sábado, 7 de janeiro de 2023

Pensamento do Dia

 


É Flórida

E olha que meu nome é Ponce de Leon. Miguel Ponce de Leon de Paiva, descendente direto do pirata espanhol Juan Ponce de Leon , descobridor da Flórida e da Fonte da Juventude na cidade de St. Augustine. Juan morreu ao voltar à Cuba, que também descobriu, na certeza de que ia ser aceito pelos indígenas. Levou uma flechada entre os olhos e isso aproxima a história dele à nossa realidade. Nosso pirata Jair fugiu para a Flórida, mais precisamente para Orlando que na época de Ponce de Leon ainda não existia e também tinha certeza que o povo daqui ia mantê-lo no poder. Não deu certo apesar de toda a roubalheira que ele impôs.


Sua ida para a Flórida reforça a tese que aquele estado americano assumiu a fama que o Brasil tinha há alguns anos de ser o refúgio dos bandidos no mundo porque aqui ninguém ia preso. Se ainda estivéssemos no governo Bolsonaro, talvez isso continuasse. Mas agora foi ele quem teve que fugir. A Flórida, uma bela região caribenha é já há algum tempo o porto seguro dos ricos, aposentados e desalmados do mundo. Os cubanos fugidos de Sierra Maestra foram para a Flórida que fica logo ali a oeste de Cuba. Foram e estabeleceram muito desta característica de terra del leche e miel.

Por outro lado, a Flórida de antigamente também abrigou na cidade de Key West a casa de Ernest Hemingway que costumava pescar por aqueles mares. O escritor fez da pequena cidade ao sul da península um ponto de inteligência e criatividade na região.

Quase só se fala espanhol na Flórida e agora, se fala português em qualquer esquina iluminada pelo sol. Foi na Flórida também que Walt Disney decidiu criar sua segunda terra dos sonhos infantis ao fundar o Walt Disney World, justamente em Orlando onde o Jair está morando emprestado na casa do lutador de MMA José Aldo. Será que eles ficam treinando por lá nas horas vagas?

Mas enfim, segundos fora, a Flórida é mais do que tudo o paraíso dos velhos republicanos aposentados. Foi lá que Bush organizou aquela fraude famosa que o levou ao poder e derrubou o candidato democrata Al Gore que vinha na frente. Lembra muito a contestação de Bolsonaro às urnas eletrônicas e depois aos resultados, lá na Flórida Bush conseguiu. Tanto fez e com o apoio do congresso da época, recontou os votos e levou. A Flórida é isso. Lá, tudo que você planta dá, principalmente notícias falsas, falcatruas econômicas, jogos de influência e conspirações internacionais.

Foi de lá que partiu a fatídica operação da Baia dos Porcos em Cuba em abril de 1961 que fracassou redondamente ao tentar derrubar Fidel Castro. Na Flórida existe uma espécie de governo paralelo de Cuba que chegou ao extremo de organizar a chamada operação Peter Pan que em 1960. Uma série de fake news que ameaçavam os pais cubanos de perderem o pátrio poder sobre seus filhos foram espalhadas pela ilha com a ajuda da igreja católica. Isso causou uma fuga orquestrada de crianças para a Flórida e algumas delas nunca mais reviram seus parentes.

Hoje a Flórida faz jus à sua fama. É o paraíso do condomínios milionários, dos exilados econômicos do mundo todo, dos russos endinheirados e suas mulheres carregadas de joias, dos imensos apartamentos , muitos deles ocupados por famílias brasileiras, terra do Silvio Santos, do José Aldo e tantos outros patriotas que não se sentem representados pelo país que temos. É preciso olhar a Flórida como um estado distante, mas muito próximo sobretudo porque de lá podem partir propósitos escusos. Existe muito dinheiro, muitos cubanos contrarrevolucionários, muitas palmeiras onde não cantam os sabiás e agora a turma do Jair. Eles se merecem.

Se os tubarões fossem homens

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentis com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não morressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.

Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a goela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.

Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.

Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas goelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as goelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as goelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.

Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.
Bertolt Brecht

Lula salvou o Brasil

Lula nos salvou do pior pesadelo, dando vida nova à democracia terrivelmente ameaçada por Jair Bolsonaro. O Brasil deve lhe agradecer por não retroceder aos tempos das trevas.

Lula quer trazer de volta para o orçamento da União os pobres e os miseráveis, só lembrados nos últimos quatro anos durante os poucos meses que antecederam a eleição presidencial. O Brasil deve lhe agradecer por prometer três refeições por dia a mais de 30 milhões de brasileiros que passam fome.

Lula indicou mais mulheres para o Ministério do que Dilma Rousseff, incluiu mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e a comunidade LGBTQIA+ na pauta da política nacional. O Brasil deve lhe agradecer por estancar a agenda retrógrada de seu antecessor e restabelecer a voz de grupos que estavam excluídos do debate desde 2018.

Lula devolveu aos direitos humanos a prioridade que o tema necessita num país tão desigual e violento como o nosso. O Brasil deve lhe agradecer por nomear o incrível advogado e filósofo Sílvio Almeida para tocar uma pauta que antes cabia à inacreditável advogada e pastora Damares Alves.

Lula nomeou Nísia Trindade para o Ministério da Saúde. O Brasil deve lhe agradecer por entregar a pasta mais sensível de seu governo à presidente da Fiocruz, entidade que fabrica vacinas, objeto de desprezo do general Pazuello e de Marcelo Queiroga, últimos dois ocupantes do cargo.

Lula tomou medidas contra fake news. O Brasil deve lhe agradecer por ter vencido a eleição e interrompido um projeto de viés autoritário alavancado por mentiras espalhadas nas redes sociais pelo gabinete do ódio instalado no Palácio do Planalto.

Lula não nomeou generais, fora um veterano segurança de seu primeiro mandato para uma pasta técnica. O Brasil deve lhe agradecer por sepultar passado de triste memória.

Lula recriou a Cultura, tirou pastores da Educação e revalorizou a ciência. O Brasil deve lhe agradecer por restabelecer luz e inteligência na Esplanada dos Ministérios.

Lula assinou decretos para desarmar os brasileiros. O Brasil deve lhe agradecer por salvar vidas e impedir o fluxo de armas para o tráfico e a milícia.

Lula quer salvar a Amazônia, nomeou Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente, revogou decretos que abriam florestas e reservas para madeireiros e garimpeiros. O Brasil e o mundo devem lhe agradecer por trabalhar a favor da preservação da vida no planeta.


De outro lado…

Lula acertou mais do que errou nos primeiros cinco dias de governo, mas o que vira notícia são os erros. Um dos mais visíveis, e para muitos petistas o mais irritante deles, foi a nomeação de Daniela do Waguinho para o Ministério. Bastaram três dias para repórteres descobrirem que a nova ministra teve na campanha o apoio de milicianos cariocas. Ter amigo miliciano era coisa dos graúdos do governo anterior.

Lula não combinou com seus ministros o que era permitido dizer e o que não deveria ser expressado. Achou que todos estavam sintonizados. Enganou-se e teve que mandar o ministro da Casa Civil desmentir o ministro da Previdência, que anunciou uma contrarreforma previdenciária. Teve que fazer o mesmo, por motivos idênticos, com o ministro do Trabalho.

Lula foi obrigado a desautorizar Janja que cogitou barrar a imprensa no jantar da posse no Itamaraty. A primeira dama achou que os jornalistas poderiam constranger convidados, aparentemente ignorando que repórter só constrange quem tem contas a pagar na Justiça. Na posse de Bolsonaro, a imprensa foi varrida de todas as cerimônias. Repetir mesmo que parcialmente medida do antecessor não daria mesmo em boa coisa.

Lula sabe que capital de boa vontade não dura muito. O governo precisa não apenas apresentar resultados em prazo razoável como também mostrar que está encaminhando soluções. Apontar para o lado certo ajuda muito. Não falar bobagem também ajuda. Não tomar iniciativas quem lembrem práticas autoritárias do antecessor ajuda mais ainda.

Lula e somente Lula poderia resgatar o Brasil antes que o país despencasse no precipício aberto por Jair Bolsonaro. Qualquer outro candidato muito provavelmente perderia a eleição para a campanha do ex-presidente, turbinada com bilhões de reais dos cofres públicos e milhões de notícias falsas que invadiram todas as casas brasileiras.

Lula salvou o Brasil, que deve lhe agradecer, mas que também saberá lhe cobrar. Até porque, “um governo não precisa de puxa-sacos nem de tapinhas nas costas”.

O desastre de antecipar 2026

Lula ainda não completou uma semana de mandato, mas as bolsas de apostas para a sucessão presidencial de 2026 estão a todo vapor.

O erro é comum à imprensa e aos integrantes do próprio governo, e, além de ser o caminho certo para fofocas e conchavos que podem inviabilizar a largada da gestão, invariavelmente produzirá análises equivocadas.

Quem escreve coleciona uma série desses equívocos, frutos da tentação de passar a esquadrinhar a eleição seguinte tão logo é anunciado o resultado da última.


Depois de eleger João Doria prefeito de São Paulo em 2016 e na sequência governador do estado, Geraldo Alckmin foi apontado por todos, inclusive por mim, como nome forte para 2018. Teve menos de 5% dos votos válidos.

O próprio Doria, eleito duas vezes em dois anos, responsável por viabilizar a primeira vacina anti-Covid em 2021, era nome dado como certo na cédula de 2022, mas chegou avariado à campanha e bateu em retirada.

Voltando ainda mais no tempo e evocando o passado petista, em 2003, quando Lula subiu a rampa do Planalto, imediatamente se deflagrou uma disputa pelo posto de seu sucessor, entre José Dirceu, então instalado na Casa Civil, e Antonio Palocci, responsável pela Fazenda. Mudança de script: os dois se inviabilizaram por escândalos distintos e não chegaram vivos a 2010; sobrou para Dilma Rousseff, que no bolão dos cotados de sete anos antes não teria sequer um voto.

Um dos primeiros a darem corda para esse tipo de especulação estéril na nova equipe foi o titular da Casa Civil de Lula 3, Rui Costa, em entrevista ao “Roda viva” nesta semana. Depois de orgulhosamente desviar de todas as tentativas de jornalistas de colocá-lo como opositor de colegas de ministério ou candidato a receber a faixa de Lula, ele achou por bem dizer que nada impede que seja o próprio presidente o cabeça de chapa em 2026, a despeito de tudo que ele próprio tem garantido desde que se lançou candidato. Se a ideia era acalmar a disputa entre os ministros, o resultado foi o oposto: catapultar o presidente de volta ao palanque, com Jair Bolsonaro, que nunca desceu, do outro lado.

Lula tem vários defeitos, mas não custa lembrar que, em 2014, ele resistiu aos insistentes apelos do “volta, Lula”. Antes ainda, em 2010, desviou da casca de banana dos que propugnavam que ele tentasse um terceiro mandato. Em suma: nem tentou ser um autocrata com ares de democrata, nem puxou o tapete de Dilma Rousseff, sua criatura, mesmo quando petistas queriam vê-la pelas costas.

Tentar adivinhar em janeiro de 2023 quem será competitivo em 2026 é burrice política e falta de acuidade jornalística. Instados a opinar demais — além de nos espaços de trabalho, também nas redes sociais —, nós, jornalistas, não podemos repetir essa esparrela depois de termos apostado que Jair Bolsonaro encontraria um teto e ficaria pelo caminho em 2018. Sabemos qual foi o desfecho.

É importante escrutinar o novíssimo governo com as lentes de hoje (e do que ele resgata de ontem), sob pena de turvar a análise com a tentativa de adivinhar o grid eleitoral de 2026.

Bolsonaro estará elegível? Se estiver e for competitivo como hoje, haverá algum candidato que não seja Lula capaz de enfrentá-lo com alguma chance? Todas essas e mais muitas são questões de longo prazo a que só o dia a dia do governo que entra poderá responder.

Se repetir escândalos e desastre econômico, Lula não só se inviabilizará, como queimará qualquer um dos aliados de hoje listados como candidatos daqui a três anos e alguns meses. Cabe a ele, portanto, construir o caminho da própria sucessão. E a nós e a seus assessores, o bom senso de não enveredar pela predição supersticiosa no lugar da análise de dados, fatos e evidências.