terça-feira, 17 de maio de 2016

Tragédia Grega

As ilusões perdidas

Fui do PCB, participei da fundação da Ação Popular, fui diretor da revista da UNE, um dos fundadores do CPC (Centro Popular de Cultura) e digo: não existe ninguém mais platônico, sonhador, nefelibata do que um materialista dialético. Conheci vários que estavam aí no poder, ainda bonitinhos e fogosos. Foram (fui também) formados por uma empada de retalhos ideológicos mal-lidos na Guerra Fria. Tínhamos só fins e nenhum meio.

Eu era do “Grupo Vertigem”, como meus colegas comunas chamavam os artistas, os angustiados, os românticos que sonhavam com uma revolução rápida, indolor, sem lutas sangrentas, sem portas de sindicatos, sem chateações de tarefeiros. A cartilha comunista tinha nomes para nós: hesitantes ou radicais, sectários ou pequenos burgueses, alienados ou provocadores, e o diabo a quatro. E eu, do meu canto neurótico, pensava: “Não ocorre a ninguém que há também invejosos, ignorantes, mentirosos, paranoicos e os sempre presentes ‘fdps’? Por que ninguém via o óbvio? Porque, caros amigos, para o comuna legítimo, escocês, o obvio é ‘de direita’”.

Contudo, pareciam-nos perfeitos os diagnósticos sobre a situação do país; os argumentos se iam organizando “dialeticamente”, enquanto a madrugada embranquecia. Até que chegava a hora fatal: o que fazer? E aí, ninguém sabia nada. É este o problema: como raciocinar sobre o Brasil com instrumentos tão precários, como podíamos achar que tudo se explicaria pela oposição entre oprimidos e opressores? Isso era nossa delícia, pois nos sentíamos os combatentes privilegiados dessa dualidade simplista.

Como era delicioso sentir-se importante, como era bom conspirar contra tudo, desde o papai “reacionário” até o imperialismo ianque. Tudo nos parecia claro para explicar a “realidade brasileira”: burguesia nacional, imperialismo, latifúndio, proletariado, campesinato, só. Todos tínhamos um desprezo calado pela democracia, um sólido horror à administração. Havia uma incompetência absoluta para concluir qualquer projeto. Ninguém tinha saco para administrar nada.

Qualquer argumento mais sofisticado, qualquer sombra de complexidade era traição. O bolchevique espetava o dedo na cara do intelectual e fuzilava: “O companheiro está sendo muito liberal, pequeno burguês, revisionista”. E o pequeno burguês revisionista ia vomitar atrás da porta. Celebrávamos derrotas: 35, 64, 68. E, a cada derrota, mais fé, mais orgulho de um martírio vão que levou ao suicídio da luta armada. E eu, pequeno burguês revisionista, olhava perplexo a gigantesca fé em uma missão impossível. Sabia que íamos quebrar a cara.

A verdade é que nunca houve bases concretas para o socialismo utópico que praticávamos.

E, a cada fracasso, a fé se reacendia. Os fracassos nos emprestavam uma aura de martírio que nos enobrecia. Era também uma mão na roda para justificar nossa ignorância, pois não precisávamos estudar nada profundamente, por sermos a “favor” do bem e da justiça. A desgraça dos miseráveis nos doía apenas como um problema existencial.

Achávamos que o país se salvaria só pela força das ideias. Um colega comuna me abraçou na noite de 31 de março de 64 e me berrou com jucunda ignorância: “Já vencemos o imperialismo norte-americano; agora só falta a burguesia nacional”. Eu exultei, com uma ponta de medo na alma. Horas depois, a UNE pegava fogo.

Nessa batalha terminológica de esquerda e direita, meu amigo cineasta Gustavo Dahl me disse uma frase sábia: “Esquerda é tudo que é profundo; direita é tudo que é superficial”. Creio que Marx disse algo como: “Para se chegar ao simples, há que atravessar a complexidade”. Essa pretensa esquerda que está saindo do poder é superficial, esquemática, ignorante dos avanços da ciência política, ignorante das buscas do mundo contemporâneo.


Ao contrário, essa esquerda petista atual tem um ranço, um desejo de retorno, de voltar atrás, num regresso às velhas ilusões sem as quais eles não conseguem viver. Querem voltar a 1963, quando os delírios românticos foram esmagados pela bota da ditadura. Quiseram tentar de novo e quebraram a cara.

A velha revolução não rola mais, e assim tiveram que partir para uma nova e vergonhosa estratégia, como bem definiu o Baudrillard (que cito mais uma vez): “O comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem de seu modelo de funcionamento, mas através de seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.

Alguém disse, e eu concordo, que a única revolução real a ser feita no Brasil é uma revolução liberal. Isso – movimentos e lutas que levem a destruição do bunker do Estado patrimonialista gigante que o PT adotou, em uma espécie de patrimonialismo “público”, chinês, de esquerda, sei lá – que nos quebrou. Para isso, cooptou os piores quistos de direita do país, de Sarney a Maluf. O que chamo de revolução liberal é a retomada pela sociedade civil de seus projetos e propósitos, porque o petismo, esse filhinho burro do leninismo, acha que a sociedade corre perigos e tem de ser tutelada... Por quem? Por eles, claro.

Aí, veio a crise pavorosa que armaram, não por acaso, mas por seus equívocos metodicamente planejados. E aí veio o impeachment. E aqueles que sempre odiaram a democracia passaram a falar nela com fervor infinito. Continuam nos prometendo um futuro e condenam um passado ditatorial, mas nada conseguem propor para o presente. Fazem-se grandes denúncias do passado autoritário para que não nos esqueçamos dos horrores. É claro que é importante punir e lembrar, sem dúvida. Mas democracia não pode ser definida apenas por ausência de ditadura, pelo que ela não é ou não foi.

Nossa democracia está em dificultosa construção, frágil, difícil de entender por um país que já começou excludente e em que a República nasceu de um golpe militar. Ainda bem que está saindo de cena essa religião laica, junto com o partido e suas teses utópicas que contaminam o país há décadas. Houve uma mutação histórica. Celebremos.

Tudo ou nada em 180 dias

Hipócrates, considerado o pai da medicina (460a.C.), dizia: “Para males extremos são necessários remédios extremos”. A frase poderia ser dita pelo novo ministro da Fazenda. Com as medidas cogitadas para recuperar a debilitada economia brasileira, Henrique Meirelles atuará como um médico. Os indicadores são sintomáticos.

A recessão dos últimos três anos implicará queda de 10% da renda per capita. No mesmo período, a produção industrial caiu 20%. A inflação anual beira os dois dígitos. O contingente de 11 milhões de desempregados tende a aumentar. O déficit fiscal está ao redor de R$ 120 bilhões. A relação dívida bruta/PIB passou de 57% em fins de 2014 para 74% em 2016, com perspectiva de atingir 80% do PIB em 2017. A economia está na UTI e de lá não sairá com placebos.

Para agravar, existem armadilhas deixadas pela ex-presidente. De imediato, será preciso alterar no Congresso a meta fiscal absolutamente inviável que havia sido fixada para 2016 (superávit primário de 0,39 % do PIB), negociar para que as dívidas dos estados não sejam corrigidas por juros simples, viabilizar recursos para o aumento de 9% do Bolsa Família e para o reajuste da tabela do Imposto de Renda.


Temer acertou e errou nos primeiros atos. Acertou na economia, no diagnóstico e na indicação para a área econômica de nomes como Meirelles, Ilan Goldfajn, Tarcísio Godoy, Mansueto Almeida e Marco Mendes, entre outros. Mas errou ao não dar diversidade ao seu time e ao designar dois ministros investigados na Lava-Jato. As mulheres já estão sendo chamadas às pressas. Mas, se a Lava-Jato continuar a avançar, como desejam os brasileiros, os investigados poderão passar a réus, e a pressão para demiti-los será imensa. E justa, diga-se de passagem.

O Ministério de Temer, com nove titulares citados na Lava-Jato — faz lembrar um clássico do western, o conhecido “Sete homens e um destino”. Na trama, os moradores de uma cidade mexicana são frequentemente assaltados por uma quadrilha de bandidos e, sem conseguirem se defender, contratam sete pistoleiros profissionais para assumirem a defesa do vilarejo. No Brasil, com 180 dias para mostrar serviço e apoio reduzido da sociedade, Temer optou por escalar um ministério com velhos caciques da política brasileira e alguns filhotes. A intenção é aprovar rapidamente no Congresso Nacional medidas necessárias, porém impopulares, em ano de eleições municipais.

Dentre elas, limitar a evolução das despesas ao crescimento do PIB, cortar subsídios, incentivos e isenções fiscais, alterar regras das aposentadorias (fixação de idade mínima, fim das regalias para mulheres, professores e militares) reavaliar o custo/benefício de programas sociais e despolitizar as agências reguladoras para destravar as concessões com regras claras, atrativas e permanentes. O receituário não afasta a criação de impostos “transitórios”. Nesse cenário, para Temer, é melhor uma raposa com bom transito na Câmara e no Senado, do que um “notável” sem votos no Congresso.

Se fosse fácil implementar tais medidas, governos anteriores já o teriam feito. O problema é que agora, mais do que nunca, elas são essenciais para restaurar a confiança dos agentes econômicos no reequilíbrio fiscal de curto, médio e longo prazo, para reverter expectativas negativas de crescimento da relação dívida/PIB, para reduzir a inflação e, consequentemente, a taxa de juros. Só assim, haverá espaço fiscal para a retomada dos investimentos e o reaquecimento da economia.

No entanto, mal foram afastados do governo, Dilma e o PT já passaram a criticar as medidas cogitadas pelo novo presidente, como se nada tivessem a ver com os fatos atuais. Como se o próprio governo que sai já não tivesse reduzido os orçamentos de programas sociais como o Fies, Pronatec, MCMV, Ciência sem Fronteiras, proposto a volta da CPMF e a criação de outros impostos. E nem ficam vermelhos de vergonha...

Na verdade, quer por convicções econômicas equivocadas, quer para se reeleger “fazendo o diabo”, Dilma é a maior responsável pela grave situação da economia brasileira, inclusive ao esconder deliberadamente da sociedade — por meio das pedaladas — a extensão da doença.

Tal como propõe Hipócrates, estão a caminho remédios extremos. Haverá reação por parte do “exército de Stédile” e de movimentos sociais, abastecidos por recursos públicos e pelo malfadado imposto sindical obrigatório, principal fonte de financiamento das badernas. Mas, como dizia o teólogo e humanista, Erasmo de Roterdã (1466/1536), “não há remédio contra as mordidas dos hipócritas”.

Gil Castello Branco 

Deixem o homem trabalhar!

Dilma caiu, mas a ficha do PT ainda não caiu. Ou melhor: a ficha de sua militância, nela incluída a profusão de blogs e de sites chapas brancas que alugaram sua voz por alguns bons trocados para defender Dilma e o PT.

Querem imobilizar Michel Temer. Cobram que ele faça tudo igual à Dilma ou, de preferência, à esquerda do que ela fez. Espancam Temer pelo que faz, pelo que deixa de fazer e pelo que jamais fará.

Se ele se esquece de pôr uma mulher no ministério, apanha. Se ele se apressa em povoar seu governo de mulheres em cargos de relevo, apanha porque se revela um presidente sujeito a pressões.

Ora, assim como Dilma, Temer é uma invenção de Lula, engolida pelo PT de bom ou de mau agrado, não importa, mas engolida. Vão reclamar a Lula, agora às voltas com sua herança maldita.

Temer serviu como vice para garantir os votos do PMDB à eleição e reeleição de Dilma. Foi diplomado pela Justiça Eleitoral juntamente com ela. Mas agora não serve para governar? Como não serve?

Não se escolhe um vice sem levar em conta que ele substituirá o presidente em suas ausências eventuais, ou numa ausência definitiva. Como o PT imaginou que Dilma seria eterna... Ou até Lula voltar...

Foi eterna enquanto durou. Pelo que fez e, principalmente, pelo que deixou de fazer, até que durou mais do que o próprio PT e Lula desejaram. Há muito tempo que queriam livrar-se dela.

Temer é um político conservador, e o PT sabia disso. Justamente por ser conservador, foi escolhido para vice. Era preciso contentar e garantir o voto de eleitores mais à direita.

Não indiquei Temer para vice de Dilma. Nem você indicou certamente. Não votei na dupla Dilma e Temer. Não sei se você votou. Votei em Lula mais de uma vez. E o resultado... Peço desculpas pela parte que me cabe.

Só bati de véspera em um único governo: no de Fernando Collor. Tinha certeza que seria um desastre porque seu titular era uma fraude, como se provou. Perdi o emprego por isso.

Aos governos que antecederam ao atual, desejei boa sorte. Torci para que dessem certo. Não vejo sentido em torcer pelo fracasso de ninguém. Muito mais quando o destino do país está em jogo.

Desejo boa sorte ao presidente Temer. Ele pode contar comigo para fiscalizar seu governo com rigor e sem piedade. Creio que é para isso que servem os jornalistas.

Assino embaixo o que um dia disse Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

E acrescento: o jornalismo serve para satisfazer os aflitos e afligir os satisfeitos.

O evangelho do 'pai' do Bolsa Família

Vai ter que cortar gastos dramaticamente. Os idosos que recebem os benefícios estão entre os 50% mais ricos do país. Você não vai tocar nos 50% mais pobres, portanto, mexendo na Previdência. Outro ponto está nos altos salários do setor público. A desigualdade no Brasil caiu nos últimos 15 anos no setor privado, mas no público ficou parada. Isso quer dizer que os salários no setor público continuam tão altos como nunca. Você quer cortar gasto que não vai ter nenhum impacto sobre pobreza e só vai reduzir desigualdade? Corta salário do setor público. Como? Não ajusta pela inflação. Outra área que pode ser ajustada é a educação pública. Ninguém consegue explicar por que a universidade pública é gratuita. Uma universidade que atende somente 25% dos alunos? 75% dos alunos estão em universidades privadas e pagam, exceto pelos que estão no Pro-Uni. Aquilo que o pai pagava pelo filho no ensino médio, ele pode pagar no ensino universitário. Um país minimamente organizado no mundo, ainda mais com tamanho nível de desigualdade, faria isso. A gente abriu 15 universidades federais em oito ou dez anos. Não seria mais barato fazer um ProUni mais amplo e aproveitar a estrutura que você tem das universidades privadas? Não seria uma forma de atingir melhor os pobres? Consigo imaginar 50 maneiras de ser mais generoso com os pobres e gastar menos. O Governo tem que analisar tudo o que destina para os pobres, mas que não está chegando até eles. É aí que precisa cortar. Grande parte disso devem ser subsídios que ele está dando para não pobres
Leia a entrevista de Ricardo Paes de Barros, arquiteto do programa mais famoso de Lula, o Bolsa Família

Temer ou Dilma? Uma opção ética

Sempre em busca de alguma palavra de ordem com jeito de pedra para ser colocada no bodoque, ou de sofismas que pareçam argumentos para vencer discussões sem ter razão, a militância petista está usando as investigações que cercam membros do governo Michel Temer para atacar os defensores do impeachment. É como proclamar empate num jogo de 7 a 1.

Alto lá! Temer errou ao escalar ministros sob investigação? Claro que sim! Podemos nos dar por satisfeitos com a declaração formal de inocência que eles prestaram ao presidente em exercício? Obviamente não. O Presídio Central tem um número muito pequeno de réus confessos. A grande maioria é formada por bandidos que se dizem inocentes injustiçados. Não podemos, no entanto, incorrer na armadilha que a retórica petista, sempre ardilosa, pretende armar.


Como afirmou recente editorial de O Estado de São Paulo, para o PT só o PT é legítimo. Do STF ao TCU, passando pelas duas casas do Congresso Nacional, tudo mais deixou de ser legítimo quando seu governo perdeu a maioria. Boa parte, talvez a maior, da população que saiu às ruas em favor do impeachment não votou na chapa Dilma e Temer. Essa chapa foi uma escolha petista. Entre 2010 e 2015, se não eram exatamente unha e carne, Dilma e Temer não eram água e azeite. Ambos, com seus partidos, PT e PMDB, somaram votos e esforços para terem e manterem o poder. Os 54 milhões de eleitores que Dilma diz serem seus como moeda de cofrinho, somavam sufrágios dos dois maiores partidos brasileiros à época. Os votos estritamente pessoais dos personagens da chapa eram pouco significativos no pleito. Bastaria que o PMDB de um Estado de porte médio mudasse de lado na eleição de 2014 para que a dupla vencedora perdesse a eleição. Ao dizer que os 54 milhões de votos lhe pertencem, Dilma: 1) volta a mentir; 2) pratica um furto eleitoral retórico contra o PMDB e contra Michel Temer; e 3) esquece que já perdeu quase todos esses votos.

Retornando ao primeiro parágrafo. Entre os milhões que se empenharam pelo impeachment nas ruas e praças do Brasil, muitos foram eleitores de Dilma e Temer e outros tantos, não. Os que sempre souberam onde tudo ia parar e os que ficaram sabendo no andar da carroça uniram-se em torno da mesma causa. Ao cabo de 13 anos, o desastre saíra do horizonte previsível e podia ser observado na soleira da porta. Não havia múltiplas escolhas. Era Dilma ou Temer. Desalento consumado ou fio de esperança. Era respeitar a Constituição com o correto processo de impeachment ou transformar o país numa casa de tolerância, terra sem lei de um povo invertebrado.

A escolha entre Dilma e Temer, tornada possível no contexto da ordem jurídica, se enquadra num princípio moral universal, enunciado por Aristóteles em Ética a Nicômaco: "O mal menor, em relação a um mal maior, está situado na categoria de bem. Pois um mal menor é preferível a um mal maior. E aquilo que é preferível sempre é um bem, e quanto o mais preferível este seja, maior bem é". Escolher o bem, desnecessário dizê-lo, é um dever moral. Escolher o mal ou rejeitar o bem por desapreço ou interesse próprio é boa parte do problema que acabou levando a presidente ao impeachment e muitos líderes políticos às barras dos tribunais. Que para lá vão todos quantos tenham feito por merecer.

Percival Puggina

Fora da sombra

Um ex-ministro da presidente afastada Dilma Rousseff, já prevendo os dias difíceis que terá pela frente, mandou espalhar por Brasília que está procurando emprego —"até mesmo na iniciativa privada", acrescentou. O ministro subitamente desempregado não deveria desesperar-se. Apenas juntou-se aos mais de 11 milhões de brasileiros atirados a esta situação pelo governo em que, até outro dia, ele trabalhava.

O notável no seu apelo é a suprema concessão que ele se dispõe a fazer. Depois de 13 anos à sombra do poder, aceitará sujeitar-se a um cargo em que precisará comprovar eficiência, prestar contas a algum burocrata e não disporá de benesses oficiais. Aliás, a falta dessas benesses já começou a se manifestar na quinta-feira última, quando sua exoneração foi publicada no "Diário Oficial".


De repente, as ruas pararam de se abrir ou fechar à sua passagem. Os aviões e helicópteros da FAB já não o esperam na pista com o motor ligado. O carro com motorista foi servir a outro senhor. Não mais cartões corporativos com crédito ilimitado, auxílio-moradia, reforma do apartamento, conserto ou troca de eletroeletrônicos, criadagem de 20 pessoas e conta aberta em supermercados e importadoras de bebidas, tudo à custa do erário. Não mais as diárias em dólar para viagens oficiais ao exterior, reembolso do aluguel de flats cinco estrelas, férias em Fernando de Noronha ou camarotes da Fórmula 1, do Rock in Rio e do Carnaval carioca a convite da Petrobras.

Falando nisso, o que será dos "movimentos sociais"? De onde tirarão o dinheiro para pagar os deslocamentos de seus associados em caminhões, ônibus e aviões para fazer número em manifestações?

Sorte de Dilma, que, pelos próximos meses, continuará dispondo de casa, comida, roupa lavada, salário, plano de saúde, avião e auxílio para manutenção de sua bicicleta.

O Brasil mudou

O Brasil mudou. Dizer isso parece uma ofensa para aqueles que veem no governo Michel Temer o ressurgir vitalizado do velho esquema patrimonialista. Certo, ele ressurgiu, mas não é o mesmo. Houve uma transformação no interregno petista. As elites patrimonialistas viram nascer e crescer um projeto revolucionário que quase levou o Brasil ao desastre econômico e ao esfacelamento político. Não era possível ficar de braços cruzados esperando o apocalipse chegar, que chegaria antes de 2018. Velhos e rancorosos adversários deram-se as mãos para derrubar o PT. O PSDB e o PT, juntos, somaram uma força formidável e dominaram majoritariamente o poder de Estado.

De certa maneira essa aliança representa a retomada da unidade do Brasil, ante o “nós contra eles” do PT, claro que excluído o próprio PT e seus satélites. Esse é sem dúvida um dos principais ganhos que os brasileiros tiveram com a troca de poder. Não dá para matizar também o governo Temer como de direita ou de esquerda. Os termos, de tão usados, desgastaram-se e não expressam adequadamente o que se passa. O que temos é que há um duelo entre realismo e delírio, entre reconhecer as coisas como são ou querer projetar nelas desejos impossíveis. Nesse sentido, o governo Temer é realista, respeita as leis econômicas, os valores da nossa gente e a psicologia dos agentes do mercado. Isso, para os delirantes do PT, é ser “direita”. Por outro lado, O governo Temer manteve os programas ditos sociais, distributivistas, de forma sensata. Ele não poderia parecer aos mais pobres como algoz. Fez o certo. E certamente muitos dos que estão no governo vão continuar o eterno azáfama de ordenhar a máquina estatal. Felizmente, a roubalheira será menor do que na era PT.


Charge O Tempo 16/05/2016
No plano da política externa tivemos o mesmo padrão. José Serra feito chanceler colocou imediatamente os interesses estratégicos do Brasil à frente das alucinações ideológicas do PT. Essa postura trará imediatos resultados no plano comercial, bilateral e multilateral, com as potências comerciais abandonadas e hostilizadas pelo PT. Representa também o fim da insensata transferência de recursos nacionais para países irrelevantes que fazia o PT em nome de sua ideologia. Países como Venezuela, Cuba e Bolívia podem dar adeus a dinheiro que recebiam do Erário, a mando de Lula. Nem se diga que José Serra é de direita, pois de esquerda sempre foi, mas é um patriota que sabe muito bem defender os interesses brasileiros. De novo vemos aqui o triunfo da razão sobre a alucinação ideológica.

No plano interno teremos também mudanças profundas. Nos últimos quatorze anos os que eu chamo de delinquentes sociais tiveram terreno livre para praticar suas barbaridades, paralisando setores e vias públicas, invadindo propriedades privadas e perpetrando todo tipo de balbúrdia “social” com o apoio financeiro e político da Presidência da República, certos da impunidade. Isso agora acabou. A lei valerá para todos. Os homens escalados para conduzir a área jurídica e policial do governo federal são defensores intransigentes da ordem. A festa acabou para os desordeiros, que ou se enquadram nos limites da lei ou sofrerão as consequências.

No plano econômico a mudança não poderia ter sido mais radical. Henrique Meirelles na Fazenda é a garantia de que pirotecnias heterodoxas não serão adotadas, as ações do governo serão previsíveis e sensatas e as leis econômicas serão respeitadas. Aliás, é na economia que vemos a motivação mais forte para a construção da maioria qualificada que decretou o impeachment. Se algo não fosse feito agora teríamos o desastre completo, com a desfazimento do tecido social como estamos a ver na Venezuela.

O patrimonialismo continua, claro, mas repaginado pela maligna experiência que foi o governo no PT, como aliás continuo depois de 1964, depois da igualmente experiência maligna de revolucionários no poder. O que se chama de patrimonialista é a elite que, de uma forma ou de outra, sempre conduziu os destinos do Estado. As inovações que as esquerdas no poder quiseram fazer mostraram-se desastrosas e a elite deu um basta a esses experimentos desastrosos. Sim, o Brasil mudou para que a vida pudesse continuar normal. Os patrimonialistas e seus aliados levaram novamente a razão para conduzir o Estado, substituindo o delírio dos revolucionários petistas.

Governo tem que separar gastos da Previdência e do assistencialismo

A questão da Previdência Social precisa ser discutida de maneira profunda e transparente. Através de cálculos atuariais, o governo deveria esclarecer qual o valor justo da aposentadoria ou pensão de um participante que contribuiu por 25, 30, 35 ou mais anos. Afinal, quantos anos de trabalho seriam necessários, em função do total das contribuições, para usufruir a aposentadoria em cada faixa salarial.

Deve-se levar em conta que o benefício máximo de aposentadoria é privilégio de poucos, até mesmo porque a Previdência tem funcionamento muito semelhante ao sistema de seguros em geral, em que a imensa maioria paga um prêmio sem receber nada por isso, só terá direito mesmo em caso de sinistro, e isso seria um verdadeiro balizamento para as pessoas terem noção de quanto pagam e, portanto, de quais serão os direitos mínimos futuros a serem garantidos.

É muito triste ver a malversação dos recursos arrecadados, promovida por sucessivos governos desde a unificação dos sistemas previdenciários que existiam no país. O fato é que houve muitos trabalhadores que contribuíram sobre 20 salários mínimos e depois foram tungados quando houve o rebaixamento do teto dos benefícios.

Já que não dá para se corrigir os desmandos do passado, urge o que se separe o que é de fato sistema de previdência e o que é apenas assistencialismo, que tem que ser bancado pelo Tesouro e não pelos trabalhadores e contribuintes.

Intolerância política

Os primeiros sintomas de intolerância política são cefaleia, mau humor e baixa nos índices de esperança. Sem que haja um diagnóstico precoce e o devido acompanhamento especializado, pode evoluir para insônias, lombalgias e pugilato (metafórico ou real).

Há três tipos de intolerância política: aquela adquirida por enfermidade, a congênita e a chamada “intolerância da velhice”. As diferenças são as seguintes:

Intolerância política por enfermidade (IPE) – ocorre a partir de uma febre social provocada, geralmente, por ações executivas ou parlamentares (ou ambas) reiteradamente desastrosas.

Intolerância política congênita (IPC) – mal que acomete os raivosos natos, notadamente na idade adulta, quando expostos a páginas de jornal, sites especializados e redes sociais.

Intolerância política da velhice (IPV) – tem intensidade diretamente proporcional à antiguidade da data no título de eleitor. Caracteriza-se por traços de impaciência crescentes.


Este mal combina fatores crônicos e agudos. É crônico na medida em que, depois do primeiro advento de crise, jamais nos livraremos de novas incidências ao atravessar desassossegos republicanos. Torna-se agudo em episódios espaçados – a cada quatro (ou dois) anos, mais ou menos, diante da iminência de votar, e em sazonais rupturas econômico-sociais.

Ninguém no planeta está imune à intolerância política. Porém, os casos desta enfermidade parecem atingir com especial gravidade os países subdesenvolvidos. Isso pode estar ligado às condições sanitárias dos poderes constituídos, ao índice duvidoso de retidão diante das leis e, claro, ao nível de educação cidadã.

O intolerante político faz tanto mal a si próprio quanto aos que estão ao redor. O quadro resulta em perda de produtividade, de amigos, de tempo e de energia. Ironicamente, estão livres das consequências os profissionais da política: uma camada de cinismo parece proteger cada uma de suas células, mesmo que, aparentemente, o político pareça um intolerante. Podemos creditar o fenômeno às imunidades intrínsecas.

A ciência ainda não encontrou cura ou tratamento eficaz. E, por estes dias, estamos todos bem intoxicados. A alienação pura e simples é, muitas vezes, apontada como terapêutica válida. Mas, convenhamos, isso se parece com as lobotomias antigamente indicadas aos loucos da cabeça. Por enquanto eu, muito particularmente, indico chá de camomila. E bom humor.

Rubem Penz