O Ilustríssimo ministro do Supremo Tribunal Gilmar Mendes, para rechear de argumentos o seu voto que consagrou a soltura do petista quadrilheiro José Dirceu (já condenado a mais de 30 anos de cadeia por crimes em série), apontou que estava dando uma lição histórica aos brasileiros. “Não é o público que recomenda a prisão”, alertou no costumeiro tom professoral. E de peito estufado, bradou a condição que lhe cabe e a seus pares: “SUPREMOS”, contra a “brincadeira quase juvenil” dos procuradores. Colocou no ralo o trabalho de justiça, brilhante e reconhecido pela sociedade, no desenrolar da “Lava-Jato”. Impôs sua vontade. Sua lição. Qual seja? A impunidade pode vingar e o crime, compensar. A leitura elementar do povo, de todos nós da massa rude e ignara, é essa. Que nos perdoem vossas excelências! A escolha dos magistrados de toga foi deliberadamente política, há de se notar. Ajustaram o entendimento da lei a um objetivo. De forma contrária à votação majoritária da última terça-feira,2 , em ocasiões passadas, no julgamento de outros réus – de igual estirpe, embora praticantes de delitos menores no quadrante da corrupção, lavagem e organização criminosa – essa mesma segunda turma de ministros avaliou por bem manter os condenados em cárcere, dado (como disseram em sentença) o risco de incorrerem na reiterada prática dos desvios. Situações semelhantes, deliberações inversas. Vá entender! Que o incorrigível José Dirceu tem, ainda hoje, condições e ferramentas para atrapalhar as investigações, isso pouca gente questiona. Ele já demonstrou tal disposição quando pulou do propinoduto do “Mensalão” para o do “Petrolão”, sem escala, e atuou em ambos mesmo quando mofava no xilindró. Que o ato de sua libertação representou de maneira simbólica e perigosa um desagravo contra os agentes da força-tarefa que vêm promovendo uma limpeza revolucionária nos meandros do poder, também não pairam dúvidas. Em igual condição de Dirceu, ao menos 221 mil condenados em primeira instância poderiam ser soltos de acordo com as ponderações da banca do STF. Mas, naturalmente, a maioria não possui o lastro de influência nem os recursos pecuniários para alcançar tamanho benefício. Todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que outros, reza a lenda. As consequências do veredicto a favor de Dirceu são inexoráveis. O ex-ministro Palocci, que caminhava para uma delação definitiva e demolidora, parou para pensar. Mudou o horizonte, certamente mudam as expectativas e prioridades de cada um. Em prejuízo da Nação e da justiça, diga-se de passagem. No triunvirato de condestáveis liderado por Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli também tratam de enriquecer a coreografia de suas aparições públicas com uma profusão garbosa de peitos estufados, toga polida e barrete peremptório para impor a versão do que acham certo e errado. Lewandowski, cujo aplomb jurídico parece estar sempre em linha com os anseios do PT, se disse preocupado com “os direitos fundamentais do cidadão”. Se a moda pega, o precedente aberto pode afetar ao menos 90 prisões no bojo da Lava-Jato. Para o bem ou para o mal? Só o tempo dirá. No entender de sua excelência Toffoli, a “contenção do perigo” não se dá apenas por prisão cautelar. Os quadrilheiros urdidos nas tertúlias da malandragem estão comemorando. No covil dos petistas encalacrados com a lei, a festa impera e a expectativa de que outros nomes valorosos do partido, como Vaccari e Palocci, tenham o mesmo veredicto é grande. No âmbito dos “supremos”, não convém tomar emprestada a arrogância amiúde, conhecida historicamente por se colocar a serviço das piores causas. Foi certamente engolfado na maré engalanada que Gilmar Mendes passou sistematicamente a mirar ataques e críticas aos resultados da esquadra do juiz Sérgio Moro. Desde que resolveu defender Dirceu & Cia, numa sequência espantosa de solturas de réus da operação, Mendes virou de fato outro homem. Arrota valentia, troveja imprecações, dardeja cruéis ditirambos. E eis ali, naquele patíbulo dos julgados, que ele ganhou a condição de autêntico herói, paladino dos “perseguidos”. Há de se lamentar que alguns de nossos magistrados do Supremo tenham uma peculiar visão das coisas da justiça pela qual protagonizam julgamentos faceiros contra saqueadores notórios. E conseguem assim fulminar, com uma tranquilidade inquietante – esforçando-se para transmitir irônica bonomia – o senso comum.
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