O substantivo "vandalismo" é de origem recente. Foi cunhado no final do século XVIII pelo abade francês Henri Grégoire, importante personagem da Revolução Francesa. "Vandalismo" evoca os vândalos, povo possivelmente oriundo da Escandinávia e estabelecido na Silésia (território hoje dividido entre a Polônia, Alemanha e República Tcheca), que, no início do século V, começou uma longa marcha, finda em meados do século seguinte. Em cerca de 150 anos, os vândalos, pressionados por outras tribos, se deslocaram até o norte da África, cruzando a França e a Espanha (onde, possivelmente, deixaram sua marca no nome da região de Andaluzia – Vandaluzia). Em 455, invadiram e saquearam Roma – antes, apenas um povo havia ousado penetrar na sede do cristianismo, os visigodos, em 410. Por conta desse episódio, para todo o sempre "vandalismo" tornou-se sinônimo de destruição de bens públicos ou privados.
Ultimamente, o termo "vandalismo" tem sido associado aos black blocks – pequenos grupos de jovens, mascarados e vestidos de preto, que defendem o enfrentamento direto com a polícia e a depredação de prédios de instituições que, para eles, constituem símbolos do capitalismo, como bancos, corporações multinacionais e entidades governamentais. A tática, nascida na Alemanha nos anos 1980, de inspiração anarquista, espalhou-se pelo mundo e hoje serve de escoamento para insatisfações generalizadas e de vazão à adrenalina adolescente. Infiltrados nos protestos pacíficos, causam pânico entre os manifestantes ao incitar a ação dos órgãos de repressão, e contabilizam, no final, algumas fachadas destruídas. São desagradáveis e irritantes, mas representam uma minoria.
Portanto, deveríamos reservar os termos "vândalos" e "vandalismo" para descrever as hordas que atacam os cofres públicos e saqueiam cidades, estados e até populações inteiras. Os vândalos originais permaneceram 14 dias em Roma, e carregaram o que puderam, de ouro e pedras preciosas até cidadãos tornados escravos. Os vândalos brasileiros subsistem por anos, às vezes por décadas, no poder, drenando as riquezas produzidas pela população, tornando privado o que é público. E contra eles não há gás lacrimogêneo, spray de pimenta, cassetetes, bombas de efeito moral, jatos de água, balas de borracha – há o silêncio conivente da Justiça, há a apatia desencantada da sociedade.
Alguns exemplos. Sergio Cabral é réu em sete processos no Supremo Tribunal Federal, acusado de chefiar um esquema que desviou cerca de R$ 224 milhões durante seus dois mandatos como governador do Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, sete dos maiores contratos do escritório de advocacia liderado pela mulher de Cabral, Adriana Ancelmo, no valor total de R$ 27 milhões, foram celebrados com empresas que receberam isenções fiscais de quase R$ 4 bilhões durante o período em que o marido administrava o Rio.
O ex-presidente José Sarney instalou um feudo no Maranhão, desde a década de 1960, quando foi pela primeira vez eleito governador. Com mãos de ferro, comandou seu estado, diretamente, ou por meio de sua filha, Roseana, deixando como legado o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, a segunda pior expectativa de vida e o segundo maior índice de mortalidade infantil – em todos esses quesitos, perde apenas para Alagoas, terra de Fernando Collor e Renan Calheiros, cujo filho, aliás, é o atual governador do estado. Ironicamente, o município chamado Presidente Sarney detém o triste título nacional de pior Índice de Bem-Estar Urbano, calculado pelo Observatório das Metrópoles, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Já Eike Batista é acusado de pagar 16,5 milhões de dólares em propina para o ex-governador Sérgio Cabral, além de ter sido mencionado em vários depoimentos na Operação Lava Jato, por envolvimento em denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. Filho de Eliezer Batista – ministro das Minas e Energia (1962-1963), presidente da estatal Vale do Rio Doce (1979-1986) e titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos no governo Collor (1992) –, Eike Batista chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, dono de uma fortuna de 30 bilhões de dólares, "reduzida" hoje a 116 milhões de dólares.
E a construtora Norberto Odebrecht, que chegou a criar um departamento interno exclusivamente para cuidar de assuntos ligados à corrupção, pagou, entre 2006 e 2014, cerca de 3,4 bilhões de dólares em propina a um amplo espectro de políticos e atravessadores, independentemente de ideologia ou credo religioso. Entretanto, como explicou o jurista Wálter Maierovitch, em entrevista à Folha de S. Paulo, nenhum centavo saiu do patrimônio da empresa – o capital investido na corrupção foi obtido via superfaturamento de obras.
O presidente não eleito, Michel Temer, embora conte com a aprovação de apenas 4% do eleitorado brasileiro, segundo pesquisa Barômetro Político, realizada pela consultoria Ipsos, empurra suas reformas goela abaixo da população. Conforme pesquisa da Datafolha, 71% dos entrevistados rejeitam a reforma previdenciária e 64% acreditam que a reforma trabalhista só atende aos interesses patronais. Escudado em chantagens e ameaças, Temer conta com a complacência de um Congresso que tem a grande maioria de seus membros suspeitos de envolvimento em corrupção, e que, portanto, deveria ter questionada sua legitimidade na promoção de mudanças tão significativas para a vida dos brasileiros.
Vandalismo é um ato de pilhagem organizado, e não uma conduta de rebeldia individual. Com razão, ficamos chocados e indignados quando alguns adolescentes mascarados quebram os vidros de uma agência bancária – para eles, exige-se que a justiça seja dura e implacável. No entanto, ao mesmo tempo assistimos anestesiados o saque de milhões de dólares dos cofres públicos – chamem-se eles Sergio Cabral ou José Sarney, Eike Batista ou Marcelo Odebrecht; pertençam eles ao PMDB, PSDB, DEM ou PT; estejam eles na Câmara de Vereadores, na Assembleia Legislativa, na Câmara dos Deputados, no Senado, nos governos municipal, estadual ou federal, no Judiciário ou no meio empresarial. Esses agem de caso pensado e provocam a sangria bilionárias no patrimônio público. A eles sim, deveríamos chamar de vândalos.
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