre destroçados. São como poeira ao vento. Pense nisso. Sempre.
Está aí, no fato de que somos apenas uma efêmera presença em um milenar processo histórico, o chamado a que não deixemos de fazer a nossa parte, com aquela firmeza serena da profética frase brandida por Paulo Coelho em defesa do povo iraquiano, quando seu país era invadido: que sua manhã seja linda, que o sol brilhe nas armaduras de seus soldados, porque durante a tarde eu o derrotarei.
Pedro Valls Feu Rosa
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